R. M. Natal Jorge L. M. J. S. Dinis Linhas de Deslizamento Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial Faculdade de Engenharia Universidade do Porto (2000/2001) Linhas de Deslizamento 1 Linhas de Deslizamento 1. Introdução No ensino clássico da Engenharia de Estruturas assume-se que o campo de tensões instalado na estrutura provocado pelo sistema de forças exteriores não ultrapassa a tensão limite elástico do material, além disso, assume-se ainda o não aparecimento de deformações excessivas. No entanto, um outro tipo de abordagem do problema tem tido nas ultimas décadas um avanço significativo. Trata-se do cálculo plástico de estruturas em que um dos principais objectivos é a determinação da carga para a qual uma estrutura entra em colapso devido ao aparecimento de deformações excessivas. 2. Pressupostos da teoria para o estado plano de deformação No estado de deformação em condições de deformação plana (EPD) considera-se os seguintes pressupostos [1]: i) o escoamento processa-se numa direcção paralela a um dado plano; ii) o escoamento é independente da terceira coordenada do sistema de eixos Linhas de Deslizamento 2 No caso de se considerar que o corpo sólido tem um comportamento rígido perfeitamente plástico, as taxas de deformação plástica são definidas em termos das velocidades do seguinte modo: ε& ij = ( 1 ∂ X j v i + ∂ Xi v j 2 ) (1) Devido às considerações referidas, para o EPD é suficiente considerar i=1,2 e j=1,2, vindo o respectivo estado de tensão com as componentes: τ xz = τ yz = 0 (2.1) σ zz = 0,5(σ xx + σ yy ) (2.2) Considerando um material em que as condições de cedência não são afectadas pelo valor da pressão hidrostática (ou tensão média), a tensão de corte máxima coincide com a tensão de corte máxima no plano e deve ser igual à tensão de cedência ao corte τ Y 0 . A condição de cedência pode ser escrita do seguinte modo: (σ − σ yy ) + 4τ xy = 4τ 2Y 0 2 xx (3) Sendo, τ Y0 = τ Y0 = σ Y0 para o critério de cedência de tresca [9] 2 σ Y0 3 para o critério de cedência de von Mises [10] (4.1) (4.2) Considerando por hipótese, a ausência (ou de contribuição desprezável) de forças de massa, as equações de equilíbrio de forças para uma deformação quasi-estática, são: ∂ x σ xx + ∂ y τ yx = 0 (5.1) ∂ x τ xy + ∂ y σ yy = 0 (5.2) Para um estado de tensão (ignorando a terceira dimensão) definido em termos das componentes principais de tensão σ1 e σ2, e da direcção em que a tensão principal σ1 actua (relativamente à direcção de σxx) definida pelo ângulo ϕ, tem-se a seguinte relação entre componentes de tensão (ver círculo de Mohr na Fig. 1) [2]: Linhas de Deslizamento 3 σ xx = σ1 + σ 2 σ1 − σ 2 cos(2ϕ ) + 2 2 (6.1) σ yy = σ1 + σ 2 σ1 − σ 2 cos(2ϕ ) − 2 2 (6.2) σ1 − σ 2 sen (2ϕ ) 2 (6.3) τ xy = τ σm σyy (σ1-σ2)/2 τxy 2ϕ σ2 σ 2φ σxx σ1 Fig. 1-Círculo de Mohr: estado de tensão bidimensional. Em cada ponto pertencente ao plano de escoamento plástico é possível definir um par de linhas ortogonais, ao longo das quais a tensão de corte toma o seu valor máximo (σ1-σ2)/2. Estas curvas são designadas por linhas de deslizamento e são constituídas pelas famílias de linhas α e linhas β [1][6][7]. Considere-se um ponto de um corpo material submetido a um estado de tensão definido por (σ1-σ2)/2-tensão de corte máxima no plano xy- e σm-tensão média (Fig. 2). A tangente à linha α no referido ponto apresenta uma inclinação, relativamente à direcção x, definida pelo ângulo φ. Por análise do círculo de Mohr (Fig. 1) tem-se a seguinte relação entre ângulos: 2φ = 2ϕ − π 2 pelo que se obtém para as componentes de tensão estabelecidas em (6): (7) Linhas de Deslizamento 4 σ xx = σ m − σ1 − σ 2 sen (2φ) 2 (8.1) σ yy = σ m + σ1 − σ 2 sen (2φ) 2 (8.2) τ xy = σ1 − σ 2 cos(2φ) 2 (8.3) y α σm τY0 σm τY0 φ x σm τY0 τY0 σm β Fig. 2-Linhas de deslizamento. Considerando que se trata de um ponto incluído num corpo material que apresenta um comportamento perfeitamente plástico, e cuja tensão de escoamento (ao corte) vale τY0, as expressões (8) vêm: σ xx = σ m − τ Y 0sen (2φ) (9.1) σ yy = σ m + τ Y 0sen (2φ) (9.2) τ xy = τ Y 0 cos(2φ) (9.3) Linhas de Deslizamento 5 Note-se que os ângulos ϕ e φ diferem na realidade de π/4 como se pode verificar na Fig. 3. y β σm σ1 τY0 α τY0 σm σ2 π/4 φ ϕ x Fig. 3-Direcções principais de tensão e de corte máximo. Substituindo as componentes de tensão estabelecidas em (9) nas equações de equilíbrio (5) obtém-se: ∂ x σ m − 2τ Y 0 × cos(2φ ) × ∂ x φ − 2τ Y 0 × sen (2φ ) × ∂ y φ = 0 (10.1) − 2τ Y 0 × sen (2φ ) × ∂ x φ + ∂ y σ m + 2τ Y 0 × cos(2φ ) × ∂ y φ = 0 (10.2) 3. Equações de Hencky e Geiringer Admita-se um ponto material submetido