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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CAROLINE DIAS
OS LUSÍADAS : MITO E HISTÓRIA
Criciúma, 2005
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CAROLINE DIAS
OS LUSÍADAS : MITO E HISTÓRIA
Monografia apresentada à Diretora de Pós-Graduação da
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a
obtenção do título de especialista em Língua Portuguesa:
Fenômeno Sóciopolítico.
Orientador: Prof. Dr.Celdon Fritzen
Criciúma, 2005
2
RESUMO
Esta pesquisa procura abordar Os Lusíadas, discutindo-a a partir da compreensão da
Renascença como uma época de contradições que torna os limites entre mito e história
flutuantes. Os Lusíadas, escrito por Luís Vaz de Camões, é uma epopéia renascentista
que reflete tais tensões, quando se constitui numa narrativa de exaltação à pátria
portuguesa. A obra conta com elementos indispensáveis e ao mesmo tempo tão opostos
para a construção do épico: o mito e a história. O mito colabora no dinamismo do enredo,
na divinização dos atos portugueses, entre outros. A história serve para aproximar o
texto da realidade, exaltar os feitos pátrios. O conjunto destas funções faz com que a
epopéia tenha uma relação contínua entre história e mito. Este paralelo traz para o texto
uma convivência que valoriza a alma nacional portuguesa.
Palavras-chaves: história, mito, epopéia.
3
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..............................................................................................................4
2. VISÕES DE MITO E HISTÓRIA NO RENASCIMENTO...............................................6
2.1 As contradições do Renascimento...........................................................................6
2.2 Discurso Histórico.....................................................................................................10
2.3 Separação do Mito.....................................................................................................13
2.4 Descobrimentos, mito, verdade e ciência...............................................................15
3. O LUGAR DE MITO E HISTÓRIA EM LUSÍADAS.......................................................20
3.1 Apresentação do Autor.............................................................................................20
3.2 Apresentação da Obra..............................................................................................23
3.3 Gênero Épico: História e Mito..................................................................................25
3.4 A História em Lusíadas: Funções............................................................................27
3.5 O Mito em Lusíadas: Funções..................................................................................29
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................31
REFERÊNCIAS...............................................................................................................33
4
1. INTRODUÇÃO
O mito e a história, pontos cruciais referentes ao tema abordado no texto a
seguir, a obra Os Lusíadas, foram importantes para tornar esta epopéia universal e
imortal. Em nossa pesquisa, procura-se abordar os papéis de mito e história na
Renascença e depois, particularmente, na epopéia camoniana, devido à necessidade de
compreender o universo desses aspectos e analisar suas funções dentro da obra.
Em meio a tantas contradições ligadas ao próprio Renascimento, o período foi
favorável a um clima intelectual capaz de dar fôlego à ciência, literatura, política e à
leitura dos antigos clássicos.
Para Saraiva e Lopes (1979, p.356), com a vinda da Renascença e suas
inovações, abriu-se caminho para o advento do conhecimento científico, geografia e de
novas descobertas. O Renascimento foi uma mescla de novos e velhos padrões. Um
novo continente surgia e, a partir dele, novas descobertas e visões se ampliavam.
Todavia, muitos mitos, como o do Paraíso Terrestre e sua localização em alguma parte
do mundo ou Novo Mundo ainda tinham também estatuto de verdades. A verdade e a
ficção não têm uma clara distinção no pensamento da Renascença. Quis-se, neste
trabalho, investigar tal convivência tensa e harmônica naquele período histórico e depois
na obra Os Lusíadas.
Os Lusíadas mostra a história da viagem de Vasco da Gama às Índias e o
navegador se apresenta como um dos principais narradores, colocando-se, na epopéia,
como instrumento para contar a história das conquistas lusitanas. Não obstante, em
conjunto com a dimensão histórica, a mitologia também se apresenta na epopéia.
Segundo Peixoto (1981, p.05), o épico de Camões cuida de ser uma projeção do
amor ao povo português. A terra é glorificada e a natureza faz parte deste cenário
5
maravilhoso para exaltar o povo.O poema épico é grandioso, representando, sobretudo,
a glorificação dos feitos históricos portugueses.
O texto épico exige do autor, Camões, que trate as conquistas com um cunho
histórico e mitológico. Deve haver a junção da história e mitologia. Há necessidade que
se traga para o leitor e mundo, por um lado, certos padrões como o do mito, com a
interferência de deuses e façanhas; e, por outro lado, a dimensão histórica tem a função
de representar a realidade e proporcionar a fidelidade conferida à obra.
Este trabalho foi organizado em dois capítulos. O primeiro apresenta as
contradições da Renascença e seu mundo de antagonismos; em seguida, aborda
aspectos dos descobrimentos, o advento científico que surgia e trouxe novas visões,
terminando por refletir sobre o significado de mito e de verdade, enfatizando esta a partir
do discurso historiográfico usado no Renascimento e a maneira com foi compreendida a
veracidade nesse momento.
O segundo capítulo faz uma introdução a respeito da obra Os Lusíadas e do
seu autor, Camões; depois, se expõe a relação da epopéia com o mito e a história,
culminando com a função que estes exercem na epopéia.
6
2. VISÕES DE MITO E HISTÓRIA NO RENASCIMENTO
2.1 As Contradições do Renascimento
O
movimento
de
renovação
literária,
artística
e
científica
chamado
Renascimento e as contradições que envolvem este período serão abordados a seguir.
O momento foi marcado pelo avanço humano e da ciência. Há também a volta
aos clássicos e da mitologia, com a presença de inúmeras obras gregas e latinas, tanto
de caráter literário, filosófico e científico. As conquistas humanas e toda a formação
intelectual fervescente não caminharam sozinhas, o espírito medieval ainda permaneceu.
