ISLÃ E ISLAMISMO: “BOKO HARAM”, UMA AMEAÇA FUNDAMENTALISTA NO CONTINENTE AFRICANO PHILIPPINI, Ruth Aparecida Sales1 RESUMO: Este texto analisa as ações violentas na região do continente africano, mais especificamente, no norte da Nigéria, do surgimento e o desenvolvimento do grupo radical islâmico “Boko Haram”. Aborda a origem histórica do Islã e sua expansão pelo continente africano, onde também se nota uma onda fundamentalista. O fundamentalismo islâmico é um fenômeno recente, do início do século XX. Porém, suas raízes remontam ao século VIII, ou seja, à própria história do desenvolvimento do Islã, como uma resposta de resistência à cultura moderna ocidental em terras islâmicas, inclusive, em solo africano. A região africana, atualmente correspondente à Nigéria, já apresentava condições políticas e sociais para que, em seu território, surgissem movimentos de grupos radicais islâmicos, pois, desde o final do século XVIII, ali ocorreu uma onda islamizadora denominada de “militância protofundamentalista”, com a aplicação de regras rígidas da “Lei Islâmica” na sociedade. Esse cenário precedente, de certo modo, contribuiu para o aparecimento do fundamentalismo islâmico do “Boko Haram”, que se apresenta como um grupo “jihadista” em luta pela preservação da “Sharia”, para combater a corrupção de governos locais e a presença de devassidões e depravações na sociedade africana, sob a acusação de serem vícios degradantes trazidos pelo modo de vida ocidental. Palavras-chave: Islã. Fundamentalismo islâmico. África. “Boko Haram”. ABSTRACT: This text examines the mergence and development of the Islamic radical group "Boko Haram" and hrincreasingviolent actionsin the region of the African continent, more specifically, in the North of Nigeria and vicinity. Discusses the historical origin of Islamandits expansion by the African continent,also note a fundamentalist wave. Islamic fundamentalism is a recent phenomenon, the early 20th century, butits roots date back to the 8th century, that is, the history of the development of Islam, as a response to resistance tomodern Western culture in Islamic lands, including, on African soil. The African region, that is now Nigeria, had political and social conditions so that, inits territory, there was the radical Islamic group movements, because, since the late 18TH century, there ocurred slamizadora wave called "protofundamentalista" militancy, with the application of strict rules of "Islamic law" in society. This previous scenario, in a way, contributed to the emergence of Islamic fundamentalism "Boko Haram" which presents itself as a jihadist group to fight for the preservation of "Sharia", to combat corruption in local governments and the presence of devassidões and depravity in African society, under the accusation of being degrading vices brought the Western way of life. Keywords: Islam. Islamic fundamentalism. Africa. "Boko Haram". 1. INTRODUÇÃO: PROPOSIÇÃO DO PROBLEMA 1 Profª Especialista, Ruth Aparecida Sales Philippini – Secretaria de Educação / Aparecida-SP Edição 12 – Dezembro de 2016 Conflitos políticos internos e a descoberta de enormes reservas de petróleo, aliadas a uma má gestão estadista, com muita corrupção, fazem da Nigéria, no norte da África, um país propenso ao surgimento de movimentos alternativos de comando, empenhados em fornecer paliativos às carências do Estado em todos os setores sociais. Na realidade, esses movimentos buscam ocupar o vazio de poder existente nessa região e impactam a vida cotidiana das sociedades locais. Sabe-se que o continente africano, desde o século VIII, foi palco do expansionismo islâmico. Mais tarde, já no século XVIII, a região africana correspondente à atual Nigéria, experimentou uma onda islamizadora conhecida por “militância protofundamentalista”, caracterizada pela incidência rígida da “lei islâmica” para controle da sociedade. Não tardaria também para chegar ao continente africano a vertente radical do Islã, ou seja, o próprio fundamentalismo islâmico desenvolvido ao longo do século XX. É na toada dessa onda fundamentalista que surge, nesse limiar de século XXI, como protagonista desse estilo de vida, o grupo radical islâmico do “Boko Haram”. Em pouco tempo, ele se tornou uma das mais conhecidas entidades “jihadistas” do mundo, realizando as mais diversas formas de violências, tais como, massacres de infiéis, sequestros de mulheres, destruição de cidades inteiras. No fundo, o “Boko Haram” parece seguir um fundamentalismo religioso, com forte componente ideológico, tendo a pretensão de tomar o poder e criar um Estado islâmico na Nigéria, com influência em outras regiões vizinhas, dirigido pelas mais rígidas regras da “Sharia”. Essa pesquisa tem como objetivo mostrar o surgimento, bem como o desenvolvimento do fundamentalismo islâmico do grupo “jihadista” do “Boko Haram”. 