Criação de Valor Compartilhado e Tipologias Estratégicas de Marketing: Similaridades Entre os Conceitos Elaine Martins (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) [email protected] Carla Cristiane Sokulski (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) [email protected] Resumo O presente estudo trata-se de um ensaio teórico tendo por objetivo verificar as similaridades entre as a proposta de Criação de Valor Compartilhado (CVC) de Porter e Kramer (2011) e as tipologias estratégicas de marketing, no que remete à orientação de reconceber produtos e mercados. Com isso, são apresentados os conceitos fundamentais, para então, verificar qual tipo de estratégia de marketing apresenta maior alinhamento com a Criação de Valor Compartilhado. Verifica-se, portanto, que de acordo com os pressupostos de exploração de novos mercados, busca por inovação e oferta de produtos diferenciados pertinentes à CVC, as estratégias de marketing que se mostram mais adequadas diante dessa abordagem são a de marketers agressivos e marketers de valor, pois são essas estratégias que apresentam maior convergência com os propósitos da CVC. Palavras chave: Criação de Valor Compartilhado, Tipologias Estratégicas de Marketing, Reconceber Produtos e Mercados. Creating Shared Value and Strategic Types of Marketing: Similarities Between the Concepts Abstract This study deals with a theoretical work having for objective to verify the similarities between the proposition of Creating Shared Value (CVC) of Porter and Kramer (2011) and the strategic types of marketing, in which refers to the orientation of redesign products and markets. Therewith, the fundamental concepts are presented to then find what kind of marketing strategy is more aligned with the Creating Shared Value. It was found, therefore, that in accordance with the operating assumptions of new markets, pursuit of innovation and offer differentiated products relevant to the CVC, the marketing strategies that are more appropriate on this approach are the aggressive marketers and marketers of value. These strategies have greater convergence with the purposes of the CVC. Key-words: Creating Shared Value, Types of Strategic Marketing, Redesigning Products and Markets 1 Introdução A proposta de Criação de Valor Compartilhado de Porter e Kramer (2011) é um assunto relativamente recente, mas que já vem sendo aplicado e pode ser notado em várias organizações. Destaca-se por ser uma abordagem diferente da Responsabilidade Social Empresarial (RSE), afirmando que a empresa deve contribuir para melhorias na sociedade mas sem fugir do seu core, de modo que ações sociais façam parte da estratégia da empresa de forma coerente e também lucrativa. Nesse sentido, os autores apontam a CVC como uma nova tratativa para o capitalismo, onde empresas e sociedade devem progredir juntas. Para que a estratégia de negócios de uma empresa obtenha sucesso é preciso haver alinhamento entre todas as áreas, inclusive o marketing, o qual é qualificado para fazer importantes contribuições à teoria e à prática da estratégia. O modo como essas contribuições são feitas e a sua influência reconhecida, depende da clareza com a qual o marketing se relaciona com as demais funções da empresa e como mobiliza as competências com mais eficiência (DAY, 1992). De acordo com Sudarshan (1995), o foco do marketing estratégico está em alcançar vantagem competitiva por meio da construção de relacionamentos com clientes, parceiros e demais stakeholders, oferecendo produtos adequados e identificando o timing para mudanças nos relacionamentos e nos produtos. Varadarajan e Jayachandran (1999) afirmam que as decisões de marketing envolvem o posicionamento de produtos, seleção do mercado alvo, estratégias de segmentação, gestão da marca e estabelecimento do padrão de cobertura do mercado pelo produto (e.g. cobertura total do mercado, mercado especializado ou outros). No que diz respeito a CVC, existem questões que tocam diretamente o marketing, principalmente no que diz respeito a indicação de Porter e Kramer (2011) de reconceber produtos e mercados. Essa é uma das formas pelas quais a empresa pode criar valor compartilhado envolvendo a análise de mercado, necessidades não atendidas e inovações em produtos e processos, de modo que se nota a relação direta com a função estratégica do marketing. