A GRANDE EXPLOSÃO nós também somos poeira estelar... Hilde acomodou-se confortavelmente no banco do balanço, ao lado de seu pai. Era quase meia-noite. Os dois olharam para a baía. No céu, as primeiras estrelas começavam a aparecer palidamente. Sob o ancoradouro, pequenas ondas batiam contra as pedras. Foi seu pai quem quebrou o silêncio: - E um mistério pensar que vivemos num pequeno planeta em algum ponto do universo. Sim... - A Terra é um dos muitos planetas que orbitam ao redor do Sol. Mas nosso planeta é o único em que há vida. - E talvez o único em todo o universo? - Sim, é possível. De outro lado, também é possível que haja vida pulsando por todo o universo. Isso porque o universo é incomensuravelmente grande. As distâncias são tão grandes que as medimos em minutos e em anos-luz. O que vem a ser isso? - Um minuto-luz é a distância que a luz percorre em um minuto. E isso é muito, pois no espaço sideral a luz percorre trezentos mil quilômetros em um segundo. Um minuto-luz é, portanto, sessenta vezes trezentos mil, ou dezoito milhões de quilômetros. Um a - Qual é a distância até o Sol? - Pouco mais de oito minutos-luz. Os raios do Sol, que nos aquecem o rosto num dia quente de junho, viajaram oito minutos no universo até chegarem a nos. Continue. - Plutão, o planeta mais longínquo de nosso sistema solar, está a mais de cinco horas-luz da Terra. Quando um astrônomo observa 510 Plutão com seu telescópio, na verdade ele volta cinco horas no tempo. Isso é o mesmo que dizer que a imagem de Plutão leva cinco horas para chegar até nós. - Não é fácil imaginar como isso é possível, mas acho que entendo o que você está dizendo. - Muito bem, Hilde. Aqui na Terra, nós estamos apenas começando a aprender a nos orientar. Nosso Sol é uma dos quatrocentos bilhões de outras estrelas que existem numa galáxia que chamamos de Via Láctea. Essa galáxia se parece com um grande disco com mui o céu estrelado numa noite clara de inverno, vemos um largo cinturão de estrelas, isso porque estamos olhando para o centro da Via Láctea. - Deve ser por isso que em sueco a Via Láctea também é chamada de "jardim de inverno". - A distância até nosso vizinho mais próximo na Via Láctea é de quatro anos-luz. Talvez seja aquela estrela que você esteja vendo brilhar sobre aquela pequena ilha lá embaixo. Imagine que há um observador naquela estrela com um telescópio de grande potên como era há quatro anos. E é possível que ele esteja vendo uma garotinha de onze anos sentada neste mesmo balanço com os pés sem tocar o chão. Inacreditável... - E estamos falando apenas de nosso vizinho mais próximo. Toda a galáxia, ou "nebulosa", como também a chamamos, tem noventa mil anos-luz de largura. Isso significa que a luz leva todos esses anos para ir de uma ponta a outra da galáxia. Quando vemos uma nosso Sol, estamos enxergando o passado, há cinqüenta mil anos. - Esse pensamento é grande demais para uma cabeça pequena como a minha. - Quando observamos o universo, na verdade estamos olhando para o passado. E não nos resta outra saída. Nunca saberemos como o universo está agora. Quando olhamos para uma estrela lá no alto, a milhares de anos-luz da Terra, na verdade estamos viajando rumo a um passado que está há milhares de anos na história do universo. - Isso é uma coisa absolutamente inimaginável. - Mas tudo o que vemos chega aos nossos olhos como ondas 511 luminosas. E essas ondas levam certo tempo para atravessar o espaço e chegar até nós. Podemos comparar isso com o trovão. Sempre ouvimos o trovão algum tempo depois de termos visto o relâmpago. E isso se explica porque as ondas sonoras são mais lentas do que as ondas luminosas. Quando ouço um trovão, na verdade estou ouvindo o ruído de algo que já aconteceu pouco tempo atrás. O mesmo ocorre com as estrelas. Quando olho para uma estrela lá no céu, que está a 1 milhares de anos-luz da Terra, na verdade estou "vendo o trovão" de algo que aconteceu no passado, neste caso há milhares de anos. Entendo. - Mas até agora só falamos de nossa própria galáxia. Os astrônomos acreditam que haja cerca de cem bilhões de galáxias no universo, e em cada uma dessas galáxias, por sua vez, existem centenas de bilhões de estrelas. A galáxia mais próxima da Via Láctea de anos-luz de nossa galáxia, o que significa dizer que a luz proveniente dessa galáxia leva dois milhões de anos para chegar até nós. Isso, por sua vez, também significa dizer que quando vemos a nebulosa de Andrômeda