a um estado de tensão em que a tangente à linha α coincide com o eixo x e a tangente à linha β coincide com o eixo y. De acordo com a Fig. 3 o ângulo φ toma o valor zero, pelo que as equações de equilíbrio estabelecidas em (10) reduzem-se a Linhas de Deslizamento 6 ∂ x σ m − 2τ Y 0 × ∂ x φ = 0 (11.1) ∂ y σ m + 2τ Y 0 × ∂ y φ = 0 (11.2) Tratando-se de duas equações diferenciais de derivadas parciais, da sua integração resulta: σ m − 2τ Y 0 × φ = f ( y) + C1 (12.1) σ m + 2τ Y 0 × φ = g ( x ) + C 2 (12.2) em que as funções resultantes da integração g(x) e f(y) tomam o valor zero, na medida em que σm tem que tomar um único valor, qualquer que seja a equação considerada, mesmo para φ igual a zero. As constantes de integração C1 e C2 são normalmente representadas por ξ e η, respectivamente, obtendo-se então as seguintes equações [4]: σm −φ=ξ 2τ Y 0 (13.1) σm +φ=η 2τ Y 0 (13.2) As equações estabelecidas em (13) são as equações de equilíbrio a serem consideradas para todos os pontos materiais cujo lugar geométrico constitui as linhas de deslizamento. Estas equações são conhecidas como as equações de Hencky [1][6][7]. As equações de Hencky, em conjunto com a condição de cedência, podem ser suficientes para o estabelecimento da solução de problemas em que as condições de contorno são estabelecidas em termos de tensões, pois tratam-se de problemas estaticamente determinados. No entanto, em problemas que incluam nas condições de contorno, campos de velocidade, as equações anteriormente referidas não são suficientes para resolver o problema, sendo este estaticamente indeterminado. Considere-se o campo de deslocamentos ao longo das linhas α e β, em particular o vector deslocamento no ponto P. Admita-se ainda as componentes do vector deslocamento uα e uβ com as direcções das tangentes à linha α e linha β, respectivamente (Fig. 4). Para uma inclinação φ da tangente à linha α relativamente ao eixo x, as componentes do referido vector deslocamento segundo os eixos do referencial cartesiano, xy, obtêm-se pela seguinte transformação de coordenadas: ou matricialmente: u = u α × cos φ − u β × senφ (14.1) v = u α × senφ + u β × cos φ (14.2) Linhas de Deslizamento 7 ⎧u ⎫ = ⎡cos φ − senφ⎤ × ⎧u α ⎫ ⎨v ⎬ ⎢ senφ cos ⎥ ⎨ u ⎬ ⎩ ⎭ ⎣ ⎦ ⎩ β⎭ (15) y β α uβ φ uα x Fig. 4-Campo de velocidades. Derivando (14.1) em relação a x e (14.2) em relação a y obtém-se: du = ∂ x u α × cos φ − u α senφ × ∂ x φ − ∂ x u β × senφ − u β × cos φ × ∂ x φ dx (16.1) dv = ∂ y u α × senφ + u α cos φ × ∂ y φ + ∂ y u β × cos φ − u β × senφ × ∂ y φ dy (16.2) Particularizando para o caso da tangente à linha α coincidir com o eixo x, isto é para φ=0, vem: (u ) = ∂ x u α − uβ∂ xφ = 0 (17.1) (v ) = ∂ yuβ + u α∂ yφ = 0 (17.2) , x φ=0 , y φ=0 ou, rescrevendo de uma outra forma [3]: du − u β dφ = 0 ao longo de α (18.1) dv + u α dφ = 0 ao longo de β (18.2) Estas equações são conhecidas como as equações de Geiringer [1][6][7] e a sua semelhança (na forma) com as equações de Hencky (13) são óbvias. De acordo com as Linhas de Deslizamento 8 equações de Hencky (13) e de Geiringer (18) a tensão média e a velocidade tangencial mantêm-se constantes ao longo de uma linha de deslizamento para a qual se mantenha constante a inclinação φ (φ=constante). Estas características, evidenciadas matematicamente pelas equações de Hencky e Geiringer são importantes propriedades das linhas de deslizamento. 4. Propriedades das Linhas de Deslizamento As linhas de deslizamento possuem determinadas propriedades geométricas que são muito úteis para a construção dos respectivos campos. Considere-se o conjunto formado por quatro troços de linhas de deslizamento, dois pertencentes às linhas α e os outros dois pertencentes às linhas β (ver Fig. 5). Estes quatro troços formam um quadrilátero curvilíneo cujos vértices estão referenciados por ABCD. dφ dφ β D β α B C Rα Rβ dSα dSβ α A Fig. 5-Linhas de deslizamento: características geométricas. Escrevendo as equações de Hencky (13) para cada um dos vértices, tem-se para as linhas α: Linhas de Deslizamento 9 σ mA − 2τ Y 0 × φ A = ξ A (19.1) σ mB − 2τ Y 0 × φ B = ξ B (19.2) σCm − 2τ Y 0 × φC = ξC (19.3) σ mD − 2τ Y 0 × φ D = ξ D (19.4) e do mesmo modo para as linhas β: σ mA + 2τ Y 0 × φ A = η A (20.1) σ mB + 2τ Y 0 × φ B = η B (20.2) σ Cm + 2τ Y 0 × φ C = η C (20.3) σ mD + 2τ Y 0 × φ D = η D (20.4) Mas os vértices A e C pertencem à mesma linha β, ou seja, nas equações de Hencky tem-se η A = η C , o mesmo sucede entre os vértices B e D, pelo que se tem ηB = ηD , resultando deste modo para a diferença entre pressões: η A = η C ⇒ σCm − σ mA = 2τ Y 0 (φ A − φC ) (21.1) ηB = ηD ⇒ σ mD − σ mB = 