Fisiologia de Sistemas II Módulo 10 - 14 de Maio de 2003 Fisiologia do tubo digestivo Vamos falar hoje sobre alguns aspectos da fisiologia do tubo digestivo, nomeadamente em 2 das suas 3 vertentes. Como vocês sabem o tubo digestivo serve para conseguirmos captar para o nosso organismo todos os nutrientes, ou seja é a partir da nossa alimentação que nós conseguimos ir fazendo subsistir o nosso organismo no nosso dia-a-dia através dos seus constituintes principais. Para que isso aconteça do que é que nós precisamos? Precisamos obviamente dos nutrientes, da água dos electrólitos, e depois como é que o tubo digestivo vai processar esta questão? Eu diria que de 3 maneiras fundamentais, vocês pensem, nós temos de ter o nosso bolo alimentar que digerimos, esse bolo alimentar vai progredir ao longo do tubo digestivo de modo a que possa ser absorvido, o que quer dizer que em 1º lugar vamos ter que conseguir que o bolo alimentar inicie o seu trajecto na boca e acabe o seu trajecto no recto. Para isso há o 1º constituinte fundamental do tubo digestivo que nós vamos ver, que é a parte da motilidade, ou seja, é a função motora do tubo digestivo. A função motora do tubo digestivo serve precisamente para que o bolo alimentar vá progredindo ao longo do tubo digestivo, e vocês vão ver que vai progredir a uma velocidade que está de acordo com aquilo que cada parte do tubo digestivo faz, se há uma parte em que nós queremos que haja uma absorção lenta dos alimentos tem também que haver uma motilidade lenta dos alimentos, ou seja os alimentos têm de progredir devagarinho para que se dê a absorção lenta. Por conseguinte a 1ª parte fisiológica importante: Motilidade do tubo disgestivo. A 2ª parte fundamental são os enzimas digestivos, ou seja são as secreções digestivas. As secreções são múltiplas, iremos falar de algumas mas o que elas fazem de grosso modo é degradar os alimentos que nós ingerimos de modo a que eles sejam fraccionados até uma porção tão pequena que possam ser absorvidos. A 3ª parte é a absorção propriamente dita, ou seja, os alimentos a partir do momento em que estão já todos degradados, que estão todos divididos nos seus constituintes mais pequenos, já podem ser absorvidos. O exemplo que costumo dar é: quando nos alimentamos, o alimento é como se fosse uma peça de lego que esteja montada, uma casa, um automóvel, nós vamos ter que ao longo do tubo digestivo ir desmontando essa peça, esse automóvel de lego, de modo a ter no fim dessa destruição as peças individuais do lego, porque só as peças individuais do lego é que são absorvidas no tubo digestivo. Por isso, isto ainda é como podem ver um longo caminho. Estrutura do tubo digestivo Começando pela parte motora, esta é a parte que em termos fisiológicos é das mais interessantes. Na parte motora chamo-vos a atenção para o modo como está constituído o tubo digestivo. Isto é um corte em que se pretende observar as várias camadas do tubo digestivo, imaginemos que isto é um corte do intestino delgado em que aqui o fundamental para o que eu vos quero chamar a atenção é o seguinte: isto é o lúmen, é a parte de dentro do intestino delgado, é por aqui que passam os alimentos; depois temos a zona da mucosa, é o revestimento interior do tubo digestivo, que tem um aspecto razoavelmente parecido com a mucosa das vossas bocas mas com mais pregas; depois temos o que nós chamamos a submucosa, entre a mucosa e a submucosa há esta camadinha muscular que se chama muscularis mucosae que é uma camada muscular fina, que é responsável, pelo aspecto pregueado que tem a mucosa, ou seja, quando nós olhamos para um intestino de uma pessoa viva, numa operação, num intestino aberto vemos o intestino sempre todo com muitas pregas, essas pregas têm a haver com a contracção desta camada muscular. Depois temos então a submucosa, que como diz o nome está debaixo da mucosa e na submucosa existem fundamentalmente as grandes glândulas que depois vão desaguar para a mucosa e para o lúmen, existem os grandes vasos, para onde a maior parte das coisas que passam a mucosa são absorvidas. E depois temos uma camada muscular externa, que no tubo digestivo por regra é larga, que é composta por duas camadas, uma camada circular e uma camada longitudinal, ou seja, temos uma camada em que as fibras estão dispostas assim à volta circularmente e outra em que as fibras estão dispostas ao alto. Esta parte vai ser a parte fundamental para que haja a contracção para que o bolo alimentar vá percorrendo, como já vamos ver por exemplo no esófago. Sistema Nervoso Entérico Depois temos o chamado, sistema nervoso entérico (SNE). O intestino tem uma autonomia nervosa. Isto quer dizer o quê? Isto quer dizer que o nosso sistema nervoso central (SNC) e o nosso sistema nervoso autónomo (SNA), já para não falar do sistema simpático e parassimpático, assim como controlam o coração, controlam também o intestino, mas além do mais o tubo digestivo tem um sistema nervoso próprio, ou seja, um sistema nervoso particular, o sistema nervoso entérico. Esse SNE, consegue controlar grande parte das funções sem ajuda de mais nada, sem ajuda do nosso cérebro, sem ajuda do SNA, ou seja, é o sistema nervoso privado do intestino. Tem vários detectores desse sistema nervoso, uns da submucosa, que é o chamado plexo submucoso e outro que é um plexo mientérico, mientérico vem de músculo, que fica no meio do músculo. E basicamente, isto é bastante mais complexo do que isto, para que percebam o mecanismo geral, sempre que o intestino distende por exemplo com um bife que vocês comeram, a parede distende e vai estimular este plexo submucoso que tem um detector de distensão que é avisado, vai conduzir o estimulo para o SNC e deste vai novamente para o SNE, neste caso mientérico, e vai dar uma ordem para que o músculo se contraia para conseguir expulsar para a frente o bolo alimentar. Quer dizer, o plexo submucoso detecta que alguma coisa está a distender o intestino e dá uma ordem ao plexo mientérico que está também no músculo para que se contraia e consiga fazer progredir o bolo alimentar. Motilidade do tubo digestivo: Boca Quando nós pensamos na parte da motilidade, ou seja, da progressão motora do bolo alimentar, vamos começar pelo início, pela boca. Ia rapidamente chamar-vos a atenção das funções que tem a mastigação e que são, enfim funções de certo modo lógicas que vocês de certo modo já sabem. A primeira parte é o fraccionamento dos alimentos, se nós queremos que os alimentos fiquem cada vez mais pequenos, fraccionados, vamos começar esse fraccionamento precisamente na boca. Essa é uma parte muito importante que vai transformar os alimentos logo em pedaços mais pequenos. Esse fraccionamento é importante porque há alimentos que estão cobertos com uma camada que não é digerível, vou-vos dar um exemplo: existem determinados frutos e determinados legumes que têm uma camada de celulose. A celulose não é degradada