A relação entre o medieval e o renovador foi constante. O mundo em torno de Deus e o
mundo ao redor do homem resistiam lado a lado. As contradições marcam a
Renascença. O belo e o feio, o novo e velho se misturavam, mas nem por isso esta
época deixou de ser um momento fértil para a humanidade.
O Renascimento teve começo por volta do século XVI e foi marcado por
transformações de ordem política, social e cultural. Esta época era designada por novos
rumos e descobertas. Dá-se a partir de então lugar a outras concepções, visões e o
humanismo, fator extremamente ligado ao humano e o antropocêntrico. Além destes,
houve outro ponto importante nesta época: a presença do racionalismo, já que a razão
determinava as questões e o início da descoberta científica. O saber científico valoriza
a razão e se ela era umas das virtudes tomadas ao pensamento clássico, a arte
também o foi, contudo, numa perspectiva distinta.
O racionalismo clássico não significa de modo algum ausência de emoção
sentimento, apenas pressupõe que a razão exerça sobre eles uma espécie de
controle, de policiamento, a fim de evitar que se derramem. Estabelece-se ou
deseja-se um equilíbrio entre a razão e imaginação, no afã de criar uma arte
universal e impessoal ( MOISÉS; 1983, p.63).
7
Cabe salientar ainda que as idéias já existentes da Idade Média não foram
deixadas tão facilmente em segundo plano. Elas continuavam e se misturavam com as
renascentistas.O passado se assimilava ao novo.
Moisés (1983,p.65) diz que a questão da tradição já estava enraizada há
séculos. Ela estabelecia que aquilo que fora ensinado ao longo dos tempos tinha sua
veracidade e não deveria ser contestada e sim absorvida e também aceita. Como
exemplo: os ensinamentos cristãos, que jamais poderiam ser postos em dúvida. E de
fato para a Igreja, Deus era centro do universo e da verdade.
Moisés (1983,p.35) coloca a dupla relação do passado com o novo que
surgia. A tradição já era presente e constante na Idade Média. Determinados resquícios
medievais deviam-se à tradição da Igreja que estabelecia uma concepção de Deus
como centro de tudo.
Em contrapartida, junto à tradição religiosa havia todo um conjunto de mitos e
f
ábul
asdami
t
ol
ogi
a.“
Umac
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endasedees
pant
os
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cr
i
çõesdeani
mai
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t
r
anhosedehomensmonst
r
uosos
.
”(
DELUMEAU,1984,
p.
50)
.
A beleza e o horrível, o simples e o difícil rodeavam a Renascença. Delumeau
(1984, p.23) discute em sua obra estes antagonismos existentes, mostra as
contradições que surgem na época, observando que, juntamente aos percursos
complicados, há a constante interferência mitológica e toda sua exaltação ao humano,
seu corpo e beleza.
O Renascimento levou o homem a evocar o paraíso mitológico.Segundo
Delumeau (1984, p.17), os habitantes deste lugar são eternos jovens em função do
amor. Nunca foi tão usada a mitologia como maneira de sonhar. Havia a presença de
ninfas, Baco, Vênus e outros deuses que levavam os humanos a alcançar o paraíso. As
epopéias também se remetiam a um papel mitológico, e levavam o leitor a um paraíso
8
do mundo maravilhoso.
Há um testemunho da obra de Thomas More em a Utopia que mostra os
antagonismos referentes ao período. A Ilha dividia-se em duas partes: a primeira
reproduz as cores sombrias da Inglaterra, a segunda mostra uma ilha maravilhosa e
sem problemas.Nada mais explicativo para apresentar a época em suas contradições.
A cultura grega contribuiu de sua maneira para que os renascentistas
evoluíssem na ciência e cultura através de determinados conhecimentos e de
concepções geográficas
Delumeau (1984, p.53) reforça a tal importância do regresso ao passado e
toda a bagagem cultural estudada pelos clássicos.Os gregos, a partir da escola de
Pitágoras, e depois com Aristóteles, tinham afirmado a esfericidade da Terra. Uma boa
parte da Idade Média cria, pelo contrário, que a Terra era um disco, achatada.
A ciência tivera grande progressão e as descobertas geográficas davam início
a um novo período que ainda guardava raízes medievais.
O inventário do mundo vivo vinha, evidentemente, acompanhado pelo
alargamento e melhoramento dos conhecimentos geográficos.A
descoberta do novo mundo não podia deixar de fazer com que a
geografia desce um decisivo passo a frente (IDEM, 1984,p.137).
De um outro ângulo, a Renascença abriu as portas para a ciência, mas a
angústia a respeito do problema da liberdade individual levava o homem a acreditar
também no destino pelos astros: ‘
’
O Renasci
ment
o,r
eavi
vando o i
nt
er
es
se pel
as
divindades pagãs, parecia conferir-lhes novos poderes, pois exaltava a virtude mágica
dospl
anet
ascom osquai
sel
asseconf
undi
am’
’
(
DELUMEAU,1984,p.
52)
.
Delumeau (1984, p.137) coloca que houvera grandes progressos tanto do
campo da química, física, botânica, zoologia. Porém, não se deixou em nenhum
9
momento de acreditar paralelamente em esoterismo, alquimia e astrologia. A ciência
conquistou seu lugar à base de persistência e interesse pela natureza e geografia, pela
vontade de poder organizar e dominar o espaço. Ela caminhou lado a lado com o
humanismo.“
Est
eeac
i
ênc
i
a nem sempr
es
e af
ast
ar
am um do out
r
o.Em cer
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domí
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,ohumani
s
mof
oic
i
ent
i
f
i
cament
ef
ec
undo;out
r
osnão“
(p.
148)
.
Até mesmo com todo o poder influenciador da Igreja cristã não houve quem
deixasse de continuar a crer na astrologia. Os astros de alguma maneira influenciaram
o mundo por milhares de anos. Certas obras deste período referiam-se ao interesse no
campo astrológico. E por inúmeras vezes, a astrologia e as obras referentes a ela
determinavam formas de obtenção de favores e falavam de espírito.