2. METODOLOGIA É a partir da perspectiva de um ambiente marcado por conflitos políticos e disputa de poder que se pretende analisar o surgimento e o desenvolvimento do fundamentalismo islâmico do grupo “jihadista” do “Boko Haram”. Para tanto, logo de início, será necessário uma abordagem sobre a origem histórica do Islã e seu expansionismo pelo continente africano, desde o século VII até o século XVIII. Em seguida, a discussão será direcionada, especificamente, para o fundamentalismo islâmico, um fenômeno bastante recente, mas que tem suas raízes na própria história do desenvolvimento do Islã e alcançará enorme expressividade no século XX, como uma resposta de resistência à penetração da cultura moderna do mundo ocidental em terras islâmicas. Na etapa seguinte, será examinado mais de perto o continente africano, notadamente, a região correspondente à atual Nigéria e adjacências, para se perceber que, nessa mesma região, Edição 12 – Dezembro de 2016 desde o século XVIII, os africanos se encontravam entre a escravidão e um processo de islamização, denominado de “militância protofundamentalista”, que foi marcado pela conversão dos fulani e da formação do reino de Sokoto, onde a história já registrou um governo baseado nos mais rígidos preceitos islâmicos. Após essa incursão, por último, a investigação se concentrará no surgimento e desenvolvimento, no ambiente nigeriano e circunvizinhança, do movimento extremista islâmico chamado “Boko Haram”, um grupo “jihadista” que tem alcançado conquistas territoriais e já impôs o seu “governo” por algumas regiões, submetendo segmentos da sociedade aos rígidos preceitos de seus “ensinamentos islâmicos” e desafiando o poder tanto de autoridade locais, quanto de potências internacionais, a conterem suas pretensões de formar um Estado islâmico, sob a regência da “Sharia”, em lugar de um governo baseado na democracia e nos valores ocidentais, considerados nefastos e causadores de muitas corrupções políticas e outras degenerações religiosas e morais na região africana. 3. ANÁLISES E RESULTADOS 3.1. Origens e expansão do Islã: da península arábica ao continente africano No início do século VII, criou-se uma nova ordem política, que incluía toda península arábica, todas as terras sassânidas e as províncias sírias e egípcias do Império Bizantino. Desapareceram as velhas fronteiras e surgiram outras novas. Nessa nova ordem, o grupo dominante foi formado não pelos povos dos impérios, mas pelos árabes da Arábia Ocidental, sobretudo de Meca. É a história dos povos árabes. Uma história das regiões de língua árabe do mundo islâmico, desde o início do Islã até os dias atuais. O mundo islâmico teve sua criação entre os séculos VII e X. Essa criação é entendida como um novo poder num velho mundo. Ela é ao mesmo tempo a formação de um império e de uma sociedade, com a articulação de ambos dentro do universo político e religioso do Islã. (HOURANI, 1994, p. 23-26). Não deixa de ser curioso o impacto do surgimento do Islã: Antes do fim do século VII, esse grupo governante árabe identificava sua nova ordem como uma revelação dada por Deus a Maomé, um cidadão de Meca, sob a forma de um livro santo, o Corão: uma revelação que completava aquelas que haviam sido anteriormente feitas a profetas ou mensageiros de Deus, e criava uma nova religião, o Islã, distinta do judaísmo e do cristianismo. (HOURANI,1994, p. 32). Edição 12 – Dezembro de 2016 O Islã teve início no século VII da era comum, na península arábica, região do Oriente Médio. Para a sua expansão, foram realizadas conquistas frente aos exércitos do Império Bizantino e a Pérsia dos sassânidas. Já no ano 650, os muçulmanos tinham conseguido importantes conquistas. Não deixa de ser interessante notar a força da expansão muçulmana: “Os muçulmanos ocuparam então outras partes do Irã e rumaram para o Leste, com tamanha força e tão eficazmente que, em 29/650, eles haviam atingido os confins da Índia, o Norte do Iraque, a Armênia e o AmuDarja (Oxus).” (EL FASI; HRBEK, 2010, p. 59). O Islã absorveu, gradualmente, a grande maioria das populações do Oriente Médio, muito mais do que ele foi assimilado à cultura anterior dessas populações. Esse processo ocorreu num período quando o Oriente Médio constituía o total do "Dar al-Islam" (“Casa do Islã”). O Oriente Médio, região da revelação corânica e da atuação de Maomé e dos primeiros Estados Muçulmanos, serviu de modelo para o resto do mundo muçulmano. Depois da morte do Profeta Maomé, líder da religião islâmica, os primeiros califas “rashidun”, vale dizer, “bem-guiados” ou “corretamente guiados”, iniciaram a expansão para o exterior da península arábica. Nesse sentido, se voltaram para o Egito que, aparentemente, se apresentava como um território fácil de conquistar. Após a sua conquista, os muçulmanos rumaram para a África do Norte. O advento do Islã fez possível a relação entre árabes e africanos. Os árabes começaram a se estabelecer no continente africano a partir do século VII, em vastas regiões da África. Esta expansão se deu muito mais pelo comércio, pela influência cultural de professores e místicos do que através de conquistas militares. O processo de conquista pelos árabes iniciou pelo “Magreb”, região ocidental do mundo muçulmano, seguindo pelo Saara e chegando à África atlântica. (DEMANT, 2013, p. 74). Os fatores para essa presença podem variar. Fragilidade dos Estados africanos, muitos deles imersos em crises. Disputas entre missionários cristãos e muçulmanos. Rápida