BOKO HARAM

Propaganda
ISLÃ E ISLAMISMO: “BOKO HARAM”, UMA AMEAÇA FUNDAMENTALISTA NO
CONTINENTE AFRICANO
PHILIPPINI, Ruth Aparecida Sales1
RESUMO: Este texto analisa as ações violentas na região do continente africano, mais
especificamente, no norte da Nigéria, do surgimento e o desenvolvimento do grupo radical islâmico
“Boko Haram”. Aborda a origem histórica do Islã e sua expansão pelo continente africano, onde
também se nota uma onda fundamentalista. O fundamentalismo islâmico é um fenômeno recente,
do início do século XX. Porém, suas raízes remontam ao século VIII, ou seja, à própria história do
desenvolvimento do Islã, como uma resposta de resistência à cultura moderna ocidental em terras
islâmicas, inclusive, em solo africano. A região africana, atualmente correspondente à Nigéria, já
apresentava condições políticas e sociais para que, em seu território, surgissem movimentos de
grupos radicais islâmicos, pois, desde o final do século XVIII, ali ocorreu uma onda islamizadora
denominada de “militância protofundamentalista”, com a aplicação de regras rígidas da “Lei
Islâmica” na sociedade. Esse cenário precedente, de certo modo, contribuiu para o aparecimento do
fundamentalismo islâmico do “Boko Haram”, que se apresenta como um grupo “jihadista” em luta
pela preservação da “Sharia”, para combater a corrupção de governos locais e a presença de
devassidões e depravações na sociedade africana, sob a acusação de serem vícios degradantes
trazidos pelo modo de vida ocidental.
Palavras-chave: Islã. Fundamentalismo islâmico. África. “Boko Haram”.
ABSTRACT: This text examines the mergence and development of the Islamic radical group
"Boko Haram" and hrincreasingviolent actionsin the region of the African continent, more
specifically, in the North of Nigeria and vicinity. Discusses the historical origin of Islamandits
expansion by the African continent,also note a fundamentalist wave. Islamic fundamentalism is a
recent phenomenon, the early 20th century, butits roots date back to the 8th century, that is, the
history of the development of Islam, as a response to resistance tomodern Western culture in
Islamic lands, including, on African soil. The African region, that is now Nigeria, had political and
social conditions so that, inits territory, there was the radical Islamic group movements, because,
since the late 18TH century, there ocurred slamizadora wave called "protofundamentalista"
militancy, with the application of strict rules of "Islamic law" in society. This previous scenario, in
a way, contributed to the emergence of Islamic fundamentalism "Boko Haram" which presents itself
as a jihadist group to fight for the preservation of "Sharia", to combat corruption in local
governments and the presence of devassidões and depravity in African society, under the accusation
of being degrading vices brought the Western way of life.
Keywords: Islam. Islamic fundamentalism. Africa. "Boko Haram".
1. INTRODUÇÃO: PROPOSIÇÃO DO PROBLEMA
1
Profª Especialista, Ruth Aparecida Sales Philippini – Secretaria de Educação / Aparecida-SP
Edição 12 – Dezembro de 2016
Conflitos políticos internos e a descoberta de enormes reservas de petróleo, aliadas a uma
má gestão estadista, com muita corrupção, fazem da Nigéria, no norte da África, um país propenso
ao surgimento de movimentos alternativos de comando, empenhados em fornecer paliativos às
carências do Estado em todos os setores sociais. Na realidade, esses movimentos buscam ocupar o
vazio de poder existente nessa região e impactam a vida cotidiana das sociedades locais.
Sabe-se que o continente africano, desde o século VIII, foi palco do expansionismo islâmico. Mais
tarde, já no século XVIII, a região africana correspondente à atual Nigéria, experimentou uma onda
islamizadora conhecida por “militância protofundamentalista”, caracterizada pela incidência rígida
da “lei islâmica” para controle da sociedade. Não tardaria também para chegar ao continente
africano a vertente radical do Islã, ou seja, o próprio fundamentalismo islâmico desenvolvido ao
longo do século XX. É na toada dessa onda fundamentalista que surge, nesse limiar de século XXI,
como protagonista desse estilo de vida, o grupo radical islâmico do “Boko Haram”. Em pouco
tempo, ele se tornou uma das mais conhecidas entidades “jihadistas” do mundo, realizando as mais
diversas formas de violências, tais como, massacres de infiéis, sequestros de mulheres, destruição
de cidades inteiras. No fundo, o “Boko Haram” parece seguir um fundamentalismo religioso, com
forte componente ideológico, tendo a pretensão de tomar o poder e criar um Estado islâmico na
Nigéria, com influência em outras regiões vizinhas, dirigido pelas mais rígidas regras da “Sharia”.
Essa pesquisa tem como objetivo mostrar o surgimento, bem como o desenvolvimento do
fundamentalismo islâmico do grupo “jihadista” do “Boko Haram”.
2. METODOLOGIA
É a partir da perspectiva de um ambiente marcado por conflitos políticos e disputa de poder
que se pretende analisar o surgimento e o desenvolvimento do fundamentalismo islâmico do grupo
“jihadista” do “Boko Haram”.
Para tanto, logo de início, será necessário uma abordagem sobre a origem histórica do Islã e
seu expansionismo pelo continente africano, desde o século VII até o século XVIII.
