Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. Revista Brasileira de Geografia Física ISSN:1984-2295 Homepage: www.ufpe.br/rbgfe Variabilidade Espaço-Temporal da Precipitação na Amazônia Durante Eventos Enos Adriano Marlison Leão de Sousa1, Edson José Paulino da Rocha2, Maria Isabel Vitorino2, Paulo Jorge Oliveira Ponte de Souza3, Marcel Nascimento Botelho3 1,3 Profs. da Universidade Federal Rural da Amazônia, Instituto Socioambiental e Recursos Hídricos. Campus Belém, Nº 2501, CEP: 66077-830, Terra Firme, Belém-Pará. [email protected]; 2Profs. da Universidade Federal do Pará, Instituto de Geociências, Faculdade de Meteorologia e Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais. Campus Universitário do Guamá, nº 1. CEP: 66075-110, Caixa Postal 479, Belém-Pará. Fone: (91) 3201-7473. E-mail: [email protected]. Artigo recebido em 19/03/2014 e aceito em 25/02/2015. RESUMO As relações entre o ENOS e a precipitação na Amazônia são analisadas num contexto espacial e temporal. Para isso, foram utilizados os dados mensais de precipitação de 238 estações distribuídas nos estados do Amazonas, Amapá, Pará e Maranhão, no período de 1920 a 2011. A identificação dos eventos de El Niño e La Niña foi feita através da análise dos campos de anomalias de precipita-ção, e foi aplicada a transformada em Ondeleta Morlet para a caracterização de todas as oscilações presentes no sinal da precipitação para o período estudado. Os resultados mostram que a distribuição espacial das anomalias positivas e negativas é bastante heterogênea, devido às interações das diferentes dimensões de tempo e escala do fenômeno ENOS e das condições de superfície da Ama-zônia. A diferença entre os eventos de ElNiño de 1982/83 e 1997/98 está relacionado à maior atua-ção em área com anomalias negativas, causando uma redução na precipitação no leste da Amazônia. Observou-se que os eventos de ENOS foram modulados por oscilações de precipitações de múlti-plas escala de tempo, tais como: decadal, interdecadal, anual e intrasazonal. Já as oscilações intrasa-zonais estiveram relacionas apenas ao evento de La-Niña 1984/85. Palavras-chave: Ondeleta Morlet, recursos hídricos, eventos extremos. Spatio-Temporal Variability of Precipitation in the Amazon during Enso Events ABSTRACT This study examined the relationship between ENSO and precipitation in the Amazon in a spatial and temporal. For this, we used the monthly data of precipitation of 238 stations distributed in the states of Amazonas, Amapá, Pará and Maranhão (period 1970 – 2011). For the analysis of data were made calculations of anomalies of precipitation, to identify the events of El Niño and La Niña, and application of the Wavelet Transform into Morlet to the characterization of oscillations in the sign of precipitation. The results show that the spatial distribution of positive and negative anomalies is quite heterogeneous, because the interactions of the different dimensions of time and scale of the ENSO phenomena and the surface condition of the Amazon. The difference between the events of El Niño of 1982/83 and 1997/98, be related to increased activity in an area with negative anomalies, causing a decrease in precipitation in eastern Amazonia. It was observed that the events of ENSO have been modulated by oscillations of precipitation of multiple time scale, such as decadal, interdecadal, annual and intraseasonal. It was noted also that the intraseasonal oscillations were related only to the La-Niña event in 1984/85. Keywords: Wavelets Morlet, water resources, extreme events. Introdução A Amazônia desperta interesse no meio científico por ter a maior floresta tropical do mundo, e * E-mail para correspondência: [email protected] (De Sousa, A.M.L.). principalmente por desempenhar um papel importante na circulação atmosférica global, devido à dimensão continental da floresta, associada a uma grande