infiltração do Islã no continente negro. De qualquer modo, negros africanos constituem, atualmente, um componente significativo do mundo muçulmano. A islamização da África é mais semelhante àquela que ocorreu na Indonésia do que no Oriente Médio ou na Índia. A expansão do Islã no continente africano foi tardia. Ela seguiu três direções: do “Magreb” atravessou o Saara e alcançou a África ocidental; do rio Nilo acima, foi do Egito para a África setentrional-oriental; e, por fim, mercadores do Iêmen e Omã e migrantes do subcontinente indiano fundaram assentamentos no litoral da África oriental, de onde seguiram para estabelecerem a presença muçulmana no interior. De todas essas direções, tal penetração continua até os dias atuais. (DEMANT, 2013, p.73-76). Edição 12 – Dezembro de 2016 Não se deve imaginar, porém, que a islamização da África ocorreu com facilidades; ao contrário, ela teve fatores peculiares ao continente. A propagação do Islã não se deu de forma cadenciada. A sua difusão variou segundo as regiões. A islamização da África do Norte, sobretudo, a do Egito e do Sul do Saara (África Tropical), foi resultado da grande conquista árabe. Na região do Egito, então província Bizantina, a conquista não encontrou muita resistência, haja vista que, nesse período, havia um confronto entre o monofisismo e a Igreja oficial ortodoxa bizantina, que submetia os coptas, adeptos do monofisismo, a taxas altíssimas e outras formas de submissão. Desse modo, “tem-se o direito de pensar que este enfrentamento entre as duas igrejas cristãs do Egito tenha facilitado, em certa medida, a rápida conversão dos egípcios ao Islã”. (EL FASI, 2010, p. 73). Outro fator facilitador da islamização do Egito foi a chegada dos árabes beduínos, originários do Crescente fértil, e que se firmaram como agricultores. Na região do “Magreb”, o processo de islamização ocorreu mais lentamente, devido ao fato dos habitantes dessa região, sob o domínio romano, há muito tempo, se encontrarem convertidos ao cristianismo. Assim, observa-se que em várias regiões, “essencialmente no Sāhil, as regiões meridionais e a zona do Mzāb, os africanos cristãos romanizados ainda formavam, dois séculos após a conquista, a maioria da população”. (EL FASI, 2010, p.75). Embora tenha havido resistência por parte dos cristãos, já no século XV, os muçulmanos eram maioria em relação aos cristãos. Na região do deserto do Saara, na parte Ocidental, a islamização ocorreu no apogeu do Império Mali, início do século XIV, com o governo de “Mansa” Mussa (1312-1332). O Império abrangia toda a África Ocidental sudano-saheliana, e era formado por várias etnias. Havia um único conjunto político, do qual faziam parte nômades e pastores, os povos do Sahel, os agrupamentos da savana e os Dogon. “Mansa” Mussa, também conhecido por Kankan Mussa, era irmão de Abubakar, que o sucedeu no trono. “Mansa” Mussa foi o grande responsável por converter o Império para o Islã. A tradição oral atesta que “Mansa” Mussa foi o primeiro soberano de Mali a abraçar fielmente a fé islâmica. A islamização no continente africano se estendeu até o Sudão Ocidental, e essa reversão ao Islã deve-se aos ibaditas, ou seja, “[...] comerciantes ibaditas vindos da África do Norte frequentavam Tādmekka; a cidade tornara-se um dos maiores centros das suas atividades missionárias junto a populações sudanesas”. (HRBEK, 2010, p.85). A região habitada pelos núbios era inteiramente cristã. Houve resistência no processo de islamização desses povos. Os mercadores árabes que vinham do Alto Egito e se instalavam na capital Al-Makurra e em cidades costeiras como ‘Aydhāb, Bādī e Sawākin foram os propagadores da religião muçulmana. Edição 12 – Dezembro de 2016 A islamização dos falantes da língua banto, ou seja, os povos da África Oriental, se restringiram às localidade costeiras, de Lamu a Moçambique, não penetrando no interior do país. É por isso que se diz que “o Islã não teve sucesso senão junto as populações do litoral que estavam em contato imediato com os imigrados árabes e/ou persas instalados nestas cidades.”(HRBEK, 2010, p.108). Na região do Nordeste africano, ou o Chifre da África, houve o ingresso do Islã, a partir dos dois grandes eixos comerciais pelos quais se comunicam as ilhas Dahlak e Zaylā’. Assim, tal como na região habitada pelos núbios, a penetração do Islã no Nordeste africano também encontrou obstáculos pela Igreja cristã, que era influente no Norte do país, tal como se pode notar nos seguintes dizeres: As ilhas Dahlak foram provavelmente o ponto de penetração das comunidades muçulmanas no Norte da Etiópia, porém foi de Zaylā’, importante porto do Golfo de Aden, que deve ter partido o movimento de penetração no Sul, ou seja, na província do Shoa. (HRBEK, 2010, p.104). É necessário se ter uma visão do impacto do mundo muçulmano e de sua civilização sobre a África e os povos africanos. Há regiões do continente africano que se encontraram assimiladas ao Império muçulmano, desde o final da onda de conquistas, que atingiu o Egito e a África do Norte. Em seguida, houve regiões que sofreram, de uma maneira ou de outra, a influência do Islã ou dos povos muçulmanos, sem que elas tenham sido politicamente anexadas por algum grande Estado islâmico da época. (HRBEK, 2010, p.7). Esse é o cenário de introdução de conquistas árabes e expansão islâmica no continente africano, que compreende o período anterior ao século XVII. Após tal período, inicia-se uma nova etapa da islamização, que coincidiu com o apogeu da fase escravista, em que parte dos escravos comercializados era muçulmana. 