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é verificar as similaridades entre as tipologias estratégicas de marketing e a Criação de Valor Compartilhado (CVC), no que remete à orientação de reconceber produtos e mercados. O diálogo proposto entre a CVC e as estratégias de marketing vem a contribuir com o esclarecimento do papel do marketing nessa nova abordagem de Porter e Kramer (2011), ressaltando a importância da multidisciplinariedade para a discussão da estratégia, além da necessidade do alinhamento estratégico para que a empresa obtenha sucesso e possa criar valor para si e para a sociedade. O presente estudo está estruturado da seguinte forma: primeiramente é apresentada a abordagem da CVC, no que ela consiste, como desenvolvê-la e quais são as verificações teóricas e empíricas já realizadas; em seguida são apresentadas as tipologias estratégicas no que corresponde à área de marketing. Faz-se então uma discussão teórica sobre o modo que essas estratégias se relacionam e contribuem para a CVC e, por fim, são ressaltadas as considerações finais do estudo. 2 Criação de Valor Compartilhado Porter e Kramer (2011) afirmam que a atividade empresarial é considerada como uma das principais causadoras de diversos problemas sociais. Para os autores, há uma percepção generalizada de que as empresas vêm prosperando às custas da sociedade, levando ao declínio a confiança nas mesmas. A abordagem de responsabilidade social agrava ainda mais essa situação, pois leva as empresas a, de fato, se responsabilizarem pelas adversidades sociais. Diante disso, Porter e Kramer (2011) apontam que o problema está na postura de preocupação adotada pelas empresas apenas com o curto prazo, onde somente esse foco no curto prazo pode explicar porque empresas ignoram o bem-estar dos clientes, a escassez de recursos naturais e os demais problemas econômicos e sociais, buscando apenas retornos financeiros imediatos. A Responsabilidade Social Empresarial (RSE), segundo Porter e Kramer (2006) é uma abordagem responsiva da empresa, onde ela apenas reage ao ambiente externo, buscando minimizar problemas e melhorar a sua imagem. Assume também, as premissas de filantropia, cidadania e sustentabilidade, mas assim é ineficiente por pressionar as empresas a adotarem práticas genéricas e inconsistentes com a estratégia. Em contrapartida, o conceito de Criação de Valor Compartilhado (CVC) surge como uma forma de gerar valor econômico para a empresa e ao mesmo tempo enfrentar as necessidades e desafios da sociedade, criando valor também para esta. Porter e Kramer (2011) defendem que a CVC é uma perspectiva que está atrelada à estratégia e ao core da empresa, a qual possibilita reconectar o sucesso da empresa com o progresso social. No que tange ao sistema capitalista, Porter e Kramer (2011) ressaltam a importância do capitalismo para a satisfação das necessidades humanas, criação de empregos, aumento da eficiência e geração de riqueza, contudo, devido à uma concepção limitada do sistema, há um impedimento para que as empresas explorem o seu potencial a favor também da sociedade. Nesse sentido, a busca pela CVC representa uma nova evolução do capitalismo, de modo que a incorporação de questões sociais na estratégia da empresa implica em uma transformação no pensamento gerencial, que deve passar a verificar necessidades sociais ainda não atendidas. Os autores afirmam ainda, que a empresa deve atuar, de fato, como uma empresa e não como um agente filantrópico, pois só assim terá forças para lidar com questões da sociedade como um todo. A proposta de valor compartilhado desfaz o propósito do lucro por si só e direciona a empresa para a conquista do tipo correto de lucro, o qual cria benefícios para a sociedade ao invés de determinados problemas. Essa nova proposta de evolução do capitalismo reconhece maneiras novas e melhores de se desenvolver produtos, mercados e empresas produtivas. O conceito de valor compartilhado reconhece, portanto, que