disponibilidade hídrica e de energia solar devido sua localização geográfica na faixa equatorial. De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 13 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. A precipitação é um dos principais elementos climáticos na região tropical, pois além de influenciar no comportamento de outros elementos atmosféricos, tais como, umidade relativa do ar, temperatura do ar, e a precipitação é a que melhor caracteriza as variabilidades climáticas da região. A variabilidade sazonal e interanual da precipitação na Amazônia foram estudadas por vários autores, entre eles Obregon e Nobre (1990), Marengo (1992), Ribeiro et al. (1996), Fisch et al. (1998), Souza et al. (2000), Obregon (2001), Rocha (2001), Reboita et al. (2010) e Amanajás e Braga (2012). O regime pluviométrico no interior da Bacia Amazônica não é homogêneo e apresenta uma grande variabilidade espacial e temporal, associada à influência de diferentes sistemas de mesoescala, escala sinótica e grande escala (Molion, 1987; Molion e Dallarosa 1990; Fisch et al., 1998; Rocha, 2001). Os processos que causam a precipitação na região estão associados à convecção local na escala de tempo diurna, resultante do aquecimento da superfície e das condições de grande escala relacionadas à Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), e as linhas de instabilidade (LI), que interagem com os sistemas frontais advindos das regiões Sul e Sudeste do Brasil (Oliveira, 1986; Cohen et al., 1995). Molion (1987) analisou as configurações da circulação troposférica sobre a bacia amazônica e sua relação com a distribuição de precipitação, concluindo que a manifestação (simultânea ou não) da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), Alta da Bolívia e Linhas de Instabilidades (Lis) são os principais sistemas meteorológicos de produção de chuvas na Amazônia, durante a estação chuvosa (verão e outono no Hemisfério Sul). Os mecanismos físicos relacionados com a variabilidade interanual da precipitação na Amazônia foram classificados por Molion e Dallarosa (1990) em cinco escalas espaciais: continental, sinótica, subsinótica, mesoescala e micro escala. Segundo Cutrim (2000) a ZCIT sobre o Atlântico Equatorial configura-se na circulação geral da atmosfera como sendo a responsável pelo máximo de chuvas sobre as áreas costeiras da Amazônia, que corresponde a uma faixa continental de aproximadamente 500 km. A variabilidade espacial e temporal da precipitação mensal na Amazônia foi analisada por Obregon e Nobre (1990), utilizando a técnica de análise de componentes principais, com o objetivo de identificar as configurações de variabilidade interanual da precipitação. Chu et al. (1994) analisaram séries históricas de dados pluviométricos mensais de Belém e Manaus, associados com um índice de convecção tropical, com o objetivo de detectar mudanças climáticas na bacia amazônica. Marengo et al. (1998) também analisaram longas séries de dados pluviométricos mensais na bacia amazônica, tendo constatado que não houve nenhuma tendência significante para condições mais secas ou mais chuvosas. Santos et al. (2013) evidenciaram que na Amazônia Ocidental durante um período médio de 32 anos (19702001), os índices de precipitação apresentaram melhor correlação com a PDO, a AMO e com as anomalias do Atlântico. O aumento da TSM do Atlântico Sul leva a produção de chuvas mais intensa, enquanto uma diminuição da TSM leva a um decaimento da intensidade das chuvas. Foley et al. (2002) analisaram a variabilidade climática na bacia amazônica durante eventos de El Niño/Oscilação Sul (ENOS), baseado em séries de dados pluviométricos de 1950 a 1995. Eles concluíram que em geral durante a ocorrência de um El Niño moderado, a precipitação tende a ser menor que a normal, enquanto que durante a ocorrência de um evento La Niña moderado, a precipitação tende a ser maior que a