3.2. Islã e islamismo: o desenvolvimento do fundamentalismo islâmico A origem do termo fundamentalismo tem início dentro do protestantismo norte-americano. Surgiu no começo do século XX nos EUA, quando protestantes determinaram que a fé cristã exigia acreditar em tudo que está escrito na Bíblia. Atualmente o termo fundamentalismo é comumente utilizado para movimentos parecidos em outras religiões. Dentro da religião muçulmana, para designar o fundamentalismo islâmico, o termo islã político é aceitável, assim como revitalismo islâmico. Outra designação conhecida e também usada por alguns autores e que igualmente indicam fundamentalismo islâmico é islã radical ou mesmo radicalismo islâmico. Os árabes, em sua literatura, utilizam o termo “al-usuliyya alEdição 12 – Dezembro de 2016 islamiyya”, que corresponde a fundamentalismo muçulmano, ou, ainda,“islamiyya”, que significa islamismo. (DEMANT, 2013, p. 194). Os fundamentalistas islâmicos advogam a aplicação da “Sharia” ou “Lei Islâmica” como único fundamento de organização da sociedade. O fenômeno do fundamentalismo islâmico deve ser entendido enquanto regresso absoluto à Escritura como único fundamento de toda a crítica e renovação religiosa. (ETIENNE, 1987, p. 168). Pela sua finalidade, todo fundamentalismo pressupõe uma imposição profunda da “Sharia” a uma sociedade secularizada, opondo-se ao Estado democrático e laico, porque sua perspectiva é a do Estado teocrático. O fundamentalismo islâmico constitui uma resposta à modernização de um mundo ocidentalizado. O islamismo é uma ideologia política antimoderna, antissecularista e antiocidental, cujo projeto é converter o indivíduo para que se torne um muçulmano religioso observante, é transformar a sociedade formalmente muçulmana em uma comunidade religiosa voltada ao serviço a Deus e estabelecer o reino de Deus em toda a Terra. (DEMANT, 2013, p. 201). O fundamentalismo muçulmano tem raízes na própria história do desenvolvimento do Islã, mais especificamente, das escolas de jurisprudência ortodoxas (“madhhabs”) do “Código de Leis Islâmicas” (“fiqh”: “entendimento” ou sistema de interpretação da “Sharia” - “Código religioso, moral e legal islâmico”). Entre os séculos VIII e IX (780-855), desenvolveu-se uma interpretação mais rigorosa da lei islâmica, preconizando uma volta às origens, qual seja, o “hanbalismo” de Ahmad ibn Hanbal. No século XIV, o teólogo Ibn Taimiyya tomou por sustentação o hanbalismo para alicerçar seu pensamento fundamentalista, inspirando assim os “wahhabitas”. (DEMANT, 2013, p. 48). No início do século XVIII, na Arábia Central, houve um movimento que pode ter parecido menos importante na época, mas que teria largo significado depois. Um reformador religioso, Muhammad ibn Abdal-Wahhab (1703-1782), começou a pregar a necessidade de os muçulmanos voltarem à doutrina do Islã (tal como a entendiam os seguidores de Ahmad ibn Hanbal): estrita obediência ao Corão e ao “Hadith”, como interpretados por sábios responsáveis em cada geração, e rejeição de tudo que se pudesse interpretar como inovações ilegítimas. O salafismo surgiu no século XIX como resposta à influência europeia no mundo islâmico, tratando-se de uma linha de pensamento que defende adesão e observância rigorosa, literal, à doutrina islâmica. Fundada em 1928, no Egito, com o objetivo de libertar a nação islâmica do controle de infiéis (“Kafir”) e estabelecer um Estado Islâmico Unificado, surge a Irmandade Muçulmana egípcia (“Fraternidade Muçulmana”), conhecida por “Sociedade de Irmãos Muçulmanos” ou apenas “Irmandade” (“Jamiatal-Ikhwanal-Muslimun”). Duas figuras exercem uma influência poderosa sobre a Irmandade: Hassan al-Banna e Sayyd Qutb. A ideologia islamista de Sayyd Qutb, Edição 12 – Dezembro de 2016 entretanto, exerceu enorme influência nos pontos principais que sustentam o próprio fundamentalismo, tendo recebido influência do intelectual indiano Abu al-Ala Mawdudi, formado na ultraconservadora escola dos deobandis. Há pelo menos cinco pontos que marcam esse fundamentalismo islâmico: o primeiro é a antiapologia, ou seja, o Islã se basta a si mesmo, não precisando de fontes externas e nem de harmonização com outras ideologias; o segundo é o antiocidentalismo, que significa rejeitar os valores da cultura ocidental e até contra-atacar as suas influências no mundo islâmico; o terceiro é o literalismo, vale dizer, o texto sagrado deve ser entendido tal como está escrito, sem abrandamentos de seus conteúdos normativos; o quatro é a politização, isto é, formação de um Estado islâmico (não apenas um Estado muçulmano), cuja constituição é o próprio Corão, base de toda a legislação, tendo como governante um muçulmano devoto e autêntico; e, o quinto é o universalismo, quer dizer, o Islã aspira a revirar todos os lugares até o “jihad” islamizar o mundo inteiro. (DEMANT, 2004, p. 204-210). Os principais movimentos fundamentalistas sunitas se inspiraram nessa organização e defendem o emprego da “Sharia” como única forma de organizar a sociedade, buscando estabelecer a lei islâmica como base para governo e sociedades. 