Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 ENSINO DE BIOLOGIA E ATIVIDADES LÚDICAS: O JOGO DE TABULEIRO CONECTANDO CONTEÚDOS DE EVOLUÇÃO E ECOLOGIA NO ENSINO MÉDIO Fernanda da Silva Marques (IB/ UFF) Simone Rocha Salomão (FE/UFF) RESUMO O ensino de Ciências e Biologia apresenta-se compartimentalizado. Investigando a relevância dos conteúdos de Evolução e Ecologia, articulamos interações de suas abordagens no Ensino Médio. Este trabalho avaliou o desenvolvimento de jogos como metodologia prática para o ensino de Biologia e a integração dos conteúdos supracitados no Ensino Médio. O jogo “Ilhas de Galápagos: um jogo de evolução” adota a descoberta de Charles Darwin sobre a variedade fenotípica dos tentilhões como exemplo da evolução sob a ação da seleção natural. A atividade foi aplicada a 06 turmas de 3º ano do Ensino Médio do CEFET-RJ (Maracanã). Resultados obtidos com os questionários destacam a relevância da conexão entre os conteúdos e a eficácia de atividades lúdicas como recurso didático para a prática docente. PALAVRAS CHAVE: Evolução-ecologia, recurso didático, atividade lúdica, jogos INTRODUÇÃO A explosão do conhecimento biológico gerou uma transformação na tradicional separação das grades curriculares da Educação Básica, a partir da década de 1950, que continham como base principal conteúdos de Botânica e Zoologia. Houve uma transição de estudos das principais diferenças entre os seres vivos para análises de fenômenos comuns a todos eles. Esta nova análise feita a todos os níveis de organização biológica, da molécula à comunidade, teve como consequência a inclusão nos currículos escolares de um novo e amplo espectro de temas, englobando desde a Ecologia e Genética de Populações até a Genética Molecular e Bioquímica (KRASILCHIK, 2008). As aulas de Biologia no Ensino Médio, contudo, ainda demasiadamente expositivas, tornam-se equivocadas por somente enfatizarem terminologias, eventos cronológicos relacionados ao advento de teorias, personagens principais e autores da Ciência em detrimento da edificação dos conceitos centrais dos processos biológicos, seus principais parâmetros e fundamentos, além de não estabelecerem relações complementares à aprendizagem através da 2072 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 interação clara entre conteúdos, como Genética, Ecologia e Evolução, por exemplo. A Biologia estuda as transformações que ocorrem nos seres vivos, suas relações entre si e as interações entre eles e o meio ambiente ao longo do tempo. Desta maneira, o estudo dos conhecimentos biológicos vem elucidar quais forças e caminhos conduziram os organismos vivos à fauna e flora atuais. As teorias da Evolução, na medida em que tentam responder pela história natural dos seres vivos, ilustram o dinamismo da rede de associações na qual o conhecimento biológico foi e é produzido (CICILLINI 1991). Sobre isso, Meyer & Elhani (2005 p.123) afirmam que: “A evolução é tipicamente entendida como um elemento indispensável para a compreensão apropriada da grande maioria dos conceitos e das teorias encontrados em nossas ciências”. Entendemos que a evolução biológica é reconhecida pelos profissionais de ensino de Biologia como um eixo central e de caráter integrador das demais disciplinas biológicas, aspecto notável também dentro da pesquisa básica. Entretanto, segundo Oliveira (2012) percebe-se um consenso a respeito do pouco espaço que tem sido dado à Biologia Evolutiva no currículo seja no Ensino Médio, seja no Ensino Superior. Considerando que na Educação Básica a maior parte dos conteúdos do Ensino de Biologia é trabalhada de forma compartimentalizada e isolados entre si, a compreensão ampla da Evolução como eixo integrador central dos diversos conteúdos das Ciências Biológicas não ocorre no meio escolar, sendo percebido ao longo de cursos de graduação, momento em que este tema é constantemente destacado em disciplinas que trazem consigo associações diretas de evidências filogenéticas, relação de processos e parâmetros ecológicos com a história evolutiva das espécies ao longo das eras geológicas da Terra até os dias atuais. Segundo Grants & Grants (2011) há aproximadamente 150 anos atrás, Darwin estabeleceu as bases científicas para a compreensão de como a Evolução acontece através da seleção natural, aplicando-a para responder a questão de como as espécies se formam. Darwin publicou, em 1859, seu célebre livro “A origem das espécies” sistematizando ideias