Em seguida, a discussão será direcionada, especificamente, para o fundamentalismo
islâmico, um fenômeno bastante recente, mas que tem suas raízes na própria história do
desenvolvimento do Islã e alcançará enorme expressividade no século XX, como uma resposta de
resistência à penetração da cultura moderna do mundo ocidental em terras islâmicas.
Na etapa seguinte, será examinado mais de perto o continente africano, notadamente, a
região correspondente à atual Nigéria e adjacências, para se perceber que, nessa mesma região,
Edição 12 – Dezembro de 2016
desde o século XVIII, os africanos se encontravam entre a escravidão e um processo de
islamização, denominado de “militância protofundamentalista”, que foi marcado pela conversão dos
fulani e da formação do reino de Sokoto, onde a história já registrou um governo baseado nos mais
rígidos preceitos islâmicos.
Após essa incursão, por último, a investigação se concentrará no surgimento e
desenvolvimento, no ambiente nigeriano e circunvizinhança, do movimento extremista islâmico
chamado “Boko Haram”, um grupo “jihadista” que tem alcançado conquistas territoriais e já impôs
o seu “governo” por algumas regiões, submetendo segmentos da sociedade aos rígidos preceitos de
seus “ensinamentos islâmicos” e desafiando o poder tanto de autoridade locais, quanto de potências
internacionais, a conterem suas pretensões de formar um Estado islâmico, sob a regência da
“Sharia”, em lugar de um governo baseado na democracia e nos valores ocidentais, considerados
nefastos e causadores de muitas corrupções políticas e outras degenerações religiosas e morais na
região africana.
3. ANÁLISES E RESULTADOS
3.1. Origens e expansão do Islã: da península arábica ao continente africano
No início do século VII, criou-se uma nova ordem política, que incluía toda península
arábica, todas as terras sassânidas e as províncias sírias e egípcias do Império Bizantino.
Desapareceram as velhas fronteiras e surgiram outras novas. Nessa nova ordem, o grupo dominante
foi formado não pelos povos dos impérios, mas pelos árabes da Arábia Ocidental, sobretudo de
Meca. É a história dos povos árabes. Uma história das regiões de língua árabe do mundo islâmico,
desde o início do Islã até os dias atuais. O mundo islâmico teve sua criação entre os séculos VII e X.
Essa criação é entendida como um novo poder num velho mundo. Ela é ao mesmo tempo a
formação de um império e de uma sociedade, com a articulação de ambos dentro do universo
político e religioso do Islã. (HOURANI, 1994, p. 23-26). Não deixa de ser curioso o impacto do
surgimento do Islã:
Antes do fim do século VII, esse grupo governante árabe identificava sua nova ordem como
uma revelação dada por Deus a Maomé, um cidadão de Meca, sob a forma de um livro santo,
o Corão: uma revelação que completava aquelas que haviam sido anteriormente feitas a
profetas ou mensageiros de Deus, e criava uma nova religião, o Islã, distinta do judaísmo e
do cristianismo. (HOURANI,1994, p. 32).
Edição 12 – Dezembro de 2016
O Islã teve início no século VII da era comum, na península arábica, região do Oriente
Médio. Para a sua expansão, foram realizadas conquistas frente aos exércitos do Império Bizantino
e a Pérsia dos sassânidas. Já no ano 650, os muçulmanos tinham conseguido importantes
conquistas. Não deixa de ser interessante notar a força da expansão muçulmana: “Os muçulmanos
ocuparam então outras partes do Irã e rumaram para o Leste, com tamanha força e tão eficazmente
que, em 29/650, eles haviam atingido os confins da Índia, o Norte do Iraque, a Armênia e o AmuDarja (Oxus).” (EL FASI; HRBEK, 2010, p. 59).
O Islã absorveu, gradualmente, a grande maioria das populações do Oriente Médio, muito
mais do que ele foi assimilado à cultura anterior dessas populações. Esse processo ocorreu num
período quando o Oriente Médio constituía o total do "Dar al-Islam" (“Casa do Islã”). O Oriente
Médio, região da revelação corânica e da atuação de Maomé e dos primeiros Estados Muçulmanos,
serviu de modelo para o resto do mundo muçulmano.
Depois da morte do Profeta Maomé, líder da religião islâmica, os primeiros califas
“rashidun”, vale dizer, “bem-guiados” ou “corretamente guiados”, iniciaram a expansão para o
exterior da península arábica. Nesse sentido, se voltaram para o Egito que, aparentemente, se
apresentava como um território fácil de conquistar. Após a sua conquista, os muçulmanos rumaram
para a África do Norte. O advento do Islã fez possível a relação entre árabes e africanos. Os árabes
começaram a se estabelecer no continente africano a partir do século VII, em vastas regiões da
África. Esta expansão se deu muito mais pelo comércio, pela influência cultural de professores e
místicos do que através de conquistas militares. O processo de conquista pelos árabes iniciou pelo
“Magreb”, região ocidental do mundo muçulmano, seguindo pelo Saara e chegando à África
atlântica. (DEMANT, 2013, p. 74).
