reportagem Ná u ti c a e d e s e nv o lv i m e nto O potencial da nautica de recreio Um factor de desenvolvimento O Desenvolvimento da Economia Nacional, a Estratégia Nacional para o Mar e o papel da Náutica de Recreio. Portugal está hoje confrontado com opções de fundo que vão ditar muito do nosso futuro colectivo no médio e longo prazo. Texto: Eduardo Almeida Faria Fotos: DR 52 | navegar | março 2012 É neste contexto que o Mar, sendo a nossa principal reserva estratégica e a menos explorada, como muito bem referiu o saudoso Prof. Ernani Lopes no seu livro “O Hypercluster da Economia do Mar”, é inseparável do quadro das opções estratégicas, até por falta de alternativas consistentes, destinadas a retirar o país da crise em que se encontra mergulhado, mas também para relançar Portugal na senda de um desenvolvimento sócio-económico sustentado. Opções estratégicas essas que se prendem, sobretudo, com o alargamento da nossa plataforma continental, pelo acervo de riquezas que poderão estar disponveís no leito e subsolo submarinos, nomeadamente minerais e gás. Através da submissão do pedido de alargamento, entregue a 11 de Maio de 2009 nas Nações Unidas, em Nova Yorque, pelo actual Secretário de Estado do Mar, Prof. Dr. Manuel Pinto de Abreu, então responsável pela Estrutura de Missão para a Extensão «Portugal com a extensão da plataforma continental poderá vir a posicionar-se entre os 10 maiores países do mundo.» da Plataforma Continental, Portugal solicitou à Comissão de Limites de Plataformas Continentais das Nações Unidas a duplicação da actual plataforma continental, a qual passará dos actuais 1,8 milhões de quilómetros quadrados para 3,6 milhões, isto se as negociações actualmente em curso vierem a ser coroadas de êxito, como tudo parece indicar. Esta questão é determinante na forma como olhamos o Mar e tiramos partido dele, na forma como olhamos o mundo e nos posicionamos no contexto global, uma vez que se Portugal é, em termos do seu território emerso, o 148º maior país do mundo, com a extensão da plataforma continental que lhe poderá vir a ser atribuída após a conclusão das negociações presentemente em curso, poderá vir a posicionar-se entre os 10 maiores países do mundo. Como é patente, esta alteração terá profundas implicações geoestratégicas, económicas, políticas e até psicológicas, uma vez que de um pequeno país passamos a ser um país grande. Também, neste contexto, não podemos olvidar o impacto económico que terá o aumento do trafégo no Atlântico Norte com a entrada em funcionamento do novo canal do Panamá em 2014, mas também a circunstância de, no Atlântico Sul, os países cujas economias mais deverão crescer na próxima década serem países de expressão oficial portuguesa, precisamente o Brasil e Angola, com os quais Portugal mantem relações privilegiadas no quadro da CPLP, aspectos que tenderão a contrabalançar a deslocalização económica do Atlântico para o Pacífico a que temos vindo a assistir nos últimos anos. É por todo este conjunto de razões que o papel do Mar, como factor de desenvolvimento da sócio-económico é hoje claramente consensual na sociedade portuguesa. A actual estrutura governativa, com a criação de uma Secretaria de Estado do Mar no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, é, porventura, a expressão mais visivel da opção estratégica de fundo do país nesse sentido, onde haverá muito a esperar do papel do novo Director-Geral para as Políticas Marítimas, Cmd João Fonseca Ribeiro, mormente na definição do papel que caberá à náutica desempenhar na construção da Economia do Mar, em Portugal. Mas, como é evidenciado no livro recentemente editado “Náutica de Recreio em Portugal - Um Pilar do Desenvolvimento Local 53 reportagem Ná u ti c a e d e s e nv o lv i m e nto «Veja-se o caso do Porto de Recreio de Oeiras que ainda há poucos anos era uma zona desqualificada e hoje atrai cerca de 1 milhão de pessoas por ano.» e da Economia do Mar, Propostas de Actuação e Planos de Acção”, elaborado ao longo de mais de um ano pelo Grupo de Trabalho da Náutica de Recreio do Fórum Permanente para os Assuntos do Mar, não haverá Economia do Mar sem a adesão das populações, papel em que a náutica é instrumental, não só para (re)estabelecer a relação identitária do país com o Mar, perdida nos últimos 40 anos, mas também para criar massa crítica, sem o que não haverá Economia do Mar, ou outra. Porque nenhum jovem irá querer ligar-se ao mar, seja académica, seja profissional ou mesmo desportivamente, se não tiver tido a oportunidade de desenvolver, desde a mais tenra idade, uma relação de afecto com o mar, papel em que a náutica, em estreita cooperação com sistema de ensino, é insubstituível na criação de uma Cultura Náutica na juventude É neste quadro que a náutica de recreio, sector de actividade que a nível mundial conheceu um crescimento estimado de 7% ao ano no período de 2000 a 2007 (período pré-crise), que Portugal 54 | navegar | março 2012 apresenta importantes vantagens comparativas, mercê não só da sua extensa costa, da posição geográfica de charneira entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, de ligação entre o Norte da Europa e o Mediterrâneo, mas também entre a Fachada Atlântica e o Continente Americano Poderá, por isso, dizer-se que, hoje, pela primeira vez na nossa história recente, já não é a náutica que precisa do país, mas é o país que precisa da náutica, não só como parte do restabelecimento da relação identitária com o Mar, mas também como parte do processo de criação de novas actividades económicas e do desenvolvimento de novos produtos e novos serviços, isto é, como parte do processo de criação de valor da nossa economia. E esta é uma alteração de fundo que abre ao desenvolvimento da náutica no nosso país inúmeras possibilidades, no quadro mais geral do desenvolvimento da economia portuguesa e, em particular, da Economia do Mar. Todavia, não