sobre a origem das espécies e a variação lenta e gradual que chegaria a criar novas espécies pela seleção do ambiente. Os tentilhões de Darwin são um dos exemplos mais clássicos de como a seleção natural atua na irradiação adaptativa de espécies (MORI et al., 2008). O casal de cientistas Rosemary e Peter Grants da Universidade de Princeton (EUA) desenvolveu sua pesquisa, com quase 30 anos de duração, com os mesmos tentilhões que inspiraram Darwin nas primeiras reflexões sobre a origem das espécies em 1859 mostrando que é possível testemunhar a evolução acontecendo em tempo real. As observações dos 2073 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Grants sobre as populações dos tentilhões em pequenas ilhas do arquipélago de Galápagos evidenciam de que maneira as variações fenotípicas associadas ao bico das aves influenciam diretamente a capacidade de manipulação e consumo de recursos alimentares e que tais variações são herdadas pelas gerações seguintes de animais. Segundo Motokane e Trivelato (1999) no ensino de Biologia no Ensino Médio é explícita a importância do eixo Ecologia-Evolução, que engloba um tratamento histórico, destacando que diferentes períodos e escolas de pensamento adotaram distintas ideias sobre o surgimento da vida na Terra, transitando de discussões sobre o equilíbrio dinâmico da vida, pelo qual perpassam todas as subdivisões da Biologia, a temas de crescente evidência como a dinâmica ambiental e suas implicações nos impactos da ação humana sobre a natureza. Nesse sentido, os conteúdos de Evolução e Ecologia ocupam posição de destaque no conhecimento biológico sendo importantes não somente para a compreensão desta disciplina, mas também para a formação de indivíduos capacitados para tomar e avaliar criticamente decisões frente a problemas ambientais e de outras ordens (FUTUYMA, 2002; SADLER, 2005; PICKETT et al., 2007 apud LOULA et al. 2009). A partir de evidentes conexões entre os conteúdos das Ciências Biológicas para a potencialização do aprendizado de Evolução no Ensino Superior surgiu o questionamento sobre a necessidade de se instituir tais associações entre os conteúdos de Evolução e Ecologia dentro do universo escolar com os alunos da Educação Básica, seja no Ensino Médio ou no Ensino Fundamental estimulando deste modo a relação ensino-aprendizagem. Dentro do quadro geral de metodologias de ensino de Biologia aplicadas às séries do Ensino Médio para o conteúdo de Evolução, contudo, nota-se uma enorme escassez de atividades lúdicas e alternativas aos métodos tradicionais de aulas expositivas que recorrem ao livro didático como diretriz de conceituações e possíveis debates. Notoriamente, as atividades lúdicas como as brincadeiras e os jogos são reconhecidas como uma maneira de fornecer ao indivíduo um ambiente agradável, prazeroso, estimulante que possibilita a aprendizagem de várias habilidades. Outra importante vantagem é a tendência em motivar o aluno a participar espontaneamente da aula, aliada à questão da diversão e interação social. Acrescentam-se ainda o desenvolvimento da cooperação, da socialização e a possibilidade de se utilizar jogos didáticos de modo a auxiliar os alunos na construção do conhecimento em qualquer área (PEDROSO, 2009). A partir desses fatores, a ideia deste projeto surgiu considerando, também, o artigo “Como a criança vê a Evolução dos seres vivos” (MOREIRA, 1995), que mostra a opinião de 2074 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 alunos do 7º ano sobre a teoria sintética da Evolução e suas implicações nos seres vivos. A partir do artigo de Oliveira et al (2008), o jogo de tabuleiro didático “Ilhas de Galápagos: um jogo de Evolução” foi desenvolvido, visando discutir: (i) a produção de novos recursos para o ensino de Evolução; (ii) como a aplicação de atividades lúdicas no processo de ensino-aprendizagem torna-se uma ferramenta de dinamização e (iii) a necessidade da construção de conexões entre os conteúdos de Evolução e Ecologia e de exploração do processo evolutivo como fundamento da origem da diversidade biológica. Utilizando o exemplo real ocorrido no Arquipélago de Galápagos com os tentilhões de Darwin, a atividade foi idealizada para recriar os principais aspectos presentes dentro de um evento evolutivo e transmitir aos participantes a atmosfera do ambiente em questão, resgatando os conceitos biológicos relacionados com a dinâmica ecológica das populações naturais no decorrer das formações