pelos enzimas digestivos, o que quer dizer que a mastigação vai ser necessária para quebrar a camada da celulose e afastá-la, para que depois os enzimas digestivos possam actuar. A lubrificação dos alimentos é um ponto fundamental. É na boca, com a mastigação, que essa lubrificação se faz com a saliva e é fundamental porque em pessoas que não têm qualquer tipo de saliva, os alimentos custam mais a descer pelo esófago e provocam pequeninas feridas esofágicas. Finalmente é já na boca que se dá a 1ª digestão com um enzima chamado α-amilase, que é responsável pela degradação do amido. O amido é um açúcar que temos por exemplo no pão, nas massas. O exemplo típico para vocês perceberem isso é pegarem num bocadinho de pão e porém na boca, começam a mastigar devagarinho, deixam-no estar algum tempo na boca e começam a sentir um sabor adocicado no pão que de início não se teriam apercebido. Esse sabor adocicado do pão tem a haver com a degradação do amido em glicose, que é provocado precisamente pela α-amilase e é essa glicose que tem o sabor de açúcar que vocês sentem na boca. Faringe A partir do momento que o alimento está na boca há que degluti-lo, enfim é um termo que vocês já conhecem, ou seja, engoli-lo. Temos 3 fases na deglutição: 1- A primeira fase é uma fase voluntária que depende de certo modo da vossa vontade que tem a haver com o facto de quando se acaba de mastigar o bolo alimentar, a língua empurra o bolo alimentar para trás em direcção à faringe de modo a que depois possa ser engolido, é chamada fase oral. 2 - Depois temos a fase mais interessante que é a fase faríngea. Na fase faríngea o bolo alimentar está na faringe, o que as pessoas costumam chamar de garganta, e o que é que ocorre? A faringe contrai-se violentamente para empurrar o bolo alimentar para baixo em direcção ao esófago, mas ao mesmo tempo tem de precaver que o bolo alimentar não vá para onde não deve. Quando nesta fase a faringe se contrai para enviar para baixo o bolo alimentar, ao mesmo tempo acontece o seguinte: o orifício posterior das fossas nasais, que como vocês sabem vai ter precisamente à garganta, fica tapado, para que os alimentos líquidos não saiam pelo nariz. Toda a gente já viu esta cena: quando a pessoa está a comer ou a beber líquidos e de repente a meio da deglutição começa-se a rir, e há sempre o perigo do vizinho da frente apanhar com o arroz em cima, ou com o liquido, ou seja da pessoa engasgar-se porque este mecanismo deixa de funcionar, deixa de haver oclusão das fossas nasais e sai liquido pelo nariz. 1ª protecção - fecha a parte posterior das fossas nasais. 2ª protecção, mais importante do que esta – as cordas vocais encostam, fecham completamente e a epiglote, que é uma membrana que se encontra à entrada da laringe, também tapa o orifício da laringe de modo a que o alimento vá para o esófago e não para a laringe. Como vocês sabem a nível da faringe temos 2 canos para escolher: ou se escolhe o cano do esófago para o estômago ou o cano da laringe para as traqueias e posteriormente pulmões. Quando mais uma vez vocês se engasgam e começam a tossir com um bocadinho de falta de ar, é precisamente este mecanismo de oclusão da laringe que não funcionou, e foram alimentos, foi líquido para a laringe que provocam o estímulo de expulsão. Por conseguinte esta parte da protecção das vias nasais e respiratórias é importante. Se isto não funcionar bem não só vocês se engasgam como também provoca infecções. Por exemplo com os velhotes isso acontece com alguma frequência, podem ter pneumonias, infecções respiratórias graves porque pequenas quantidades de comida que vão a parte respiratória podem provocar pequenas infecções sérias. Um caso clássico são os alcoólicos graves, que adormecem em coma alcoólico e morrem sufocados porque há uma regurgitação dos líquidos do estômago para os pulmões e essa parte de fecho das vias aéreas não funciona como devia. 3 - Se vocês repararem a seguir dá-se a fase esofágica da deglutição e reparem que é uma boa ocasião para perceber o que é que se passa. Quando nós comemos, o bolo alimentar entra aqui no esófago e vem até aqui abaixo ao estômago. É talvez a única parte do tubo digestivo em que convém que isto seja feito o mais depressa possível porque no esófago não se dá qualquer tipo de digestão nem de absorção. O que quer dizer que o esófago funciona meramente como um tubo, digamos assim, e convém que a comida entre e saia o mais rapidamente possível. Por conseguinte e ao contrário do que as pessoas pensam, esta passagem daqui aqui (inicio do esófago ao final do mesmo) não depende da força da gravidade. A gravidade ajuda obviamente, mas se vocês fizerem a experiência de beberem a fazer o pino não se vão engasgar por regra e conseguem engolir perfeitamente porque este mecanismo funciona independentemente da posição em que o corpo se encontra, ou seja os alimentos não caiem, os alimentos são empurrado pelo esófago até abaixo. E são empurrados como? Reparem, existem aqui duas questões importantes que são o esfíncter esofágico superior e o esfíncter esofágico inferior. O esfíncter, como vocês sabem é um anel muscular que por regra está fechado e abre quando é necessário para garantir a passagem dos alimentos e fecha quando eles passam. É fácil perceber aqui, que este esfíncter é importante pelo exemplo que vos dei à bocadinho. Reparem, se o estômago está cheio e se este esfíncter estiver aberto é fácil a passagem de líquido para a laringe, para os pulmões e por conseguinte isto são válvulas motoras de segurança. Do mesmo modo quando nós respiramos o esfíncter está fechado precisamente para que o ar não vá para o estômago. Por conseguinte o bolo alimentar chega aqui e o esfíncter superior abre e deixa passar o bolo para o lúmen do esófago. Vai haver uma onda peristáltica que vai empurrar o bolo alimentar até cá abaixo. O exemplo que costumo dar é o da pasta de dentes. Se vocês querem que a pasta de dentes saia vocês empurram-na (começam por baixo) de modo a que a pasta vá à frente dos vossos dedos. Aqui é precisamente o mesmo, há uma onda de contracção que empurra o bolo alimentar até aqui a baixo. Portanto percorre todo o esófago, e quando chega aqui abaixo o esfíncter esofágico inferior vai abrir para deixar passar o bolo alimentar. Mais uma vez este esfíncter esofágico inferior é muito importante, porque vai ser o elemento protector do esófago, já vos explico porquê. Aqui está só uma imagem de um raio x do esófago tirada em 3 fases distintas com poucos segundos de diferença em que nós podemos ver neste raio x em que se pediu a uma pessoa para engolir e reparem começa aqui a haver uma contracção no esófago, esta contracção torna-se mais violenta e vai progredindo até aqui a baixo. Reparem que esta zona já está contraída e esta ainda não está, ou seja é uma onda que vai empurrando tudo à frente até ao estômago. Eu disse-vos que o esfíncter esófagico inferior