Segundo Delumeau (1984, p.53), o interesse astrológico reforçou a crença na
Antigüidade e nos pensadores gregos que acreditavam na força e nos poderes do
universo. Vale salientar que mesmo com o advento científico, o Renascimento enfocou
todo este conhecimento tanto no campo da medicina, como da química e da física.
Mesmo com todo este avanço científico, havia muito presente um paralelo entre a
ciência e o esotérico. “
As críticas à astrologia foram muito raras na época do
Renas
ci
ment
o”(
p.
58)
.
Delumeau (p.148) lembra que em meio a tantas contradições, o
Renascimento foi uma fase de organização e de orientação para a ciência. Apesar
disso, nunca se deixou de acreditar na beleza e no saber sendo um reflexo de Deus.
A Renascença, mesmo sendo palco de fatos contraditórios, foi um celeiro de
novidades para a música, pintura, literatura, entre outros. Há de se lembrar que em
nenhum outro período histórico existiram tantas invenções em curto tempo.
Para entender este universo tão contraditório, basta ressaltar que os pintores
ora representavam em seus quadros cenas bíblicas, ora nus mitológicos. Ocorria
10
constantemente um dualismo entre a corrente medieval e a clássica.
O homem renascentista nunca deixava escapar a duplicidade de idéias e
concepções contidas no seu tempo, conforme se analisa no trecho abaixo:
Como eram belos Adão e Eva antes do pecado! Tantos artistas no-los
recordaram com amor e melancolia!E a natureza era doce e clama, o céu era
azul, a folhagem verde, as águas límpidas, mas a tendência de uns sonhos
cada vez mais sensuais conduzia á separação mútua da Idade do Ouro e do
pecado original. Surge então o Jardim das Delícias Terrestres, cujo caráter
impossível.Em primeiro plano, gulosos de ambos os sexos, deliciam-se com
grandes melancias, cerejas e morangos.À esquerda do painel, os preguiçosos
vagueiam, mais além, as vaidosas regalam-se com usa beleza. Ali são
conduzidas doentes e aleijados que saem da maravilhosa piscina belos e
felizes para entrar logo em festins, danças e risos (DELUMEAU, 1984, p.17).
As marcas da Renascença se fazem presentes na história e no próprio
discurso. Há uma tentativa
de questionar a antiga compreensão da história que
naquele tempo tinha sua veracidade assegurada pela credibilidade daquele que a
enunciava. Vale lembrar que com as novas descobertas surgiam idéias e fatos a serem
averiguados e esse modo de fazer a história pôde ser questionado.
2.2 Discurso Histórico
O discurso histórico tem por conceito levar a tentar conhecer a tudo que nos
rodeia através da cronologia dos fatos e seus efeitos. Assim, nos tempos dos gregos,
as fontes diversas vezes não eram constituídas por levantamento dos fatos, mas se
faziam em base no que diziam os historiadores presentes, o discurso deles. A palavra
destes era o dado mais importante.
O historiador antigo tinha por hábito não citar suas fontes. Ele não faz notas
de rodapé e acima de tudo postula que o que se escreve é verdadeiro e passível de
11
acreditar.
Para Veyne, o importante para a época era a credibilidade da obra e do
historiador, pois as obras antigas não necessitavam de citações, devido à autoridade de
quem escrevia e cuja palavra era suficiente para impor a verdade do que estava nas
l
i
nhas.“
Es
t
as l
i
nhas es
pant
osas f
azem-nos ver o abismo que separa a nossa
concepção da história de uma outra concepção, que foi de todos os historiadores da
Antigüidade e que era ai
ndaadoscont
empor
âneos”(
VEYNE;1983,p.19).
Os historiadores antigos tinham a concepção de estabelecer uma verdade
histórica e ter reconhecido o texto como original, em vez de fornecer provas. Muito do
que se acreditava não passava de tradição. Percebe-se no discurso renascentista a
fusão da história nova, científica, de descobertas e feitos, caminhando paralelamente a
história antiga e tradicionalista.
Lima coloca que no período clássico, por volta do século XVI, havia a certeza
da matemática muito presente como ideal científico. Assim, a história era inferiorizada
de tal forma que seus argumentos não tinham tanta importância “
Todaacer
t
ez
aque
não encontre uma demonstração matemática é uma simples probabilidade a certeza
hi
st
ór
i
caédessaespéc
i
e”(
1984,p.
115)
.
Lima (1984, p. 116) expõe em sua obra que a história era colocada sempre
entre as belas artes e também tinha pouca importância.“
Sempr
e as
sediada, nem
sempre vitoriosa, a razão sente-se pouco à vontade com ahi
st
ór
i
a”
.
Insinuava-se que o percurso histórico era um estado natural e livre de
sentimentos, sem limites, desprovido de leis, instituições e racionalidade. O historiador
tem a t
ar
ef
adedi
z
erav
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dadenua,ousej
a,“o acontecimento que se tem de relatar,
sem quet
odososenf
ei
t
essej
am r
ef
er
i
dos”
.
(
LI
MA,1984,p.
119)
.
A descoberta de um Novo Continente pelos europeus abriu caminhos a
12
respeito do conhecimento teórico sobre a história. Velhas polêmicas deixaram de ter
certas validades.Surgiram novas formulações de verdade no Novo Mundo, revelando a
superioridade do moderno.
Houve uma aceleração na forma de conceituar os feitos históricos e seus
discursos que começaram de modo certo a adquirir credibilidade, contudo, a tradição
dos historiadores antigos ainda permanecia junto as suas formas de pensamento.
Giucci (1992, p.194) toma o discurso renascentista como uma união entre o
novo e
tradicional. A partir dos tempos modernos com as descobertas iniciaram-se
uma diversidade de interpretações: “
Osc
r
oni
s
t
asespanhói
sconceber
am opr
obl
emada
incorporação do Novo Mundo ao Velho em termos de sua cont
i
nui
dadecom opas
sado”
(GIUCCI, 1992, p.195).