2τ Y 0 (φ B − φ D ) (21.2) Raciocínio análogo é válido para os vértices A e B, que pertencem à mesma linha α, bem como para os vértices C e D, resultando as diferenças de pressão: ξ A = ξ B ⇒ σ mA − σ mB = 2τ Y 0 (φ A − φ B ) (22.1) ξC = ξ D ⇒ σCm − σ mD = 2τ Y 0 (φC − φ D ) (22.2) Combinando as diferenças de pressão (21.1) com (22.1) obtém-se a diferença entre a tensão média no vértice C e no vértice B: ( ) ( ) σCm − σ mB = σCm − σ mA + σ mA − σ mB = 2τ Y 0 (φ A − φC ) + 2τ Y 0 (φ A − φ B ) = 2τ Y 0 (2φ A − φ B − φC ) (23) ou, a partir de (21.2) e de (22.2) obtém-se também, ( ) ( ) σCm − σ mB = σCm − σ mD + σ mD − σ mB = 2τ Y 0 (φC − φ D ) + 2τ Y 0 (φ B − φ D ) = 2τ Y 0 (φ B + φC − 2φ D ) (24) Como se trata da mesma diferença de pressões, os segundos membros das expressões (23) e (24) terão que ser iguais, o que origina a seguinte relação entre os ângulos: Linhas de Deslizamento 10 2τ Y 0 (φ B + φ C − 2φ D ) = 2τ Y 0 (2φ A − φ B − φ C ) ⇒ φ C − φ D = φ A − φ B (25) o que, atendendo às diferenças estabelecidas em (22.1) e (22.2), permite estabelecer a seguinte relação entre as tensões médias dos quatro vértices: σ Cm − σ mD = σ mA − σ mB (26) As relações expressas em (25) e (26) traduzem o denominado primeiro teorema de Hencky. Este teorema estabelece que o ângulo entre as tangentes a um par de linhas de deslizamento de uma família em pontos de intercepção com as linhas de deslizamento de outra família é constante ao longo dos seus troços. Deste modo, se um troço AC de uma linha de deslizamento é rectilíneo, o troço BD de uma linha de deslizamento da mesma família é também rectilíneo. Tomando Rα e Rβ como os raios de curvatura das linhas α e β respectivamente (ver Fig. 5), pode-se defini-los em função do ângulo φ do seguinte modo [6]: 1 = ∂ Sα φ Rα 1 = ∂ Sβ φ Rβ (27.1) (27.2) correspondendo dSα e dSβ aos comprimentos dos arcos entre os vértices AB e AC. A interpretação do teorema de Hencky permite concluir que o ângulo formado pelas tangentes em A e C (dφ) é igual ao ângulo formado pelas tangentes nos vértices B e D, resultando: BD = (R β − dS α ) dφ (28) Considerando que a variação do raio de curvatura entre duas linhas de deslizamento β infinitamente próximas é dRβ, resulta: dR β = − dS α (29) ∂ Sβ R α = − 1 (30.1) ∂ Sα R β = − 1 (30.2) ou ainda, para as linhas α e β: A combinação das definições estabelecidas em (27) com a relação (29) permite escrever as seguintes equações diferenciais [1]: Linhas de Deslizamento 11 dR β + R α dφ = 0 ao longo da linha α (31.1) dR α − R β dφ = 0 ao longo da linha β (31.2) Estas equações estabelecem o denominado segundo teorema de Hencky. Este teorema permite concluir que ao longo de uma linha de deslizamento o raio de curvatura das linhas de deslizamento da outra família varia de acordo com a distância percorrida. Com o objectivo de determinar a posição geométrica de um ponto no campo das linhas de deslizamento é conveniente considerar as coordenadas curvilíneas (X,Y). De acordo com a Fig. 6 estas coordenadas são definidas em função do par de coordenadas cartesianas (x,y), X = x × cos φ + y × senφ (32.1) Y = y × cos φ − x × senφ (32.2) y α β P X Y φ x Fig. 6-Sistemas de coordenadas. Os eixos X e Y têm a direcção das tangentes às linhas α e β no ponto P, respectivamente e passam pela origem do sistema de coordenadas cartesianas. Diferenciando (32), dX = dx × cos φ − xsenφ × dφ + dy × senφ + y cos φ × dφ (33.1) dY = dy × cos φ − ysenφ × dφ − dx × senφ − x cos φ × dφ (33.2) ou, rescrevendo de outra forma, Linhas de Deslizamento 12 dX = dx × cos φ + dy × senφ + (y cos φ − xsenφ ) × dφ (34.1) dY = dy × cos φ − dx × senφ − (ysenφ + x cos φ ) × dφ (34.2) que por substituição de (32) em (34) permite obter a seguinte relação: dX = dx × cos φ + dy × senφ + Ydφ (35.1) dY = dy × cos φ − dx × senφ − Xdφ (35.2) Ao longo de uma linha α tem-se dy × cos φ − dx × senφ = 0 (36) bem como ao longo de uma linha β dx × cos φ + dy × senφ = 0 (37) Deste modo as equações (35) transformam-se para a situação em que o sistema de eixos é tangente às linhas num determinado ponto: dY + Xdφ = 0 ao longo da linha α (38.1) dX − Ydφ = 0 ao longo da linha β (38.2) Para uma variação infinitesimal de X ao longo da linha α e uma variação infinitesimal de Y ao longo da linha β as equações (36) e (37) virão: dx × cos φ + dy × senφ = dS α (39.1) dy × cos φ − dx × senφ = dS β (39.2) o que substituindo em (35) permite obter o seguinte conjunto de equações: dX = dS α + Ydφ (40.1) dY = dS β − Xdφ (40.2) Por outro lado, as relações estabelecidas em (30) permitem rescrever as equações (35) da seguinte forma [1]: ( ∂ Sα X = 1 + Y − ∂ R β φ ∂ Sβ Y =1 + X∂ R α φ resultando pela substituição de (31) em (41) ) (41.1) (41.2) Linhas de Deslizamento 13 ∂ Sα X = 1 + Y Rα (42.1) ∂ Sβ Y = 1 + X Rβ (42.2) 5. Construção do Campo de Linhas de Deslizamento A construção do campo de linhas de deslizamento é condicionada pelas condições de contorno, nomeadamente pelo estado de tensão ao longo da fronteira. Também se revela muito útil o conhecimento do estado de tensão ao longo de determinadas linhas de deslizamento. Para a construção do campo de linhas de deslizamento é importante distinguir três tipos de condições de fronteira [6]: ¾ Problema de Riemann: condições de fronteira conhecidas ao longo de duas linhas de deslizamento. ¾ Problema de Cauchy: condições de fronteira conhecidas ao longo de uma curva. ¾ Problema misto: conhecida uma linha de deslizamento e uma curva ao longo da qual se conhece o ângulo φ. 5.1. Problema de Riemann Considere-se um domínio em que qualquer dos seus pontos se encontra sujeito a um estado de tensão que permita concluir que todo o domínio se encontra completamente plastificado. Este domínio é delimitado pelas curvas AB, AC, BD e CD – domínio regular – e pelas curvas AB e AD – domínio singular (ver Fig. 7). Admita-se ainda que as curvas AB fazem parte da família de linhas de deslizamento α e que a curva AC é uma linha β. Comece-se por analisar o problema referente ao domínio regular. Linhas de Deslizamento 14 C D β D A A α α B B a) b) Fig. 7-Domínios para construção das linhas de deslizamento: a) regular; b) singular. Divide-se a linha α (curva AB) num número kα-1 de segmentos o que corresponde à colocação de kα pontos sobre a referida curva. Sobre a linha β (curva AC) coloca-se um número kβ de pontos o que corresponde à divisão da curva AC em kβ-1 segmentos (ver Fig. 8). Realizando as mesmas operações nas curvas opostas e ligando os pontos opostos é possível construir uma malha como a que se representa na Fig. 8, em que cada intercepção corresponde à colocação de mais um ponto. Este pontos podem ser referenciados por um par de coordenadas que corresponde a um posicionamento matricial. D C β (0,n) (0,1) (m,n) (1,1) (2,1) A (1,0) (2,0) (m,0) α B Fig. 8-Construção das linhas de deslizamento num domínio regular. Nos pontos que se encontram sobre a fronteira (curvas AB, AC, BD e CD) conhecemse os valores do ângulo φ e da tensão média σm. A aplicação do primeiro teorema de Hencky permite determinar os valores de φ e σm em qualquer ponto referenciado por ponto (m,n). Assim aplicando as expressões (25) e (26) obtém-se Linhas de Deslizamento 15 σ m ( m , n ) = σ m ( m , 0 ) + σ m ( 0, n ) − σ m ( 0 , 0 ) (43.1) φ m , n = φ m , 0 + φ 0 , n − φ 0, 0 (43.2) Para a determinação das coordenadas dos pontos pode-se considerar as equações (38). Para o efeito, se se considerar variações finitas para as grandezas envolvidas, ΔX = X m , n + X m −1, n (44.1) ΔY = Y m , n + Y m , n −1 (44.2) sendo as coordenadas X e Y tomadas pelos seus valores médios, X = 12 (X m ,n + X m ,n −1 ) (45.1) Y = 12 (Ym ,n + Ym −1,n ) (45.2) e tomando Δφ como um acréscimo ao valor de φ obtém-se: X m ,n − X m −1,n = 12 (Ym ,n + Ym −1,n ) × Δφ (46.1) Ym ,n − Ym ,n −1 = − 12 ( X m ,n + X m ,n −1 ) × Δφ (46.2) Para o caso em que Δφ corresponde a um decréscimo do ângulo φ, deve-se tomar o respectivo valor nas expressões (46) com valor negativo. A construção do campo de velocidades faz-se de modo análogo, ou seja, por recurso às equações de diferenças finitas provenientes do sistema de equações estabelecido em (18), resultando: u m ,n − u m −1,n = 12 (u β ( m ,n ) + u β ( m −1,n ) ) × Δφ (47.1) v m ,n − v m ,n −1 = − 12 (u α ( m ,n ) + u α ( m ,n −1) ) × Δφ (47.2) Para o caso do domínio singular (Fig. 7.b), todas as linhas α passarão pelo vértice A, que é um ponto em que há singularidade do estado de tensão. A resolução do problema implica o conhecimento da variação da pressão média e do ângulo φ no ponto de singularidade. De facto, é como se a curva AC da Fig. 8 se reduzisse a um ponto (ver Fig. 9). Linhas de Deslizamento 16 D m n (m,n) 2 1 (2,n) (1,n) A (1,0) (2,0) (3,0) α B Fig. 9-Construção das linhas de deslizamento num domínio singular. O ângulo φ no vértice é dividido em kβ partes, de modo a que φ0,n seja o ângulo compreendido pelas linhas de deslizamento An e AB no vértice A. O valor do ângulo φm,n no ponto (m,n) é calculado de acordo com a expressão (43.2). O valor da tensão média no vértice A é descontínuo e não pode ser calculado de acordo com (43.1). Primeiro calcula-se o valor da tensão média nos pontos (1,n). Para o ponto (1,0), por exemplo, o valor da tensão média σm(1,0) e do ângulo φ1,0 são