Astronomia Ricardo Antônio da Silva Rodrigues ENSINO DE ASTRONOMIA: Guia de utilização de um binóculo para observações de sistemas binários de estrelas Belo Horizonte Olá! Vamos começar uma viagem inesquecível, no qual você vai conhecer alguns sistemas binários de estrela e perceber como o binóculo é uma poderosa ferramenta para se fazer observações astronômicas. Uma grande vantagem da abordagem de tópicos de Astronomia e Astrofísica na formação de profissionais de Física é a frequente integração de conteúdos fascinantes, tendo a observação do Cosmos por contexto. Podemos perceber como os conteúdos de óptica podem ser explorados na construção de instrumentos destinados à observação astronômica. Este guia tem o propósito de orientar as atividades em uma noite de observação astronômica. E para isso ele discute os conceitos de captação de luz e resolução associados ao binóculo. Bem como os conteúdos de uma carta celeste que auxiliará a localização dos objetos observados. Então, boa viagem! Objetivos Promover uma noite de observação astronômica de sistemas binários de estrelas. Discutir a capacidade de resolução do binóculo e seu poder de captação de luz. Mostrar como é feita a leitura de uma carta celeste e usa-la para localizar sistemas binários de estrelas. Introdução Sabemos que as observações astronômicas proporcionam momentos únicos para os observadores. As observações propostas aqui permitem a discussão da capacidade de resolução do binóculo e seu poder de captação de luz. Vamos, dentro deste contexto, aprender como é feita a leitura de uma carta celeste e usá-la para localização de sistemas binários de estrelas. Esse guia é uma ferramenta pedagógica para o ensino de astronomia e óptica destinada a professores da educação básica e superior. Esse trabalho é composto por quatro etapas. Na primeira etapa apresentaremos sistemas binários de estrelas. Na segunda etapa falaremos dos benefícios da utilização do binóculo enfatizando seu poder de captação de luz e capacidade de resolução dos objetos observados. Na terceira etapa abordaremos o uso da carta celeste e como ela auxilia a localização de objetos a partir das constelações a que pertencem. Temos disponíveis hoje vários softwares que apresentam uma carta celeste, escolhemos o Stellarium por apresentar uma visão realista e por ser gratuito. Em seguida, será feita uma apresentação deste software. Iremos mostrar nessa ferramenta suas diversas funções, como a localização de objetos astronômicos, a aproximação desses objetos (zoom), a localização e nomeação das constelações. A quarta etapa será a de observação de estrelas binárias com o binóculo, contendo todo o processo de se fazer uma observação, desde a montagem do equipamento o seu posicionamento e seu direcionamento aos objetos a serem observados. Após as observações, concluiremos o presente estudo respondendo a algumas perguntas que seguem anexas ao guia. Primeira etapa Sistemas binários de estrelas São comuns sistemas binários de estrelas, em que duas estrelas relativamente próximas estão ligadas gravitacionalmente e orbitam em torno de um centro de massa comum. Segundo recenseamentos efetuados entre as estrelas da Via Láctea, um terço dos sistemas estelares são binários. No entanto, a proximidade das estrelas pode ser apenas aparente, como resultado de um efeito de projeção. Devido ao ângulo muito pequeno que separa os objetos na esfera celeste, a olho nu os sistemas binários frequentemente aparentam se fundir em uma única estrela. Para ilustrar a capacidade de resolução do binóculo, selecionaremos para a observação alguns sistemas binários visuais que, a olho nu, aparentam ser uma única estrela, mas serão selecionados sistemas binários tais que a separação angular entre as duas estrelas componentes permite que ambas sejam vistas como uma estrela dupla usando um binóculo, isto é, sistemas binários que o binóculo permite a sua resolução. Atendem a essa condição como exemplos os sistemas de Castor, Sirius e Mizar. Segunda etapa O binóculo A escolha do binóculo se fez devido às seguintes vantagens, poder de captação de luz e capacidade de resolução superiores às do olho humano, custo relativamente baixo, possibilidade de utilizar simultaneamente os dois olhos e dimensões e peso reduzidos. Usaremos um tripé para apoiá-lo, para que a imagem não fique tremida, pois usando apenas as mãos, não conseguimos um apoio firme. Discorreremos a seguir sobre o poder de captação de luz e a resolução do binóculo. Poder de captação da luz Ao escolher um binóculo, a característica mais importante é sua abertura por onde a luz entra, ou seja, o diâmetro das lentes frontais, denominadas objetivas. Quanto maior for sua