lá no céu, na verdade estamos vendo o passado de Andrômeda, isto é, estamos vendo Andrômeda tal como ela era há dois milhões de anos. Se um observador inteligente em algum ponto desta galáxia, um garotinho, por exemplo, apontar o seu telescópio para a Terra, ele não poderá nos ver. Na melhor das hipóteses ele verá alguns dos primeiros seres humanos, cujo cérebro ainda era muito pouco desenvolvido. Chocante... - As galáxias mais distantes de que temos notícia estão a cerca de dez bilhões de anos-luz da Terra. Quando recebemos sinais vindos dessas galáxias, na verdade nosso olhar retrocede para um momento no passado da história do universo, "distante" dez bilhõ Estou tonta com tantos números. - É verdade que pode ser difícil entender o que significa olhar para momentos tão remotos do passado; mas foi assim que os astrônomos descobriram uma coisa que é extremamente importante para nossa visão de mundo. Que coisa? - Nenhuma galáxia do universo está parada. Todas as galáxias do universo estão em movimento e distanciam-se umas das outras 512 a uma velocidade impressionante. E quanto mais distantes estão de nós, mais rapidamente parecem se mover. Isso significa que as distâncias entre as galáxias são cada vez maiores. - Estou tentando imaginar como isso pode ser possível. - Quando você pega uma bexiga e pinta uns pontinhos escuros nela, esses pontos vão se afastando uns dos outros à medida que você vai enchendo a bexiga de ar. O mesmo ocorre com as galáxias do universo. Dizemos, nesse caso, que o universo se expande. Como se explica isso? - A maioria dos astrônomos concorda em que a expansão do universo só pode ter uma explicação: em algum momento, há cerca de quinze bilhões de anos, toda a matéria do universo estava concentrada num espaço reduzidíssimo. Ali, a densidade da matéria era ex tudo explodiu. Essa explosão é chamada de a grande explosão, ou Big Bang, em inglês. Fico arrepiada só de pensar. - O Big Bang espalhou matéria por todas as partes do universo e à medida que a matéria foi se esfriando, formou as e€trelas, as galáxias, as luas, os planetas... - Mas você não disse que o universo está em expansão? - Sim, e justamente por causa da explosão há bilhões de anos. Isso porque o universo não possui uma topografia atemporal. O universo é um acontecimento, é uma explosão. As galáxias continuam se distanciando umas das outras a uma velocidade impressionante E será assim para sempre? - E possível. Mas há também outras possibilidades. Você talvez ainda se lembre de quando Alberto contou a Sofia sobre as duas forças que mantêm os planetas em suas órbitas ao redor do Sol. - Não eram a força da gravidade e a inércia? - Certo. E o mesmo ocorre com as galáxias, pois embora o universo continue em expansão, a gravidade continua a agir em sentido contrário. E um dia, daqui a alguns bilhões de anos, provavelmente, a gravidade talvez consiga puxar para um mesmo ponto todos se enfraquecendo. O que aconteceria, então, seria uma explosão ao contrário, ou o que chamamos de "implosão". Podemos comparar isso com o que acontece quando soltamos o ar que está dentro de uma 513 bexiga. Só que esse processo vai demorar tanto tempo quanto o processo desencadeado pela explosão. - E no fim todas as galáxias serão novamente comprimidas num espaço minúsculo e denso? - Sim, acho que você entendeu. E o que aconteceria depois? - Provavelmente haveria uma nova explosão, depois da qual o universo voltaria a se expandir, pois as mesmas leis naturais continuariam a ter validade. Sim, e a conseqüência disso seria a formação de novas estrelas, de novas galáxias. - Seu raciocínio está correto. No que se refere ao futuro do universo, portanto, os astrônomos vêem duas possibilidades: ou o universo continuaria a se expandir indefinidamente e as galáxias se afastariam cada vez mais umas das outras, ou o universo entraria num processo de contração. Tudo dependeria da quantidade de matéria presente no universo, coisa que os astrônomos ainda não sabem muito bem. - Mas se o universo possui matéria suficiente para voltar a se contrair algum dia, isso significa que ele já se expandiu e se contraiu outras vezes, não é? - Isso seria uma conclusão óbvia. Mas também pode ser que essa seja a primeira vez que o universo se expande. E se ele continuar a se expandir indefinidamente, resta ainda a pergunta de como tudo começou. - Sim, pois como surgiu aquilo que de repente explodiu? - Nesse ponto, a visão cristã explica