conhecidos, pelo que das equações de Hencky se tem o seguinte valor constante ao longo da linha β que passa pelo ponto (1,0): η= σ m (1,0 ) 2τ Y 0 + φ1, 0 (48) Pode-se então obter o valor de σm(1,n) σ m (1, n ) = 2τ Y 0 × (η − φ1, 0 ) (49) Seguidamente pode-se usar a expressão (43.1) substituindo σm(0,0) por σm(1,n). As coordenadas dos pontos determinam-se de igual modo por intermédio das expressões (46). Os resultados obtidos para as diferentes variáveis podem ser lançados em quadros do tipo do representado na Fig. 10, encontrando-se a sombreado os valores conhecidos das diversas variáveis [6]. Linhas de Deslizamento 17 α D β 0 1 2 L m L L C 0 β 1 (0,n) 2 (m,n) (0,1) M (1,1) n (2,1) A M (1,0) (2,0) (m,0) α M B Fig. 10-Tipo de quadro utilizado no armazenamento de variáveis (problema de Riemann). 5.2. Problema de Cauchy O problema de Cauchy, ou problema do valor inicial, é o tipo de problema mais importante. Considere-se um arco AB inserido no plano xy e do qual se conhece o valor da tensão média e do ângulo φ em qualquer um dos seus pontos (ver Fig. 11). B (n,n) (m+1,m+1) (m+1,n) (m,m) A (0,0) (1,1) (m,m+1) (m,n) (1,m) α C Fig. 11-Problema de Cauchy. Linhas de Deslizamento 18 Pretende-se uma construção das linhas de deslizamento que satisfaçam a solução de equilíbrio estabelecida nas respectivas equações diferenciais (11). A solução existe e é única no domínio triangular ABC limitado pelo arco AB e pelas linhas de deslizamento que emanam dos seus vértices A e B. Em particular os valores da tensão média e do ângulo φ são determinados nos lados AC e BC por consideração dos respectivos valores extremos. A solução no ponto C apenas depende dos valores de σm e de φ conhecidos ao longo do arco AB. De acordo com a nomenclatura presente na Fig. 11 referencia-se os pontos sobre o arco AB como (1,1); (2,2);…;(m,m)…(n,n). Um determinado ponto, por exemplo, o ponto (m,n) é obtido por intercepção de duas curvas, uma correspondente a uma linha α, e outra correspondente a uma linha β. Tomando os valores finitos para as equações (11), ou por aplicação das equações de Hencky (13), resulta σ m ( m ,n ) − σ m ( m ,m ) = 2 τ Y 0 × (φ m ,n − φ m ,m ) (50.1) σ m ( m ,n ) − σ m ( n ,n ) = 2 τ Y 0 × (φ n ,n − φ m ,n ) (50.2) Um tipo de fronteira muito comum é o que se representa na Fig. 12, em que a fronteira livre, isto é, alguns componentes de tensão com valor nulo, é rectilínea. Tratandose de uma fronteira livre e portanto com a componente tangencial nula τxy=0, o ângulo φ virá necessariamente igual a ±π/4. Por outro lado, e segundo o referencial apresentado na figura, teríamos ainda uma das componentes normal de tensão nula (no caso σy), pelo que a outra componente estaria determinada: σy=±2τY0. y A 2τY0 B x β α C Fig. 12-Problema de Cauchy: caso particular de fronteira rectilínea. Linhas de Deslizamento 19 Também neste caso, os resultados obtidos para as diferentes variáveis podem ser lançados em quadros do tipo do representado na Fig. 13, em que os valores conhecidos das diversas variáveis (a sombreado) ocupam agora “as casas da diagonal”. β A α (1,1) α β (m,m) 0 1 2 L m L L 0 (m,m+1) 1 2 (m+1,m+1) M m M B M Fig. 13-Quadro utilizado no armazenamento de variáveis (problema de Cauchy) [6]. 5.3. Problema Misto Considere-se um segmento AB pertencente a uma linha de deslizamento α, relativamente à qual se conhece os valores da tensão média e o ângulo φ e que satisfazem a equação de equilíbrio (equação de Hencky (13.1)). Mas, adjacente ao segmento AB existe uma curva AC ao longo da qual apenas se conhece os valores do ângulo φ (Fig. 14). Linhas de Deslizamento 20 C A B α Fig. 14-Problema misto. Este tipo de problemas surge em situações em que existe contacto sem atrito, isto é, a componente tangencial do estado de tensão tem valor nulo, existindo no entanto duas componentes normais de tensão [6]. No caso de existir uma descontinuidade no vértice A é necessário considerar uma solução de Riemann com singularidade no domínio ABB’ e com base nos valores conhecidos na linha α AB’ partir para a solução no resto do domínio (ver Fig. 15). C (3,3) (2,2) (1,1) (1,0) (3,0) B’ A B α Fig. 15-Problema misto: divisão do domínio. Linhas de Deslizamento 21 Encontrando-se a linha α dividida num número discreto de pontos referenciados como (1,0); (2,0);… );…;(m,0). A localização do ponto (1,1) sobre a curva AC, por exemplo, e que corresponde à intercepção da linha β que passa pelo ponto (1,0) com a referida curva é determinada por tentativas de forma a satisfazer a equação (46.1) para m=n=1. Seguidamente é possível partir para o resto da solução por recurso ao teorema de Hencky. 