não são apenas as necessidades econômicas que constituem o mercado, mas também as sociais. E, diante de uma realidade de desperdício de energia, materiais e matérias-primas em geral, educação insuficiente e acidentes onerosos, questões como essas de âmbito social acabam refletindo diretamente na empresa, gerando custos internos mais elevados. A partir do momento em que a empresa enfrenta esses problemas, não necessariamente seus custos aumentam, mas novos empregos, tecnologias, inovação em processos podem ocorrer, o que atenderá determinadas necessidades da sociedade e também gerará aumento da produtividade e expansão do mercado. Ou seja, a CVC não remete à partilha ou redistribuição do valor da empresa, mas sim ao aumento desse valor de modo a alcançar diferentes frentes (PORTER; KRAMER, 2011). 2.1 Como criar valor compartilhado De acordo com Porter e Kramer (2011) existem três formas de criar valor compartilhado: a empresa pode redefinir a produtividade na cadeia de valor, criar clusters setoriais de apoio nas localidades da empresa e reconceber produtos e mercados. Nesse estudo será abordado mais profundamente o ato de reconceber produtos e mercados, pois é nesse quesito que se encontram os pontos tangentes às estratégias de marketing. Sobre a redefinição da produtividade na cadeia de valor, vale ressaltar que a cadeia de valor de uma empresa é uma grande oportunidade para a CVC, pois envolve várias questões que afetam a sociedade, como por exemplo, o uso de recursos naturais, condições de trabalho, entre outros. Nesse sentido, Porter e Kramer (2011) apontam seis grandes áreas das organizações nas quais a lógica da CVC pode transformar a cadeia, sendo elas: o uso de energia e logística, o uso de recursos, as compras, a distribuição, a produtividade do trabalhador e a localização. Já em relação a criação de clusters, os autores afirmam que os clusters por si só já remetem à uma autoajuda entre os envolvidos. Contudo, agregado à proposta da CVC, é possível melhorar a produtividade da própria empresa e ainda ajudar a corrigir as falhas e problemas das condições em torno do cluster. 2.1.1 Reconceber produtos e mercados A sociedade tem grandes necessidades, como por exemplo, saúde, moradia, nutrição, auxílio aos idosos, segurança financeira e menos danos ambientais. Muito é analisado e discutido no meio empresarial quanto a estimular novas demandas, sem reconhecer muitas daquelas que ainda não são atendidas. Diante dessas necessidades ainda não satisfeitas, quando empresas buscam atender problemas sociais relacionados ao seu negócio, surgem novas oportunidades para lucro e inovação (PORTER; KRAMER, 2011). Por meio da inovação, os negócios, produtos e novos mercados podem ser descobertos gerando valor compartilhado. Porter e Kramer (2011) citam exemplos como a Intel e a IBM, que buscam formas de ajudar as concessionárias de serviços básicos a economizarem energia por meio da inteligência digital; há também o caso de um banco americano que disponibilizou para os seus clientes uma linha de produtos e ferramentas que os ajudam a administrar suas contas e dívidas, além de fabricantes de alimentos que vem se reposicionando para atender a necessidade fundamental de uma melhor alimentação ao invés de enaltecer novos sabores ou quantidades. Os autores destacam ainda, que a iniciativa privada é muito mais eficaz que o poder público ou que o terceiro setor ao desenvolver ações de marketing que motivam os consumidores a adotarem produtos e serviços que gerem benefícios sociais - como vemos em propagandas e campanhas que incentivam o uso de produtos ecologicamente corretos, o consumo consciente e a adesão a hábitos saudáveis. Um grande mercado deficientemente atendido é o das comunidades carentes, pois na maioria das vezes não são vistos como viáveis. Isso ocorre tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos como o EUA, onde zonas urbanas de baixa renda tem seu poder aquisitivo frequentemente ignorado. Contudo, oferecer produtos adequados aos consumidores menos favorecidos podem trazer grandes benefícios à sociedade e lucro à empresa. Para Porter e Kramer (2011), o funcionamento