Na época, havia muitas dúvidas acerca da veracidade de determinados
acontecimentos. Novas visões surgiram e descobertas; a ciência abria caminhos, porém
o discurso histórico empregado na época, ainda continha tendências medievais. Alguns
cronistas do passado trataram de analisar verdades creditadas a respeito da Igreja e
várias delas foram descartadas, pois eram falsas. Até os santos eram acometidos de
erros, como: Santo Agostinho e Lactâncio Firmiano também se enganaram.
O testemunho começou a ser um modo de confirmar os fatos que ocorriam
até a história ser considerada como autoridade por volta do século XIX. Para conhecerse o passado, nomes de reis, laços de parentescos necessitava-se nada mais que
testemunhas oculares.O conhecimento era transmitido de geração em geração.
A observação pessoal e as fabulações existentes apresentavam a
história.Todavia, esta mescla não comprometia os textos, pois eram as provas
permanentes e as tradições estabelecidas neste período. A magia dos sábios e as
vozes dos profetas nunca deixaram de serem acreditadas. Muitos cronistas reforçaram
13
a idéia do mito e da profecia. A Atlântida de Platão, o presságio de Sêneca em sua
Medéia, as profecias de Abdias, Isaías e Mateus, sejam quais referências mencionadas,
de alguma forma tinha validade.
A tradição prevalecia, várias vezes, em torno da fé cristã. Com a existência de
inúmeras culturas não européias, ao longo dos tempos separadas pelo oceano, não
haviam se questionado sobre a teoria de Adão e Eva só presente na civilização da
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t
a c
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nabal
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.“
Enquant
o sábi
os e sant
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demonstravam com suas afirmações que errar era comum aos humanos, as verdades
da palavra sagr
adasobr
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ver
am r
el
at
i
vament
ei
nt
ocadas”
(
GI
UCCI
,1992,p.
197)
.
Novas idéias surgiam e a fé cristã permanecia.Porém, era difícil descobrir o
que era a verdade naquele tempo e questionava-se sobre os mitos que foram trazidos
com os clássicos. Buscava-se esclarecer o papel da mitologia e suas funções.
2.3 Separação do mito
As contradições presentes no Renascimento tornam-se proteiforme, fazendo
com que seja difícil compreender o que era verdade, a realidade da história e dos
mitos, as fábulas que rodeavam a época.Os mitos foram marcantes e responsáveis por
várias dúvidas.
Para Veyne (1983, p.146), os gregos precisavam de uma verdade, assim
como toda a humanidade no decorrer da sua evolução. O homem durante toda a
trajetória necessitava e necessita de conforto.Desse modo, o mito buscou ter uma
função social, aquela que reconforta.
Na Renascença, ao questionarem-se de como se pode separar o mito da
história haverá uma grande interrogação. O mito e a história dos antigos caminharam
14
juntos, pois a verdadeira história consistia na palavra e na verdade dita pela tradição. “
A
bem dizer, o problema está em distinguir a história-ficção da história que se pretende
ser séria. Deveremos julgá-las com base na sua verdade? Mesmo o sábio mais grave
pode enganar-s
ee,sobr
et
udo,af
i
cçãonãoéer
r
o.
”
(
VEYNE,1983,p.
126)
.
Os antigos não mediam a história cronologicamente e por fatos. Assim muitos
não levavam a sério a história. Os historiadores antigos transcreveram os
acontecimentos através de suas visões do cotidiano e da tradição dos povos. A história
era escrita à maneira deles. A verdade dos fatos estava em suas narrativas. Existiam
aqueles que copiavam os outros escritores, sem citá-los e apenas melhoravam ou
ampliavam o texto, dando a dimensão que desejassem. Então como separar o mito da
história, se a história estava na versão dos historiadores da época que conduziam a
ver
dadepors
euses
cr
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t
os.
”
Um det
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mi
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os
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áoengr
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ment
o épico de um
grande acontecimento, mas para um grego, o mesmo mito será uma verdade alterada
pel
ai
ngenui
dadepopul
ar“
(
VEYNE,1983,p.
28)
.
O maravilhoso era visto como verdadeiro e único, não se duvidava dele,
todavia não se acreditava nele como na realidade.Todos os heróis e mártires e o
universo do maravilhoso habitavam um tempo atemporal. Para Veyne (1983, p.20), o
tempo e o espaço mitológicos são diferentes do nosso atual.Os heróis e lendas
encontravam-se em out
r
omundoet
empo.
”
O mundo mítico é definitivamente outro,
inacessível, diferente e espantoso, que o problema da sua autenticidade permanece
suspenso”.
A separação do mito da história aconteceu quando a história foi tratada com
autoridade.Os especialistas, profissionais da área tinham a função de pôr os fatos em
cronologia através de dados e fontes. De acordo com Veyne (1983, p.50), um
profissional confere sua informação. No tempo mítico a história era uma narrativa com
15
causas. Reduzia-se à mistura de acontecimentos com lendas e fatos.
É difícil contar a história dos tempos míticos, quanto mais não devido á
imprecisão da cronologia; esta imprecisão faz com que muitos leitores não a
levem a sério. A história mítica, além disso, os acontecimentos desta época
recuada são demasiado longínquos e demasiado inverossímeis para se
acreditar facilmente neles. (VEYNE, 1983, p.50).
A história acerca dos mitos pode deixar dúvidas. Mas, de certa maneira, havia
a crença de que havia um fundo de verdade trazida pela mitologia no decorrer dos
séculos. O mito e a verdade sempre foram questionados. Existem muitos contrapontos
que os envolvem. No texto a seguir colocam-se os contrapontos da verdade, mito e
ciência.
2.4 Descobrimentos, mito, verdade e ciência
O poder da imaginação e da fantasia eram uma das maneiras de colaborar
com a realidade renascentista. Mas a experiência pessoal ao longo dos séculos serviu
para mostrar faces das supostas verdades.