6. Aplicações 6.1. Problema do Punção Considere-se uma placa semi-infinita sobre a qual actua um punção de secção rectangular (largura 2b). As restantes dimensões permitem considerar o problema como um estado plano de deformação. O punção actua sobre a placa com uma velocidade descendente de intensidade V (ver Fig. 16). Admitindo que o material da placa apresenta um comportamento rígido plástico (tensão de cedência ao corte τY0) pretende-se determinar a carga de colapso Pc bem como o campo de velocidades presente no processo. O problema resolvido por intermédio do método das linhas de deslizamento pode apresentar diversas soluções, consoante o campo de linhas de deslizamento que se admite. P 2b V y A B C D x Fig. 16-Problema do punção: geometria e dimensões. Linhas de Deslizamento 22 6.1.1. Solução de Prandtl Na solução de Prandtl (segundo Chakrabarty [1] esta solução foi apresentada em [8]) o campo de linhas de deslizamento é constituído por cinco domínios distintos: três domínios triangulares (ABE, BCF e CDG) e dois domínios circulares com centro nos pontos singulares B e C (ver Fig. 17). P 2b V φCDG B A C D α β E F G Fig. 17-Problema do punção: solução de Prandtl. Os segmentos AB e CD apresentam condições de contorno conhecidas e que correspondem a condições de contorno livre, ou seja, atendendo ao referencial cartesiano representado na Fig. 16, tem-se: τ xy = 0 (51) σ yy = 0 (52) A imposição da condição (51) na equação (9.3) permite determinar o ângulo φ: τ xy = τ Y 0 cos(2φ ) = 0 ⇒ φ = ± π 4 (53) Para o mesmo referencial cartesiano (Fig. 16) a linha α forma um ângulo φ com o semi-eixo x que é positivo, pelo que, no triângulo CDG se terá: Linhas de Deslizamento 23 φ CDG = + π 4 (54) Por outro lado, impondo a condição (52) em (9.3) pode-se obter o valor da tensão média no mesmo triângulo, 0 = σm CDG π⎞ ⎛ + τ Y 0 sen⎜ 2 × ⎟ ⇒ σ m 4⎠ ⎝ CDG π⎞ ⎛ = − τ Y 0 sen ⎜ 2 × ⎟ = − τ Y 0 4⎠ ⎝ (55) pelo que a componente da tensão normal segundo a direcção do bordo CD vem: σ xx = σ m CDG π⎞ ⎛ − τ Y 0sen ⎜ 2 × ⎟ = − 2τ Y 0 4⎠ ⎝ (56) Considerando a ausência de atrito entre o punção e a placa o valor da tensão de corte na face BC vem igual a zero, originando para o ângulo φ o mesmo resultado que o obtido em (53) para a face CD. De acordo com os sentidos definidos, o ângulo φ tomará então um valor negativo: φ BCF = − π 4 (57) A partir da equação de Hencky (13.1) obtém-se o seguinte valor constante ao longo das linhas α que passam pelo triângulo CDG: σm CDG 2τ Y 0 − φ CDG = ξ CDG ⇒ ξ CDG = − τ Y0 1 π π − =− − 2τ Y 0 4 2 4 (58) Este valor mantém-se constante nas linhas α que passam pelos triângulos CDG e BCF, o que permitirá determinar o valor da tensão média no triângulo BCF: ξ BCF = ξ CDG ⇒ σm BCF 2τ Y 0 − φ BCF = − 1 π − 2 4 (59) Consequentemente, substituindo o valor de φ estabelecido em (57) vem, σm BCF ⎛1 π⎞ = − 2τ Y 0 ⎜ + ⎟ = − τ Y 0 (1 + π ) ⎝2 4⎠ (60) Substituindo os valores determinados em (57) e (60) na expressão (9.2) obtém-se a componente de tensão σyy na face de contacto entre o punção e a placa (BC): σ yy BC = σm BCF ⎛ π⎞ + τ Y 0 sen (2φ BCF ) = − τ Y 0 (1 + π ) + τ Y 0 sen⎜ − ⎟ = − τ Y 0 (π + 2 ) ⎝ 2⎠ (61) Finalmente, o equilíbrio de forças na face BC permite calcular o valor da força de colapso Pc pretendida: Linhas de Deslizamento 24 σ yy BC × 2b = Pc ⇒ Pc = 2bτ Y 0 (π + 2 ) (62) O campo de velocidades relativo à solução de Prandtl tem as características apresentadas na Fig. 18. Um ponto material pertencente ao triangulo BCF possui uma velocidade com direcção vertical e sentido descendente, sendo a intensidade V. V B A E C D G F Fig. 18-Solução de Prandtl: campo de velocidades. A componente tangencial da velocidade é descontinua ao longo dos segmentos CF e BF, tendo uma componente normal com intensidade: V × cos(π 4 ) = V 2 (63) Ao longo dos segmentos circulares FG e FE a componente da velocidade também é descontinua sendo a componente normal nula. A intensidade do vector velocidade nos triângulos ABE e CDG é igual à estabelecida em (63). 