normal. Kayano et al. (1998) estudaram as circulações tropicais associadas a ocorrência de precipitação em 1982/83 e 1984/85, eventos climáticos extremos (ENOS). Em 1982/83 (El Niño) predominaram condições de seca sobre amplas áreas terrestres tropicais, tais como, América do Sul, África e Indonésia. Durante 1984/85 (La Niña) essas anomalias climáticas praticamente se inverteram, em concordância com a inversão das características de circulação tropical. Marengo (1992) sugere que a diminuição da precipitação no norte da Amazônia tende a coincidir com eventos de El Niño fortes ou muito fortes, como os que ocorreram em 1912, 1926, 1983 e 1987. Tais impactos na precipitação sazonal de verão e outono na Amazônia associada aos episódios ENOS foram documentados por Souza et al. (2000). Ainda com relação aos extremos climáticos associados à precipitação na Amazônia, Bezerra (2004) mostrou que a variação espacial média anual da precipitação na Amazônia está relacionada a diminuição da mesma de oeste para leste. Ademais, o impacto causado pelo fenômeno El Niño (La Niña), dependendo da sua intensidade pode resultar em secas (enchentes) severas, interferindo de forma significativa nas atividades econômicas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Braga (2001) observou que as intensidades das variações interanuais da precipitação e da descarga dos rios que constituem a bacia do Guamá-Capim (Pará) são distintas nas diferentes sub-regiões: norte, centro e sul da bacia. Entretanto, o El Niño age no sentido de desintensificar a convecção na bacia, diminuindo o seu regime hidropluviométrico. A La Niña atua de maneira inversa, intensificando a convecção da região, aumentando os índices hidropluviométricos. Convém ressaltar que os efeitos destes fenômenos foram mais intensos na parte norte da bacia. De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 14 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. A partir da análise da precipitação no Pará, Nogueira (2003) concluiu que as séries climatológicas mais longas associadas a estudos mais aprofundados sobre os sistemas atmosféricos da região, poderão melhor representar os padrões do comportamento do fenômeno ENOS. Estudando o regime hidrológico da bacia do Rio Negro, Santos et al. (2005) concluiram que o fenômeno El Niño atrasa o mês de menor vazão ao longo da bacia e o La Niña antecipa o mês de maior vazão. Dependendo da intensidade do fenômeno La Niña, a antecipação do mês de maior vazão poderá trazer sérios problemas socioeconômicos. Assim como, uma antecipação no mês de menor vazão proporcionada pelo El Niño. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo principal investigar a variabilidade espaço - temporal da precipitação associada aos dois eventos de El Niño fortes (82/83 e 97/98) e detectar as flutuações atmosféricas relacionadas aos mecanismos moduladores do sinal da precipitação. Material e Métodos Foram utilizados dados mensais de séries temporais climatológicas das estações meteorológicas convencionais dos estados do Amazonas, Amapá, Pará e Maranhão, com um total de 238 postos meteorológicos para o período de aproximadamente 1920 a 2011 (Figura 1), obtidos na Superin-tendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Em seguida, foram calculadas as médias aritméticas e o desvio padrão da precipitação para cada estação pluviométrica, e determinada à anomalia de precipitação através das equações abaixo: AP = Pobs – (Pmed + DP), se Pobs > Pmed + DP ( 1 ) AN = (Pmed - DP) – Pobs, se Pobs < Pmed – DP ( 2 ) onde: AP é a anomalia positiva; AN é a anomalia negativa; Pobs é a precipitação observada; Pmed é a precipitação media e DP e o desvio padrão do período. Figura 1. Distribuição dos postos meteorológicas nos estados do Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão. A anomalia positiva (negativa) foi definida quando a precipitação observada é maior (menor) do que o valor da precipitação média menos o desvio padrão do período, respectivamente. Portanto, considera-se que a precipitação observada normalmente pode oscilar no intervalo limitado pela precipitação média mais ou menos o desvio padrão, e valores acima ou abaixo deste limite são considerados anos ou meses de anomalias. Com base nas anomalias determinadas, analisaramse as estações, considerando anomalias negativas de precipitação (valores menores que –1), caracterizando a componente do El Niño; e anomalias positivas (valores maiores que 1), caracterizando a influência do fenômeno La Niña. Foram estudados os eventos de El Niño de 82/83 e 97/98, por representarem os eventos de El Niño mais intensos do século passado. Para a análise da variabilidade espacial das anomalias de precipitação foram feitos os mapas do campo de anomalias para os anos de 1982, 1983, 1997 e 1998, individualmente. No caso da análise da variabilidade temporal foram selecionados 5 postos: Conceição do Araguaia (período de 1919 a 1998), Belém (período de 1923 a 2001), Paragominas (período de 1976 a 1999), Marabá De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 15 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. (período de 1973 a 1997) e posto do KM 1385 da BR 163 (perío-do de 1981 a 1999), todos localizados no leste da Amazônia. Tais postos foram analisados por apre-sentarem maiores variabilidades de anomalias negativas e positivas e apresentarem as oscilações referentes aos El Niños de 82/83 e 97/98. Para a análise de tempo e escala da série temporal mensal de precipitação, foi escolhido o posto meteorológico de Belém – Pará como estudo de caso, devido a sua série de dados serem mais longa, para aplicação da ferramenta matemática da Transformada em Ondeleta Morlet, para com-preender os processos de múltiplas escalas associados à precipitação na Amazônia. Transformada em ondeletas Morlet Existem dois tipos de ondeletas: a ondeleta contínua e a ondeleta discreta. Dentre as ondeletas discretas mais conhecidas está, a de Haar, a de Meyer e a biortogonal. Quanto às contínuas, destaca-se a ondeleta complexa de Morlet (Daubechies,1992). Na literatura existem muitas funções utilizadas para gerar várias ondeletas (Daubechies, 1992; FoufoulaGeorgiou e Kumar, 1994). Neste trabalho a função ondeleta utilizada é a de Morlet. Esta ondeleta é complexa e possui características semelhantes àquelas do sinal meteorológico (precipitação) que se deseja analisar, tais como simetria ou assimetria, e variação temporal brusca ou suave. Segundo a literatura, este é um critério para escolha da função ondeleta (Weng e Lau, 1994). Além disso, a ondeleta Morlet apresenta informações de amplitude e fase da energia de ondeleta. A Transformada em Ondeletas Morlet (TOM) é um método de análise do sinal atmosférico, desenvolvido a partir do final dos anos 80, como uma forma de projetar em escalas funções temporais (espaciais). Este método é baseado na teoria de grupos e nas funções quadraticamente integráveis (energia finita), permitindo decompor um sinal dependente do tempo em ambos, tempo e escala. A transformada em ondeleta da função f (t ) ∈ L2 (ℜ) é definida pela expressão (Farge, 1992): Wψ f (a, b) = 1 a +∞ ∫ −∞ t −b dt a f (t ) ψ (3) onde a ≠ 0 ∈ ℜ e b ∈ ℜ . Os coeficientes da TOM, Wψ f (a, b ) , são obtidos + () por translações e dilatações da função ψ t que é denominada de ondeleta-mãe. O parâmetro adimensional de escala, , afeta o tamanho e a amplitude das ondeletas, mas não a sua forma. E o parâmetro permite a sua localização temporal (Weng e Lau, 1994; Vitorino et al., 2006). Os eventos foram selecionados a partir de uma análise da estrutura do sinal em tempo-escala, usando a fase e a intensidade da energia da ondeleta de Precipitação. Segundo estudos anteriores (Aravequia, 2003, Vitorino et al., 2006) a análise da TOM aplicados a dados de radiação emergente, revela