Os fatores para essa presença podem variar. Fragilidade dos Estados africanos, muitos deles
imersos em crises. Disputas entre missionários cristãos e muçulmanos. Rápida infiltração do Islã no
continente negro. De qualquer modo, negros africanos constituem, atualmente, um componente
significativo do mundo muçulmano. A islamização da África é mais semelhante àquela que ocorreu
na Indonésia do que no Oriente Médio ou na Índia. A expansão do Islã no continente africano foi
tardia. Ela seguiu três direções: do “Magreb” atravessou o Saara e alcançou a África ocidental; do
rio Nilo acima, foi do Egito para a África setentrional-oriental; e, por fim, mercadores do Iêmen e
Omã e migrantes do subcontinente indiano fundaram assentamentos no litoral da África oriental, de
onde seguiram para estabelecerem a presença muçulmana no interior. De todas essas direções, tal
penetração continua até os dias atuais. (DEMANT, 2013, p.73-76).
Edição 12 – Dezembro de 2016
Não se deve imaginar, porém, que a islamização da África ocorreu com facilidades; ao
contrário, ela teve fatores peculiares ao continente. A propagação do Islã não se deu de forma
cadenciada. A sua difusão variou segundo as regiões. A islamização da África do Norte, sobretudo,
a do Egito e do Sul do Saara (África Tropical), foi resultado da grande conquista árabe. Na região
do Egito, então província Bizantina, a conquista não encontrou muita resistência, haja vista que,
nesse período, havia um confronto entre o monofisismo e a Igreja oficial ortodoxa bizantina, que
submetia os coptas, adeptos do monofisismo, a taxas altíssimas e outras formas de submissão.
Desse modo, “tem-se o direito de pensar que este enfrentamento entre as duas igrejas cristãs do
Egito tenha facilitado, em certa medida, a rápida conversão dos egípcios ao Islã”. (EL FASI, 2010,
p. 73). Outro fator facilitador da islamização do Egito foi a chegada dos árabes beduínos,
originários do Crescente fértil, e que se firmaram como agricultores.
Na região do “Magreb”, o processo de islamização ocorreu mais lentamente, devido ao fato
dos habitantes dessa região, sob o domínio romano, há muito tempo, se encontrarem convertidos ao
cristianismo. Assim, observa-se que em várias regiões, “essencialmente no Sāhil, as regiões
meridionais e a zona do Mzāb, os africanos cristãos romanizados ainda formavam, dois séculos
após a conquista, a maioria da população”. (EL FASI, 2010, p.75). Embora tenha havido resistência
por parte dos cristãos, já no século XV, os muçulmanos eram maioria em relação aos cristãos. Na
região do deserto do Saara, na parte Ocidental, a islamização ocorreu no apogeu do Império Mali,
início do século XIV, com o governo de “Mansa” Mussa (1312-1332). O Império abrangia toda a
África Ocidental sudano-saheliana, e era formado por várias etnias. Havia um único conjunto
político, do qual faziam parte nômades e pastores, os povos do Sahel, os agrupamentos da savana e
os Dogon. “Mansa” Mussa, também conhecido por Kankan Mussa, era irmão de Abubakar, que o
sucedeu no trono. “Mansa” Mussa foi o grande responsável por converter o Império para o Islã. A
tradição oral atesta que “Mansa” Mussa foi o primeiro soberano de Mali a abraçar fielmente a fé
islâmica.
A islamização no continente africano se estendeu até o Sudão Ocidental, e essa reversão ao
Islã deve-se aos ibaditas, ou seja, “[...] comerciantes ibaditas vindos da África do Norte
frequentavam Tādmekka; a cidade tornara-se um dos maiores centros das suas atividades
missionárias junto a populações sudanesas”. (HRBEK, 2010, p.85). A região habitada pelos núbios
era inteiramente cristã. Houve resistência no processo de islamização desses povos. Os mercadores
árabes que vinham do Alto Egito e se instalavam na capital Al-Makurra e em cidades costeiras
como ‘Aydhāb, Bādī e Sawākin foram os propagadores da religião muçulmana.
Edição 12 – Dezembro de 2016
A islamização dos falantes da língua banto, ou seja, os povos da África Oriental, se
restringiram às localidade costeiras, de Lamu a Moçambique, não penetrando no interior do país. É
por isso que se diz que “o Islã não teve sucesso senão junto as populações do litoral que estavam em
contato imediato com os imigrados árabes e/ou persas instalados nestas cidades.”(HRBEK, 2010,
p.108). Na região do Nordeste africano, ou o Chifre da África, houve o ingresso do Islã, a partir dos
dois grandes eixos comerciais pelos quais se comunicam as ilhas Dahlak e Zaylā’. Assim, tal como
na região habitada pelos núbios, a penetração do Islã no Nordeste africano também encontrou
obstáculos pela Igreja cristã, que era influente no Norte do país, tal como se pode notar nos
seguintes dizeres:
As ilhas Dahlak foram provavelmente o ponto de penetração das comunidades
muçulmanas no Norte da Etiópia, porém foi de Zaylā’, importante porto do Golfo de
Aden, que deve ter partido o movimento de penetração no Sul, ou seja, na província
do Shoa. (HRBEK, 2010, p.104).
É necessário se ter uma visão do impacto do mundo muçulmano e de sua civilização sobre a
África e os povos africanos. Há regiões do continente africano que se encontraram assimiladas ao
Império muçulmano, desde o final da onda de conquistas, que atingiu o Egito e a África do Norte.
Em seguida, houve regiões que sofreram, de uma maneira ou de outra, a influência do Islã ou dos
povos muçulmanos, sem que elas tenham sido politicamente anexadas por algum grande Estado
islâmico da época. (HRBEK, 2010, p.7).