era muito importante porque o estômago está cheio de agentes com resíduos agressivos, nomeadamente ácido. O estômago tem um sistema de preparação que permite resistir bem ao ácido. Mas o esófago não, o esófago é um órgão com uma mucosa, com um revestimento interior relativamente sensível. O quer dizer que entre os mecanismos de protecção há um que é muito importante que é o esfíncter esofágico inferior, ou seja, este anel inferior abre quando o alimento passa e fecha imediatamente para que não haja o que se chama refluxo gastro-esofágico. É um termo que se utiliza quando passa ácido do estômago para o esófago. É uma situação frequente, provavelmente 10% a 15% das pessoas que estão aqui tem refluxo gastro-esofágico, que mais tarde ou mais cedo na vossa vida se vai manifestar, nomeadamente aquilo a que se chama uma esofagite. Tem a haver muitas vezes com o facto de haver ou produção de ácido a mais, ou este esfíncter esófagico inferior não funcionar como devia. Este esfíncter esofágico inferior depende de muitas coisas: da alimentação, existem vários agentes alimentares que diminuem a pressão no esfíncter esofágico inferior, nomeadamente o álcool, nós sabemos que uma ingestão com excesso de álcool provoca facilmente refluxo porque há uma diminuição do esfíncter esofágico inferior, a alimentação com muitas gorduras que também diminuem a pressão no esfíncter esofágico inferior e comida muito condimentada com especiarias que também provoca frequentemente a passagem do ácido para o esófago, porque o esfíncter funciona mal. Chamo também a atenção, só para vocês terem uma noção da quantidade de situações que fazem com que esse esfíncter funcione mal, existem muitas substâncias químicas nomeadamente medicamentos que diminuem a pressão desse mesmo esfíncter esofágico inferior (EEI). No tabaco, a nicotina diminui a pressão no EEI, o café também. Os calmantes que são frequentes na nossa população como o Valium por exemplo; os anticoncepcionais, a pílula feminina é outro medicamento que provoca frequentemente uma diminuição da pressão do EEI. Quando nós fazemos uma endoscopia, enfim vamos ver a boca, o esófago o estômago o duodeno, podemos observar estas inflamações. Aqui como podem ver, na passagem do esófago para o estômago, há nesta parte terminal do esófago uma inflamação marcadíssima, esta zona aqui a vermelho não devia estar aqui, ou seja, é uma esofagite grave num doente que tem um refluxo gastro-esofágico “importante”. Estômago O nosso bolo alimentar já está no estômago. Quais são as funções motoras principais do estômago? A 1ª como é lógico é a função de armazenamento dos alimentos, ou seja, quando o bolo alimentar chega ao estômago existe um reflexo, que se chama reflexo de relaxamento receptivo, que como diz o nome faz com que o estômago se distenda, se dilate de modo a receber os alimentos. E essa distensão é bastante eficaz tendo em conta que em situações anormais conseguimos dilatar o nosso estômago ao ponto de receber cerca de 2000 cm 3 de alimento, ou seja, se vocês beberem 2 litros de liquido seguidos, este liquido é armazenado dentro do estômago através deste relaxamento receptivo. E por conseguinte a 1ª é lógica, é o local de armazenamento dos alimentos que vocês estão a comer. Depois, aqui continua a dar-se a tal fragmentação dos alimentos que é fundamental. O nosso estômago está sempre a contrair-se em média 3 a 4 vezes por minuto, de modo que estas contracções lentas são mais um factor para que o bolo alimentar se vá fraccionando. Depois uma função de mistura dos alimentos. Como vocês vão ver lá mais à frente no estômago dão-se já partes importantes da digestão através, por exemplo, do ácido clorídrico e essas secreções gástricas têm de ser misturadas com os alimentos para serem eficazes e por conseguinte esta movimentação constante que o nosso estômago tem vai permitindo a mistura do bolo alimentar com as secreções gástricas. É um sistema de mistura permanente do bolo alimentar com as secreções gástricas. Finalmente o esvaziamento gástrico. Quando nós comemos, o bolo alimentar, dependendo daquilo que nós comemos, há coisas que são mais leves e coisas que são mais pesadas, vai estar no estômago quase sempre no mínimo de 1:30 a 3:00 horas. Por conseguinte quando o nosso estômago através de receptores vários se apercebe que já esta na altura de se poder esvaziar, vai-se contrair de um modo mais violento principalmente a parte final do estômago que se chama antro-gástrico, que é a parte mais muscular, de modo a passar o bolo alimentar para o duodeno. Existe mais uma vez uma válvula de passagem entre o estômago e o duodeno que é o piloro, que é um orifício com uma grande camada muscular e quando já está na altura do bolo alimentar passar para o duodeno, dá-se não só esta contracção forte do estômago como a abertura do piloro de modo a que possa passar o alimento. O problema que isto tem, é que isto é um equilíbrio muito bem regulado mas apesar de tudo instável porque podem ocorrer acidentes. Existe um controlo entre o estômago e o duodeno de modo a que as coisas não sejam esvaziadas nem depressa de mais, nem devagar de mais, porque se o estômago se esvaziar depressa de mais para o duodeno pode provocar, vocês já vão perceber, lesões no duodeno se por outro lado estiver demasiado tempo no estômago não só não serve para nada, como pode provocar lesões a nível gástrico. A nível do duodeno existem receptores do pH, porque o estômago está protegido contra o ácido e não é atingido por este, mas o duodeno já é sensível ácido. Ácido em pequenas quantidades tudo bem, existem pequenos mecanismos de correcção, mas ácido em grandes quantidades é complicado. Por conseguinte tem de haver cuidado para que não haja ácido a mais no duodeno. A nível do duodeno, logo a seguir ao estômago, existem receptores de pH. Sempre que o pH desce abaixo do limite de perigo, “toca uma campainha de perigo”, (esse limite de perigo é um pH abaixo de 3,5), e há aumento de uma secreção do duodeno que se chama secretina. A secretina vai inibir o esvaziamento gástrico, ou seja o duodeno está a avisar: atenção que o estômago está a atirar demasiado ácido para cima de nós, isso tem de vir mais devagarinho para nós conseguirmos tratar esse ácido; e por conseguinte vamos diminuir o esvaziamento do estômago. Vai também dar uma ordem ao estômago para inibir a secreção ácida deste, ou seja diz: o estômago já segregou ácido a mais, já não é preciso mais; por conseguinte vai diminuir a secreção de ácido mo estômago. Por outro lado vai aumentar a motilidade do duodeno, ou seja, o duodeno começa-se a contrair mais depressa para se livrar do ácido o mais depressa possível, que está a incomodálo, está a queimá-lo. E vai aumentar a secreção pancreática, o pâncreas tem uma secreção alcalina que vai precisamente desaguar a nível do duodeno e por conseguinte, sempre que é necessária secreção alcalina, vai ser segregada