A percepção musical através da música contemporânea Taís

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XIV Encontro Anual da ABEM
Belo Horizonte, 25 a 28 de outubro de 2005
A percepção musical através da música contemporânea
Taís Helena Palhares Foloni
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
[email protected]
Resumo. Nas aulas de percepção musical dos cursos de graduação de Licenciatura em Música pode ser
observada uma forte tendência em utilizar somente a música tradicional como base. Profissionais afirmam que
para se entender a música mais inovadora, é necessário que se tenha um bom conhecimento da música
tradicional. O presente projeto tem, como objetivo, avaliar o processo de desenvolvimento da percepção,
utilizando a música tradicional e a inovadora e se caracteriza como Investigação Comparada. Propõe-se um
levantamento de concepções, tais como a da música como linguagem, metodologias e processos de
desenvolvimento da percepção musical, música tradicional e inovadora. A partir daí, serão elaboradas
propostas de ensino, contemplando músicas tradicionais, inovadoras, e uma associação entre ambas a serem
aplicadas em turmas da disciplina Percepção e Análise Musical I no curso de graduação de Licenciatura em
Música/UFMT, e os alunos serão submetidos a um pré-teste e a um pós-teste, para se ter uma avaliação mais
detalhada do processo.
A chamada música erudita produzida a partir do século XX é caracterizada pelo
aparecimento de diversas propostas, nas quais se observam objetivos bastante distintos.
Algumas se preocupam com a questão da subjetividade, outras com o aspecto político, e
ainda outras com a criação de estilos ou sistemas de composição.
Moraes (1983) aponta o início do século XX como um momento histórico onde se
encontra características românticas e modernas num processo bastante dinâmico. De acordo
com este mesmo autor, houve não só propostas de negação do ideal romântico como
também de continuidade do mesmo.
Neste contexto, alguns autores (MORAES, 1983; GRIFFITHS, 1987; WISNIK,
1989) ressaltam que o número de materiais disponíveis para a composição musical é
bastante amplo: sistema tonal, atonalismo livre ou atonalismo organizado (dodecafonismo),
materiais sonoros não convencionais ou sons produzidos em laboratório, entre outros. A
utilização do computador também se faz presente.
Por outro lado, pesquisadores e estudiosos relatam e discutem inovações no campo
da educação musical, com novas maneiras de ensinar e aprender música. Como exemplo
deste fato pode-se citar as publicações da ABEM (Associação Brasileira de Educação
Musical) as quais trazem novidades a este respeito, e as discussões realizadas nos encontros
anuais e regionais desta mesma associação, simpósios, colóquios, entre outros, cujos temas
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estão diretamente ligados ao ensino musical. Estes eventos evidenciam, nas pesquisas e
trabalhos apresentados, uma constante reflexão sobre o fazer musical e criativo.
No que diz respeito ao tratamento da disciplina Percepção Musical, bastante
importante na formação do músico e do professor de música, observa-se o predomínio do
sistema tonal, onde o aluno, seja através de um trabalho de apreciação musical ou da
própria utilização do solfejo, ouve e canta trechos de obras compostas dentro do sistema
tonal, desvinculados de uma proposta que contemple as inovações do século XX. Como
aponta Zagonel:
(...) observo, ainda hoje, a existência de uma considerável distância entre a
produção musical erudita contemporânea e os conteúdos ensinados nas
escolas. Enquanto a arte musical toma rumos os mais diversos em termos de
sua concepção e dos materiais sonoros, a educação continua se baseando nos
princípios estético-musicais dos séculos anteriores. (ZAGONEL, 1998, p.
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Alguns profissionais ligados ao ensino da Percepção Musical, afirmam a
necessidade do conhecimento e vivência da música dita tradicional para, a partir daí, entrar
em contato com a música mais inovadora, como se a compreensão da segunda, dependesse
do pleno entendimento da primeira. Segundo Dorotéa Kerr (1998), há o argumento que o
aluno precisa ter uma base consistente na música tonal, devido à dificuldade da música
contemporânea. A “dissonância” é utilizada com certo receio pelos educadores
preocupados com a exata afinação dos alunos.
O estudo da música deste quase findo século aparece apenas no final do
curso, sob a justificativa de que a música contemporânea é muito difícil, e
que é mais importante ter uma boa base de treino na música tonal. (KERR,
1998, p.155)
Desta forma, observa-se um distanciamento das pessoas do meio musical,
principalmente de alunos de cursos superiores, da música produzida de acordo com as
inovações do século XX. Estas pessoas não gostam e parecem não querer gostar, deste tipo
de música, alegando ser uma música sem coerência, pouco agradável aos ouvidos, ao
mesmo tempo em que zomba do público.