Esse é o cenário de introdução de conquistas árabes e expansão islâmica no continente
africano, que compreende o período anterior ao século XVII. Após tal período, inicia-se uma nova
etapa da islamização, que coincidiu com o apogeu da fase escravista, em que parte dos escravos
comercializados era muçulmana.
3.2. Islã e islamismo: o desenvolvimento do fundamentalismo islâmico
A origem do termo fundamentalismo tem início dentro do protestantismo norte-americano.
Surgiu no começo do século XX nos EUA, quando protestantes determinaram que a fé cristã exigia
acreditar em tudo que está escrito na Bíblia.
Atualmente o termo fundamentalismo é comumente utilizado para movimentos parecidos
em outras religiões. Dentro da religião muçulmana, para designar o fundamentalismo islâmico, o
termo islã político é aceitável, assim como revitalismo islâmico. Outra designação conhecida e
também usada por alguns autores e que igualmente indicam fundamentalismo islâmico é islã radical
ou mesmo radicalismo islâmico. Os árabes, em sua literatura, utilizam o termo “al-usuliyya alEdição 12 – Dezembro de 2016
islamiyya”, que corresponde a fundamentalismo muçulmano, ou, ainda,“islamiyya”, que significa
islamismo. (DEMANT, 2013, p. 194).
Os fundamentalistas islâmicos advogam a aplicação da “Sharia” ou “Lei Islâmica” como
único fundamento de organização da sociedade. O fenômeno do fundamentalismo islâmico deve ser
entendido enquanto regresso absoluto à Escritura como único fundamento de toda a crítica e
renovação religiosa. (ETIENNE, 1987, p. 168).
Pela sua finalidade, todo fundamentalismo pressupõe uma imposição profunda da “Sharia” a
uma sociedade secularizada, opondo-se ao Estado democrático e laico, porque sua perspectiva é a
do Estado teocrático. O fundamentalismo islâmico constitui uma resposta à modernização de um
mundo ocidentalizado.
O islamismo é uma ideologia política antimoderna, antissecularista e antiocidental, cujo
projeto é converter o indivíduo para que se torne um muçulmano religioso observante, é
transformar a sociedade formalmente muçulmana em uma comunidade religiosa voltada ao
serviço a Deus e estabelecer o reino de Deus em toda a Terra. (DEMANT, 2013, p. 201).
O fundamentalismo muçulmano tem raízes na própria história do desenvolvimento do Islã,
mais especificamente, das escolas de jurisprudência ortodoxas (“madhhabs”) do “Código de Leis
Islâmicas” (“fiqh”: “entendimento” ou sistema de interpretação da “Sharia” - “Código religioso,
moral e legal islâmico”). Entre os séculos VIII e IX (780-855), desenvolveu-se uma interpretação
mais rigorosa da lei islâmica, preconizando uma volta às origens, qual seja, o “hanbalismo” de
Ahmad ibn Hanbal. No século XIV, o teólogo Ibn Taimiyya tomou por sustentação o hanbalismo
para alicerçar seu pensamento fundamentalista, inspirando assim os “wahhabitas”. (DEMANT,
2013, p. 48). No início do século XVIII, na Arábia Central, houve um movimento que pode ter
parecido menos importante na época, mas que teria largo significado depois. Um reformador
religioso, Muhammad ibn Abdal-Wahhab (1703-1782), começou a pregar a necessidade de os
muçulmanos voltarem à doutrina do Islã (tal como a entendiam os seguidores de Ahmad ibn
Hanbal): estrita obediência ao Corão e ao “Hadith”, como interpretados por sábios responsáveis em
cada geração, e rejeição de tudo que se pudesse interpretar como inovações ilegítimas. O salafismo
surgiu no século XIX como resposta à influência europeia no mundo islâmico, tratando-se de uma
linha de pensamento que defende adesão e observância rigorosa, literal, à doutrina islâmica.
Fundada em 1928, no Egito, com o objetivo de libertar a nação islâmica do controle de
infiéis (“Kafir”) e estabelecer um Estado Islâmico Unificado, surge a Irmandade Muçulmana
egípcia (“Fraternidade Muçulmana”), conhecida por “Sociedade de Irmãos Muçulmanos” ou apenas
“Irmandade” (“Jamiatal-Ikhwanal-Muslimun”). Duas figuras exercem uma influência poderosa
sobre a Irmandade: Hassan al-Banna e Sayyd Qutb. A ideologia islamista de Sayyd Qutb,
Edição 12 – Dezembro de 2016
entretanto, exerceu enorme influência nos pontos principais que sustentam o próprio
fundamentalismo, tendo recebido influência do intelectual indiano Abu al-Ala Mawdudi, formado
na ultraconservadora escola dos deobandis. Há pelo menos cinco pontos que marcam esse
fundamentalismo islâmico: o primeiro é a antiapologia, ou seja, o Islã se basta a si mesmo, não
precisando de fontes externas e nem de harmonização com outras ideologias; o segundo é o
antiocidentalismo, que significa rejeitar os valores da cultura ocidental e até contra-atacar as suas
influências no mundo islâmico; o terceiro é o literalismo, vale dizer, o texto sagrado deve ser
entendido tal como está escrito, sem abrandamentos de seus conteúdos normativos; o quatro é a
politização, isto é, formação de um Estado islâmico (não apenas um Estado muçulmano), cuja
constituição é o próprio Corão, base de toda a legislação, tendo como governante um muçulmano
devoto e autêntico; e, o quinto é o universalismo, quer dizer, o Islã aspira a revirar todos os lugares
até o “jihad” islamizar o mundo inteiro. (DEMANT, 2004, p. 204-210).