do capitalismo em comunidades mais pobres, incorre no aumento das oportunidades para desenvolvimento econômico e progresso social. Além disso, os autores enfatizam que as oportunidades não são estáticas, na verdade elas estão em constante mudança, assim como, a evolução da tecnologia, o desenvolvimento da economia e a alternância das prioridades da sociedade. De modo geral, no que diz respeito a reconceber novos produtos e mercados, Porter e Kramer (2011) afirmam que deve haver uma exploração contínua das necessidades da sociedade, assim novas oportunidades de diferenciação e de reposicionamento em mercados tradicionais irão surgir, podendo resultar em vantagem competitiva para a empresa. Contudo, satisfazer essas necessidades envolve, muitas vezes, a reformulação de produtos e de métodos de distribuição. Nesse sentido, a CVC pode vir ainda a impulsionar processos de inovação a fim de atender tais necessidades. 2.2 Criação de Valor Compartilhado na teoria e na prática Visto que se trata de um tema relativamente novo, introduzido por Porter e Kramer inicialmente em 2011, a literatura a respeito desse assunto ainda é incipiente. Morais Neto, Pereira e Mortiz (2012) realizaram um levantamento bibliográfico, no qual não encontraram artigos com o termo Criação de Valor Compartilhado presente no título de materiais acadêmicos em português. Já considerando o corpo do texto, a CVC apareceu em 17 materiais. O termo em inglês Creating Shared Value apareceu em 23 títulos e no corpo de texto de 606 materiais. Os autores afirmam que o termo em inglês está há mais tempo na literatura do que o em português, o que explica a maior incidência, além de ser uma língua utilizada por mais pessoas no mundo. Spitzeck e Chapman (2012) apresentam um estudo de caso no qual verificam como a CVC pode ser encontrada na prática. Para isso os autores investigaram uma empresa química, a BASF, que abrange desde plásticos, produtos de performance e para proteção de cultivos, até petróleo e gás. A empresa afirma que combina sucesso econômico, responsabilidade social e proteção ambiental e que, por meio da ciência de inovação, possibilita aos clientes de todas as industrias atender as necessidades atuais e futuras da sociedade. Esse posicionamento está enraizado na estratégia corporativa da empresa, que se resume a transformar a química para um futuro sustentável. Os autores afirmam que as análises de eficiência socioambiental seguidas na empresa desencadeiam em uma estratégia de diferenciação para a mesma, de modo a permitir que os clientes reduzam o seu impacto negativo no meio-ambiente enquanto aumentam o desempenho financeiro e social. Assim, é entregue aos clientes mais do que um valor econômico justo e criam-se relacionamentos de longo prazo. Morais Neto e Pereira (2014) abordam, também sob a perspectiva da CVC, a empresa WEG S.A. Os autores constatam que por meio de uma cultura organizacional que facilita a prática da CVC, a empresa direciona esforços para atender quatro dimensões sociais conectadas com o seu core business, sendo elas: eficiência energética, energias renováveis, produtos elétricos para o cuidado humano e ensino técnico relacionado à eletricidade. Ou seja, são práticas que envolvem a busca por lucratividade da empresa e ao mesmo tempo colaboram com a sociedade, retratando o propósito da CVC. Há um número crescente de empresas que vem aderindo à proposta da CVC, como GE, Google, IBM, Intel, Johnson & Johnson, Nestlé, Unilever e Walmart, porém para que essa visão se dissipe e se materialize é necessário que líderes e gerentes adquiram novas habilidades e conhecimentos, como um maior entendimento das necessidades da sociedade e das bases de produtividade da empresa (PORTER; KRAMER, 2011). No caso da Nestlé, a empresa desenvolve as seguinte frentes para a CVC: (i) nutrição, ajudando os clientes a fazerem escolhas certas de produtos nutritivos; (ii) água, promovendo a preservação e conscientização do seu uso; (iii) desenvolvimento rural, de modo que, ao reconhecer que a cadeia de produtividade da companhia se inicia no campo, compartilha-se conhecimento que gere produtividade no cultivo; (iv) fornecimento sustentável, trabalhando para garantir que a compra de matérias primas seja responsável e sustentável; (v) meio ambiente, promovendo a proteção ao mesmo e o não desperdício e (vi) direitos humanos, buscando sempre respeitá-los ao longo de toda a cadeia de valor. Essa atuação da Nestlé concebe diferenciação para a empresa, cria valor para a sociedade e para os investidores, além de promover o reconhecimento e vários prêmios para a companhia, como o Marketing Best Sustentabilidade e o Top Educação, ambos conquistados em 2014 (NESTLÉ, 2015). 