obstante o potencial que a náutica apresenta para o nosso país, desde a vela de cruzeiro à de competição, passando pela canoagem, surf, kitesurf, remo e motonátuica, esta é, paradoxalmente, uma actividade actividade económica com carácter praticamente residual, tendo, por isso, um significativo potencial de crescimento, ao contrário do que acontece na esmagadora maioria dos paises europeus, onde este mercado já atingiu a maturidade. E ao fazer-se apologia do desenvolvimento da náutica de recreio em Portugal não se pretende promover o ócio de uns quantos, mas, ao invés pretende-se fazer desta actividade uma actividade económica relevante, com capacidade para alavancar o desenvolvimento local e regional, o desenvolvimento do território e a Economia do Mar, contribuindo-se, assim, para o surgimento de um novo modelo de desenvolvimento económico sustentável para o país. Isto porque as infraestruturas da Náutica de Recreio, sejam elas Estações Náuticas, Marinas e/ou Portos de Recreio, ou mesmo simples rampas, são instrumentos com capacidade para promover a Regeneração Urbana das Frentes Ribeirinhas e com elas a Requalificação Urbana e Ambiental, temas de grande actualidade no nosso país, contribuindo no seu todo para o desenvolvimento do território, tanto a nível local como regional. Veja-se o caso do Porto de Recreio de Oeiras que ainda há poucos anos era uma zona desqualificada e hoje atrai cerca de 1 milhão de pessoas por ano, constituindo-se, assim, num pólo de desenvolvimento económico, sendo, por isso, um exemplo a ser prosseguido noutros pontos do país. Mas a náutica é também ela relevante para o fomento do emprego. Estima-se que nas economias mais desenvolvidas, com forte capacidade industrial neste sector e com uma componente de turismo náutico relevante, sejam gerados oito postos de trabalho, directa e indirectamente, por cada posto de amarração criado. É também relevante para o surgimento de novos negócios, caso da invernagem. Por outro lado, contribui para a diversificação da oferta turística nacional, muito centrada no “Sol e Praia”, para a diminuição da sazonalidade da oferta turistica, uma vez que atrai turistas de uma forma continuada ao longo do ano, assim como para o fomento das exportações nacionais, aspecto que é crítico na actual situação da economia portuguesa. Já para não falar da capacidade que as infraestruturas de náutica têm para atrair o investimento estrangeiro, aspecto também ele de vital importância para a economia nacional, uma vez que o país não irá gerar nos próximos anos liquidez para promover o investimento, ao mesmo tempo que pode ser parte da resposta à reconversão dos estaleiros navais de menor dimensão, mormente os estaleiros tradicionais, através da criação/fomento da fileira da reparação, manutenção e construção de embarcações de recreio. A náutica tem também vindo a contribuir para a afirmação de uma nova imagem de Portugal no mundo, à semelhança do que no passado aconteceu com a Fórmula 1. Veja-se o que aconteceu no ano passado durante a disputa em Cascais da America’s Cup World Series (ACWS) que foram vistas por cerca de 120 milhões de pessoas em todo o mundo, e irá, certamente, acontecer também este ano com a passagem por Lisboa da Volvo Ocean Race, ajudando a criar uma imagem de mercado diferenciada, reforçando o goodwill da marca “Made In Portugal”, com evidente benefício para as exportações portuguesas e para o reforço da competitividade da economia portuguesa nos mercados internacionais. Mas se o desenvolvimento da náutica em Portugal só tem sentido como parte de uma estratégia de desenvolvimento da economia portuguesa, também não é menos verdade que esta só pode ser prosseguida no quadro mais geral das políticas europeias de desenvolvimento, por manifesta falta de capacidade da economia portuguesa para gerar recursos para investimento no horizonte previsivel. É aqui que a Estratégia Marítima Europeia para o Atlântico, apresentada em Lisboa nos dias 28 e 29 de Novembro passado pela Comissária Europeia para os Assuntos Marítimos, Maria Damanaki, pode ser chamada a dar uma resposta para ajudar a promover a náutica de recreio no nosso país, como parte do fomento da Economia do Mar. Esta estratégia europeia abrange os 5 paises do chamado Arco Atlântico – Irlanda, Reino Unido, França, Espanha e Portugal e tem a particularidade de considerar todo o território nacional como zona costeira, ao contrário do que acontece com os demais países, excepção feita também à Irlanda. O que quer dizer que no caso português, eventuais projectos de desenvolvimento náutico quer junto à costa, quer no interior do país junto à fronteira espanhola, são igualmente elegíveis para financiamento europeu no âmbito da Estratégia Marítima Europeia para o Atlântico, a qual é susceptível de colocar à disposição do nosso país verbas significativas para o desenvolvimento da náutica como parte do desenvolvimento da Economia do Mar e do fomento mais geral da economia. Ou seja, em conclusão, não só o fomento da náutica corresponde a uma necessidade estratégica de desenvolvimento da economia nacional na sua actual fase de maturação, no quadro mais geral do desenvolvimento da Economia do Mar, como é susceptível de haver recursos para o seu desenvolvimento no quadro europeu a que o nosso país poderá recorrer. Para isso, é preciso transformar os problemas em oportunidades, tirando partido das possibilidades que o actual momento de crise económica nos abre e ter capacidade para ousar, nomeadamente através de uma efectiva a presença portuguesa no Fórum Atlântico, instrumento criado no âmbito da Estratégia Marítima para o Atlântico, e de um conhecimento exaustivo e detalhado dos programas e linhas de financiamento europeus neste particular.. N Eduardo Almeida Faria • Coordenador do Grupo de Trabalho da Náutica de Recreio do Fórum Permanente para os Assuntos do Mar • Quadro da EPUL 55