Os principais movimentos fundamentalistas sunitas se inspiraram nessa organização e
defendem o emprego da “Sharia” como única forma de organizar a sociedade, buscando estabelecer
a lei islâmica como base para governo e sociedades.
3.3. Os africanos: entre o negócio da escravidão e o processo de islamização
No século XVIII, apogeu da escravidão, teve início uma nova etapa da islamização africana.
Passou a existir uma relação entre o negócio da escravidão e o mundo muçulmano na África. Com o
surgimento das novas elites africanas, grande parte de escravos comercializados era de
muçulmanos. Mas, nesse cenário, a expansão do Islã também não deixou de acontecer, convertendo
os povos africanos, já bem situados em seus territórios, tais como, os “haussas” e os “iorubás”.
A expansão islâmica foi abrangente, alcançando até a costa atlântica do continente africano.
Em geral, são apontados dois fatores para esse novo avanço islâmico. Um deles, o vínculo bastante
estreito entre comércio e religião. O outro, a presença de ordens místicas no continente,
colaborando não apenas para a expansão, mas também para o aprofundamento da religião nos
ambientes da cultura africana. (DEMANT, 2004, p. 142). Na realidade, a questão estava mesmo
relacionada à própria conversão ao Islã. Era um momento decisivo, já em tempos contemporâneos,
de aceitação ou não da nova fé entre muitos dos africanos. É bem verdade que não houve, tão
imediatamente, uma conversão total e profunda dos povos ao Islã. No começo, a fé islâmica
difundida ficou mesclada com as religiosidades africanas. Práticas ritualísticas islâmicas
misturavam-se com tradicionais práticas politeístas dos africanos. Houve uma curiosa combinação
Edição 12 – Dezembro de 2016
de espíritos “pagãos” com espíritos sobrenaturais (“jinns”). Ocorria um verdadeiro sincretismo
religioso, mas que não ficou muito tempo longe de ataques. Não é por outra razão que assim se diz:
“Com a proliferação de mesquitas, de escolas corânicas e da doutrinação por cartas tariqas, contudo,
a pressão para uma prática religiosa mais ortodoxa começou a crescer”. (DEMANT, 2004, p. 142).
A ideia de “tariqa” merece maior atenção. Ela envolve a importância de se ensinar o
caminho de crescimento espiritual. Obviamente, os africanos precisavam aprender a caminhar e
crescer na espiritualidade islâmica, de acordo com a ortodoxia. Essa onda islamizadora teve seus
reais impactos na sociedade africana, desde o final do século XVIII e durante o XIX. Nesse período,
houve aquilo que se denominou de “militância protofundamentalista” mais enfática. Regras rígidas
do Islã foram aplicadas com maior vigor, tais como, proibição do uso de bebidas alcoólicas, término
da veneração de túmulos de santos, oposição a superstições, vedação a certas liberdades das
mulheres e outras restrições contrastantes com os costumes africanos. Não pode passar
despercebido o seguinte:
As jihad, cujo teatro foi a África do Oeste no século XIX, eram essencialmente campanhas de
inspiração religiosa, destinadas a concretizar os principais ensinamentos e práticas,
características dos primórdios do Islã; mas, como este último é uma religião total que engloba
todos os aspectos da vida social, os diferentes móveis destes movimentos religiosos, sociais,
econômicos e políticos são indissociáveis. [...]. Os revolucionários da África do Oeste [...]
eram homens de religião. Teóricos de intensa estatura e chefes carismáticos, cujas vidas e
ações conformavam-se escrupulosamente ao exemplo de Muhammad, bem como às
prescrições da Sharia. (BATRAN, 2010, p. 620).
É sempre lembrada pela historiografia africana a conversão dos “fulani” ao Islã. Usmani dan
Fodiô, “tuculone” do Futá-Toto, expressou a revolta dos muçulmanos contra a corrupção de
costumes e, desde 1804, iniciou pregação religiosa nas regiões sudanesas, chegando a proclamar a
“jihad” (“guerra santa”) contra infiéis. (RODRIGUES, 1990, p. 102). Após sua morte, em 1817,
deixou a herdeiros um poderoso sultanato, centralizado em Sokoto. Mohamed Bello (1817-1837)
organizou a massa de povos reunida pela pregação de seu genitor. Ele proibiu a escravização de
muçulmanos, direcionando o fluxo do tráfico de escravos contra tribos pagãs. Depois de seu
falecimento, seus dois irmãos, Usmane (1837-1842) e Ali (1842-1859) exerceram o poder com base
nos rígidos preceitos islâmicos. (RODRIGUES, 1990, p. 103). O impacto do colonialismo europeu
mudaria o quadro africano. Franceses, britânicos, belgas, italianos e portugueses construiriam na
África governos concorrentes com as regiões islâmicas independentes. Foram os ingleses,
especialmente, que acabaram com a independência de Sokoto, logo integrado na colônia da Nigéria.