de novas espécies. METODOLOGIA Montagem do jogo e aplicação da atividade Produzimos e confeccionamos o jogo nomeado como “Ilhas de Galápagos: um jogo de Evolução”, tendo como base inicial a metodologia descrita em OLIVEIRA et al. (2008). Posteriormente, incorporamos modificações referentes à dinâmica da partida, estruturação do tabuleiro, cartas e peças componentes baseadas no jogo de estratégia “WAR” da empresa Grow. As modificações incluíram adição de elementos na estrutura física do jogo e na dinâmica da partida e agregação de novos conceitos relacionados com conteúdos de Ecologia, como por exemplo, condições ambientais disponíveis no arquipélago naquele instante. Processos ecológicos associados às populações naturais como colonização, extinção, migração, dispersão, competição, predação, parasitismo são alguns dos fatores presentes no jogo e modulam a variação do tamanho populacional. Como ponto crítico de determinação do sucesso ou insucesso de tais processos tem-se a aleatoriedade dos resultados dos dados. O jogo demanda no máximo 06 e no mínimo 03 grupos de 02 a 05 participantes cada, que são divididos em equipes distintas representando sub-populações de tentilhões que coabitam uma ilha central ameaçada pela erupção de um vulcão ativo. A partida ocorre em um tabuleiro que remonta um mapa de um arquipélago contendo uma ilha central não seccionada denominada Grande Ilha Tortuga. As ilhas satélites são divididas em pequenos habitats (divisões em territórios) e estão espalhadas pelo mapa, sendo 08 ilhas com recursos alimentares distribuídos em trincas e cores específicas e 01 ilha bônus com os 04 tipos de 2075 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 recursos alimentares disponíveis e de mesma cor que a ilha central (marrom). As equipes têm de migrar para as demais ilhas do arquipélago a partir da Grande Ilha Tortuga para evitar que a erupção do vulcão Kilauê destrua toda a sua população, buscando seguir uma estratégia para cumprir seu objetivo e colonizar ilhas que tenham recursos alimentares os quais estão aptas a consumir. O tempo de partida pode ser variado de acordo com a necessidade e andamento da atividade, porém estipula-se que com o máximo de 60 minutos seja determinado o fim da partida devido à limitação de tempo das aulas. A equipe que estiver mais próxima de conquistar o seu objetivo será a vencedora. O objetivo de cada equipe é determinado pelo sorteio de uma carta, contudo antes e após a partida, para evitar interpretações teleológicas, deve ser ressaltado que este aspecto é restrito somente para a otimização da dinâmica da partida, não havendo metas similares para as populações naturais. A confecção do tabuleiro foi feita no software AutoCad 2012, com criação livre de padrões cartográficos, sem escala e referências reais à disposição de ilhas do arquipélago de Galápagos no Oceano Pacífico e, posteriormente, foi impresso (plotado) em papel A1 (594mm x 841mm) com cobertura plástica feita a mão para melhor conservação do tabuleiro. Discos plásticos em 06 cores (preto, branco, amarelo, verde, azul e vermelho) do jogo WAR, sem limitação numérica, representam as populações de tentilhões. Cada disco representa 02 indivíduos da população, um casal de indivíduos adultos reprodutivos, agregando a ideia de possibilidade reprodutiva. Foi feita também a confecção de outros componentes do jogo no software Microsoft Word 2007, sendo elas: 16 Cartas recursos, que determinam os recursos alimentares que as populações estão aptas para consumir, divididas em 04 tipos de recursos em cartas contendo cada uma as seguintes imagens: fruta, inseto, cacto e semente; 16 Cartas de objetivos, para determinar dentro da dinâmica da partida uma finalidade para as equipes; 20 Cartas “Vai e Vem”, representando eventos naturais e ocasionais que podem interferir diretamente na sobrevivência e estabilidade das populações, similares às cartas sorte ou revés do jogo “Banco Imobiliário”; 100 Tabelas de Vida, auxiliando as equipes a registrarem o andamento da partida, recursos alimentares sorteados, ordem de jogada a cada rodada, tamanhos populacionais inicial e final, quantidade de colonizações, migrações e dispersões bem sucedidas durante a partida e, também, de extinções ocorridas durante tais processos; 01 Roteiro de apresentação das etapas da formação de novas espécies de tentilhões com explicações dos papéis desempenhados pelas equipes dentro do jogo e seu verso contém 2076 