3 Tipologias estratégicas Há duas tipologias dominantes no campo de estratégias de negócios, a de Miles e Snow e a de Porter (PASWAN; BLANKSON; GUZMAN, 2011). Miles e Snow (1978) afirmam que existem essencialmente três tipos de estratégias que podem ser adotadas pelas organizações: estratégia de defesa, prospecção ou análise. Cada uma envolve características particulares de estrutura, tecnologia e processos. Na estratégia de defesa, a empresa busca ativar e manter a estabilidade do ambiente e se defender agressivamente dos concorrentes por meio de preços competitivos ou produtos de alta qualidade. Na estratégia de prospecção a atuação é de forma oposta aos defensores, pois tem como objetivo explorar novas oportunidades de mercados e produtos, mantendo uma reputação de empresa inovadora. A terceira estratégia, a de análise, é uma estratégia por meio da qual se busca atuar de forma intermediária, buscando minimizar os riscos e ao mesmo tempo aumentar os lucros, combinando assim as forças das estratégias de defesa e de prospecção em um único sistema. Um quarto tipo de estratégia também é identificado pelos autores - a estratégia reativa - porém essa é considerada como uma “falha”, pois nesse caso há inconsistência entre estratégia, tecnologia, estrutura e processos, de modo que a empresa apenas reage à instabilidade do ambiente, atuando em ciclos adaptativos. A outra tipologia dominante, de Porter (2004), trata a respeito das consagradas estratégias competitivas de liderança em custo, diferenciação e enfoque. Porter (2004) apresentou esses tipos de estratégias como uma resposta que as empresas podem dar em relação às forças competitivas também apresentadas pelo autor. Na estratégia de liderança em custos a empresa busca maior eficiência produtiva e reduções de custos para poder oferecer ao mercado preços atrativos. Já na diferenciação o cerne está em buscar novas tecnologias e diferentes abordagens de, por exemplo, comunicação ou distribuição para que a empresa de fato se diferencie dos concorrentes e seja notada pelos clientes. A terceira estratégia competitiva, de enfoque, remete a empresas que optam por atender um mercado-alvo mais restrito e de necessidades especiais. Paswan; Blankson e Guzman (2011) afirmam que a tipologia de estratégia de Porter tem sido muito utilizada na área de marketing, provavelmente por capturar a forma como as empresas criam valor para seus clientes (i.e. liderança em custo ou diferenciação) e definem um escopo de mercado (i.e. enfoque). Slater; Olson e Hult (2010) afirmam que o marketing tem muito a contribuir com a estratégia do negócio, inclusive por meio de orientações para a escolha do mercado alvo, construção da proposta de valor para o cliente e implementação da estratégia. Diante disso, os mesmos autores em 2001 desenvolveram um estudo para verificar o alinhamento entre as estratégias de negócios e as estratégias de marketing. Os autores verificaram que até então havia apenas o estudo de Murphy e Enis (1986) que se aproximava dessa abordagem, no qual os autores propõem uma tipologia de estratégia de produtos, classificando-os em produtos de conveniência, preferência, shopping e produtos especiais de acordo com os elementos do mix de marketing (e.g. promoção, distribuição e preço). A tipologia então sugerida por Slater e Olson (2001) é composta de quatro tipos de estratégias de marketing: Marketers agressivos: referente a empresas que buscam atender segmentos de consumidores interessados em alta qualidade, produtos inovadores e que estão dispostos a pagar preços premium. Essa categoria está relacionada com a abordagem