De qualquer maneira, durante o período colonial, não deixou de haver um paradoxo no continente
africano. As rápidas transformações políticas e econômicas impostas pela colonização acabaram
Edição 12 – Dezembro de 2016
gerando o enfraquecimento dos fortes e tradicionais laços familiares e sociais tão importantes na
cultura africana. Com essa situação paradoxal, surgiu um ambiente de confusão que “beneficiava o
Islã, religião que combina o universalismo de sua mensagem com uma latente oposição ao Ocidente
imperialista.” (DEMANT, 2004, p. 144).
Não há dúvidas de que o colonialismo ocidental liquidou quase todos os reinos
independentes do continente africano, mas a reação muçulmana à invasão estrangeira não deixou de
existir, ainda que com variações de uma para outra sociedade. No entanto, a islamização resistiu à
própria reviravolta das independências africanas que também chegaram ao continente mais tarde.
Seu crescimento entre os africanos não parou, mesmo nas tantas crises experimentadas entre eles.
Na África, o Islã encontrou até mesmo uma posição ideal para se aproveitar de crises. Séculos de
contato africano com o Islã têm apresentado três configurações básicas das sociedades africanas. Há
aquelas amplamente muçulmanas, onde as irmandades religiosas continuam com muita força,
tornando-se o Islã veículo de integração social. Existem outras em que os muçulmanos são
minoritários, sem condições de impor sua vontade à maioria. E há ainda as sociedades de maior
complexidade, divididas mais igualitariamente entre muçulmanos e outros grupos. São estas últimas
que tem se mostrados lugares mais inclinados para os conflitos religiosos. Entre elas, destaca-se a
Nigéria e o Sudão. E esses conflitos, agora, ganham os contornos do fundamentalismo islâmico
moderno.
3.4. “BokoHaram”: a assustadora presença do fundamentalismo islâmico em solo africano
Na Nigéria, África Ocidental, no ano de 2001, jovens de famílias prósperas resolveram
queimar seus diplomas em protestos à educação ocidental. Tiveram a iniciativa de persuadir outros
jovens a não mais frequentarem escolas ocidentais, mas somente escolas corânicas.
Despontava nessa manifestação a atitude embrionária do “Boko Haram”, um grupo com
uma tendência ideológica religiosa, com forte fidelidade à “Sharia” e inclinado à prática de ações de
combate à educação e à visão ocidental, opondo-se à democracia e à convivência pacífica entre
muçulmanos e cristãos.
No início, o grupo era pequeno, formado com mais ou menos cinquenta membros, e cresceu
na clandestinidade, até alcançar um número de milhares de jovens. O ano de 2002 é a data
apontada, em geral, para o surgimento do grupo extremista fundamentalista “BokoHaram”. O nome
foi dado pela população da cidade de Maiduguri, no nordeste da Nigéria, onde o grupo fundou sua
sede. O nome “Jama’atuahl as-Sunnahil-da’awatiwal-Jihad”, se traduzido para o português,
Edição 12 – Dezembro de 2016
significa algo como “Pessoas Comprometidas com os Ensinamentos do Profeta para Propagação e
Jihad”. No entanto, o grupo é mais conhecido pelo nome de “Boko Haram” que, no idioma
“haussa”, língua mais falada no norte da Nigéria, significa “Educação Ocidental é
proibida/pecaminosa”.
Assim como os demais grupos fundamentalistas que foram influenciados por escolas dos
primórdios do surgimento e desenvolvimento do Islã, o grupo “Boko Haram” também foi
influenciado na sua radical ideologia religiosa pelo salafismo, que surgiu no século XIX como
resistência à influência iluminista europeia no mundo islâmico, tratando-se de uma linha de
pensamento que defende adesão e observância literal à rigorosa doutrina islâmica. Quanto à visão
ideológica do grupo, assim se tem dito: “O BokoHaram surgiu em 2002, na cidade de Maiduguri no
estado de Yobe, tendo como líder Mohamed Ali que convenceu outros grupos muçulmanos a se
juntarem a ele e viverem como uma comunidade separatista sob a ideologia islâmica.” (PALADINI,
2014, p. 3).
Com a morte do seu líder Mohamed Ali, assumiu a liderança Mohammed Yusuf, que liderou
o grupo extremista até o ano de 2009, quando também foi morto. Abubakar Shekau assumiu a
liderança, após a morte de Mohammed Yusuf, período em que o grupo estava já em fase de
transição de uma ideologia religiosa islâmica, não totalmente radical, para uma posição ideológica
mais extremada, na vertente salafista, transformando o grupo em movimento terrorista mais forte e
mais letal. Em seus primórdios, o grupo não agia de modo tão incisivo em sua busca por mudanças
religiosas, políticas e sociais na Nigéria, mas se limitava a procurar a estabilização da comunidade
islâmica no norte do país e acreditava no embate midiático para exposição de sua ideologia.
Entretanto, depois da transformação da ideologia religiosa para o salafismo, o grupo assumindo as
formas mais radicais, extremistas e conservadoras do islamismo. Assim, o “Boko Haram” passou a
caracterizar uma ameaça mais concreta ao resto da Nigéria e adquiriu fama e temor internacional.
Em apenas poucos anos, através de massacres hediondos contra homens, mulheres e
crianças, sequestros de inocentes e destruição de cidades inteiras, o “Boko Haram” tornou-se um
dos movimentos terroristas mais bárbaros e terríveis do fundamentalismo islâmico, provocando
inúmeros atentados assustadores pela intensidade da violência empregada em suas ações.