abertura, maior será a área por onde a luz penetra e portanto, maior a captação de luz. A abertura do binóculo (lente) em milímetros é o segundo número que vem impresso no aparelho. Por exemplo, um binóculo com a inscrição 10X50 é aquele cujas lentes frontais têm 50 mm de diâmetro. Já o primeiro número é o aumento angular, ou capacidade de ampliação do aparelho. No exemplo mencionado a imagem parecerá dez vezes maior do que a vista a olho nu. Na figura 1 temos um binóculo 10 X 50. Figura1: Binóculo, prisma porro, lentes bak 4, ampliação 10 e objetiva 50mm. Para comparação a pupila do olho humano possui uma abertura de 4,0 a 7,0 mm, logo, o binóculo capta muito mais luz que o olho humano e com o seu auxílio pode se observar objetos menos brilhantes, assim ao observar uma região do céu haverá uma maior quantidade de objetos, pois, aparecem objetos que não podem ser vistos a olho nu. A mais de dois mil anos o astrônomo grego Hiparco classificou as estrelas pelo seu brilho, baseado na magnitude, atribuindo para as estrelas mais brilhantes magnitude 1, e para estrelas menos brilhantes magnitude 6, quando vistas a olho nu. Norman Robert Pogson (1829-1891), astrônomo inglês, teve como maior contribuição para astronomia, a classificação das estrelas quanto a sua magnitude. Em 1856, ele propôs adotar este sistema em que cada decréscimo na escala de magnitude aparente proposto por Hiparco, representa uma redução do brilho a raiz quinta de 100 que é aproximadamente (2,512), denominada razão de pogson. A formalização matemática é apresentada a seguir. Chamando de f1 e f2 o brilho aparente de duas estrelas 1 e 2 e suas magnitudes aparentes de m1 e m2 o raciocínio acima será representado pela equação (1): (√ ) (1) Se aplicarmos o logarítmo de base 10 aos dois membros da primeira equação, temos: [ ] (2) Logo, quanto maior a magnitude, menos brilhante é a estrela. Assim, o binóculo, ao permitir a observação de estrelas menos brilhantes, aumenta o valor limite da magnitude aparente que pode ser observada. Poder de resolução Ainda que a fonte luminosa seja puntiforme, a sua luz, ao atravessar a abertura do instrumento [óptico usado na sua observação, sofrerá difração e não aparentará um ponto luminoso. A difração da luz é o desvio de ondas que encontram um objeto (obstáculo ou uma abertura) em seu caminho. Ao atravessar a abertura de um instrumento óptico, a luz proveniente do objeto observado difrata e se distribui de forma a constituir um padrão de difração. Na figura 2, mostramos o padrão de difração causado por uma abertura circular onde se nota a constituição de um disco central e de anéis concêntricos. Figura 2: Padrão de difração produzido por um objeto muito distante, onde aparece um disco central com aneis de intensidade menor que o disco central. Um critério de resolução bastante empregado para objetos puntiformes foi proposto pelo lorde inglês Rayleigh (1842-1919) e denominado critério de Rayleigh. De acordo com esse critério, dois objetos começam a ser distinguíveis quando o centro da figura de difração de um deles coincide com o primeiro mínimo da figura do outro. Pela figura 3 percebemos facilmente esse critério nas fotos (a) e (b). Figura 3: Capacidade de sistemas ópticos em distinguir dois objetos próximos limitada pelos efeitos de difração. (a) a separação é grande o suficiente para determinar de forma clara ambos os objetos; (b) a separação angular é marginalmente grande o suficiente para determinar os dois objetos; (c) a separação angular entre os dois objetos é muito pequena para que seja permitido determina-los. Para uma abertura circular, a separação angular entre os objetos que atendem a esse critério, é dada pela equação: (3) Onde é o comprimento de onda da luz e D é o diâmetro da abertura. Para o olho humano, considerando uma abertura média da pupila de 5,0 mm e um comprimento de onda médio da luz , a equação (3) fornece um ângulo mínimo de cerca de 4’. Na observação, a luz de uma estrela atravessa a abertura do instrumento óptico, que pode ser o próprio olho, e necessariamente sofre difração, exibindo o padrão da figura 3. Como a intensidade dos anéis é muito inferior à do disco central, é o último que sobressai na imagem. A imagem da estrela aparece borrada também devido à flutuação do índice de refração da atmosfera, causado por variações de temperatura das camadas de ar. Esse efeito faz com que a imagem da estrela aparente um disco, conhecido como “disco de seeing”. Em excelentes condições atmosféricas, o diâmetro angular do disco de seeing é cerca de 0,25”. Para ilustrar o poder de resolução de um binóculo foi feito uma escolha de sistemas binários de estrelas visuais, que a olho nu