em grande quantidade para neutralizar o ácido que vem do estômago. Isto são mecanismos de defesa, de modo a que o duodeno se proteja do ácido que está a vir do estômago em quantidade excessiva. O reflexo emético – Vómito Vamos interromper agora a progressão normal do alimento para falar num mecanismo que também é fisiológico mas que é o inverso daquilo que estamos a falar. Estamos a falar da progressão do bolo alimentar que normalmente queremos que entre pela boca, vá progredindo pelo tubo digestivo e que tudo o que não seja absorvido saia pelas de fezes. Mas há situações em que isto é revertido, como em situações de vómito. O vómito é uma defesa fisiológica a uma patologia, a uma doença, e para que o vómito se dê, temos 1º de ter a estimulação dos receptores eméticos. São receptores que existem em múltiplos localizações no nosso organismo que vão detectar que alguma coisa está mal, e vão desencadear os mecanismos do vómito. Os receptores clássicos, são os receptores gástricos e duodenais, ou seja é do senso comum e é fácil entender que uma pessoa que coma por exemplo um alimento que está infectado (estragado) vai ter aquilo a que as pessoas chamam, uma gastroenterite, vai começar a vomitar precisamente porque os receptores que nós tínhamos a nível gástrico e duodenais detectaram que o alimento estava estragado e por conseguinte tentam expulsar esse mesmo alimento. Temos quimio-receptores do vómito a nível cerebral que são responsáveis por exemplo pelos vómitos das grávidas, pelos vómitos incoercíveis, frequentes, chatos, que as mulheres têm quando estão grávidas principalmente no 1º trimestre da gravidez, enfim é um mecanismo razoavelmente complexo, depende também de determinado tipo de alimentos e determinado tipo de medicamentos que provocam vómitos por activação dos quimio-receptores cerebrais. Os receptores labirínticos, que se encontram no ouvido médio e são responsáveis pelas pessoas ficarem, agoniadas e a vomitar em situações de movimento, é a pessoa que vomita a andar de automóvel, que vomita a andar de barco, que vomita a andar de avião porque há uma estimulação destes receptores labirínticos. Os receptores na oro-farínge que são aqueles mais conhecidos, que é a pessoa ter vontade de vomitar, mete os dedos na garganta e toca na oro-farínge, desencadeando o movimento do vómito. Os receptores dos órgãos ocos. Todos os nossos órgãos ocos têm, receptores eméticos de protecção. Por exemplo uma situação, há uma pessoa que tem uma cólica renal, há uma pedrinha que sai do rim e fica encravada no uréter. A pessoa tem uma dor, que é a dor de uma distensão local de uma pedra que está encravada no uréter e começa simplesmente a vomitar. Isso muitas vezes induz médicos em erro, que por inexperiência acham que porque é dor abdominal com vómitos, que tem a haver com o tubo digestivo e não tem. Tem a haver com o uréter, porque a distensão dos ureteres (órgão oco), desencadeia vómito e desencadeia vómito até por mecanismo de defesa, porque qualquer situação de agressão, ou seja, em qualquer situação em que o vosso organismo está em perigo, existe uma tentativa de paragem da digestão. A digestão implica gastos de energia, implica gastos de sangue pois o tubo digestivo é muito vascularizado quando vocês estão a comer e há um grande desvio de sangue para o abdómen, para o tubo digestivo, para que todos estes mecanismos motores, de secreção e absorção se dêem, e por conseguinte esse sangue é necessário se estivermos numa situação de perigo ou outras situações e é frequente parar a digestão precisamente para que esse sangue seja desviado para o que é necessário. É por isso também que, por exemplo, se vocês estiverem a comer uma refeição em que a pessoa come desalmadamente, a pessoa tem tendência depois a dormir uma sesta, porque o sangue está a ser desviado para o tubo digestivo e como está a ir nesse sentido há menos sangue a ir para o cérebro. O cérebro está a ser menos irrigado, a pessoa tem mais sonolência, até porque é uma protecção do cérebro e do nosso organismo. Ao termos mais sonolência estamos mais quietinhos, podemos até adormecer e não temos a ideia de nos pormos com grandes esforços físicos, porque se comermos uma grande refeição e ao mesmo tempo quisermos ir correr uma maratona, alguma coisa vai correr mal. Precisamos de muito sangue no tubo digestivo, mas depois também precisamos de muito sangue no coração, nos pulmões, nos músculos e é por isso que as duas coisas não são possíveis. Por isso é que as pessoas que fazem grande esforço a seguir à refeição, depois vomitam, ficam maldispostas. As pessoas dizem que tiveram uma paragem de digestão precisamente porque as duas coisas são incompatíveis. No vómito acontece o mecanismo oposto aquele que nós vimos, ou seja o estômago contrai-se violentamente com o piloro fechado e o alimento em vez de descer para o duodeno vem para cima. O próprio esófago abre o esfíncter esofágico inferior, contrai-se para expulsar o alimento para cima, em cima o esfíncter esofágico superior também abre para deixar passar o alimento. É como se nós tivéssemos uma cassete que normalmente anda para à frente mas desta vez, a andar para trás, precisamente para que os alimentos saíam em vez de continuarem a progredir. Neste momento ocorre aquele mecanismo de defesa que eu vos falei que é: há uma oclusão das fossas nasais, da tal “porta” posterior das fossas nasais e há uma oclusão da entrada para a via respiratória precisamente para a pessoa não se engasgar com o vómito. Em casos mais uma vez por exemplo de alcoólicos, velhos, acontece às vezes que este mecanismo de oclusão não funciona bem e a pessoa quando vomita, principalmente quando está deitada, inspira o vómito. É por isso que se nós virmos um doente em coma, põe-se o doente logo numa posição de lado, para se o doente vomitar a possibilidade de aspirar o vómito é menor. Há casos em que os vómitos são tão frequentes como por exemplo no caso das grávidas, no caso dos alcoólicos, que podem mesmo provocar pequenas roturas a nível do esófago. Havia um doente que tinha uma rotura no esófago porque vomitava tantas vezes que ficou com uma laceração e sangrou a nível do esófago, ou seja, os vómitos às vezes se forem seguidos, podem ser tão violentos que provocam lesões esofágicas. Um caso de um doente que eu vi na urgência que andava há um ano ou dois com vómitos muitos frequentes, era um doente que recusava qualquer tipo de exame até que entrou com uma hemorragia provocada por estes vómitos, tinha isto (chaves de fendas + dois tubinhos de ferro + uma lanterna em forma de caneta) dentro do estômago, ou seja, era um doente de foro psiquiátrico, que andava a ser seguido por médicos de família há muito tempo mas recusava qualquer tipo de exames ao estômago, até que quando eu lhe fiz esta endoscopia, soubemos que ele tinha todo este arsenal dentro do estômago. Depois teve de ser obviamente retirado por