Para Giucci (1992, p.200), Colombo grande navegador da época, utilizou-se
do valor da experiência para suas teorias geográficas.
Colombo escudou-se na experiência para defender suas próprias teorias e o
planeta perdeu sua plena redondez. Na relação da terceira viagem o Almirante
revelou aos reis católicos que o mundo não era esférico como supunham os
sábios, e sim da forma de uma pêra arredondada ou de um bola
(GIUCCI,1992, p.200).
Os cronistas espanhóis partiram também da experiência pessoal para
assegurar novas verdades e comprovaram diversas questões que jamais foram
16
discutidas como sendo falsas desde os gregos.
Com a descoberta do quarto continente houve uma determinada abertura
para outras formas de pensar. A América contribuiu de alguma maneira com a
libertação de determinados dogmas.
Deste modo, a autoridade consagrada durante séculos passou a depender do
apoio da verificação para ser validada, o que implicava que a palavra dos
santos, anteriormente sinônimo de verdade adquiria uma posição subordinada
frente as evidências(GIUCCI, 1992, p.202).
Mesmo com o descobrimento de um novo continente e abertura de novas
correntes, não se deixou de acreditar na fé e na tradição, apenas houve uma ruptura.
As tensões entre a fé e a razão, entre a palavra divina e a ciência ainda persistiam.
Para Giucci (1992, p.203), o descobrimento do Novo Mundo aumentou os
caminhos para o progresso da ciência e a ampliação para as novas verdades.
O mito foi marcante nesta época e podia-se tratá-lo como uma tradição oral. As
lendas e fábulas que o representavam e toda a força do passado da Antigüidade
diversas vezes eram motivo de polêmica.
Trovões, cometas, terremotos eram inúmeras vezes interpretados como vontade
de Deus e não fenômenos da natureza a serem estudados. Assim estes mitos eram
usados também para punir e forma de controle sobre a fé do povo.
A imaginação nestes tempos era algo surpreendente, fazendo o povo acreditar
em coisas além do concreto. Enquanto a comprovação científica ainda abria espaços, a
fantasia corria por todos os lados.
Importante menos se o rinoceronte e o unicórnio são o mesmo animal do que se
a descrição do animal rinoceronte dá vida a um objeto original, alusivo, que
adquire autonomia do ser criado, que será reconhecido e perseguido.Num
extremo do maravilhoso só haverá palavras por trás do novo objeto, nem sequer
17
o desagradável rinoceronte.Nestes casos, a imagem pode durar mais ou menos
que a criada a partir de um modelo natural, mas também é obrigada a ser
adotada por uma consciência coletiva que primeiro a protege e depois a liquida
(GIUCCI, 1992, p.14).
A descoberta do Novo Mundo trouxe à tona o início de outro discurso, mas o
modo quinhentista ainda se apoiava no desejo do imaginário, no vislumbre.
O viajante mostrado na Divina Comédia de Dante assim como em Os Lusíadas
de Camões mostra o paralelo do divino com o real. O remoto e o maravilhoso se
aproximam. Há uma abundância de ninfas, sereias e ciclopes.
Pode-se levar o leitor a refletir sobre o que será verdade neste período. A
verdade seguia uma tradição? Em que lugar está a verdade? Ela é produzida pela
ciência ou não? Pode ela ser, produzida, inventada ou real?
De acordo com Giucci (1992, p.87), na história antiga o próprio leitor ou ouvinte
buscava se impregnar da narrativa como uma forma de juntar a informação e fábula. O
leitor participava das aventuras, e para ele naquele momento tudo era real e verdadeiro.
Sentia-se diferente e emocionado ao se transferir para o texto como o próprio
protagonista. De tal modo que o relato do viajante devia convencer o leitor, seja relato
que fosse, havendo assim a integração do leitor com o maravilhoso.
Giucci cita exemplos transcritos em sua obra como Soleno que ignorava coisas
comuns e se concentrava no estranho. Por sua vez, Polo tentava colocar em seu texto
as mar
av
i
l
has do mundo.“
E no interior deste espaço da narração se entrelaçam,
procurando satisfazer às expectativas do leitor, à observação pessoal, à vontade de
recriar um mundo de fantasia e de reproduç
ão dasconvenç
õesl
i
t
er
ár
i
as”(GIUCCI,
1992, p.91).
Para Cipriano e Passos ( 1985, p.55), de acordo com os anos a verdade tem
gerado diferentes formas de enfrentamento da realidade e inúmeras conclusões. Há
18
muitas
possibilidades
interpretações.Existem
a
respeito
diversas
das
tendências
razões
humanas
filosóficas:
e
suas
dogmatismo,
várias
ceticismo,
idealismo, positivismo, entre outras.
A partir de Descartes e de Kant a meta é ser o mais racional possível para
at
i
ngi
rav
er
dade“Ass
i
m asensi
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at
al”(CIPRIANO E PASSOS, 1985, p.58).
Pode-se notar que não há um critério infalível para chegar à verdade. Alguns
teóricos dizem que o ideal era apossá-la, outros chegaram a imaginar tê-la atingido,
muitos comentam não existir uma verdade única assim ocorrendo diferentes facetas.
Para Cipriano e Passos (1985, p.59), não se pode tirar conclusões definitivas
da verdade e sim saber apurá-la a partir de suas evidências e fontes. A tendência atual
demonstra que a compreensão da verdade consiste em interrogar, analisar e buscar
significados. Assim a verdade se torna realidade, a partir de verdades produzidas.
Essa maneira de compreender a verdade rompe com as situações mais
arraigadas que afirmavam ser a verdade a apreensão do real do qual ele era
o fato.Essa idéia menospreza a subjetividade e o papel do sujeito como
responsável pela apropriação do real (CIPRIANO E PASSOS, 1985, p.60).