aparecem como mostra a figura 3 (c), veja que o sistema não está resolvido, com o auxílio do binóculo pode ser resolvido como mostra a figura 3(a). Terceira etapa Carta celeste Para a localização dos objetos na esfera celeste é cômodo usar o chamado sistema de coordenadas horizontais, que é apresentado na figura 4. Figura 4: Sistema de coordenadas horizontais, apresenta 1 azimute, 2 altura, também ilustra: linha do horizonte, observador, um astro o solo e a esfera celeste. Este sistema de coordenadas divide o céu em dois hemisférios, superior e inferior. O círculo máximo que divide esses hemisférios é chamado de horizonte celeste. Existem duas coordenadas angulares independentes, a altura, também denominada elevação, que é o ângulo entre o objeto a ser observado e o horizonte local do observador. E o azimute que é o ângulo ao longo do horizonte normalmente medido a partir do norte. Este sistema de coordenadas é fixo para um observador na Terra, portanto, a altura e o azimute se modificam com o tempo, pois o objeto parece se mover no céu. Assim, os catálogos fazem uso de um sistema em que as coordenadas das estrelas não variam sobre tempos muito longos, que é o sistema de coordenadas equatoriais, apresentado na figura 5. Muito utilizado em observações astronômicas o sistema de coordenadas equatoriais é capaz de indicar a posição de astros distantes da Terra de forma igual para os observadores em qualquer lugar. Figura 5: Sistema de coordenadas equatoriais, apresenta o planeta Terra no centro da esfera. É um sistema de coordenadas celeste que tem como plano fundamental o equador celeste, possui duas variantes, o sistema equatorial local, que depende do observador e tem como coordenada a declinação e a ascenção reta, na figura 5 representadas pelas setas brancas. Uma carta celeste é um mapa do céu noturno, usada para identificar e localizar objetos astronômicos como estrelas, constelações e galáxias. No nosso caso a carta celeste será gerada na tela do computador pelo software Stellarium e posteriormente impressa em papel para facilitar o seu manuseio. Para a localização dos corpos celestes podem ser usadas as suas coordenadas horizontais ou as constelações às quais pertencem ou que lhes são próximas. Para que o software apresente uma imagem do céu que possa ser observada, devemos informá-lo das coordenadas do local em que será feita a observação. A figura 6, mostra a janela de localização do software, que é um exemplo de como é feito o procedimento de localização. Figura 6: Janela de configuração, onde o observador informará as coordenadas do local onde será feita a observação. O ícone ao lado esquerdo central da figura ilustra no software como acessar esta janeta. Trazemos aqui exemplos de localização de um mesmo objeto, utilizando o sistema de coordenadas horizontais e pela constelação ao qual pertence. As figuras 7 e 8 trazem a estrela dupla Rigil Kentaurus que foi localizada a partir das coordenadas horizontais (149º42’09” azimute e 28º31’05” altura), na figura 7, e a mesma estrela na constelação de Centauro figura 8. O Software fornece as duas coordenadas. Figura 7: Sistema binário (estrela dupla) Rigil Kentaurus, localizada em um sistema de coordenadas horizontais. Figura 8: Sistema binário (estrela dupla) Rigil Kentaurus, localizado a partir da constelação ao qual pertence Centauro, e está próximo às constelações de Compasso e Triângulo Austral. Esperamos que com estas figuras e explicações, sobre sistemas de coordenadas e sobre o software stellarium, você possa aplicar o roteiro a seguir sem muitas dificuldades. Roteiro de atividades Material necessário: Nootebook Software Stellarium Bússola Tripé Binóculo (preferencialmente 10 x 50) Para dar início ao nosso trabalho, voce deverá baixar o software stellarium no seu computador. Procedimentos Este roteiro será dividido em duas partes, uma em um ambiente onde o observador se sinta bem para dar início aos trabalhos, essa etapa é de suma importância, uma vez que é o momento de adaptação com o software, momento de estudar, como se faz a localização de um astro no céu. A outra etapa se dará no local da observação escolhido. Primeira parte: Vamos aprender a localizar um objeto numa carta celeste utilizando as coordenadas horizontais e as constelações às quais pertencem ou que lhe são próximas. Os quatro objetos propostos aqui serão posteriormente observados a olho nu e com o auxílio do binóculo, para que possamos mostrar o quanto esse aparelho é uma poderosa ferramenta para se fazer observações noturnas devido seu poder de captação de luz e seu poder de resolução dos objetos lembramos que, os quatro objetos propostas estão em constante movimento, logo, mudam constantemente, daí a necessidade de um estudo para que o observador conhecer bem os sistemas binários e suas localizações no software. O tempo previsto para realização desta etapa é de aproximadamente 120 minutos. Procedimentos: 1º- Utilizando o software se localize pela cidade onde está, para que ele possa lhe fornecer informações do céu da sua região. A figura 9 mostra como a página do software aparecerá para você. Assim basta digitar o nome da cidade onde você fará a observação e incluir à lista. Na figura a cidade é Belo Horizonte, a elipse vermelha mostra o local onde deve ser inserido o nome da cidade. Figura 9: Janela de localização. 