cirurgia, era um doente que se divertia a engolir objectos e muitos deles não estariam já dentro do estômago como é óbvio. Intestino delgado Bem, o nosso bolo alimentar já passou o estômago, está novamente na sua evolução normal para o intestino delgado, que tem uma forma de motilidade muito típica a que nós chamamos segmentação. Eu chamo a atenção que há uma adaptação, mais uma vez, entre a parte motora e a parte funcional. O intestino delgado como sabem é a parte do intestino mais longa, 6 a 8 metros é a média e é ao longo de todo o intestino delgado que ocorre a absorção, ou seja a maior parte da absorção dos alimentos dá-se ao longo desta porção do tubo digestivo. E por conseguinte se eu vos disse que no esófago o bolo alimentar deve passar o mais rápido possível porque não há lá absorção nenhuma nem digestão e por conseguinte não estamos interessados em que demore mais tempo do que os 5,7,8 segundos que demora, ao contrário no intestino delgado o bolo alimentar pode demorar 4,5,6 horas em circunstâncias normais, primeiro porque é muito comprido e depois porque nós estamos precisamente interessados em que essa progressão se dê devagar para que haja tempo para a digestão e para a absorção e é por isso que o intestino delgado tem esta forma de contracção curiosa. Para a mesma porção do tubo digestivo, para o mesmo corte numas alturas há zonas que estão distendidas e há zonas que estão contraídas, mas a mesma zona que está contraída passado uns segundos está distendida e passado uns segundo torna novamente a contrair, ou seja, o tubo digestivo delgado, na fase alimentar fica que como dividido, em salsichas, porque esta contracção que é lenta, vai fazer com que o bolo alimentar seja revolvido, seja triturado, seja misturado com as secreções tudo isto de um modo lento. Como no inicio do duodeno estes movimentos são mais fortes do que no fim, estes movimentos vão fazendo com que o bolo alimentar vá progredindo daqui (parte anterior), para aqui (parte posterior), porque esta zona como é mais activa vai fazer não só com que o bolo alimentar seja triturado, misturado, como também vá progredindo aos poucos e poucos ao longo do seu comprimento. A outra movimentação típica do delgado é esta que está aqui, é este aspecto pregueado que eu vos disse que o intestino delgado tem normalmente. Como podem ver tudo isto são pregazinhas, por exemplo, quando vemos o tubo digestivo numa autópsia, isto não está assim, está liso, precisamente porque é a tal camada muscular (muscular mucosae) que está sempre a contrair de modo a que o tubo esteja pregueado, aumentado a superfície de absorção. Já agora a nível microscópico também temos movimentos. Isto são as vilosidades intestinais, vistas em microscospia electrónica, ou seja, o nosso tubo digestivo não é liso tem zonas mais saídas, para onde são absorvidos os nutrientes. Estas zonas estão sempre a contrair-se para mandarem os nutrientes para os vasos, nomeadamente os vasos linfáticos. Reparem que esta vilosidade está contraída enquanto esta outra está direita. Ou seja, isto é como se fosse um processo de ordenha das tetas da vaca, reparem dá-se a absorção e a vilosidade fica com gordura, e a maneira de mandar esta gordura para os vasos é isto apertar de modo a aumentar a pressão na ponta da vilosidade, implicando a ida para os vasos dessa mesma gordura que tinha acabado de ser absorvida. Já agora chamava-vos a atenção para um aspecto curioso e relativamente recente, que é o chamado complexo mioelétrico migratório. Antigamente havia a ideia que o nosso intestino só se movia quando nós tínhamos comido, ou seja, o intestino delgado estava cheio e moviase para se dar, a digestão e a absorção. Sabemos agora que isso não é verdade. Se vocês estiverem, 24 horas sem comer, em jejum o vosso tubo digestivo, nomeadamente o delgado, dá-lhe assim umas “loucuras” e ele começa-se a mexer, violentamente. Nós em jejum temos, permanentemente e ciclicamente, uma fase longa em que o tubo digestivo está a mover-se muito pouco, isto é, são zonas eléctricas. Depois há uma fase em que isto começa a contrair-se, e há uma fase que dura pouco tempo, 3 a 10 minutos, que é chamada fase três, em que há contracções muito fortes e agressivas do tubo do delgado que depois acalma novamente isto completamente em jejum. Qual é a razão de ser disto? Isto tem a haver com um mecanismo de limpeza, os ingleses chamam a house-keeper, a governanta. O que se passa é que havia sempre o perigo de no intervalo das refeições ficarem resíduos alimentares que com o tempo pudessem provocar infecções graves a nível do tubo digestivo, e por conseguinte isto é um mecanismo de limpeza, de modo a que resíduos que tenham ficado para trás possam ser reencaminhados para o cólon, para as fezes. Dai isto ser um mecanismo que ocorre sempre periodicamente, mesmo quando a pessoa está em jejum. Cólon O nosso bolo alimentar já está no cólon. No cólon existe também uma motilidade muito típica. Isto é um exame que se chama o clister opaco, ou seja, injecta-se um bocadinho de contraste através do recto e depois faz-se a radiografia. Podemos ver que o cólon está permanentemente contraído, chamam-se as austeras, estão a ver, tudo isto são contracções permanentes, o cólon está sempre permanentemente a contrair-se, mais uma vez a revolver lentamente as fezes de modo a que haja a absorção final de água a nível das destas. Reparem que quando nós fazemos uma colonóscopia com um tubinho, neste caso pelo recto e vemos todo o cólon, vemo-lo permanentemente contraído. Se este mecanismo estiver exagerado, isto pode dar dor, pode dar obstipação, enfim não vamos entrar nessa discussão clínica, mas isto é um cólon muito típico do que se chama um cólon irritado ou colite espástica, ou aquilo a que as pessoas gostam muito de chamar, colite nervosa. O cólon irritável ocorre pelo menos em 20% da nossa população ocidental, é responsável enfim por um grande número de queixas como eu costumo dizer não mata mas molhe. Atinge mais uns do que outros, atinge mais o sexo feminino que o masculino de qualquer maneira é muito frequente e tem a haver com o exagero desta parte muscular motora do cólon. O cólon, para além desta movimentação de que nós falámos em que há uma certa contracção permanente, chega uma altura que em entende que está na altura de realizar a dejecção, a evacuação. Ai, a pessoa vai ter o que se chama, movimentos em massa no cólon. Duas a três vezes por dia, isso é mais típico de manhã, dá-se uma contracção forte do cólon direito (movimento em massa), que vai empurrar as fezes ao longo de todo o cólon até ao cólon rectal, e vai ser nessa altura que a pessoa tem vontade de evacuar. E por conseguinte, isto tem uma variação circadiana, ou seja, dá-se apenas em diferentes fases do dia, e é muito controlada por este reflexo gastro-cólico. O quer dizer o quê? Quer dizer que quando a pessoa tem o estômago distendido, acaba