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 resumidas as regras do jogo sobre os processos de colonização migração/dispersão, extinção, competição e adição de novos indivíduos. Anteriormente a cada partida deve ser feita uma contextualização oral da atividade proposta esclarecendo o evento evolutivo em questão e os principais conceitos ecológicos presentes no cenário do jogo e, também, serem explicadas às equipes as regras gerais e a dinâmica da partida. Todas as partidas devem ser acompanhadas do início ao fim pelo docente ou aluno que domine as regras e o conteúdo biológico do jogo. A dinâmica do jogo é comandada pelo sorteio de dados, sendo 07 ao todo: 03 amarelos que representam os dados de colonização, e em caso de competição entre as equipes, os dados de defesa; 03 dados vermelhos representando os dados de ataque para competição entre as equipes; e 01 dado azul, de 06 faces sendo 03 numeradas (1-2-3) e 03 não numeradas, direciona o sucesso dos eventos de migração/dispersão da ilha central para as ilhas satélites e de habitat para habitat dentro de uma mesma ilha satélite ou ilhas distintas, e simultaneamente determina o número de indivíduos que podem deslocar-se em caso de sucesso. A cada rodada os resultados dos eventos de colonização, migração e extinção devem ser registrados por um dos componentes de cada equipe na Tabela de Vida. Foi feito um livro de regras baseado na dinâmica de partida do jogo “WAR” para melhor orientar os jogadores do jogo sobre os procedimentos da partida como: o sorteio de cartas recurso e carta objetivo e quantidade de discos para iniciar a partida da ilha central; ordem dos jogadores por rodada e regras de distribuição, transferência e adição de discos a cada rodada; processos de colonização das ilhas satélites a partir da ilha central, migração entre ilhas satélites; disputa por habitats já colonizados por mais de uma equipe, em processo de competição; obtenção de discos extras, com as tabelas de trocas de cartas recurso e conquista de ilhas por completo. A aplicação da atividade com o jogo contou com duas etapas: na primeira etapa, em ambiente acadêmico, foi feita uma aplicação para um grupo de licenciandos do curso de Ciências Biológicas da UFF, na disciplina Pesquisa e Prática de Ensino III, com o intuito de avaliar a proposta e a estrutura da atividade como uma opção de metodologia para o trabalho articulado dos conteúdos de Evolução e Ecologia no Ensino Médio. A segunda etapa, já em ambiente escolar, foi realizada com 04 turmas de 3ª série do Ensino Médio Técnico, do CEFET-RJ, Campus Maracanã, sob a supervisão e co-orientação do Professor Laurio Yukio, docente de Biologia e metade dos alunos de 02 turmas da Professora Alessandra Chacon também docente de Biologia do CEFET-RJ. A aplicação da atividade no colégio contou com 2077 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 02 tempos de 50 minutos em dias alternados nas aulas de Biologia. As turmas foram divididas em 02 grupos, de até 20 alunos, que participaram da atividade alternadamente a cada aula. Cada partida foi jogada com até 06 grupos de 02 a 03 alunos, cada grupo representando uma população de tentilhões. Após jogarem uma partida os licenciandos responderam a um questionário construído como instrumento de análise da metodologia proposta na atividade, fazendo a seguinte avaliação: se a partir de uma contextualização anterior dos conteúdos de Evolução e Ecologia, o jogo em questão seria uma ferramenta funcional para estabelecer conexões entre os temas potencializando o aprendizado. O questionário continha nove questões discursivas sobre diferentes aspectos da atividade proposta. Os alunos do CEFET/RJ, responderam a dois questionários. O primeiro foi semiestruturado e aplicado anteriormente à realização do jogo, de modo a obter um perfil dos estudantes e suas opiniões a respeito da conexão entre os temas escolhidos. Este questionário contou com conceituações contidas no livro de Ensino Médio “Biologia” de Favaretto e Mercadante (2007), além de ter questões baseadas nas perguntas feitas no artigo de Moreira (1995). O segundo questionário, de organização fechada, foi formulado com base nas questões propostas por Oliveira et al (2008) e aplicado após a realização da partida do jogo. Podemos acrescentar que logo após cada partida fizemos uma breve discussão com as turmas captando a percepção dos alunos sobre o material proposto. Dados dessa discussão foram cruzados