as oscilações atmosféricas associadas aos processos físicos da atividade convectiva em múltiplas escalas de tempo. Resultados e Discussão Os resultados mostram que o fenômeno El Niño afeta a estação chuvosa do ano posterior ao seu inicio, nas localidades do estado do Pará e adjacências. Portanto, como se observa na Figura 2, no ano de 1982 a região amazônica não sofreu com influência do fenômeno, entretanto, no ano de 1983 o fenômeno atuou com grande intensidade no sudoeste do estado do Pará, na faixa litorânea do Amapá até a Ilha do Marajó (PA), no sudoeste do Amazonas e no leste do Maranhão, causando redução da precipitação de, aproximadamente, 400 mm (20%) em relação à média (Figura 3). Ainda com relação à Figura 2, pode-se observar que as anomalias negativas mais intensas ocorreram no noroeste do Estado do Pará e no sudoeste da Amazônia. Também se observam grandes anomalias positivas em diversos outros pontos espalhados: nordeste (próximo ao Amapá), sudeste e sudoeste da Amazônia, indicando que o inicio do período chuvoso nestas áreas foram mais intensos. Grande parte da Amazônia se manteve em torno da média climatológica. A Figura 3 mostra que durante o ano de 1983, as anomalias negativas ocorreram na maior parte da região, causando seca em diversas localidades, como, por exemplo, na região central, oeste e leste da Amazônia. Neste sentido, pode ser notado um padrão ondulatório de máximo e mínimo no sentido leste oeste, associado à distribuição espacial da precipitação na Amazônia. É interessante ressaltar, que esta configuração espacial da precipitação, caracteriza o impacto causado pelo fenômeno El Niño na região amazônica. A Figura 4 mostra que, em 1997, as áreas de anomalias negativas ficaram concentradas na bacia dos rios Xingu e Solimões. As áreas de anomalias positivas localizaram-se na parte média da bacia do rio Negro, e na bacia do rio Braço e na foz do rio Madeira. Novamente observa-se que a variabilidade espacial das anomalias apresenta um padrão ondulatório no sentido norte-sul na região oeste e de leste-oeste no leste da Amazônia. Em 1998 (Figura 5), ano posterior ao inicio do El Niño, observa-se o efeito mais acentuado da redução da chuva na Amazônia, da ordem de 400 mm (20%) em relação à média, notadamente em boa parte do estado De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 16 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. do Pará, Maranhão e Amapá. Enquanto que no estado do Amazonas, a maior anomalia negativa foi observada no centro oeste da região. Dentre os estados da região amazônica, os estados do Amapá, Pará e Maranhão sofreram muita influência do El Niño, com redução do índice pluviométrico em praticamente quase todo seu território. Figura 2. Variação espacial das anomalias de precipitação anual em 1982. Figura 3. Variação espacial das anomalias de precipitação anual em 1983. De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 17 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. Figura 4. Variação espacial das anomalias de precipitação anual em 1997. Em geral, os eventos de El-Niño (82/83 e 97/98) afetaram a distribuição da precipitação na Amazônia de modo diferenciado espacialmente, com abrangência espacial maior no evento 97/98, do que no El-Niño 82/83, reduzindo-a na ordem de 20% em algumas áreas. Isto pode estar relacio-nado com as diferentes áreas de atuação das anomalias positivas da temperatura da superfície do mar (TSM) no Pacífico Equatorial central e leste. Estas anomalias positivas provocam alterações na circulação atmosférica zonal (Célula de Walker), com deslocamento do ramo ascendente para região do Peru. Como consequência disto, o ramo subsidente desta célula atua mais no setor leste da Amazônia, reduzindo a atividade convectiva sobre a região. Na estação pluviométrica de Conceição do Araguaia, localizada no sudeste do Estado do Pará (Figura 