Ora, o público deve saber que ninguém pensa em zombar dele. O público
deve saber que a criação artística é uma coisa séria e mesmo, para muitos
criadores, uma coisa trágica. Pode ser que tenha havido, em certos
momentos particularmente tensos da vida musical destes últimos anos, uma
certa psicose coletiva que levou jovens compositores, dominados por seus
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nervos, a alguns excessos. Encontrar-se-iam episódios semelhantes em
outras épocas. (MORAES, 1983, p.158)
E para que o público saiba que não existe intenção zombeteira é necessário que haja
o entendimento destas inovações. Neste sentido, Dorotéa Kerr (1998) propôs um trabalho
objetivando desenvolver um bom ouvido utilizando a música atonal. Ao final das
atividades, por ocasião da avaliação final, os alunos afirmaram estarem mais seguros
quando se encontravam com a música tonal, além de terem desenvolvido o gosto por
melodias atonais.
Por outro lado, Bernardes (2001) discute a importância de se considerar a música
como linguagem e aponta alguns equívocos na maneira de se entender a disciplina
Percepção Musical nos cursos superiores, justamente pela não consideração da música
como linguagem. Para esta pesquisadora, as aulas de Percepção que contemplam um ensino
baseado em ditados e solfejos são usualmente encaminhadas de maneira equivocada.
Acreditamos que ditados ou solfejos, objetivando assuntos específicos do
treinamento auditivo, apenas condicionam, adestram e, por isso, são práticas
superficiais e alienantes. Não formam músicos conscientes da linguagem.
(BERNARDES, 2001, p.76)
Esta autora propõe a utilização da audiopartitura nas aulas de percepção para que os
alunos compreendam a peça musical como um todo. Esta audiopartitura seria a
concretização do que foi percebido auditivamente. A proposta desta pesquisadora é que, a
partir daí, se passe para a criação, tendo como ponto de partida elementos recolhidos e
escolhidos no primeiro momento.
A criação, enquanto ferramenta pedagógica, abre a possibilidade de se lidar
com a música de uma forma mais aberta, experimental e concreta. O que é
imaginado, agora pode ser manipulado, dissecado, improvisado, composto e
recomposto, tanto em pensamento quanto no concreto, ou seja, as instâncias
do pensar e do fazer musical estariam sendo contempladas (...). Essa é a
diferença entre ouvir para escrever ditados e ouvir para compreender e então
criar. (BERNARDES, 2001, p.79)
Considerando a Música Contemporânea como linguagem, propõe-se uma pesquisa
que investigue o desenvolvimento da Percepção Musical em alunos de Licenciatura em
Música, utilizando obras inovadoras, além das tradicionais.
Parte-se da seguinte questão: o processo de desenvolvimento da percepção musical
é mais significativo quando se parte da música inovadora e recente? Ou seja, até que ponto
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o desenvolvimento da percepção musical se dá de maneira mais produtiva quando se
trabalha com a música mais inovadora? É necessário que o aluno tenha uma base
consistente de percepção da música tradicional para se partir para a música inovadora? É
possível desenvolver um trabalho de percepção musical contemplando a música produzida
nos séculos XX e XXI, vista como uma forma de linguagem?
Diante destas questões, levanta-se as seguintes hipóteses: 1) O processo de
desenvolvimento da percepção musical é mais consistente quando se contempla a música
inovadora produzida nos séculos XX e XXI; 2) O processo de desenvolvimento da
percepção musical é mais consistente quando se contempla a música tradicional; 3) O
processo de desenvolvimento da percepção musical é mais consistente quando se
contempla a música tradicional e a inovadora.
Partindo-se destas hipóteses e das questões levantadas, propõe-se, como meta a ser
atingida, uma análise comparativa de três propostas a serem desenvolvidas na disciplina
Percepção Musical de curso de Licenciatura em Música (graduação) que contemple a
música tradicional, a música inovadora, e uma associação entre ambas com o intuito de
estabelecer relações comuns e/ou divergentes.
Até o presente momento, vários autores, além daqueles discutidos acima, abordaram
a percepção contextualizando-a na aprendizagem musical, no processo físico da mesma, ou
ainda discutindo-a em termos filosóficos, entre eles Silva (2005), que buscou uma
associação entre a percepção e a cognição, fundamentando-se em Piaget, Gardner e
Vigotsky; Oliveira et al (2005), que estudou a distribuição das funções musicais nos dois
hemisférios cerebrais; Lacorte (2005) que discute a percepção combinando-a com outros
órgãos do sentido. Porém, não foi encontrado nenhum estudo que tenha analisado o
processo de desenvolvimento da percepção musical utilizando a música dos séculos XX e
XXI. Torna-se extremamente necessário um estudo que analise, de maneira comparativa, o
processo de desenvolvimento da percepção utilizando músicas tradicionais, inovadoras, e
uma associação entre ambas.