3.3. Os africanos: entre o negócio da escravidão e o processo de islamização No século XVIII, apogeu da escravidão, teve início uma nova etapa da islamização africana. Passou a existir uma relação entre o negócio da escravidão e o mundo muçulmano na África. Com o surgimento das novas elites africanas, grande parte de escravos comercializados era de muçulmanos. Mas, nesse cenário, a expansão do Islã também não deixou de acontecer, convertendo os povos africanos, já bem situados em seus territórios, tais como, os “haussas” e os “iorubás”. A expansão islâmica foi abrangente, alcançando até a costa atlântica do continente africano. Em geral, são apontados dois fatores para esse novo avanço islâmico. Um deles, o vínculo bastante estreito entre comércio e religião. O outro, a presença de ordens místicas no continente, colaborando não apenas para a expansão, mas também para o aprofundamento da religião nos ambientes da cultura africana. (DEMANT, 2004, p. 142). Na realidade, a questão estava mesmo relacionada à própria conversão ao Islã. Era um momento decisivo, já em tempos contemporâneos, de aceitação ou não da nova fé entre muitos dos africanos. É bem verdade que não houve, tão imediatamente, uma conversão total e profunda dos povos ao Islã. No começo, a fé islâmica difundida ficou mesclada com as religiosidades africanas. Práticas ritualísticas islâmicas misturavam-se com tradicionais práticas politeístas dos africanos. Houve uma curiosa combinação Edição 12 – Dezembro de 2016 de espíritos “pagãos” com espíritos sobrenaturais (“jinns”). Ocorria um verdadeiro sincretismo religioso, mas que não ficou muito tempo longe de ataques. Não é por outra razão que assim se diz: “Com a proliferação de mesquitas, de escolas corânicas e da doutrinação por cartas tariqas, contudo, a pressão para uma prática religiosa mais ortodoxa começou a crescer”. (DEMANT, 2004, p. 142). A ideia de “tariqa” merece maior atenção. Ela envolve a importância de se ensinar o caminho de crescimento espiritual. Obviamente, os africanos precisavam aprender a caminhar e crescer na espiritualidade islâmica, de acordo com a ortodoxia. Essa onda islamizadora teve seus reais impactos na sociedade africana, desde o final do século XVIII e durante o XIX. Nesse período, houve aquilo que se denominou de “militância protofundamentalista” mais enfática. Regras rígidas do Islã foram aplicadas com maior vigor, tais como, proibição do uso de bebidas alcoólicas, término da veneração de túmulos de santos, oposição a superstições, vedação a certas liberdades das mulheres e outras restrições contrastantes com os costumes africanos. Não pode passar despercebido o seguinte: As jihad, cujo teatro foi a África do Oeste no século XIX, eram essencialmente campanhas de inspiração religiosa, destinadas a concretizar os principais ensinamentos e práticas, características dos primórdios do Islã; mas, como este último é uma religião total que engloba todos os aspectos da vida social, os diferentes móveis destes movimentos religiosos, sociais, econômicos e políticos são indissociáveis. [...]. Os revolucionários da África do Oeste [...] eram homens de religião. Teóricos de intensa estatura e chefes carismáticos, cujas vidas e ações conformavam-se escrupulosamente ao exemplo de Muhammad, bem como às prescrições da Sharia. (BATRAN, 2010, p. 620). É sempre lembrada pela historiografia africana a conversão dos “fulani” ao Islã. Usmani dan Fodiô, “tuculone” do Futá-Toto, expressou a revolta dos muçulmanos contra a corrupção de costumes e, desde 1804, iniciou pregação religiosa nas regiões sudanesas, chegando a proclamar a “jihad” (“guerra santa”) contra infiéis. (RODRIGUES, 1990, p. 102). Após sua morte, em 1817, deixou a herdeiros um poderoso sultanato, centralizado em Sokoto. Mohamed Bello (1817-1837) organizou a massa de povos reunida pela pregação de seu genitor. Ele proibiu a escravização de muçulmanos, direcionando o fluxo do tráfico de escravos contra tribos pagãs. Depois de seu falecimento, seus dois irmãos, Usmane (1837-1842) e Ali (1842-1859) exerceram o poder com base nos rígidos preceitos islâmicos. (RODRIGUES, 1990, p. 103). O impacto do colonialismo europeu mudaria o quadro africano. Franceses, britânicos, belgas, italianos e portugueses construiriam na África governos concorrentes com as regiões islâmicas independentes. Foram os ingleses, especialmente, que acabaram com a independência de Sokoto, logo integrado na colônia da Nigéria. De qualquer maneira, durante o período colonial, não deixou de haver um paradoxo no continente africano. As rápidas transformações políticas e econômicas impostas pela colonização acabaram Edição 12 – Dezembro de 2016 gerando o enfraquecimento dos fortes e tradicionais laços familiares e sociais tão importantes na cultura africana. Com essa situação paradoxal, surgiu um ambiente