6), notam-se anomalias negativas durante os anos de 1919, 1932, 1941, 1946, 1951, 1964, 1978, 1987 e 1997 (El Niño). As maiores anomalias negativas foram observadas em 1941, 1946 e 1997. No caso das anomalias positivas, ou seja, aquelas associadas aos anos de ocorrência do fenômeno La Niña, os anos de 1922, 1964, 1974, 1980, 1985, 1991 e 1995 (La Niña, exceto 1922 e 1980). As maiores anomalias positivas foram observadas em 1964, 1974 e 1985. O evento de El Niño de 1982/83, considerado evento intenso não apresentou anomalia negativa na estação de Conceição do Araguaia. No ano de 1985, observou-se a maior intensidade de anomalia positiva (superior a 3), relacionada ao fenômeno de La Niña na estação. As anomalias positivas relacionadas aos anos de 1922 e 1980 podem estar associadas a variabilidades atmosféricas provocadas por fenômenos de escalas temporais diferentes da dos ENOS, como efeitos atmosféricos locais. A estação pluviométrica do km 1385/BR-163 (Figura 7), localizada à sudoeste do Pará, apresenta ocorrência de anomalias negativas em 1983, 1985, 1997 e 1998. Exceto o ano de 1985 não indica correspondência com o El Niño nesta região. Em 1989, observou-se anomalia positiva de precipitação que caracteriza o fenômeno ENOS em sua fase fria, ou seja, a La Niña. Nota-se que o ano de 1998 apresentou uma anomalia negativa menor do que 1997, ou seja, indicando uma redução do fenômeno El Niño de um ano para o outro. Na estação de Belém (Figura 8), situada na foz do Amazonas, nordeste do Estado, as anomalias positivas ocorreram em 1926, 1947, 1959, 1961, 1964, 1974, 1980, 1984, 1985, 1988, 1989, 1995, 1996, 2000 e 2001, sendo que os anos de La Niña foram os de 1964, 1974, 1985, 1988, 1989, 1995 e 2000. As anomalias negativas foram encontradas em 1932, 1936, 1938, 1951, 1954, 1958, 1960, 1965, 1967, 1968, 1969, 1983, 1990 e 1991 (todos anos de La Niña, exceto 1936, 1938, 1965, 1967, 1968 e 1990). O evento de El Niño de 1982/83 foi registrado como anomalia nesta estação, o mesmo não sendo observado em 1997/98. De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 18 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. Figura 5. Variação espacial das anomalias de precipitação anual em 1998. Z (Precipitação Normalizada) Precipitação Total Anual - Normalizada por Z(i) = (P(i) - Pm) / Dp Estação Meteorológica: CONCEIÇÃO DO ARAGUAIA (INMET) - 00849000 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 -0,5 -1,0 -1,5 -2,0 -2,5 -3,0 -3,5 1999 1995 1991 1987 1983 1979 1975 1971 ANOS Desvio > 1 (Anomalia Positiva) 1967 1963 1959 1955 1951 1947 1943 1939 1935 1931 1927 1923 1919 1915 Prec. Normalizada Desvio < -1 (Anomalia Negativa) Figura 6. Variabilidade da precipitação anual da estação de Conceição do Araguaia, no período de 1919-1998. De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 19 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. 3,0 2,0 1,0 0,0 -1,0 -2,0 -3,0 2002 2000 1998 1996 1994 1992 1990 1988 1986 1984 1982 1980 Z (Prp Normalizada) Precipitação Total Anual - Normalizada por Z(i) = (P(i) - Pm) / Dp Posto: KM 1385 BR - 163 - 00455003 ANOS Prp Anual Nomaliz. Desvio > 1 (Anom. Posit.) Desvio < -1 (Anom. Negat.) Figura 7. Variabilidade da precipitação anual da estação do Km 1835-BR 163, no período de 1981-1999. Precipitação Total Anual - Normalizada por, Z(i) = (P(i) - Pm) / Dp Estação Meteorológica: BELÉM (INMET) - 00148002 Z (Prp Normalizada) 3,0 2,0 1,0 0,0 -1,0 -2,0 -3,0 1999 1995 1991 1987 1983 1979 1975 1971 1967 1963 1959 1955 1951 1947 1943 1939 1935 1931 1927 1923 ANOS Prp Normaliz. Desvio > 1 (Anom. Posit.) Desvio < -1 (Anom. Negat.) Figura 8. Variabilidade da precipitação anual da estação de Belém, no período de 1923-1999. Na estação de Paragominas (Figura 9), também localizada no nordeste do Pará, anomalias positivas foram observadas nos anos de 1978, 1985 e 1989, sendo que apenas os anos de 1985 e 1989 são