Neste sentido, este projeto terá como objetivo geral verificar o processo de
percepção musical, utilizando músicas tradicionais e as inovadoras produzidas nos séculos
XX e XXI, com os seguintes objetivos específicos:
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•
Verificar concepções da música como linguagem, percepção musical, música
tradicional e inovadora;
•
Levantar as metodologias de educação musical, priorizando aquelas que enfocam a
questão da percepção musical;
•
Elaborar propostas de ensino para aplicação na disciplina Percepção Musical de
cursos de graduação de Licenciatura em Música.
O que se propõe é avaliar, comparativamente, como se desenvolve o processo de
percepção musical entre alunos de curso de graduação de Licenciatura em Música,
utilizando a música tradicional, a música inovadora, e uma associação entre ambas
caracterizando-se como Investigação Comparada.
Lepherd (1995), ao tratar da Investigação Comparada, e mais especificamente da
investigação etnográfica, divide o processo de investigação em três momentos: Pesquisa da
Literatura, Campo de Estudo e Relatório. De acordo com este autor, no primeiro momento,
é importante o acesso a diferentes pontos de vista.
O primeiro passo na recolha de dados é a obtenção de uma panorâmica do
contexto, o que implica uma pesquisa na literatura sobre a informação
relevante. A extensão e facilidade de circulação das fontes é extremamente
importante. (LEPHERD, 1995, p.42)
Este primeiro momento, de acordo com o mesmo autor, irá determinar os
parâmetros a serem estudados e o investigador passa, então, para o segundo momento que é
o Campo de Estudo. Neste momento firma-se o acordo com as instituições a serem
observadas, e a observação é orientada pela pesquisa da literatura já realizada.
O terceiro momento, Relatório, caracteriza-se pelo exame de todas as informações e
dados adquiridos.
Tendo terminado a pesquisa da literatura e o trabalho de campo, é tempo de
escrever o relatório. O modelo delineado anteriormente tem a vantagem de
permitir examinar os dados de vários pontos de vista e classificá-los
adequadamente. (LEPHERD, 1995, p.44)
No relatório, deve-se ter o cuidado de verificar se todos os dados são comparáveis, e
ao mesmo tempo livrar-se de preconceitos culturais.
Tendo a proposta de Lepherd como fundamento, divide-se esta pesquisa em três
etapas, uma vez que a mesma se caracteriza como investigação comparada. Na primeira
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etapa é necessário recorrer à pesquisa bibliográfica com o intuito de rever os materiais já
elaborados por pesquisadores e estudiosos e contemplará estudos referentes à concepções
da música como linguagem, música tradicional e inovadora. Nesta primeira etapa será
contemplada a revisão de metodologias em percepção musical.
A segunda etapa do trabalho envolve a aplicação de três propostas de ensino em três
turmas da disciplina Percepção e Análise Musical I no Curso de Graduação de Licenciatura
em Música oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso. A primeira proposta terá
como base a música tradicional, a segunda terá a música inovadora e a terceira contemplará
um associação entre ambas. Antes de dar início a aplicação da proposta, os alunos serão
submetidos a um pré-teste com o objetivo de se avaliar o nível da percepção musical dos
mesmos, bem como a disposição destes alunos para com a música produzida nos séculos
XX e XXI. Estes mesmos itens serão avaliados ao final da aplicação da proposta por
ocasião da realização de um pós-teste.
Serão gravados em fitas VHS tanto o pré-teste como o pós-teste. Também serão
gravadas seis aulas de cada turma com o intuito de facilitar a análise posterior, uma vez que
a gravação permite observar detalhes que não foram possíveis serem observados no
decorrer da aula.
Na terceira etapa se dará a análise dos dados obtidos, ou seja, das gravações,
anotações, averiguando o desenvolvimento dos alunos em termos perceptivos, bem como a
disposição dos mesmos para com a música inovadora. A partir desta primeira análise será
feita uma análise comparativa entre os grupos estudados, permitindo identificar
semelhanças e diferenças. A análise individual será extremamente necessária para a análise
comparativa posterior. Cardoso e Brignoli (1990) ao discutirem o método comparativo no
que diz respeito à formações sociais ressaltam a necessidade do estudo das características
específicas de cada grupo, para então partir para a comparação.
Estes mesmos autores, citando W: Kula, chamam a atenção para a descoberta de
elementos que sejam comuns, típicos ou individuais a cada caso. Desta forma, será
necessário averiguar estes elementos através do estudo do desenvolvimento da percepção
tendo como elemento diferenciador o repertório a ser utilizado.
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