de confusão que “beneficiava o Islã, religião que combina o universalismo de sua mensagem com uma latente oposição ao Ocidente imperialista.” (DEMANT, 2004, p. 144). Não há dúvidas de que o colonialismo ocidental liquidou quase todos os reinos independentes do continente africano, mas a reação muçulmana à invasão estrangeira não deixou de existir, ainda que com variações de uma para outra sociedade. No entanto, a islamização resistiu à própria reviravolta das independências africanas que também chegaram ao continente mais tarde. Seu crescimento entre os africanos não parou, mesmo nas tantas crises experimentadas entre eles. Na África, o Islã encontrou até mesmo uma posição ideal para se aproveitar de crises. Séculos de contato africano com o Islã têm apresentado três configurações básicas das sociedades africanas. Há aquelas amplamente muçulmanas, onde as irmandades religiosas continuam com muita força, tornando-se o Islã veículo de integração social. Existem outras em que os muçulmanos são minoritários, sem condições de impor sua vontade à maioria. E há ainda as sociedades de maior complexidade, divididas mais igualitariamente entre muçulmanos e outros grupos. São estas últimas que tem se mostrados lugares mais inclinados para os conflitos religiosos. Entre elas, destaca-se a Nigéria e o Sudão. E esses conflitos, agora, ganham os contornos do fundamentalismo islâmico moderno. 3.4. “BokoHaram”: a assustadora presença do fundamentalismo islâmico em solo africano Na Nigéria, África Ocidental, no ano de 2001, jovens de famílias prósperas resolveram queimar seus diplomas em protestos à educação ocidental. Tiveram a iniciativa de persuadir outros jovens a não mais frequentarem escolas ocidentais, mas somente escolas corânicas. Despontava nessa manifestação a atitude embrionária do “Boko Haram”, um grupo com uma tendência ideológica religiosa, com forte fidelidade à “Sharia” e inclinado à prática de ações de combate à educação e à visão ocidental, opondo-se à democracia e à convivência pacífica entre muçulmanos e cristãos. No início, o grupo era pequeno, formado com mais ou menos cinquenta membros, e cresceu na clandestinidade, até alcançar um número de milhares de jovens. O ano de 2002 é a data apontada, em geral, para o surgimento do grupo extremista fundamentalista “BokoHaram”. O nome foi dado pela população da cidade de Maiduguri, no nordeste da Nigéria, onde o grupo fundou sua sede. O nome “Jama’atuahl as-Sunnahil-da’awatiwal-Jihad”, se traduzido para o português, Edição 12 – Dezembro de 2016 significa algo como “Pessoas Comprometidas com os Ensinamentos do Profeta para Propagação e Jihad”. No entanto, o grupo é mais conhecido pelo nome de “Boko Haram” que, no idioma “haussa”, língua mais falada no norte da Nigéria, significa “Educação Ocidental é proibida/pecaminosa”. Assim como os demais grupos fundamentalistas que foram influenciados por escolas dos primórdios do surgimento e desenvolvimento do Islã, o grupo “Boko Haram” também foi influenciado na sua radical ideologia religiosa pelo salafismo, que surgiu no século XIX como resistência à influência iluminista europeia no mundo islâmico, tratando-se de uma linha de pensamento que defende adesão e observância literal à rigorosa doutrina islâmica. Quanto à visão ideológica do grupo, assim se tem dito: “O BokoHaram surgiu em 2002, na cidade de Maiduguri no estado de Yobe, tendo como líder Mohamed Ali que convenceu outros grupos muçulmanos a se juntarem a ele e viverem como uma comunidade separatista sob a ideologia islâmica.” (PALADINI, 2014, p. 3). Com a morte do seu líder Mohamed Ali, assumiu a liderança Mohammed Yusuf, que liderou o grupo extremista até o ano de 2009, quando também foi morto. Abubakar Shekau assumiu a liderança, após a morte de Mohammed Yusuf, período em que o grupo estava já em fase de transição de uma ideologia religiosa islâmica, não totalmente radical, para uma posição ideológica mais extremada, na vertente salafista, transformando o grupo em movimento terrorista mais forte e mais letal. Em seus primórdios, o grupo não agia de modo tão incisivo em sua busca por mudanças religiosas, políticas e sociais na Nigéria, mas se limitava a procurar a estabilização da comunidade islâmica no norte do país e acreditava no embate midiático para exposição de sua ideologia. Entretanto, depois da transformação da ideologia religiosa para o salafismo, o grupo assumindo as formas mais radicais, extremistas e conservadoras do islamismo. Assim, o “Boko Haram” passou a caracterizar uma ameaça mais concreta ao resto da Nigéria e adquiriu fama e temor internacional. Em apenas poucos anos, através de massacres hediondos contra homens, mulheres e crianças, sequestros de inocentes e destruição de cidades inteiras, o “Boko Haram” tornou-se um dos movimentos terroristas mais bárbaros e terríveis do fundamentalismo islâmico, provocando inúmeros atentados assustadores pela intensidade da violência empregada em suas ações. O “BokoHaram” prega a preeminência da cultura do Islã e tem o propósito de substituir o governo nigeriano, impondo a “Sharia”, o “Código da Lei Islâmica”, através do medo espalhado com seus diversos