6.1.2. Solução de Hill Uma outra solução muito conhecida e divulgada (consultar [1][6][7]) para este problema é a solução por Hill [5] que se apresenta na Fig. 19. No domínio CDEHI o campo de tensões na solução de Hill é equivalente ao campo de tensões estabelecido para o domínio BCDFG na solução de Prandtl. As condições de contorno juntamente com as equações de Hencky e as equações de equilíbrio permitem estabelecer o campo de tensões Linhas de Deslizamento 25 para o segmento BD. A solução para o campo de tensões correspondente à solução de Hill coincide com o campo de tensões estabelecido em (61) para a solução de Prandtl, pelo que a carga limite é igual nas duas soluções. P 2b v A G E α β C F φCDG D B H I Fig. 19-Problema do punção: solução de Hill. Relativamente ao campo de velocidades, os triângulos CDH e BCG apresentam um movimento de corpo rígido deslizando ao longo das linhas CH e CG respectivamente. A intensidade do vector velocidade ao longo destas linhas é de 2 V. No sector circular a velocidade sobre as linhas DH e BG é contínua, tendo componente horizontal nula (u=0) e componente vertical v=± 2 V. Nos triângulos exteriores DEI e ABF o escoamento verifica-se segundo a direcção IE e FA com uma velocidade 2 V respectivamente. 6.2. Placa com Duplo Entalhe Pretende-se determinar a carga de colapso de uma placa com entalhes em ambos os lados e sujeita a um esforço de tracção (Fig. 20). O campo de linhas de deslizamento mostra-se na mesma figura, bem como os referenciais cartesianos utilizados [6]. Na solução admite-se que a placa tem comprimento infinito, ou com uma relação comprimento/largura suficientemente grande para que as condições de contorno nas extremidades não afectem a região em estudo (entalhada). Linhas de Deslizamento 26 P y 2b B A 2γ y’ b x A C γ C β D E x’ φ’BCE P Fig. 20-Placa com duplo entalhe. No bordo livre BC o estado de tensão apresenta um valor nulo para a componente normal de tensão, ou seja, 0 = σm BCE + τ Y 0 sen (2 × φ′BCE ) ⇒ σ m BCE = − τ Y 0 sen (2φ′BCE ) (64) em que φ′BCE é o ângulo de orientação das linhas α no referencial x’y’, e que é estabelecido a partir do valor da tensão de corte no mesmo bordo: τ x ' y ' = τ Y 0 cos(2φ′BCE ) = 0 ⇒ φ′BCE = ± π 4 (65) Tomando φ′BCE = − π 4 a tensão média estabelecida em (64) vem: σm BCE ⎛ ⎛ π ⎞⎞ = − τ Y 0 sen⎜ 2 × ⎜ − ⎟ ⎟ = τ Y 0 ⎝ ⎝ 4 ⎠⎠ (66) o que denota um valor positivo para a componente da tensão normal com a direcção do bordo: σ x 'x ' = σ m BCE − τ Y 0 sen (2 × φ′BCE ) = τ Y 0 − τ Y 0 × (− 1) = + 2τ Y 0 (67) Este valor é simétrico do obtido para a mesma componente de tensão no problema do punção (estabelecido em (56)). Nesse problema o carregamento originava um esforço de Linhas de Deslizamento 27 compressão, enquanto que neste exemplo origina um esforço de tracção, pelo que o sinal negativo atribuído ao ângulo φ′BCE parece correcto (a confirmar seguidamente). De acordo com a Fig. 20 no referencial xy ter-se-á no triângulo BCE o ângulo: φ BCE = − π 4 − γ (68) A equação de Hencky (13.2) permite determinar a constante ao longo das linhas β σm BCE 2τ Y 0 + φ BCE = ηBCE ⇒ ηBCE = τ Y0 π 1 π − −γ= − −γ 2τ Y 0 4 2 4 (69) Este valor, calculado para o triângulo BCE, mantém-se constante e é igual no triângulo ABD em que as linhas α formam com o eixo x o ângulo φ ABD = − 3π 4 . Esta igualdade permite calcular o valor da tensão média no domínio ABD: η ABD = ηBCE ⇔ σm ABD 2τ Y 0 − 3π 1 π = − − γ ⇒ σm 4 2 4 ABD = τ Y 0 (1 + π − 2 γ ) (70) Substituindo a tensão média determinada em (70) bem como o valor do ângulo φ ABD na equação (9.2) obtém-se o valor da tensão normal vertical ao longo do segmento AB: σ yy AB = σm ABD ⎛ ⎛ 3π ⎞ ⎞ + τ Y 0 sen (2φ ABD ) = τ Y 0 (1 + π − 2 γ ) + τ Y 0 sen⎜ 2 × ⎜ − ⎟ ⎟ = τ Y 0 (2 + π − 2 γ ) ⎝ ⎝ 4 ⎠⎠ (71) O facto de a componente do estado de tensão σyy ter apresentado um valor positivo, o que indica em esforço de tracção, permite concluir que o valor negativo para o ângulo φ′BCE , admitido anteriormente, estava correcto. O equilíbrio de forças na face de ligação AB permite calcular o valor da força de colapso Pc pretendida: σ yy AB × 2 b = Pc ⇒ Pc = 2 bτ Y 0 (2 + π − 2 γ ) (72) 6.3. Viga de Alma Alta em Consola A Fig. 21 representa uma viga de alma alta encastrada na extremidade esquerda e na extremidade direita é solicitada por uma força vertical. Admitindo o problema como um estado plano de deformação e assumindo um material perfeitamente plástico com τ Y 0 como valor para a tensão de cedência ao corte, pretende-se determinar o valor da carga limite. Tome-se ainda o campo de linhas de deslizamento representado na Fig. 21 [6]. Linhas de Deslizamento A 28 α B β D 2δ R D′ 2h O C C′ P β A′ α B′ L Fig. 21-Viga em consola: dimensões e condições de contorno; campo de linhas de deslizamento. Em AB conhecem-se as seguintes condições de contorno: σx = 0 (73.1) τx (73.2) 2 1 x2 =0 A transformação das componentes relativas ao estado de tensão de um referencial em que os eixos coincidem com a direcção da tensão média e da tensão de corte máxima para um referencial cartesiano x1x2 pode-se realizar do seguinte modo: σ x1 = σ − τ Y 0 sen (2φ) (74.1) σ x 2 = σ + τ Y 0 sen (2φ) (74.2) τ x1x 2 = τ Y 0 cos(2φ) (74.3) Substituindo as condições de contorno relativas