de produtos especiais feita por Murphy e Enis (1986). Nesse caso as empresas atuam com estratégias de distribuição seletivas, utilizam força de vendas interna e apresentam investimentos em propagandas e demais ações de marketing. Slater e Olson (2001) afirmam que essa estratégia de marketing colabora com o aumento do desempenho em empresas do tipo prospectoras, pois estas são mais proativas no desenvolvimento de novos produtos e mercados, investem mais em pesquisas de mercado e também são caracterizadas por atender consumidores pioneiros no uso de produtos inovadores, estimular a demanda por meio de propagandas e prestar serviços de alto nível. Para Paswan; Blankson e Guzman (2011) os marketers agressivos apresentam um alto valor multifacetado, altos preços e altos investimentos nas funções de marketing. Marketers de massa: atuam com uma ampla linha de produtos em grande parte indiferenciados, intensa distribuição e preços baixos. Slater e Olson (2001) relacionam essa categoria com os analisadores, os quais se dispõem a fazer menos propagandas, desde que os prospectores já tenham criado o conhecimento de uma nova categoria de produtos para os consumidores, assim, os analisadores apresentam também intensa distribuição, relativamente poucas propagandas e preços mais baixos que os prospectores, em alinhamento com os marketers de massa. Minimizadores de marketing: nesse tipo de estratégia se encontram as empresas que atuam com menor nível de serviço ao consumidor, fazem poucos esforços de marketing, apresentam uma linha de produtos mais limitada, baixos investimentos em marketing e inovação e baixos preços, de modo que o marketing não é um elemento chave na sua cadeia de valor (SLATER; OLSON, 2001). Nesse caso, a estratégia de negócios com a qual Slater e Olson (2001) relacionam os minimizadores de marketing é a de defensores de baixo custo, pois de acordo com os autores, os defensores de baixo custo são focados em eficiência em todas as atividades, alocam poucos recursos para o marketing e apresentam também uma distribuição intensiva para que possam penetrar no mercado, com isso podem conseguem praticar preços baixos. Marketers de valor: empresas que atuam com essa estratégia apresentam uma distribuição mais seletiva e promovem produtos de alta qualidade e inovadores, contudo a preços mais baixos que os marketers agressivos. Utilizam sua própria força de vendas para comunicar a proposta de valor da empresa ao invés de propagandas, e agregam serviço de alta qualidade às vendas (SLATER; OLSON, 2001). De acordo com Walker e Ruekert (1987), os defensores de diferenciação criam valor para seus clientes oferecendo produtos e serviços de alta qualidade, porém à preços mais baixos que os prospectores e mais altos que os analisadores e que os defensores de baixo custo, de modo que Slater e Olson (2001) afirmam que a estratégia de marketing de marketers de valor converge com a estratégia de negócio de defensores de diferenciação. 4 Estratégias de Marketing e a Criação de Valor Compartilhado Diante da proposta de Porter e Kramer (2011) a respeito da CVC, nota-se que a indicação de reconceber produtos e mercados toca questões pertinentes essencialmente ao marketing, como a identificação de novos mercados e de necessidades ainda não atendidas. Kotler e Keller (2006) trazem a definição de marketing como a identificação e a satisfação de necessidades humanas e sociais. Ainda sob uma perspectiva mais social, os autores afirmam que o marketing também pode ser definido como um processo social. Processo este, onde indivíduos e grupos obtêm junto a outros indivíduos e grupos o que necessitam e desejam por meio da criação, da oferta e da livre troca de produtos e serviços de valor. Faz-se importante ressaltar, que o marketing é uma função organizacional e um conjunto de processos envolvendo criação, comunicação e entrega de valor para os clientes, assim como, a administração do relacionamento com eles, beneficiando a organização e o seu público interessado (AMA, 1998). Nota-se diante dessas definições clássicas da área, que há os elementos de “troca” e “entrega de valor”, os quais permeiam a CVC. A troca é o