com as respostas do segundo questionário. Para esse relato de experiência trazemos apenas as análises das respostas obtidas com os questionários dos alunos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Questionário pré-atividade Com a análise do questionário pré-atividade, na parte “Vamos falar sobre você”, traçamos um perfil dos alunos das turmas de 3º série do CEFET-RJ, com um total de 172 alunos divididos em 06 turmas. Observou-se que o público alvo é composto de jovens incluídos na faixa etária de 16 a 19 anos. Um padrão encontrado foi que todos os alunos possuem alguma forma de acesso a Internet, pondo em destaque a facilidade e a constante conexão destes jovens com diversas fontes de conhecimento sobre variados conteúdos e temas através de sites e redes sociais, seja por acesso direto de casa ou de outros lugares, como a própria escola e “lan houses”. Já na parte “Vamos falar sobre Biologia”, o objetivo central foi estabelecer a associação 2078 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 de alguns dos conceitos mais trabalhados dos conteúdos de Evolução e Ecologia com suas respectivas definições, buscando destacar os conhecimentos anteriores dos alunos acerca de ambos os conteúdos. Os resultados obtidos sugerem que os alunos em sua maioria já tiveram contato com alguns conteúdos de Evolução e Ecologia, indicando que seus conhecimentos anteriores têm profunda importância, e se justificam através do estabelecimento de uma espécie de plataforma sobre a qual novas aprendizagens serão construídas e consolidadas, já que para conteúdos curriculares que necessitam de um progressivo aprofundamento e complexificação de conceitos e definições, os níveis de conhecimento prévios dos alunos são essenciais (RIBEIRO et al, 2006). Devemos considerar que estes conteúdos ainda não tinham sido trabalhados pelos professores em sala de aula no momento do trabalho. Na perspectiva de aprendizagem dos conceitos trazidos pelo questionário e dos conhecimentos anteriores pudemos identificar as “ideias” dos alunos acerca dos conteúdos de Evolução e Ecologia. Considerando que o ensino que está centrado na transformação de possíveis concepções alternativas dos alunos sobre conceitos científicos, podemos elencar novas estratégias de práticas pedagógicas e modelos didáticos que geram oportunidades de mudanças de ideias prévias dos alunos sobre os conteúdos a favor da assimilação de concepções científicas reais (MOREIRA, 1997; ALVES, 2001 apud MARANDINO, 2003). Em sequência, propusemos uma questão sobre a relação dos conceitos apresentados com os conteúdos de Evolução e Ecologia, categorizando-os em dois grupos distintos. Observou-se que os alunos apresentaram uma boa percepção acerca de quais conceitos são relacionados com os conteúdos especificamente. Apesar de uma parcela do total (42 alunos) não ter respondido conforme o esperado, algumas respostas possuíam definições próprias sobre a relação dos conceitos e seus conteúdos, trazendo referências a outros termos não expressados pelo questionário (mutação, adaptação e melhoramento para Evolução; meio ambiente para a Ecologia), evidenciando que as concepções prévias dos alunos não são tão equivocadas a respeito da correlação de conceitos em Biologia e o professor deve se fazer valer destes aspectos para agregar novos conhecimentos utilizando esta visão ainda que superficial dos alunos. Boa parte dos alunos relacionou corretamente 05 ou mais conceitos com os conteúdos em questão. Destacamos que o número expressivo de relações encontradas foi do conteúdo de Ecologia com 05 ou mais conceitos apresentados, o que sugere a existência de maiores dificuldades de aprendizagem sobre conteúdos de Evolução e ressalta a complexidade de 2079 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 compreensão deste conteúdo como eixo integrador da Biologia por parte dos alunos. Trouxemos aos alunos a reflexão sobre a interação entre os conteúdos de Evolução e Ecologia, investigando se eles apresentavam qualquer noção de que estas duas ciências possuem uma relação complementar e complexa de conceitos, que as tornam co-dependentes. Com 94% de respostas afirmativas sobre a interligação dos conteúdos, destacam-se algumas justificativas mais adequadas dadas pelos alunos: Resposta 1: “A evolução estuda como as espécies se modificam ao passar do tempo. A modificação destas depende de toda uma relação com os outros fatores abióticos ou bióticos (ecologia)”. Resposta 