o Big Bang como o momento mesmo de toda a criação. De fato, na Bíblia está escrito que Deus disse: "Faça-se a luz!". Você se lembra quando Alberto falou da visão linear da história, característica do cristianismo. A o universo continuará a se expandir indefinidamente. Continue. - No Oriente, como você sabe, a história é vista como um processo cíclico. Isso significa que a história se repete por toda a eternidade. Na Índia, por exemplo, existe uma antiga crença segundo a qual o mundo está num processo contínuo de expansão e de c "o dia de Brahma" e "a noite de Brahma". Essa noção corresponde melhor, como parece óbvio, à noção de que o universo se expande e depois se contrai, para depois voltar a se expandir. E assim sucessivamente, num eternO 514 processo cíclico. Podemos neste caso imaginar um grande coração cósmico, que bate e bate... - Acho as duas teorias igualmente fascinantes e igualmente impossíveis de serem comprovadas. - E ambas podem ser comparadas com o grande paradoxo da eternidade, sobre o qual Sofia pensou um dia quando estava em seu jardim: ou o universo sempre existiu, ou então um dia surgiu do nada... Ai! Hilde colocou a mão na testa. O que foi? - Acho que um mosquito me picou. - Na certa foi Sócrates tentando despertar você para a vida... Sofia e Alberto continuavam sentados no carro, ouvindo atentamente tudo o que o major contava à filha sobre o universo. - Você percebeu que os papéis se inverteram completamente? - perguntou Alberto depois de algum tempo. Como assim? - Antes eram eles que nos ouviam, enquanto nós não podíamos vê-los. Agora somos nós que os ouvimos, e eles não podem nos ver. E isso não é tudo. O que você quer dizer? - No começo nós não sabíamos que existia outra realidade, na qual vivem Hilde e o major. E agora são eles que desconhecem a nossa realidade. Doce vingança... - Mas o major podia interferir, no nosso mundo... - Nosso mundo não era outra coisa senão uma única e grande interferência da parte dele. - Não quero abandonar a esperança de que nós também podemos interferir no mundo deles. - Mas isso é impossível, você sabe. Você já se esqueceu do que nos aconteceu no café? Ainda posso ver você tentando pegar a garrafa de refrigerante... Sofia ficou olhando o jardim, enquanto o major continuava a falar do Big Bang. E então teve uma idéia inspirada na expressão "Big Bang". Começou a procurar alguma coisa no carro. 515 O que é? perguntou Alberto. Nada. Sofia abriu o porta-luvas e encontrou uma chave inglesa. Pegou-a e saiu do carro. Foi até ao balanço e ficou bem na frente de Hilde e de seu pai. Primeiro tentou atrair o olhar de Hilde, mas isso não foi possível. Então ergueu a chave inglesa e golpeou H Ai! exclamou Hilde. Depois Sofia golpeou o major na cabeça, mas ele não teve nenhuma reação. - O que foi? perguntou o major. Hilde olhou para ele e disse: - Acho que um mosquito me picou na testa. - Na certa foi Sócrates tentando despertar você para a vida. Sofia deitou-se na grama e tentou empurrar o balanço onde os dois estavam sentados. Mas ele continuou parado. Será que ela não conseguiria movê-lo nem um pouquinho? - De repente senti uma corrente de vento frio nas pernas - disse Hilde. - Não pode ser. O tempo está tão agradável... - Mas isso não é tudo. Tem alguma coisa por aqui. - Não há mais ninguém aqui, Hilde. Só nós dois e essa agradável noite de verão. Não, há alguma coisa no ar. E o que seria? - Você se lembra do plano secreto de Alberto? Sim, como não me lembraria? - Eles simplesmente desapareceram da festa no jardim. Foi como se tivessem sido engolidos pela terra... Mas... - ... como se engolidos pela terra... Em algum momento a história tinha de acabar. Foi só uma coisa que eu escrevi. - Mas você não escreveu o que aconteceria depois. Imagine se eles estiverem por aqui... Você acredita mesmo nisso? Eu sinto, papai. Sofia voltou correndo para onde Alberto estava. - Impressionante - admitiu Alberto, quando ela entrou no carro segurando a chave inglesa. - Essa moça tem mesmo poderes muito especiais! 