Cólon(!); localização daestímulo sigmóideia uma refeição, há um paraeoaparência cólon a dizer:”ok podes mover-te de modo a que as fezes das austeras saíam”. Por isso é que muitas vezes as pessoas dizem que: “ah! Acabei de comer fui logo para a casa de banho”. Como é lógico a pessoa não foi evacuar porque acabou de comer, mas é este reflexo gastro-cólico que faz com que o cólon se vá já esvaziando para umas horas depois dar lugar aos alimentos que vêm a caminho, digamos assim. Depois quando as fezes estão prontas para serem evacuadas dá-se a dejecção. Temos aqui uma imagem do recto, os alimentos vêem da sigmóideia, e preenchem o recto. O recto está preenchido, e vão haver mais uma vez receptores de superfície que vão sentir a distensão do recto e que vão dar ordens para a expulsão das fezes. Temos no entanto um mecanismo de defesa que por regra funciona bem, que se prende com o facto de a este nível ainda termos dois esfíncteres, um esfíncter interno e um esfíncter externo. Quando a pessoa está a evacuar adopta uma posição clássica, em que a evacuação se dá mais facilmente, e o que é que a pessoa faz? A pessoa tem vontade de evacuar, para aumentar a pressão intra-abdominal, faz o seguinte: respira fundo e fecha a glote e nessa altura faz o que as pessoas chamam, “fazer força”, e ao respirar fundo o diafragma desce e vai aumentar a pressão dentro do abdómen, diminuindo o espaço no abdómen a pressão aumenta. Ao mesmo tempo vai contrair a parede abdominal, o que vai reduzir as dimensões do abdómen e vai aumentar a pressão dentro do abdómen. Tudo isto vai ajudar para que a pressão dentro do recto também aumente. A parede muscular do recto vai contrair-se e vai empurrar as fezes para fora. Mas tinha-vos referido que existem os dois esfíncteres, o esfíncter interno e o esfíncter externo. O esfíncter interno é involuntário, ou seja abre quando há esta distensão e quando o recto se contrai. O esfíncter externo é voluntário e só abre quando lhe damos ordens. Se o nosso sistema nervoso central der ordens para o esfíncter anal abrir, este abre, o esfíncter interno já está estava aberto e as fezes saem. Mas se o esfíncter externo se mantiver fechado, o interno vai perceber que é melhor estar quieto porque o “dono” não quer que se dê dejecção e então o esfíncter interno também fecha. E a partir dai vamos aguardar mais umas horas, o que for necessário até que se dê outra fez esta estimulação e o esfíncter externo entenda que está na altura de evacuar. É evidente que tudo isto tem os seus problemas. A nossa vida social leva a adaptações do nosso organismo que nem sempre são as mais fisiológicas e as mais adequadas. Se vocês forem ver determinadas tribos africanas, isto está perfeitamente estudado, que não têm as contingências, os problemas sociais de evacuar quando lhes apetece, no sentido em que a pessoa acabou de comer, tem o tal reflexo gastro-cólico apetece ir evacuar e vai. Enquanto aqui estamos no meio das aulas, estamos no meio do trabalho, as pessoas começam a ter frequentemente aquela questão de dizer: eu só gosto de evacuar em casa; e por conseguinte o que é que começamos a fazer? Começamos a educar o intestino no sentido de mesmo que as fezes estejam dentro do recto o esfíncter anal como não abre, esperamos pelo estímulo seguinte e este leva a que o recto esteja cada vez mais preenchido. Como o recto está mais preenchido a pessoa tem frequentemente tendência para ter mais obstipação, ou seja o recto responde cada vez menos a estímulos, para a pessoa evacuar tem de ter a parte do recto muito preenchida e por conseguinte começa a haver o que nós chamamos o mega-recto. Isto por exemplo é um raios-x em que se vê, reparem por aqui é a crista ilíaca, mais ou menos esta zona, isto é uma velhota com 60 e tal anos com obstipação que tinha um recto que ia quase até ao umbigo, porque o recto cada vez distendia mais com fezes e ela já só tinha o estímulo de evacuar quando o recto estava extremamente preenchido. Muitas fezes, isto não dá problema nenhum, mas com o passar do tempo pode dar obstipação crónica e aí já que pode dar problemas sérios. É evidente que às vezes encontram-se mega-rectos por outros motivos, isto é uma senhora que foi a uma urgência a dizer que tinha uma dor rectal, isto é um raios-x que mostra que tinha uma lanterna dentro do recto o que não é muito prático. Secreção no tubo digestivo Boca Bem, passando à frente, vamos ver a questão da secreção, por conseguinte já vimos como é que o nosso bolo alimentar, de grosso modo, se desloca da boca até ao recto. Agora vamos ver mais ou menos, neste trajecto, um resumo das secreções fundamentais que vamos apanhando pelo caminho. Em 1º lugar a questão da saliva. A saliva lubrifica os alimentos, ou seja facilita a deglutição, os alimentos sem saliva têm uma deglutição mais difícil; mantém a boca húmida o que é fundamental por exemplo para facilitar a fala. Há doenças que dão diminuição da secreção salivar e a pessoa tem dificuldade apenas em falar. A protecção oral é importante a saliva tem agentes, nomeadamente imunoglobulina A que é o agente protector das infecções. Pessoas mais uma vez que tenham saliva em menor quantidade têm frequentemente aftas, cáries graves, infecções da boca graves porque estão mais atreitas a ter infecções. A digestão do amido pela saliva já falámos há bocado. A neutralização do ácido, isto é muito importante, nós por hora estando acordados deglutimos saliva para ai 60 vezes por hora, isto quer dizer que mesmo sem estarmos a comer estamos sempre a deglutir saliva. Esta saliva vai ser muito importante, porque precisamente a nível da porção terminal do esófago, que eu vos disse que era sensível ao ácido, é aquela zona em que a agressão do ácido é maior, a saliva como é alcalina vai estar sempre a neutralizar o pouco ácido que está a passar para o esófago e por conseguinte, a pessoa que não têm saliva, têm mais uma vez, aquelas imagens que eu vos mostrei há bocado de esofagite porque o ácido não está a ser neutralizado pela saliva. Mesmo quando nós estamos a dormir deglutimos menos, mas deglutimos para ai 7,8,10 vezes por hora, menos é verdade, mas mesmo assim de um modo importante. É a saliva por um mecanismo homeostáctico mais ou menos complexo, é o facto de nós termos a boca mais seca ou menos seca que nos dá a sensação de termos sede. Pessoas em que este mecanismo falha, frequentemente desidratam-se a sério, porque como não têm este mecanismo de detecção de saliva não bebem os líquidos que deviam beber. Mais uma vez uma imagem de uma esofagite de um doente que tem uma doença, uma artrite reumatóide com nocite viciosa, não interessa, em que não tinha saliva, que tinha na parte final do esófago uma inflamação gravíssima, uma necrose, uma morte, provocada precisamente por essa ausência de saliva que fazia com que não houvesse protecção do ácido que passava do estômago para o esófago. Estômago A nível de