atentados. Fala-se que a raiz fundamentalista islâmica africana tem mais de um século, quando se deu a conversão dos “fulani” ao Islã, e a região que iria se tornar a atual Nigéria passou a ser governada sobre rígidas leis islâmicas, durante a primeira metade do século XIX. Edição 12 – Dezembro de 2016 A Nigéria apresentava condições políticas e sociais para que surgisse no seu território movimentos de grupos radicais islâmicos, haja vista que o local sempre preservou uma conduta orientada pelas normas austeras ditadas pela “Sharia”.A Nigéria caiu sob domínio colonial dos britânicos durante o período da segunda metade do século XIX e da primeira década do século XX. Nessa época, os muçulmanos já ofereciam resistência à mensagem ocidental passada pelos missionários cristãos. Essa resistência só aumentou com o transcorrer do tempo, originando ações marcadas por violências extremas. Desde então, a localidade traz as marcas do confronto entre o Islã e o Ocidente. Outro fator de igual importância para o aparecimento de grupos com intenção de liderança política e religiosa rígidas é a situação de governança corrupta e os conflitos violentos que ocorrem devido à descoberta de jazidas de petróleo, tornando a região um local de aspirações lucrativas para o Estado e para as multinacionais petrolíferas que o exploram. Com descoberta e produção de petróleo em quantidades comercializáveis, este foi acicatado uma vez que havia uma outra variável: a disputa pela posse e controlo dos recursos petrolíferos. Esta disputa pelos recursos pode ser analisada como uma disputa pelo poder e, consequentemente, pela riqueza proveniente das receitas do petróleo. (OLIVEIRA, 2013, p. 1). A questão de a Nigéria possuir uma má gestão faz com que grupos radicais cresçam e se fortaleçam cada vez mais, pois o governo é incapaz de lidar de forma eficiente para atenuar a força desses grupos. Apesar de a Nigéria ter enormes reservas de petróleo e ser uma das maiores economias do continente africano, no norte do país vive uma maioria mulçumana, demasiadamente pobre. Essa situação socioeconômica faz com que surjam movimentos que se empenham em fornecer paliativos às carências do Estado em todos os domínios sociais. Todo o fundamentalismo constitui, pela sua intenção, uma resposta radical a uma insegurança existencial sentida como ameaçadora. Esta insegurança procede da incapacidade de um determinado sistema sociopolítico em proporcionar sentido, identidade, motivações, orientações e segurança protetora. (KÜNZLI apud PINTO, 1996, p. 118). O “Boko Haram” aparece em consequência também dos problemas internos da Nigéria. Surge um vácuo de poder que propicia o aparecimento de movimentos alternativos de comando. É nesse vazio de poder bem organizado que entra o grupo fundamentalista islâmico do “Boko Haram”, espalhando-se também por Chade, Níger e Camarões. Em decorrência disso, pode-se dizer que: [...] a política na Nigéria é uma agravante para que grupos como esse surjam e aumentem sua força rapidamente. A corrupção no país é um fato recorrente e os líderes do governo fazem o que for preciso para continuarem no poder. [...] O “Boko Haram” surgiu em razão de diversos problemas no país, sendo a maioria deles e os mais utilizados no discurso dos militantes, a corrupção política e má governança e suas consequências para a população. (PALADINI, 2014, p.4). Edição 12 – Dezembro de 2016 O que se pode observar da proeminência de atuações do “Boko Haram” é que a organização possui uma forte estrutura militar que pode ser considerada até mesmo superior, em termos de ações, ao próprio exército nigeriano. O grupo possui uma grande e misteriosa rede de financiamento de simpatizantes, inclusive de outros grupos terroristas fundamentalistas islâmicos. Quanto às fontes de financiamento do grupo elas não são claras. Os bancos que o grupo atacou e roubou foram supostamente as principais fontes de recursos no estágio inicial de sua atuação. Atualmente, sabe-se que as elites nigerianas também são fontes de dinheiro para o “Boko Haram”, não somente por simpatizarem com suas propostas, mas também decorrente de extorsão. Sem provas concretas, mas com claras evidências, há também indicações de fundos vindos da Al-Qaeda e do Al-Shabaab da Somália. (PALADINI, 2014, p. 4). Hoje, o “Boko Haram” tem atuações, principalmente, no nordeste da Nigéria e elas também se estendem por Camarões, Chade e Níger. Suas principais práticas terroristas envolvem sequestros de jovens estudantes nigerianos. Utiliza-se também de ações violentas comuns aos demais grupos terroristas, tais como os vários ataques causados por homens e carros bombas a diversificados alvos, tais como, escolas, hospitais, entre outros. Dessa forma, o grupo vai se expandindo e, ao mesmo tempo, espalhando o terror. Invocando a luta pelas leis islâmicas (“Sharia”), o combate à corrupção do governo, à falta de pudor em certos comportamentos sociais, tais como, a prostituição, ingestão de bebidas e outros vícios e devassidões, o “Boko Haram” propaga assim sua ideologia antiocidental, como única forma de libertar o mundo islâmico do caminho seguido pelos infiéis. 4. COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS Voltar ao Islã primitivo, conhecer sua origem e entender o processo histórico do seu desenvolvimento é fundamental para se compreender o radicalismo muçulmano, um movimento expressivo do século XX e de resistência violenta ao modelo de civilização ocidental, aspirando um mundo governado sobre os preceitos da “Sharia”. Todo o desenvolvimento histórico do Islã lança luz para se entender o que chama, nos tempos atuais, de fundamentalismo islâmico, islã radical ou, simplesmente, islamismo. O fundamentalismo islâmico tem raízes na própria história do avanço do Islã, mais especificamente, das escolas de jurisprudência ortodoxas, que realizavam a interpretação da “Sharia”, vale dizer, o código religioso, moral e legal islâmico. Os principais movimentos fundamentalistas recentes, a partir do século XX, se inspiraram na Irmandade Muçulmana egípcia (“Fraternidade Muçulmana”), conhecida por “Sociedade de Irmãos Muçulmanos” ou apenas “Irmandade” (“Jamiatal-Ikhwan al-Muslimun”). A Irmandade Muçulmana, assim como os demais Edição 12 – Dezembro de 2016 movimentos fundamentalistas, buscam estabelecer a “Sharia” com base para governo e sociedades, opondo-se a tendências secularistas de influência ocidental para moderação do Islã. Ela é considerada precursora do fundamentalismo islâmico contemporâneo. Esse movimento tem origem na linha islâmica radical “wahhabita”, uma linha radical do Islã que encontra raízes mais remotas no “ hanbalismo”. Essa sequência de influências, desde o “hanbalismo”, da medievalidade até os dias atuais, foi se formando a visão do puritanismo religioso islâmico, servindo de inspiração aos vários grupos fundamentalistas que, atualmente, têm um forte apelo à violência com ações estratégicas e uma capacidade de comunicação para mobilizar militantes através de suas propagandas, uma verdadeira massa de adeptos, atraídos por suas atuações espetaculares, criando o mito de um Estado superior moral e politicamente, livre de toda a corrupção do mundo ocidental. Essa visão não se mostra em nada diferente na Nigéria. Além da região sofrer pela corrupção e pelo esvaziamento de autoridade, abrindo espaço para um novo poder baseado numa liderança política e religiosa, a região também traz uma forte influência histórico-cultural, quando no final do século XVIII ocorreu uma onda islamizadora com a aplicação de regras rígidas da “Sharia” por uma denominada “militância protofundamentalista” no território que corresponderia à Nigéria. Nesse sentido, o movimento radical fundamentalista em questão, o “Boko Haram” é fruto de uma sequência de influências que se pode observar desde os primórdios do surgimento e expansão do Islã pelo continente africano. Constata-se que esse grupo radical seguiu mais de perto a linha islâmica salafista, que surgiu no século XIX como resposta à influência europeia no mundo islâmico, tratando-se de uma linha de pensamento que defende adesão e observância literal à doutrina islâmica, vale dizer, dos primeiros muçulmanos. Tem como propósito ocupar o vácuo de um poder desorganizado e ineficiente no território nigeriano e adjacências, acusando a sociedade de estar infestada de corrupções, depravações e devassidões trazidas pela nefasta infiltração da educação laicizada promovida pela cultura ocidental, considerada pecaminosa e proibida em terras do Islã. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATRAN, Aziz. As revoluções do século XIX na África do Oeste. In: AJAYI, J.F. Ade. História Geral da África: África do século XIX à década de 1880. Brasília: Unesco, 2010, v. VI , cap. 21, p. 619-640. DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 428 p. Edição 12 – Dezembro de 2016 EL FASI, Mohammed ; HRBEK Ivan. O advento do Islã e a ascensão do Império Muçulmano. In: ______. História Geral da África: África do século VII ao XI. Brasília: Unesco, 2010, v. III, cap. 2, p. 39-68. ÉTIENNE, Bruno. L’islamisme radical. Paris: Hachette, 1987. 327 p. HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. Trad. de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 523 p. HRBEK, Ivan. A África no contexto da história mundial. In: EL FASI, Mohammed; HRBEK, Ivan. História Geral da África: África do século VII ao XI. Brasília : Unesco, 2010,v. III., cap. 1, p. 1-37. OLIVEIRA, Ana Sofia Confraria. A dependência petrolífera da Nigéria e o conflito do Delta do Níger. 2013. 96 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Faculdade de Economia, da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013. PALADINI, Rafaela Tamer. A Nigéria e o Boko Haram. Série Conflitos Internacionais. Marília, v. 1, nº 5, p.1-5, out. 2014. Disponível em https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/a-nigeria-e-oboko-haram.pdf. Acesso em: 10 nov. 2015. PINTO, Maria do Céu Ferreira. O Fundamentalismo Islâmico. Nação e Defesa. Lisboa, nº 79, p. 115-136, jul.-set. 1996. Disponível em: http://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/1567/1/NeD79_MariadoCeuFerreiraPinto.pdf. Acesso em: 12 dez. 2015. RODRIGUES, João Carlos. Pequena história da África Negra. São Paulo: Globo, 1990. 307 p. Edição 12 – Dezembro de 2016