No que diz respeito à Renascença, a tradição é colocada de lado e nasce
uma nova idéia acerca dos conceitos de verdade e de erro. A verdade agora cada vez
mais é aquela que deve ser buscada e construída.E o erro perde o sentido de defeito,
mas pode ser um fato que deve buscar questionamentos e conhecimentos.
Cipriano e Passos (1985, p.60) colocam a verdade como um processo em
movimento e não absoluto e inquestionável.
Em contrapartida quando se trata de mitologia a preocupação com a
verdade nos últimos tempos parece ter sido secundária. E a concepção de verdade se
fez pelo valor da tradição, no princípio.
19
Os mitos que exprimem estas concepções chegaram até nós quase sempre
através de textos literários, vários dos quais da autoria dos maiores escritores
gregos e latinos e outros de poetas considerados de segunda ordem, porque
foram tratados injustamente pela tradição humanista ocidental dos tempos
modernos ( LE GOFF, 1924, p.291).
O mito continua sendo usado e se faz essencial muitas vezes para trazer a
uma narrativa leveza e descontração. Ele é alvo a respeito de sua veracidade. Porém,
na literatura o essencial é mexer com o leitor e o maravilhoso colabora para isto. Leva
o homem aos sonhos e fantasias E estimula a ler e observar.No outro capítulo será
abordado a obra de Camões que mistura o maravilhoso com o real.
20
3. LUGAR DE MITO E HISTÓRIA EM LUSÍADAS
3.1 Apresentação da obra
Os Lusíadas é um poema épico que narra a história da viagem de Vasco da
Gama às Índias. A obra renascentista escrita por Luís Vaz de Camões registra um
período de descoberta do caminho ao Oriente e os feitos heróicos que elevam o povo
luso.
O assunto central, a viagem de Gama às Índias, coloca o navegador como
porta-voz da ação coletiva portuguesa e sobretudo mostra a glória das conquistas
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usi
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’
’(
BERARDI
NELLI
,1973,p.
28)
.
A epopéia apresenta os feitos históricos, deste período, conferindo ao povo
lusitano o seu valor e todo o êxito alcançado.
Alberto de Oliveira (1980, p.50) ressalta que os feitos portugueses, como a
expansão marítima, foram iniciados por D.João II. Pois, anteriormente, o país possuía
poucos recursos e ainda pouca extensão territorial. Já no fim do século XVI, os
portugueses possuem ousados navegadores. O destino às Índias se inicia em 1497, por
uma expedição guiada por Vasco da Gama. O êxito desta viagem foi não só um ato
heróico para o navegador, mas motivo de orgulho de toda a nação.
Tiné (1974, p.25) coloca que a cobiça dos portugueses por grandes lucros,
contribuiu para que eles chegassem ao tão sonhado lugar. Ainda diz ele que para
21
formar um Império, Portugal tinha o desejo de tomar o comércio do Oriente, e tornar um
monopólio.
O poema se situa dentro do Renascimento, mas, embora considerado um
exemplo de literatura clássica, ainda apresenta resquícios do pensamento medieval. O
clima intelectual favorável à leitura dos antigos, junto da experiência adquirida nas
expedições marítimas e também o lado fervoroso cristão acabaram favorecendo a
realização de Os Lusíadas. A narrativa não deixa de levar o leitor a aventuras,
tempestades e lugares nunca navegados, acompanhado de muita mitologia.
Para Moisés, as circunstâncias históricas e a posição geográfica confiaram ao
povo português um papel r
el
evant
epar
aoRenasci
ment
o.“
É que Portugal, através de
alguns estudiosos e, particularmente, das descobertas marítimas, vai colaborar de
modo direto e intenso nopr
ocessor
enasc
ent
i
st
a”(
MOI
SÉS, 1983,p,61).
Os Lusíadas apresenta um ecletismo religioso e pagão. Durante o percurso
marítimo os portugueses tiveram a proteção dos deuses; em contrapartida, tentaram
estabelecer durante sua rota a fé cristã aos infiéis. Todo o fervor cristão não impede em
pleno Renascimento de florescer idéias voltadas à ciência, humanismo e mitologia.
O poema é narrado principalmente por Vasco da Gama, o herói. É ele que
apresenta toda a primeira parte da viagem, até a passagem do Cabo, na conversa que
mantém com o Rei de Melinde. Os Lusíadas é organizado em cinco partes: a
proposição, que narra os feitos dos navegadores e a história do povo português; a
invocação, na qual o poeta invoca o auxílio das musas do rio Tejo, as Tágides; a
dedicatória, oferecida ao Rei Dom Sebastião, visto como a esperança da propagação
da fé católica e continuação das conquistas; a narração, parte principal e na qual são
relatadas a viagem e as glórias dos navegantes portugueses; o epílogo no qual poeta
lamenta o fato de estar com a voz rouca, e ninguém mais o ouve.
22
Os Lusíadas possui dez cantos e se inicia quando a navegação já está em
pleno Oceano Ìndico. Enquanto isso, no Olimpo, os deuses se reúnem. Vênus adere à
proteção constante aos portugueses, ao contrário de Baco. Ao chegarem em
Moçambique, os portugueses desviam-se de uma cilada feita por Baco. E quando
partem para Moçambaça chegam vivos, devido à ajuda de Vênus, que pôde, por
intermédio de Júpiter, conceder maior proteção aos portugueses.
Os episódios são regados a muita fantasia e presença constante dos
deuses.Os principais episódios são: A Ilha dos Amores, onde os portugueses são
elevados simbolicamente à condição de deuses, recebidos pelas ninfas que se
oferecem a eles. Outro é do gigante Adamastor, representação figurada do Cabo da
Boa Esperança, simbolizava os perigos e tormentas enfrentados pelos lusitanos.
Para Berardinelli (1973, p.35), a presença do Adamastor em forma de gigante
indica o medo do desconhecido que se iniciou na partida dos navegadores. E a voz de
Adamastor quando falou com portugueses significava as dificuldades pela qual
passaram.