elemento central do marketing e para que ela possa existir são necessárias cinco condições: (i) que existam pelo menos duas partes interessadas; (ii) que todas as partes possuam algo que possa ter valor para as outras partes; (iii) que todas as partes tenham capacidade de comunicação de entrega, (iv) que todas as partes estejam livres para aceitar ou recusar a oferta de troca e, (v) que todas acreditem ser adequado participar da negociação, nesse sentido, a troca é um processo de criação de valor, pois as partes envolvidas normalmente devem deixar o processo envolvidas em uma melhor situação (KOTLER; KELLER, 2006). Tanto na proposta do marketing quanto na da CVC, nota-se a essência de conhecer o mercado e as suas necessidades, realizando transações que proporcionem valor para todas as partes envolvidas. A estratégia de marketing pode ser entendida como um conjunto de decisões e ações (DAY, 1990) referentes à segmentação do mercado e ao desenvolvimento do posicionamento de produtos, preços, distribuição e promoções (SLATER; OLSON, 2001). Apesar de diversos questionamentos quanto ao papel do marketing diante da estratégia do negócio, Day (1992) afirma que não há uma disciplina ou perspectiva única que possa dominar o diálogo da estratégia, questões complexas são melhor esclarecidas por meio de pesquisas, abordagens e gerenciamentos multidisciplinares. O marketing em si é uma função de fronteiras, a qual liga o negócio da empresa aos clientes, e para que a estratégia do negócio seja implementada com sucesso é necessário que essa ligação seja feita da forma correta. Uma estratégia de marketing clara, que suporte a estratégia do negócio e as características da estrutura organizacional facilita o alcance do mercado alvo e dos objetivos da empresa (SLATER; OLSON, 2001), desse modo, o alinhamento entre a estratégia de negócio e a estratégia de marketing é fundamental para que um melhor desempenho seja alcançado. A empresa que atuar buscando a CVC dever manter todas as áreas alinhadas a esse propósito e, no que diz respeito ao marketing, algumas estratégias podem ser mais adequadas que outras. A orientação de reconceber produtos e mercados toca diretamente ao marketing, pois trata da identificação contínua das necessidades do mercado e da sociedade, de modo que novas oportunidades devem ser exploradas por meio do reposicionamento de mercados e da diferenciação de produtos. Isto compreende decisões e ações estratégicas baseadas em pesquisas de mercado e conhecimento a respeitos dos consumidores, buscando, além da satisfação dos mesmos, a inovação e a vantagem competitiva para a empresa. Uma vez que a base da proposta de reconceber novos produtos e mercados está na exploração de necessidades ainda não satisfeitas e na busca por inovações, a estratégia de marketing de marketers agressivos vai de encontro à essa proposta, pois parte do pressuposto que a empresa deve oferecer produtos e serviços de alta qualidade e também inovadores. Além disso, os marketers agressivos reforçam a estratégia de negócio das empresas do tipo prospectoras, as quais buscam ser pioneiras no desenvolvimento de novos produtos, processos, mercados, etc. Morais Neto e Pereira (2014) ao estudarem o caso da empresa WEG S.A. sob a luz da CVC identificam que a empresa vem trabalhando para aumentar a eficiência energética de seus produtos e assim busca despertar em seus clientes a necessidade de máquinas mais eficientes clientes os quais estão dispostos a pagar um preço premium em um produto que consuma menos energia e possibilite a redução de custos. A empresa atua com um projeto chamado “Pense Verde” o qual consiste em incentivos aos clientes para que entreguem motores velhos, danificados ou menos eficientes como parte do pagamento de um motor novo WEG, desse modo a companhia além de motivar o uso de motores de maior eficiência, também cria uma consciência de conservação de energia. Marketers de valor, assim como os agressivos, também apresentam alinhamento com o a proposta de reconceber novos produtos e mercados. Esse tipo de estratégia de marketing contribui para a CVC na medida em que se compromete com a oferta de produtos e