considerados anos de La Niña. Os anos de El Niño de 1983, 92 e 97 apresentaram anomalias negativas no campo da precipitação. De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 20 Revista Brasileira de Geografia Física V 08, N 01 (2015) 013-024. Na estação de Marabá (Figura 10), sudeste do Estado, as anomalias positivas ocorreram em 1975, 1985 e 1988 (todos anos de La Niña), enquanto que as negativas foram apresentadas nos anos de 1979, 1987 e 1997, todos anos de El Niño. A maior anomalia ocorreu no ano de 1985. Precipitação Total Anual - Normalizada por Z(i) = (P(i) - Pm) / Dp Posto: PARAGOMINAS (ANA) - 00347000 Z (Prp Normalizada) 3,0 2,0 1,0 0,0 -1,0 -2,0 -3,0 2001 1999 1997 1995 1993 1991 1989 1987 1985 1983 1981 1979 1977 1975 ANOS Prp Normaliz. Desvio > 1 (Anom. Posit.) Desvio < -1 (Anom. Negat.) Figura 9. Variabilidade da precipitação anual da estação de Paragominas, no período de 1975-2001. Precipitação Total Anual - Normalizada por Z(i) = (P(i) - Pm) / Dp Estação Meteorológica: MARABÁ (INMET) - 00549002 Z (Prp Normalizada) 3,0 2,0 1,0 0,0 -1,0 -2,0 -3,0 2001 1999 1997 1995 1993 1991 1989 1987 1985 1983 1981 1979 1977 1975 1973 ANOS Prp Total Anual - Normaliz. Desvio > 1 (Anom. Posit.) Desvio < -1 (Anom. Negat.) Figura 10. Variabilidade da precipitação anual da estação de Marabá, no período de 1973-2001. De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 21 Revista Brasileira de Geografia Física, vol.08, n.01 (2015) 015-029. A análise da TOM mostrada na Figura 11 revela através das fases positiva (vermelho) e negativa (azul) da precipitação mensal, aumento e diminuição da chuva no leste da Amazônia (Posto de Belém - estudo de caso), respectivamente. Em geral, as características das precipitações na região amazônica, estão relacionadas às oscilações atmosféricas de múltiplas escalas temporais (2 a 190 meses). Observa-se que as flutuações mais acentuadas estiveram associadas às escalas de 12 meses (todo período), 40 a 60 meses (década 20 a 40), as de 24 a 40 meses (década de 40 e 70) e as de 80 a 170 meses (1950 a 2005), demarcadas pelos círculos. Neste contexto, os episódios de ENOS de 1982/83, 1984/85 e 1997/98 estiveram relacionados com oscilações de precipitação nas escalas de 24 e 160 meses; 24,50 e 150 meses; e 80 meses, respectivamente. A Figura 12 mostra que o El-Niño 1982/83 foi modulado por oscilações de precipitação, com fases negativa e positiva relacionadas às escalas de 50, 24, 12, 5 e 2 meses, durante os meses de janeiro a maio 1982/83. Vale ressaltar, que em 1982 as oscilações de precipitação associadas à alta frequência (2 a 5 meses) estiveram moduladas por interações de escalas anuais a interdecadais (12 a 24 meses).Na segunda metade de 1982, nota-se que as oscilações intrasazonais (2 a 3 meses) de precipitação desapareceram da região. Isto se deve a maior caracterização do fenômeno El Niño que inibe os processos convectivos relacionados com a escala das oscilações de Madden e Julian (OMJ) (Lau e Chan, 1986). No caso da La Niña (1984/85), observa-se que as oscilações nas escalas intrasazonais (2 a 3 meses), semi-anuais (6 meses), anuais (12 meses), bi-anuais (24 meses) e interdecadais (50 meses) estão conectadas entre si, modulando a atmosfera local, a partir da resultante das diferentes fases entre escalas de tempo. Figura 11. Escalograma de fase da ondeleta de precipitação mensal no leste da Amazônia, durante o período de 1923 a 2000. Segundo Torrence e Compo (1998) e Gu e Philander (1995), o ENOS está relacionado com oscilações de TSM nas escalas de 2, 4 e 8 anos que concorda com os resultados deste trabalho, ex-ceto para a variabilidade decadal de 160 meses (13 anos). No entanto, os estudos de Hastenrath e Heller, (1977) e de Souza et al. (2000) mostram que para a região norte da Amazônia as variações da TSM no atlântico equatorial influenciam os mecanismos moduladores da precipitação na