ao segmento AB em (74.3), obtémse para o referido segmento: τ Y 0 cos(2 φ) = 0 ⇒ 2φ = ± resultando: π π → φ=− 2 4 (75) Linhas de Deslizamento 29 ⎛ ⎛ π ⎞⎞ σ + τ Y 0 sen⎜⎜ 2 × ⎜ − ⎟ ⎟⎟ = 0 ⇒ σ = τ Y 0 ⎝ ⎝ 4 ⎠⎠ (76.1) ⎛ ⎛ π ⎞⎞ σ x1 = σ − τ Y 0 sen⎜⎜ 2 × ⎜ − ⎟ ⎟⎟ ⇒ σ x1 = 2τ Y 0 ⎝ ⎝ 4 ⎠⎠ (76.2) A B φ=π/4 ε b δ φ π/4 δ ε O C D E R Fig. 22-Campo de linhas de deslizamento: relações geométricas. Da Fig. 22 pode-se tirar a seguinte relação de ângulos: π π φ= =ε + δ ⇒ δ= − ε 4 4 (77) Aplicando as relações de Hencky ao triângulo ABC obtém-se: σ 1 π − φ=ξ ⇒ ξ= + 2τ Y 0 2 4 (78.1) σ 1 π + φ=η ⇒ η= − 2τ Y 0 2 4 (78.2) Mas do triângulo ABC para o triângulo ACD tem-se as mesmas linhas β (η=cte), o que permite calcular a tensão média no triângulo ACD, Linhas de Deslizamento 30 η 67 8 σ′ σ′ 1 ⎛ π ⎞ 1 π + ⎜− − ε⎟ = − ⇒ − ε= 2τ Y 0 ⎝ 4 2τ Y 0 2 ⎠ 2 4 (79.1) σ ′ = τ Y 0 (1 + 2ε ) (79.2) pelo que para o segmento AD vem: ξ AD = τ (1 + 2ε ) π π σ′ 1 − φ = Y0 + + ε = (1 + 2ε ) + + ε 2τ Y 0 2τ Y 0 4 2 4 (80) e igualmente para o segmento posicionado simetricamente (A′D′): σ ′ = − τ Y 0 (1 + 2ε ) (81) vindo do mesmo modo: ξ A′D′ = − 1 (1 + 2ε ) + 3π − ε 2 4 (82) Mas fazendo uso da expressão de Hencky, isto é, ξAD=cte=ξA′D′, pelo que igualando (80) e (82) obtém-se o ângulo ε: − 1 (1 + 2ε ) + 3π − ε = 1 (1 + 2ε ) + π + ε ⇒ ε = π − 1 ≈ 8,17º 2 4 2 4 8 4 (83) que substituindo em (77) permite obter o ângulo δ: δ= π 1 + ≈ 36,82º 8 4 (84) Ainda com base na Fig. 22, é possível retirar a seguinte relação geométrica: R sen (δ ) + b cos(δ ) = h (85) No arco DD′ tem-se a tensão tangencial igual a τ Y 0 . A tensão normal é calculada com a partir da igualdade ξ=cte=ξAD, ou seja, substituindo (83) em (80), 1 ⎛ 2π 2 ⎞ π π 1 π ξ = ξ AD = ⎜1 + − ⎟ + + − ⇒ ξ= 2⎝ 8 4⎠ 4 8 4 2 (86) Atendendo à expressão de Hencky obtém-se a tensão média (normal) ao longo do arco DD′, Linhas de Deslizamento 31 π π σ σ ⎞ ⎛ π − θ + = ⇒ σ = 2τ Y 0 θ − ⎜ − + θ⎟ = ξ ⇒ 2τ Y 0 ⎝ 2 2τ Y 0 2 2 ⎠ (87) Considere-se um arco arbitrário θ medido no sentido directo e nesse ponto um arco infinitesimal dθ (Fig. 23). -π/2+θ -π/2 δ D dθ R θ O Fig. 23-Campo de linhas de deslizamento: arco DD′. Fazendo o somatório de forças em x2 (vertical) da parte definida pela secção ADE até à extremidade direita da peça tem-se: δ δ P Rdθ cos(θ) − ∫ 2τ Y 0 θdθ Rsen(θ) + τ Y 0 b cos(δ ) − σ ′b sen (δ ) = 2 0 0 4 43 4 14243 1 442443 1 44 42444 3 142 ∫τ Y0 tensão de corte em DE corte em AD tensão normal em DE θ R normal em AD δ δ θ θ R b (88) b θ Substituindo (79.2) em (88) e calculando os respectivos integrais obtém-se a seguinte equação: 0,03 × b + 0,43 × R = P 2τ Y 0 (89) As equações (85) e (89) constituem um sistema de equações em que as incógnitas são as dimensões b e R. Substituindo (84) em (85) e resolvendo o referido sistema de equações obtém-se então duas dimensões geométricas relativas à construção do campo de linhas de deslizamento sugerido na Fig. 21: Linhas de Deslizamento 32 R = − 0,0461 × h + 1,2283 b = 0,6592 × h − 0,9197 P τ Y0 (90.1) P τ Y0 (90.2) Encontrando-se o campo de linhas de deslizamento perfeitamente definido, pode-se então determinar a carga de rotura. Para o efeito pode-se recorrer à equação de equilíbrio de momentos relativamente a O, P (L + R cos(δ) − bsen(δ)) = τ Y 0 bR + τ Y 0 (1 + 2ε ) × b × b + τ Y 0 δ × R × R 2 4444244443 1 2 144244 1 42444 3 424 3 144 3 (91) força exterior Substituindo (83), (84) e (90) em (91), obtém-se finalmente uma equação (não linear) em P: 2 ⎛ P ⎞ ⎛L ⎞ P ⎟⎟ = 0 0,5005 − ⎜ − 0,4320 ⎟ − 0,7674⎜⎜ ⎝h ⎠ τ Y0 × h ⎝ τ Y0 × h ⎠ (92) Admitindo por exemplo uma relação de L/h=3 e resolvendo a equação (92), obtinhase a seguinte carga de rotura em função da tensão de cedência: P = 0,185 ⇒ Pr = 0,185 × τ Y 0 × h τ Y0 × h (93) Linhas de Deslizamento 33 Referências [1] Chakrabarty, J., (1987), Theory of Plasticity, McGraw-Hill, Singapore. [2] Fung, Y.C., (1965), Foundations of Solid Mechanics, Prentice-Hall, New Jersey, U.S.A. [3] Geiringer, H., (1930), Proc. of third Int. Cong. Appl. Mech., Estocolmo. [4] Hencky, H., (1923), Z. angew. Math. Mech., Vol.3. [5] Hill, R., (1949), The Q. J. Mech. Appl. Math., Vol.2. [6] Kachanov, L.M., (1974), Fundamentals of the Theory of Plasticity, MIR Publishers, Moscow. [7] Lubliner, J., (1972), Plasticity Theory, Macmillan Publishing Company, New York. [8] Prandtl, L., (1920), Göttinger Nachr., Math. Phys. Kl. [9] Tresca, H. (1864), The non-linear field theories of mechanics, Handbuch der Physic, Vol.III/3, Springer-Verlag, Berlin. [10] von Mises, R. (1913), Mechanic der Festen Körper in Plastisch Deformablem Zustand, Göttinger Nachr. Math. Phys. Kl., pp.582.