O “BokoHaram” prega a preeminência da cultura do Islã e tem o propósito de substituir o
governo nigeriano, impondo a “Sharia”, o “Código da Lei Islâmica”, através do medo espalhado
com seus diversos atentados. Fala-se que a raiz fundamentalista islâmica africana tem mais de um
século, quando se deu a conversão dos “fulani” ao Islã, e a região que iria se tornar a atual Nigéria
passou a ser governada sobre rígidas leis islâmicas, durante a primeira metade do século XIX.
Edição 12 – Dezembro de 2016
A Nigéria apresentava condições políticas e sociais para que surgisse no seu território movimentos
de grupos radicais islâmicos, haja vista que o local sempre preservou uma conduta orientada pelas
normas austeras ditadas pela “Sharia”.A Nigéria caiu sob domínio colonial dos britânicos durante o
período da segunda metade do século XIX e da primeira década do século XX. Nessa época, os
muçulmanos já ofereciam resistência à mensagem ocidental passada pelos missionários cristãos.
Essa resistência só aumentou com o transcorrer do tempo, originando ações marcadas por violências
extremas. Desde então, a localidade traz as marcas do confronto entre o Islã e o Ocidente.
Outro fator de igual importância para o aparecimento de grupos com intenção de liderança
política e religiosa rígidas é a situação de governança corrupta e os conflitos violentos que ocorrem
devido à descoberta de jazidas de petróleo, tornando a região um local de aspirações lucrativas para
o Estado e para as multinacionais petrolíferas que o exploram.
Com descoberta e produção de petróleo em quantidades comercializáveis, este foi acicatado
uma vez que havia uma outra variável: a disputa pela posse e controlo dos recursos
petrolíferos. Esta disputa pelos recursos pode ser analisada como uma disputa pelo poder e,
consequentemente, pela riqueza proveniente das receitas do petróleo. (OLIVEIRA, 2013, p.
1).
A questão de a Nigéria possuir uma má gestão faz com que grupos radicais cresçam e se
fortaleçam cada vez mais, pois o governo é incapaz de lidar de forma eficiente para atenuar a força
desses grupos. Apesar de a Nigéria ter enormes reservas de petróleo e ser uma das maiores
economias do continente africano, no norte do país vive uma maioria mulçumana, demasiadamente
pobre. Essa situação socioeconômica faz com que surjam movimentos que se empenham em
fornecer paliativos às carências do Estado em todos os domínios sociais.
Todo o fundamentalismo constitui, pela sua intenção, uma resposta radical a uma insegurança
existencial sentida como ameaçadora. Esta insegurança procede da incapacidade de um
determinado sistema sociopolítico em proporcionar sentido, identidade, motivações,
orientações e segurança protetora. (KÜNZLI apud PINTO, 1996, p. 118).
O “Boko Haram” aparece em consequência também dos problemas internos da Nigéria.
Surge um vácuo de poder que propicia o aparecimento de movimentos alternativos de comando. É
nesse vazio de poder bem organizado que entra o grupo fundamentalista islâmico do “Boko
Haram”, espalhando-se também por Chade, Níger e Camarões. Em decorrência disso, pode-se dizer
que:
[...] a política na Nigéria é uma agravante para que grupos como esse surjam e aumentem sua
força rapidamente. A corrupção no país é um fato recorrente e os líderes do governo fazem o
que for preciso para continuarem no poder. [...] O “Boko Haram” surgiu em razão de
diversos problemas no país, sendo a maioria deles e os mais utilizados no discurso dos
militantes, a corrupção política e má governança e suas consequências para a população.
(PALADINI, 2014, p.4).
Edição 12 – Dezembro de 2016
O que se pode observar da proeminência de atuações do “Boko Haram” é que a organização
possui uma forte estrutura militar que pode ser considerada até mesmo superior, em termos de
ações, ao próprio exército nigeriano. O grupo possui uma grande e misteriosa rede de financiamento
de simpatizantes, inclusive de outros grupos terroristas fundamentalistas islâmicos.
Quanto às fontes de financiamento do grupo elas não são claras. Os bancos que o grupo
atacou e roubou foram supostamente as principais fontes de recursos no estágio inicial de sua
atuação. Atualmente, sabe-se que as elites nigerianas também são fontes de dinheiro para o
“Boko Haram”, não somente por simpatizarem com suas propostas, mas também decorrente
de extorsão. Sem provas concretas, mas com claras evidências, há também indicações de
fundos vindos da Al-Qaeda e do Al-Shabaab da Somália. (PALADINI, 2014, p. 4).
Hoje, o “Boko Haram” tem atuações, principalmente, no nordeste da Nigéria e elas também
se estendem por Camarões, Chade e Níger. Suas principais práticas terroristas envolvem sequestros
de jovens estudantes nigerianos. Utiliza-se também de ações violentas comuns aos demais grupos
terroristas, tais como os vários ataques causados por homens e carros bombas a diversificados alvos,
tais como, escolas, hospitais, entre outros.
Dessa forma, o grupo vai se expandindo e, ao mesmo tempo, espalhando o terror. Invocando
a luta pelas leis islâmicas (“Sharia”), o combate à corrupção do governo, à falta de pudor em certos
comportamentos sociais, tais como, a prostituição, ingestão de bebidas e outros vícios e
devassidões, o “Boko Haram” propaga assim sua ideologia antiocidental, como única forma de
libertar o mundo islâmico do caminho seguido pelos infiéis.
4. COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS
Voltar ao Islã primitivo, conhecer sua origem e entender o processo histórico do seu
desenvolvimento é fundamental para se compreender o radicalismo muçulmano, um movimento
expressivo do século XX e de resistência violenta ao modelo de civilização ocidental, aspirando um
mundo governado sobre os preceitos da “Sharia”. Todo o desenvolvimento histórico do Islã lança
luz para se entender o que chama, nos tempos atuais, de fundamentalismo islâmico, islã radical ou,
simplesmente, islamismo.
O fundamentalismo islâmico tem raízes na própria história do avanço do Islã, mais
especificamente, das escolas de jurisprudência ortodoxas, que realizavam a interpretação da
“Sharia”, vale dizer, o código religioso, moral e legal islâmico. Os principais movimentos
fundamentalistas recentes, a partir do século XX, se inspiraram na Irmandade Muçulmana egípcia
(“Fraternidade Muçulmana”), conhecida por “Sociedade de Irmãos Muçulmanos” ou apenas
“Irmandade” (“Jamiatal-Ikhwan al-Muslimun”). A Irmandade Muçulmana, assim como os demais
Edição 12 – Dezembro de 2016
movimentos fundamentalistas, buscam estabelecer a “Sharia” com base para governo e sociedades,
opondo-se a tendências secularistas de influência ocidental para moderação do Islã. Ela é
considerada precursora do fundamentalismo islâmico contemporâneo. Esse movimento tem origem
na linha islâmica radical “wahhabita”, uma linha radical do Islã que encontra raízes mais remotas no
“ hanbalismo”.
Essa sequência de influências, desde o “hanbalismo”, da medievalidade até os dias atuais,
foi se formando a visão do puritanismo religioso islâmico, servindo de inspiração aos vários grupos
fundamentalistas que, atualmente, têm um forte apelo à violência com ações estratégicas e uma
capacidade de comunicação para mobilizar militantes através de suas propagandas, uma verdadeira
massa de adeptos, atraídos por suas atuações espetaculares, criando o mito de um Estado superior
moral e politicamente, livre de toda a corrupção do mundo ocidental.
Essa visão não se mostra em nada diferente na Nigéria. Além da região sofrer pela corrupção
e pelo esvaziamento de autoridade, abrindo espaço para um novo poder baseado numa liderança
política e religiosa, a região também traz uma forte influência histórico-cultural, quando no final do
século XVIII ocorreu uma onda islamizadora com a aplicação de regras rígidas da “Sharia” por uma
denominada “militância protofundamentalista” no território que corresponderia à Nigéria. Nesse
sentido, o movimento radical fundamentalista em questão, o “Boko Haram” é fruto de uma
sequência de influências que se pode observar desde os primórdios do surgimento e expansão do
Islã pelo continente africano.
Constata-se que esse grupo radical seguiu mais de perto a linha islâmica salafista, que surgiu
no século XIX como resposta à influência europeia no mundo islâmico, tratando-se de uma linha de
pensamento que defende adesão e observância literal à doutrina islâmica, vale dizer, dos primeiros
muçulmanos. Tem como propósito ocupar o vácuo de um poder desorganizado e ineficiente no
território nigeriano e adjacências, acusando a sociedade de estar infestada de corrupções,
depravações e devassidões trazidas pela nefasta infiltração da educação laicizada promovida pela
cultura ocidental, considerada pecaminosa e proibida em terras do Islã.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATRAN, Aziz. As revoluções do século XIX na África do Oeste. In: AJAYI, J.F. Ade. História
Geral da África: África do século XIX à década de 1880. Brasília: Unesco, 2010, v. VI , cap. 21, p.
619-640.
DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 428 p.
Edição 12 – Dezembro de 2016
EL FASI, Mohammed ; HRBEK Ivan. O advento do Islã e a ascensão do Império Muçulmano. In:
______. História Geral da África: África do século VII ao XI. Brasília: Unesco, 2010, v. III, cap. 2,
p. 39-68.
ÉTIENNE, Bruno. L’islamisme radical. Paris: Hachette, 1987. 327 p.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. Trad. de Marcos Santarrita. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994. 523 p.
HRBEK, Ivan. A África no contexto da história mundial. In: EL FASI, Mohammed; HRBEK, Ivan.
História Geral da África: África do século VII ao XI. Brasília : Unesco, 2010,v. III., cap. 1, p. 1-37.
OLIVEIRA, Ana Sofia Confraria. A dependência petrolífera da Nigéria e o conflito do Delta do
Níger. 2013. 96 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Faculdade de Economia, da
Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013.
PALADINI, Rafaela Tamer. A Nigéria e o Boko Haram. Série Conflitos Internacionais.
Marília,
v.
1,
nº
5,
p.1-5,
out.
2014.
Disponível
em
https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/a-nigeria-e-oboko-haram.pdf. Acesso em: 10 nov. 2015.
PINTO, Maria do Céu Ferreira. O Fundamentalismo Islâmico. Nação e Defesa. Lisboa, nº 79, p.
115-136,
jul.-set.
1996.
Disponível
em:
http://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/1567/1/NeD79_MariadoCeuFerreiraPinto.pdf.
Acesso
em: 12 dez. 2015.
RODRIGUES, João Carlos. Pequena história da África Negra. São Paulo: Globo, 1990. 307 p.
Edição 12 – Dezembro de 2016
Download