516 Omajor colocou o braço no ombro de Hilde. - Você está ouvindo como é bonito o som da água batendo nas pedras? Sim. - Amanhã vamos colocar o barco na água. - Mas você está ouvindo como é estranho o sussurro do vento? Você está vendo como tremulam as folhas dos álamos? - Este é um planeta vivo, Hilde. - Numa passagem você escreveu sobre o que às vezes está "nas entrelinhas". Sim? - Talvez também haja alguma coisa "nas entrelinhas" deste jardim. - De qualquer forma, a natureza é cheia de mistérios. E agora estamos falando das estrelas no céu. - Logo haverá também estrelas na água. - Certo. Era assim que você chamava as fosforescências do mar quando era pequena. E de alguma forma você estava certa. As fosforescências do mar e todos os outros organismos compõem-se dos mesmos elementos que foram fundidos um dia para formar uma estrel Nós também? - Sim, nós também somos poeira estelar. Bonito isso que você disse. - Quando os radiotelescópios captam sinais de galáxias que estão a bilhões de anos-luz de distância, eles nos mostram um pouco do que o universo foi em tempos primordiais. Isso significa que "vemos" as galáxias mais distantes tal como elas eram pouco dep de milhares e milhões de anos atrás. A única coisa que um astrólogo pode prever, portanto, é o passado. - Isso porque as estrelas de uma constelação já se afastaram umas das outras muito antes de sua luz chegar até nós, certo? - Certo. Há dois mil anos as constelações eram muito diferentes do que são hoje. Eu não sabia. - Em noites claras, podemos enxergar o passado da história do universo tal como ele foi um dia há milhões, bilhões de anos. E ao fazer isso, de certa forma estamos olhando para trás rumo à nossa origem. 517 Explique melhor. - Você e eu também começamos com o Big Bang, pois toda a matéria no universo é uma unidade orgânica. Em algum momento, num passado remotíssimo, toda a matéria se concentrou num bloco tão assustadoramente maciço, que um pedacinho do tamanho da cabeça de u explodiu devido à sua gravidade elevadíssima. E aquele bloco condensado inicial se desfez em pedaços. Só que toda vez em que olhamos para o céu, tentamos encontrar um caminho que nos leve de volta à origem. - Que bela forma de se exprimir. - Todas as estrelas e galáxias no universo compõem-se da mesma matéria. Um pouco dessa matéria se uniu aqui e agora. Uma galáxia pode estar a bilhões de anos-luz das outras, mas todas têm a mesma origem. Todas as estrelas e todos os planetas são de uma m Entendo. - O que é essa matéria que compõe o mundo? O que foi que explodiu há bilhões de anos? De onde ela veio? Esse é o enigma maior. - Mas ele diz respeito a todos nós. Profundamente. Nós também somos feitos dessa matéria. Somos uma centelha da grande fogueira acesa há bilhões de anos. - Também foi bonito isso que você disse. - Mas não vamos exagerar na importância de todos esses números. Basta termos uma pedrinha nas mãos. O universo seria igualmente incompreensível, se não passasse de uma pedra do tamanho de um limão. A pergunta, nesse caso, seria igualmente insondável: de Sofia levantou-se subitamente de seu assento no carro esporte vermelho e apontou para a baía. - Estou com vontade de remar um pouco naquele barco - exclamou. - Mas ele está amarrado. Além do mais, não conseguiríamos mover os remos. - Vamos tentar? Afinal, é a noite do solstício de verão. - Bem, podemos ir até perto da água. Saíram do carro e atravessaram o jardim. 518 Já no ancoradouro, tentaram desprender o cordame da argola de ferro em que ele estava preso. Mas não conseguiram sequer movê-lo de seu lugar. - Parece pregado aí disse Alberto. - Mas nós temos todo o tempo do mundo! - Um filósofo de verdade nunca desiste. Se pelo menos a gente conseguisse desprendê-lo... - Agora já tem mais estrelas no céu - disse Hilde. - Sim, a escuridão desta noite de verão está perto de seu ponto máximo. - No inverno as estrelas brilham com toda a intensidade. Você ainda se lembra daquela noite antes de você viajar para o Líbano? Era a noite de ano-novo! - Naquela noite eu decidi escrever um livro de filosofia para você. Eu tinha estado numa grande livraria de Kristiansand, e também na biblioteca, mas não encontrei nada adequado a um público mais jovem. - E como se a gente estivesse na pontinha dos finos pêlos do coelho branco. - Fico pensando se não há alguém lá longe, na imensidão do ano-luz. - O bote se soltou! exclamou Hilde. Sim, é verdade... - Não dá para entender. Eu mesma verifiquei se ele estava bem amarrado. E mesmo? - Isso me faz lembrar aquela passagem em que Sofia toma emprestado o bote de Alberto. Você ainda se lembra do barco à deriva no lago? - Pode apostar como é ela de novo que provocou isso aqui - disse o major. - Você está zombando de mim. Durante toda a noite tive a impressão de que havia alguma coisa aqui. - Um de nós vai ter de nadar até o barco. - Vamos nós dois, papai. 519