2: “ Ecologia estuda os meios e como vivem os seres. Evolução estuda como se adaptam e sobrevivem com as mudanças dos meios”. Dentre as respostas obtidas, percebemos uma proximidade na concepção de que dentro da Ecologia as condições e recursos fornecidos pelo ambiente tendem a moldar a capacidade de sobrevivência das espécies e, evolutivamente, estas se adaptarão a tais condições ao logo do tempo. Esta é uma visão explícita da conexão fundamental existente entre Evolução e Ecologia e deve ser contemplada dentro do ensino de Biologia. Questionário pós-atividade: Entendendo a atividade O questionário pós-atividade foi aplicado após a realização das partidas com as turmas de 3ª série do Ensino Médio do CEFET-RJ retomando os acontecimentos do jogo e conduzindo-os para discussões sobre as principais abordagens evolutivas e ecológicas observadas durante as partidas. Trouxemos a hipótese de um aumento populacional como fator de saída das populações da ilha central. As citações mais comuns apontadas pelos alunos foram: disputa e disponibilidade de recursos, superpopulação de indivíduos e a competição intrapopulacional ou intraespecífica. Estes seriam os principais motivos que contribuiriam para o deslocamento das aves da ilha central para outros habitats. Tal resultado sugere que os alunos possuem uma percepção superficial de que o ambiente apresenta uma capacidade limitada para suprir e suportar as necessidades dos seres vivos e disponibiliza uma quantidade restrita de recursos, isto é, uma concepção alternativa ao conceito de capacidade suporte do ambiente. Sobre a disponibilidade de recursos alimentares e a sobrevivência da população, a resposta mais recorrente que encontramos foi morte/extinção como principal consequência da falta de recursos, seguida pela ideia de não adaptação que afetaria a sobrevivência das populações. Através do jogo Ilhas de Galápagos exploramos conceituações mais amplas sobre a vulnerabilidade de pequenas populações expostas a eventos fortuitos e processos de 2080 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 extinção, e a maneira como a extinção direcionou os padrões de biodiversidade através do desaparecimento de espécies sob a pressão de forças evolutivas. Introduzimos a noção de que o habitat é recurso ambiental, além dos recursos alimentares, que é explorado pelas populações e agregamos ainda concepções sobre a competição intra e interpopulacional. Ideias de que território/habitat/espaço, crescimento populacional, exploração de recursos iguais e disputa por nichos seriam justificativas para competição das populações por um mesmo recurso foram observadas nas respostas dos alunos. Contudo, o pouco contato dos alunos com a concepção de que o espaço é também um recurso fornecido pelo ambiente e consumido pelos indivíduos de uma população pode ser ressaltado através das poucas referências feitas no questionário. Os processos de colonização, migração/dispersão e extinção do jogo foram analisados e como justificativas para sucesso ou insucesso e frequência de tais fatores destacaram-se a aleatoriedade dos resultados dos dados ou sorte. A concepção de que a seleção natural é uma ação evolutiva direcionada por probabilidades e atua como filtro para os indivíduos com caracteres favoráveis à sobrevivência foi abordada neste ponto do jogo, evidenciando aos alunos que não há uma linha de direção na Evolução. Desarticularam-se, também, concepções sobre melhoramento de caracteres para adaptação, esclarecendo que são selecionados os indivíduos mais aptos às condições ecológicas de um momento em especial. O papel da seleção natural e sua influência na sobrevivência da população foram ainda mais articulados e observamos uma diversidade de justificativas dos alunos. Elaboramos um ranking das concepções encontradas sobre seleção natural, obtendo: 1º lugar adaptação com a preservação de caracteres e manutenção da sobrevivência; 2º lugar - a relação entre disponibilidade, busca e encontro de recursos e condições ambientais e a extinção dos indivíduos; 3º lugar - ocorrência da colonização de novos habitats pelo sucesso ou insucesso nos processos do jogo; 4º lugar - aleatoriedade dos resultados dos dados; 5º lugar - eventos estocásticos, doenças e mudanças repentinas associadas às cartas Vai e Vem. O link para a introdução de conceitos relacionados com a Teoria Sintética da Evolução, que considera a variabilidade genética presente na população como um