Martins (1981, p.49) comenta que o mundo visível para Camões não o atraia
tanto, já que o outro lado, o invisível o impressionava. Os Lusíadas mostra o valor da
alma portuguesa e suas manifestações.Os acontecimentos reais eram projetados a
partir do invisível. Ao se falar de subjetividade o poema tem presente uma tensão entre
a espiritualidade e a carnalidade. Como exemplo podemos mencionar o papel da
mulher, que era humana e ao mesmo tempo também era um ser angelical. A beleza
não passava da imitação plena da concepção neoplatônica do amor.
Para Saraiva e Lopes (1971, p.334), o amor carnal podia ser encontrado no
episódio da Ilha dos Amores, onde há uma espécie de orgia para os navegadores.
Vênus é símbolo central do erotismo na epopéia. A deusa sempre favorecia os
23
portugueses com seus auxílios, protegendo-os do perigo.
A deusa levou seu pendor lusitano ao ponto de fazer a gente do Gama
participar da natureza olímpica, preparando-lhe em alguma parte dos oceanos
recepção que Homero, não desdenharia recolher em suas mais famosas
crônicas helênicas (MARTINS, 1981, p.34).
Muitas foram as batalhas e percursos que o texto apresentou. Os Lusíadas
simbolizou as conquistas dos mares sobre os elementos da natureza
A obra ultrapassa o século XVI,adquirir nítido valor universal e perene, pois
contém a imagem do homem de sempre, ansioso de conquistas novas que lhe
dêem a impressão de superar a certeza da própria pequenez e dependência
identificada com a tremenda sensação de angústia que acompanha o ato de
contemplar os mistérios fisiológicos da natureza (MÓISES, 1983, p.75).
O poema possui uma grandeza de fatos, realismo das discussões, visão crítica e
uma soma de conhecimentos literários, históricos e geográficos que o faz um marco na
literatura portuguesa e universal. No outro tópico se falara um pouco de Camões, o
poeta de Os Lusíadas.
3.2 Apresentação do autor
Luís Vaz de Camões, autor dos Lusíadas nasceu entre 1524 e 1525,
provavelmente em Lisboa. Veio de uma família de pequena nobreza, embora pobre o
autor teve uma educação escolar relevante. Cursou artes em Coimbra. A vida palaciana
que cultivou durante a juventude contribuiu também para sua formação intelectual.Leu
importantes nomes da literatura como: Homero, Horácio, Virgílio, entre outros.Manteve
24
amizades de certo cunho intelectual como Sá de Miranda.Preferiu seguir a carreira das
armas à das letras, devido à condição econômica. E ao ingressar para ordem militar,
combateu em Marrocos e perdeu um olho. Mais tarde como punição por ferir um
servidor do Paço é preso e depois libertado com a condição de prestar serviço militar
ultramarino. Engaja-se na viagem às Índias e por volta de 1556, escreve parte de Os
Lusíadas.
Acusado de prevaricação,vai a Goa defender-se, mas naufraga na foz do rio
Mecon. Salva-se a nado, levando Os Lusíadas, como quer a lenda, e perdendo
sua companheira, Dinamene.Finalmente, chega a Goa, é encarcerado e solto
pouco depois.Está-se em 1563.Quatro anos depois, em Moçambique, dá outra
vez com os costados na cadeia por causa de dívidas.Posto em liberdade,
arrasta uma vida miserável, até que Diogo de Couto o encontra e se empenha
em levá-lo para a Pátria. Aonde chega a 23 de abril de 1569. Em 1571,
publicava Os Lusíadas e recebe uma recompensa , porém morre pobre e
abandonado, a 10 de junho de 1580 (MOISES, 1983, p.77).
Camões participou da história da navegação marítima. E com sua experiência
de soldado pôde ter elementos para ilustrar sua obra. O autor se identificou com a
história marítima e, como os outros navegantes, registrou as experiências como
maneira de representar a superação da condição humana.
Para Berardinelli (1973, p.28), Camões utilizou o texto para levar o leitor a
sensações do grande momento de Portugal, produzindo um signo destinado à
exaltação deste povo. Como soldado, assumiu toda a experiência que vivenciou
proximamente. Como poeta, foi um dos poucos que pôde exprimir na prática a guerra e
a fome .
Viajante, letrado, humanista, trovador à maneira tradicional, fidalgo esfomeado,
numa mão a pena e noutra a espada, salvando a nado num naufrágio,
manuscrito, a grande obra de sua vida, Camões resumiu a experiência
meditada de toda uma civilização cujas contradições viveu na sua carne e
procurou superar pela criação artística (SARAVIA e LOPES, 1979, P.326).
25
Ao tentar ultrapassar toda esta expressão da arte e da literatura, Camões foi
grandioso não só como homem que superou certos obstáculos marítimos, mas ao
colocar a língua portuguesa e sua literatura, assumindo um perfil nacional. Desde o fim
da Idade Média nenhum outro escritor conseguiu apresentar um uso lingüístico que
pudesse servir de padrão para a língua culta.
A língua portuguesa até então não era solidificada. Camões, um grande
escritor, reforça a partir de Os Lusíadas, a credibilidade da língua, aperfeiçoando-a e
estabelecendo-a por todo o país e as colônias.
Para Oliveira (1980, p.50), a língua escrita era variável até o século XVI.
Camões iniciou um processo de aperfeiçoamento e solidez. O autor contribuiu para que
a língua portuguesa fosse fonte de aprendizado para as seguintes gerações.
Foi realmente Camões figura primordial no Renascimento, herói nos campos
de batalha, solidificador da língua portuguesa, e que construiu esta narrativa tão
importante para o mundo e seu país. Esse momento foi de tamanho valor que
influenciou o autor em clima patriótico a construir a maior epopéia portuguesa. Este
épico exigiu certas convenções e observações que serão observadas no próximo tópico
referente ao gênero.