estômago, enfim isto é simples não vamos complicar, isto é só para ficar com uma ideia, o estômago é uma zona que tem muitas secreções. Isto é um diagrama simples de uma glândula típica do estômago. O estômago tem este tipo de glândulas típicas que são glândulas multifuncionais ou seja, é como se fosse um condomínio fechado com vários tipos de apartamentos e de lojas. Isto é uma glândula típica, glândulas oxíticas ou parietais que são as glândulas que produzem ácido clorídrico. O HCl é extremamente importante, extremamente agressivo e vai ser utilizado para a tal degradação dos alimentos. Por exemplo as fibras musculares dos bifes, não são fáceis de degradar, para as degradar precisamos de um ácido, esse ácido vai ser responsável pela corrosão das fibras alimentares. Depois temos aqui as glândulas pépticas que vão ser responsáveis pela secreção de um enzima, a pepsina que vai ser a responsável pela degradação das proteínas logo a nível do estômago. Depois temos as glândulas mucosas, à superfície da parede do estômago, que vão ser responsáveis pela produção de muco que é bastante importante. Um aspecto complexo, mas que nós iremos simplificar obviamente é o aspecto da produção de ácido. A produção de ácido clorídrico dá-se porque nós temos no nosso organismo a nível das células do estômago que produzem ácido, uma bomba enzimática que se chama bomba de protões e esta bomba vai estar sempre a fazer com que haja envio do H + para o lúmen do estômago, ou seja esta bomba precisa de muita energia, e vai fazer, à custa de troca com potássio, com que saia sempre ácido para o lúmen. Esta regulação da produção de acido é uma regulação complexa e nós sabemos que há um equilíbrio que é sempre necessário: se nós tivermos ácido a mais, podemos ter úlceras, nomeadamente úlceras duodenais, se tivermos ácido a menos a digestão do bolo alimentar a nível do estômago não se processa como devia. Sabemos por exemplo que os doentes com úlcera duodenal, têm por regra uma produção de ácido acima daquilo que deviam entre as refeições e a estimulação das refeições produz ainda mais ácido que aquilo que devia. Em relação à pepsina como vos falei é um enzima muito importante, porque é um enzima proteolítico, que provoca a degradação das proteínas e vai assim iniciar no estômago a divisão das proteínas em aminoácidos. A pepsina é uma enzima muito eficaz, as pessoas quando falam do aspecto corrosivo da secreção gástrica só falam no ácido, mas não é verdade, a pepsina é muito agressiva. E é de tal modo agressiva que tem de estar guardada na sua forma precursora inactiva que é o pepsinogéneo, ou seja, o nosso estômago, nas glândulas, guarda pepsina na forma de pepsinogéneo sendo este inactivo. Quando nós precisamos da pepsina há uma activação do pepsinogéneo para a sua forma activa (pepsina). O ácido activa o pepsinogéneo, quando o pH intra-gástrico desce abaixo dos 5, e depois a própria pepsina vai activar rapidamente o pepsinogéneo numa reacção rápida, para dar ainda mais pepsina. O interesse desta situação é, se no período em jejum, nós tivéssemos pepsina no estômago como não havia alimentos, a pepsina ia “distrair-se” e começava a agredir as proteínas do próprio estômago e por conseguinte nós só temos pepsina na forma activa quando temos bolo alimentar no estômago. Se não tivermos lá o bolo alimentar, não precisamos da pepsina para nada e ela está guardada sob a forma de pepsinogéneo. Como é que o estômago consegue resistir ao ácido e à pepsina? A questão é, as células são tão sensíveis ao ácido como as outras do nosso organismo, mas há um mecanismo protector, que se chama barreira mucosa. Há uma noção de como esta barreira mucosa funciona para ai desde 1976. O muco é uma substância gelatinosa que está sempre a cobrir o nosso estômago, por dentro claro, que cria o chamado micro-ambiente a nível das células. Esta camada viscosa está sempre a proteger estas células, de modo que quando nós colocamos um micro-eléctrodo no lúmen gástrico muitas vezes temos um pH de 2, um pH extremamente ácido que chega a atingir 1.5, mas se colocarem um micro-eléctrodo encostada às células do estômago vão encontrar um pH neutro de 7 ou 8 porque o muco que está a ser segregado, forma uma camada gelatinosa que separa o ácido das células do estômago. Ao mesmo tempo as células estão a produzir água com bicarbonato e por conseguinte estão sempre a ser banhadas de água com bicarbonato de modo a protege-las do ácido que apesar de tudo conseguir passar através do muco. Mas isto é um equilíbrio e muitas vezes corre mal, ou seja na protecção do nosso estômago, por um lado temos a protecção do muco, temos a produção de água com bicarbonato, temos a vascularização a funcionar bem, se a vascularização do estômago não estiver a funcionar bem é mais fácil haver uma quebra do muco e haver uma zona que provoque uma úlcera, os chamados factores de crescimento, enfim… mas por outro lado estão os nossos factores agressivos que vão tentar, digamos assim, atacar o estômago, entre estes temos o ácido, temos álcool, temos o tabaco, temos os anti-inflamatórios não esteróides, que são os medicamentos que as pessoas tomam para atenuar as dores, temos uma bactéria que é frequente na nossa população que é o helicobacter pilórico que vai ser responsável pela produção de úlceras, de gastrites de cancros gástricos ou seja nós temos sempre o permanente equilíbrio entre a defesa e a agressão. Intestino delgado Ainda em relação às secreções queria chamar a atenção para duas secreções típicas, que são as secreções pancreáticas e as secreções biliares. Secreções pancreáticas Começando pelas secreções pancreáticas, o pâncreas é um órgão como vocês sabem misto, ou seja, tem uma secreção endógena, endócrina que é por exemplo responsável pela produção de insulina, mas depois tem uma secreção exógena que tem enzimas para a digestão. O pâncreas é um órgão pequeno mas muito activo, que pode ser divido em múltiplas unidades. Esta é uma unidade glandular típica do pâncreas em que temos por um lado células acinosas, que vão produzir enzimas e depois temos estes túbulos que vão dar ao duodeno que vão ter células que vão produzir principalmente água e bicarbonato. Cada uma destas produções tem uma razão de ser. Vamos começar pela água e pelo bicarbonato. Os túbulos fundem-se no canal pancreático que vai ter ao duodeno que está pouco a seguir à 2ª, 3ª porção do duodeno, quase a seguir ao estômago. O bolo alimentar ao chegar ao duodeno, vai estimular no pâncreas a secreção de água e bicarbonato, que vão ser fundamentais para duas coisas: para neutralizar o ácido que está em excesso por um lado, e por outro lado vai criar o ambiente propício (o pH propício), à actuação das enzimas pancreáticas. Esse ambiente propício é proporcionado pelo bicarbonato que vai tornar o pH mais alcalino. Agora quero que percebam a lógica dos enzimas pancreáticos. Os enzimas pancreáticos são