fator crítico para o isolamento reprodutivo, pode ser criado neste ponto da atividade com destaque ao fato da existência de isolamento por barreiras naturais, representado pelas ilhas do arquipélago. Em seguida, elencamos os principais fatores para a formação de novas espécies atribuindo graus de importância para este episódio evolutivo. Pudemos eleger um ranking dos graus atribuídos pelos alunos às concepções determinantes para especiação: 1º lugar 2081 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Aspectos e condições ambientais; 2º lugar - Competições; 3º lugar - Mudanças nas características; 4º lugar - Sucessos nos processos. Apesar da proposição do ranking, pudemos observar certo equilíbrio entre as ponderações dos alunos sobre a importância das concepções apresentadas pelo questionário, o que sugeriu a ocorrência de uma ampliação da compreensão dos alunos de que conceitos evolutivos têm interação com processos e padrões ecológicos para a formação de novas espécies. O termo “irradiação adaptativa” foi introduzido e discutido com os alunos como um fator associado ao processo evolutivo e o aprendizado através do jogo didático sobre fenômenos evolutivos e processos ecológicos foi destacado a partir da grande aceitação positiva do material como ferramenta de ensino. A percepção dos alunos a respeito dos conteúdos de Evolução e Ecologia foi retomada pela correspondência das perguntas do pós-questionário com cada conteúdo especificamente. Após a aplicação do jogo didático obtivemos uma mudança na relação. Notamos que o padrão encontrado anteriormente com mais conceitos sendo relacionados com o conteúdo de Ecologia do que com o conteúdo de Evolução sofreu uma alteração após a aplicação do jogo e do pós-questionário. Ocorreu transição da associação de maior número de concepções com Evolução, salientando que possivelmente os alunos tenham adquirido uma visão mais sólida dos conceitos desse conteúdo e sua relação com a Ecologia. CONSIDERAÇÕES FINAIS No ensino de Ciência/Biologia, a compartimentalização é uma barreira para o aprendizado dos conteúdos, em especial o de Evolução, cujo espaço no currículo é pequeno. Contudo, a Evolução constrói a base para o estudo da história natural dos seres vivos ao longo do tempo, agregando fatores e sendo o eixo integrador de diversos domínios da ciência. A Ecologia é a ciência que investiga as complexas relações dos seres vivos entre si e com o ambiente, incluindo o homem e o seu poder de transformação sobre a natureza. O eixo EvoluçãoEcologia traz consigo uma visão holística de conceitos e teorias sobre a origem da vida na Terra e sua relação direta com o meio ambiente. A aplicação de atividades lúdicas é um recurso promissor para alcançar níveis elevados de aprendizagem e a busca por novas metodologias visa à melhoria de sua relação com o ensino. As considerações apresentadas pelos licenciandos sobre o jogo, embora não discutidas nesse relato, foram de fundamental importância para o seu aperfeiçoamento. O aspecto lúdico da atividade foi um trunfo para o seu sucesso, atraindo o interesse e participação dos alunos e 2082 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 colaborando para a consolidação do mesmo como um recurso didático. A percepção dos alunos sobre a interligação dos conteúdos ampliou o conhecimento de conceitos sobre os seres vivos, suas relações com meio e a sua trajetória de vida. Análises mais detalhadas ainda devem ser feitas sobre a eficácia da produção e uso de materiais didáticos no ensino de Biologia e seus efeitos na aprendizagem. Destacamos o papel da Evolução como conteúdo integrador da Biologia e a sua articulação com a Ecologia, como fator facilitador, que possibilita uma ampla compreensão por parte dos alunos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CICILLINI, G. A. Evolução enquanto um componente metodológico para o ensino de biologia no 2º grau – Análise de concepção de Evolução em livros didáticos. 1991. 246p. Dissertação (Mestrado em Concentração e Metodologia de Ensino) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991. FAVARETTO J. A. e MERCADANTE C. Biologia - Volume único. 1a edição. São Paulo: Editora Moderna, 2005. 434p. GRANTS & GRANTS. Speciation and the Evolution of Darwin’s finches. Açoreana, Suplemento, n. 7, p. 75-91, 2011. KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4ª edição. São Paulo: EdUSP, 2008. 197p. 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