serviços de alta qualidade e bom custo benefício, contudo sem aplicar o preço premium. Marketers de valor buscam a diferenciação de seus produtos, algo que só é possível diante de análise do mercado e das necessidades da sociedade e da implementação de inovações. Saes (2007) apresenta em seu estudo a questão dos produtores de café que aplicam a estratégia de diferenciação no seu negócio, e assim, conferem maior valor ao produto. A autora explica que nesse caso há uma busca pela descomoditização para evitar a concorrência de preços, e isso é possível por meio da criação de atributos diferenciados no produto. Em se tratando de café, esses atributos de diferenciação podem contemplar desde características físicas, sensoriais e até preocupações de ordem ambiental e social. Saes (2007) traz então três casos nos quais os produtores de café agregam valor ao seu produto: grãos de alta qualidade, uma região de produção de referência e a partir do cultivo orgânico. Nessas três situações abordadas a autora ressalta a abertura de mercado para um café diferenciado, a possibilidade de crescimento dos produtores, a importância que passa a ser dada para a cadeia de valor do café e, vale destacar, o caso do Café da Fazenda Jacarandá – produção orgânica que ganhou espaço no mercado até mesmo internacional e que tem em sua origem o ideal de um fundador que preocupava-se com questões ambientais, com o bem estar dos funcionários, com o não uso de agrotóxicos e não apenas com as vendas. Tem-se então, um exemplo de um novo mercado que passou a ser explorado (i.e. mercado de cafés diferenciados), por meio de produtos que foram reformulados de modo a desenvolver e ressaltar suas qualidades potenciais, conforme o conceito de CVC aqui tratado. Vale ressaltar, que as estratégias de diferenciação que contemplaram sucesso aos produtores de café, abordados no estudo de Saes (2007), são referentes aos anos 90, momento no qual o mercado de cafés diferenciados era novo e inexplorado. Os dois outros tipos de estratégia de marketing, marketers de massa e minimizadores de marketing, apresentam contribuições superficiais para a proposta de CVC, pois atuam de modo geral, como seguidores das empresas que exploram e dominam o mercado, atendendo apenas as necessidades explícitas dos atuais mercados. Empresas que atuam com essas estratégias não são voltadas para a inovação, e também, despendem investimentos relativamente baixos em marketing. Logo, o foco não está em investigar novos mercados e produtos. 5 Considerações finais O estudo apresenta a relação teórica entre a proposta de CVC de Porter e Kramer (2011) e as tipologias estratégicas de marketing de Slater e Olson (2001), que podem contribuir para a geração de valor compartilhado, no que diz respeito ao reconcebimento de produtos e mercados. Conclui-se que de acordo com os pressupostos de exploração de novos mercados, busca por inovação e oferta de produtos diferenciados pertinentes à CVC, as estratégias de marketing que se mostram mais adequadas diante dessa abordagem são a de marketers agressivos e marketers de valor, pois compartilham dos mesmos ideais. Ressalta-se assim, a importância da estratégia de marketing diante da estratégia de negócio da empresa, principalmente a necessidade de que as estratégias estejam alinhadas para que os objetivos sejam alcançados e que, nesse caso, possa ser criado o valor compartilhado de forma eficiente entre a empresa, os consumidores e a sociedade. Visto a que a literatura a respeito do tema CVC é incipiente, e mais ainda, da sua relação com a estratégia e outras áreas pertinentes às organizações, este é um campo com muito a ser explorado. Com isso, há um vasto campo para que sejam realizadas verificações empíricas, podendo inclusive, focar na área de marketing para verificar as relações aqui propostas ou abordar o valor percebido pelos stakeholders (e.g. clientes, comunidade, funcionários, etc.) diante da empresa que se propõe a criar o valor compartilhado. Referências AMA - American Marketing Association. Dictionary of marketing terms. Chicago: BENNETT, P. (Org.); 1998. DAY, G. S. 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