2º- Na janela de configuração, você deve personalizar as informações que julgue necessárias, em nossa figura foi pedido informações sobre nome, tipo, magnitude, altura/azimute e número de catálogo, do objeto as quais julgamos imprescindíveis para o trabalho proposto. A figura 10 mostra como a tela do software aparecerá para que você personalize as informações primeiro clique na chavinha na parte inferior esquerda da tela, depois marque as informações desejadas. Figura 10: Janela para personalização das informações. 3º- Faça uma busca, para localizar os objetos que estão no quadro 1, na janela de pesquisa como mostra a figura 11. Esse procedimento serve como treino, observe os valores das coordenadas horizontais e identifique as constelações próximas ao objeto. Para sua observação não se esqueça de anotar a date e o horário que está marcado na parte inferior da tela. Figura 11: Janela de pesquisa dos objetos no software, basta digitar o nome do objeto no local indicado que o software mostra sua localização. Utilizando os textos anteriores faça a localização dos objetos da tabela 1, utilizando o software Stellarium. Acostume-se com esses objetos, procure outros sistemas binários, isso servirá para facilitar as observações que compõem a segunda parte do procedimento. A tabela a seguir mostra os objetos a serem localizados: Tabela 1: Sistemas binários de estrelas com as constelações ao qual pertencem. Objetos (sistemas binários) Constelações ao qual pertencem ou estão próximos Rigil Kentaurus Centauro Acrux Cruzeiro do Sul Mosca Alphekk Coroa Boreal Segunda parte: Agora iniciamos as observações. O tempo gasto vai depender principalmente da sua organização, levando em média três horas. Vamos posicionar o binóculo de maneira que possamos visualizar os objetos propostos na primeira parte desse roteiro. Para isso, é necessária a utilização do software e da carta celeste. Siga os seguintes passos. 1º passo: Com o auxílio de uma bússola, marque os pontos cardeais no local onde o tripé que sustentará o binóculo será colocado. 2º passo: Utilizando a janela de opção do céu e de visualização, no campo “limitação de magnitude” marque o campo “estrelas” e ajuste para 5, este valor representa a magnitude limite dos objetos a serem observados. Esse é um valor próximo da magnitude limite do olho humano. A figura 12 ilustra esse procedimento. Figura 12: Configuração da magnitude limite dos objetos. 3º passo: Com o conjunto (tripé e binóculo) no lugar marcado, escolha uma área no céu e delimite-a bem. Para isso você pode usar uma constelação como referência. Faça uma contagem a olho nu, dos objetos que se encontram nesta área. 4º passo: Agora utilizando o binóculo observe a mesma área e faça uma nova contagem de objetos. Acredito que você tenha percebido alguma diferença, comparando a observação feita a olho nu e a observação feita com o auxílio do binóculo. Agora é com você: Explique o porquê dessa diferença baseado nos textos anteriores do nosso guia, quando falamos sobre a captação de luz pelo binóculo? 5º passo: Localize os objetos que se encontram na tabela 1, lembrando que esses objetos foram selecionados sabendo data e hora que estariam visíveis no céu noturno com o auxílio do softwere, observe-os a olho nu. (Lembrando que esses objetos foram selecionados sabendo data e hora que estariam visíveis no céu noturno). 6º passo: Faça o mesmo procedimento do quinto passo, e observe os objetos com o auxílio do binóculo. Evite fazer movimentos bruscos no posicionamento do binóculo. Você consegue explicar baseado nos textos sobre poder de resolução do binóculo, por que na observação a olho nu, você viu apenas um único objeto, já com o auxílio do binóculo, percebeu duas estrelas, ou seja, um sistema binário? Com esse último procedimento encerramos nossa noite de observações de sistemas binários de estrelas a olho nu e com o uso de um binóculo. Esperamos ter alcançado nosso objetivo de mostrar como esse aparelho pode ser utilizado em observações astronômicas. Até a próxima observação.