muito eficazes, e vão ser enzimas que vão degradar os principais tipos de constituintes alimentares como vocês sabem os 3 principais tipos de constituintes alimentares são as proteínas, as gorduras e os açucares ou hidratos de carbono. E por conseguinte nós vamos ter enzimas que vão degradar as proteínas, que se chamam enzimas proteolíticos, enzimas que vão degradar as gorduras, que se chamam enzimas lipolíticos, enzimas que vão degradar os hidratos de carbono ou os açucares. Vou-vos dar um exemplo de enzimas proteolíticos. Estes enzimas são tão eficazes, são tão fortes, tão agressivos que mais uma vez tem que haver um mecanismo de protecção do próprio pâncreas. Os enzimas proteolíticos que cão degradar os vários tipos de proteínas, vão estar guardados no pâncreas na sua forma precursora que é esta que está aqui, ou seja, por exemplo o enzima proteolítica mais importante de todos é a tripsina. A tripsina vai estar guardada sob a forma de tripsinogéneo. O tripsinogéneo é inactivo. Quando há bolo alimentar no duodeno vai haver um enzima que se chama, enteroquinase duodenal, que vai activar esta cascata e por conseguinte tudo isto começa a ficar activado e estas formas activas vão desaguar no duodeno e vão provocar a degradação das proteínas no duodeno. Este mecanismo funciona para as enzimas proteolíticas, funciona para as enzimas das gorduras e funciona para os enzimas dos açucares, e ao fim de poucos minutos estes enzimas são muito potentes e conseguem degradar as proteínas, as gorduras e os hidratos de carbono. Numa pancreatite aguda, deixa de haver esta regulação de que eu vos falei, ou seja de repente, sem saber ainda muito bem porquê, os enzimas que estavam na forma inactiva de repente ficam activados dentro do próprio pâncreas, e viram-se contra o próprio pâncreas e começam “agredi-lo”. Todas estas zonas que vocês estão a ver hemorrágicas e mortas são zonas onde os enzimas se activaram dentro do pâncreas e como são enzimas muito agressivas provocam estragos enormes 1º no pâncreas e depois no próprio abdómen. Secreções biliares Finalmente dentro das secreções vamos falar brevemente das secreções biliares. Eu chamo-vos a atenção das múltiplas funções do fígado. O fígado é um dos órgãos mais complexos tendo em conta as suas múltiplas funções a vários níveis. De qualquer maneiras a que nos interessa é a nível das secreções biliares, nomeadamente no aspecto de secreções para ajudar a digestão. Isto é um lóbulo hepático, que é redondo, e que contém células que vão produzir bílis para os canalículos biliares. A bílis está sempre a ser produzida pelos canais biliares mas só nos interessa que haja bílis no duodeno quando há lá alimentos (em forma de quimo) e por conseguinte nós vamos ter da espécie humana um mecanismo de reservatório que é o seguinte: a bílis vem desde lá de cima do lado direito e esquerdo do fígado, depois desce pelo canal biliar e não entra no duodeno, porque mais uma vez temos um esfíncter, que é chamado esfíncter de Oddi que está fechado fazendo com que a bílis se comece a armazenar na vesícula biliar. A vesícula biliar começa a ficar cada vez mais cheia de bílis à espera da refeição seguinte. Existe a nível da vesícula biliar um mecanismo de absorção de água em que a bílis chega à vesícula e é desidratada, é um esquema semelhante àquele que ocorre com o leite condensado, como eu costumo dizer, que é retira-se a água ao leite e quando nós precisamos o leite novamente acrescentamos-lhe a água para formar leite. Aqui acontece o mesmo, existe ao nível da vesícula um mecanismo de extracção de água que leva à concentração da bílis e quando a bílis é necessária, o esfíncter de Oddi abre, a vesícula começa-se a contrair violentamente de modo a expulsar a bílis que está lá dentro e a bílis sai da vesícula vai pelo canalículo, durante este caminho começa a ser hidratada, todo este canal tem células que produzem água e bicarbonato que vão reconstituir a bílis, vão fazer com que a bílis fique novamente líquida em vez de ser pastosa e então vai passar pelo esfíncter e vai entrar no duodeno. Uma questão que se pode colocar aqui é para que é que serve a bílis? A bílis é um mecanismo de expulsão de muitos agentes que o nosso organismo não consegue expulsar de outra maneira, ou seja existem por exemplo alguns minerais pesados em que a única forma de expulsão deles pelo nosso organismo é através da bílis, se não o conseguirmos através desta vamos acumulá-los no nosso organismo. Por exemplo o colesterol só consegue ser eliminado através da bílis, vai haver uma acumulação de colesterol no organismo se por qualquer motivo houver uma deficiência na produção de bílis. A bílis é fundamental para a digestão das gorduras. As gorduras têm de ser emulsificadas, se vocês virem a gordura na água forma bolhas de gordura, não é dissolvível na água, o problema é que os enzimas que vão atacar as gorduras, não actuam dentro da gordura e por conseguinte tem de se 1º fraccionar aquelas bolhas de gordura, chama-se emulsificar, em gotículas muito pequeninas. Depois vão-se criar as micelas, que são agregados de gordura, em que os sais biliares vão proteger a gordura, vão ser o invólucro do colesterol, e vão transportar esse mesmo colesterol dentro dessas micelas, ou seja, vai ser um sistema de transporte a nível do duodeno, isto é, os sais biliares que estão na bílis vão agarrar o colesterol, vão protegê-lo e vão transportá-lo até à superfície do duodeno, onde ele vai ser absorvido. Se não for assim não conseguimos absorver o colesterol. Mais uma vez isto é um equilíbrio complicado, pois quando não há sais biliares suficientes para conseguir apanhar o colesterol todo da alimentação e expulsar o colesterol o que vai acontecer é que a vesícula vai ficar com gordura a mais que não é dissolvida com os sais biliares e por conseguinte pessoas que comem comida gorda a mais e têm produção de bílis a menos, começam-se a acumular cristais de colesterol com cálcio na vesícula biliar e dão origem a pedras na vesícula. Isto é uma situação clínica em que a pessoa não produz, ou produz muita pouca bílis e por conseguinte não se consegue livrar do colesterol devidamente, isto é uma doença crónica numa mulher de 38 anos e reparem aqui por exemplo nas pálpebras que têm o que nós chamamos os sarplasmos, que têm acumulação de gordura do organismo que se não consegue expulsar e vai-se acumulando em determinadas partes. A pessoa também vai ficando com este tom de pele escura porque não conseguindo excretar bílis, a bilirrubina acumula-se nos tecidos, a pessoa emagrece porque não consegue absorver as gorduras, enfim é uma situação desagradável. Bem, e era isto que eu vos queria dizer hoje, como vocês devem imaginar esta questão da fisiologia do tubo digestivo é relativamente complexa, enfim isto é um apanhado da situação das coisas mais importantes depois a questão da absorção vai ser falada noutro contexto. FIM