região, através das oscilações interdecadais a decadais. Vale ressaltar que, Santos et al. (2014) mostraram que os SPIs 3, 6 e 12, são relacionados os eventos secos mais do que chuvosos para a cidade e a maioria dos eventos de chuva e seca estavam associados, principalmente, ao fenômeno ENOS, na cidade de Belém – Pará. Figura 12. Escalograma de fase da ondeleta de precipitação mensal para o período 1982/83 e 1984/85 (zoom da figura 11). De Sousa, A.M.L., Rocha, E.J.P., Vitorino, M.I., Pontes de Souza, P.J.O., Botelho, M.N. 22 Revista Brasileira de Geografia Física, vol.08, n.01 (2015) 015-029. Conclusões Os resultados da análise espacial mostram que no início do ano de formação do fenômeno El Niño (1982 e 1997), o impacto na precipitação é de menor abrangência espacial, quando comparado aos anos de maior atuação do fenômeno (1983 e 1998). Isto pode levar a uma redução na precipita-ção na ordem de 20% nas áreas mais afetadas pelo El Niño. O El-Niño 1997/98 apresentou uma maior atuação espacial com anomalias negativas de precipitação em torno de 50% do território da Amazônia. Isto pode está associado à intensidade da circulação atmosférica relacionada às áreas de atuação das anomalias positivas da TSM no Pacífico equatorial centro leste. Em geral, observou-se que a variabilidade temporal da anomalia de precipitação no leste da Amazônia, revela comportamento diferenciado em intensidade e tempo de ocorrência de eventos ENOS entre as estações pluviométricas analisadas na região. Apenas o posto de Belém, das estações ao norte do Pará, não foi afetada pelo evento El Niño 1997/98 que apresentou maior variabilidade espacial do que o evento 1982/83. As demais estações localizadas a nordeste, sudeste e sudoeste do Pará, tanto sofrearam influência dos El Niños 1982/83 como o 1997/98 com redução de precipitação observada. Foram observadas oscilações atmosféricas na precipitação nas escalas em torno de 170, 80, 40, 24, 12 e de 2 a 3 meses, que representam as variabilidades atmosféricas associadas as oscilações decadais (13 anos), interdecadais (4-8 anos), bianuais, anuais e intrasazonais, respectivamente. O diferencial entre os eventos de El Niño e de La Niña está relacionado com a atuação da oscilação intrasazonal de precipitação durante o evento de La Niña (1984/85). Fazendo uma analogia entre os campos espaciais de anomalias e as oscilações climáticas de precipitação parece não apresentar concordância, devido principalmente o caráter tempo-espaço heterogêneo da chuva. Por outro lado, a distribuição espacial da precipitação não só depende dos efeitos provocados pelos mecanismos climáticos, mas também pelos sistemas meteorológicos regionais e locais que estão presentes nos dados observados. Ademais, notou-se que o fenômeno ENOS modula a precipitação anual, através de múltiplas escalas de tempo. Desta forma, o monitoramento e a previsão climática deste fenômeno são de fundamental importância para a mitigação dos impactos socioeconômicos causados na região amazônica. Agradecimentos Os autores agradecem aos revisores anônimos e também ao INMET e SUDAM por disponibilizarem os dados para a realização deste trabalho, e igualmente à Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Referências Amanajás, J.C.; Braga, C.C. 2012. Padrões espaçotemporal pluviométricos na Amazônia oriental utilizando análise multivariada. Revista Brasileira de Meteorologia [online], v.27, p.423-434. http:// dx.doi. org/ 10.1590/ s0102 – 77862012000400006. Aravequia, A.J. 2003. Funções de influência com dependência temporal: aplicações na interpretação da deriva de prognóstico de tempo e da gênese de anomalias climáticas. Doctoral Thesis Meteorology, IAG-USP, São Paulo, Brazil. Bezerra, A.C.N. 2004. Relação entre a precipitação no litoral leste da Amazônia e a TSM. Trabalho de Conclusão de Curso em Meteorologia. 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