3.3 Gênero Épico: História e Mito
A epopéia é um canto narrativo que exalta à pátria.Os Lusíadas, um exemplo
do gênero, retrata os grandes feitos da nação portuguesa. Para que exista uma
epopéia, deve haver uma relação contínua entre o mito e a história, a fim de que sejam
satisfeitas as exigências do gênero.
Os Lusíadas conta toda a história de uma pátria e de um povo apresentando
26
ao mesmo tempo elementos de mitologia e também fatos históricos. Não há como
separar estes fatores, mito e história, pois caminham sempre juntos. No próprio
Renascimento, já visto, onde esse épico se manifesta, existe bem presente estas
contradições, de temas tão opostos. A mitologia tem sempre um fundo de realidade e
em conjunto com a história tratam de revelar uma certa veracidade ao leitor. A epopéia
aborda tais tópicos colocados acima, e no decorrer do texto um deles é o mito. O mito e
história, no caso de Os Lusíadas, se relacionam com intuito de conduzir a narrativa de
forma mais interessante e atraente possível.
Ao retomar a mitologia, observa-se sua presença marcante na obra: o mito tem
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umaepopéi
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númer
oshomens”(
PEI
XOTO,1981,p.
340)
.
O mito contribuiu para aproximar o leitor da narrativa e da história.Tornando-se
parte de um povo, por ser acessível a todos e elevar o nacionalismo.N’
Os Lusíadas,
ele participa da exaltação dos feitos portugueses e contribui para enaltecer o povo e
sua memória. Para Peixoto, o mito terá que ser nacional. Se não houver a presença
dele com cunho patriótico, não existirá uma epopéia.Só há dois poemas épicos com
caráter coletivo: A Ilíada e Os Lusíadas.
Os heróis na epopéia se apresentam como além de mortais, mais que meros
homens, são elevados ao patamar próximo dos deuses. Faz-se presente na narrativa
com únicos e gloriosos. Servem para valorizar no poema de Camões, a pátria do povo
português e exploram o lado divino com objetivo de alcançarem as graças de uma
nação.
O mito traz para a narrativa um dinamismo e movimento que contribui para que
ele seja popular e de fácil acesso a todos. Ele explora o ponto coletivo e engrandece os
heróis e a pátria e faz com que o povo se sinta honrado. Para que o mito chegue a
27
uma epopéia,
são necessárias algumas condições: a primeira é que o mito seja
coletivo.Como Joana d´Arc foi um mito pessoal e individual, fica fora do poema épico.
Vasco da Gama, em Os Lusíadas, é o herói que representa o povo português.
No gênero épico também se encontra a história, que colabora com o fundo de
verdade para a obra.
Os fatos históricos, por seguirem um tempo cronológico, contribuíram para que
a obra chegasse mais perto do verossímil, já que o mito possui uma função oposta, que
muitas vezes tem sido posto em dúvida.
Há uma necessidade de fatos histórico na epopéia, a fim de que eles fiquem
presentes e registrados na memória por séculos. A imortalidade das conquistas
lusitanas é apresentada como se ainda a obra e os caminhos atravessados pelos
portugueses não estivessem acabados e fossem possíveis de continuar. Segundo
Pécora (2001,p.150), a continuação dos feitos lusos é o ponto mais elevado para que
uma epopéia seja imortal. Mostrar a história como uma forma de prolongar estas
conquistas é primordial.
O poema épico descreve os feitos de Portugal para o mundo e torna este
imortal e também popular. Leva a história e a mitologia à obra para tentar ficar
eternamente na lembrança do povo.
3.4 A História em Lusíadas: funções
Os Lusíadas é obra literária que tem como um dos objetivos aproximar o leitor
e o mundo dos fatos que constituíram a grandeza de Portugal. O poema contém uma
certa fidelidade histórica que traz credibilidade à obra. Na narrativa, a história possui
algumas funções como: a pedagógica, a da verossimilhança e da exaltação aos feitos
28
pátrios.
Ao falar a respeito da função pedagógica, busca-se associá-la à
aprendizagem, pois a história leva à compreensão e entendimento deste universo real
que se pode aliar à literatura. A epopéia de Camões percorre estes caminhos literários
e históricos de modo que se estabeleça uma forma de conhecimento do passado. Pelo
poema os nomes da história de Portugal e seus feitos memoráveis perdem o estatuto
no que concerne à verossimilhança, da transitoriedade para perpetuarem-se como
elementos da pedagogia do nacionalismo português.
Pécora (2001,p.162) afirma que os feitos históricos contidos no poema só se
estabelecem verdadeiramente se possuírem uma literatura que convença. Nada adianta
um passado glorioso e muitas conquistas, se não houver a funcionalidade da
verossimilhança, conduzindo o obra a ser mais próxima da verdade possível. A história
tem uma cronologia que foi seguida, tornando-a próxima da realidade. Dificilmente se
contesta a história, por ela se associar à verdade. Texto de Camões, por isso, torna-se
verossímil colocando o leitor perto das conquistas e glórias de Portugal.
A história é também um romance, com fatos e nomes próprios e já vimos que
acreditamos ser verdadeiro tudo aquilo que lemos enquanto o estamos a ler;
só a seguir é que o consideramos ficção e mesmo assim só se pertencermos a
uma sociedade em que existia a idéia de ficção (VEYNE, 1983, p.125).
Outro aspecto da função histórica é a exaltação dos feitos patrióticos. As
conquistas dos portugueses são elevados ao maior grau possível. N’
Os Lusí
adas
,
os portugueses superavam os antigos nas glórias e passado. Até os heróis portugueses
são superiores a todos já vistos. Os feitos são relatados de forma apresentá-los
superiormente, dessa forma enaltecendo o povo português nele representado.
29
Camões, igualmente tanto vence com a descoberta essencial da virtude
heróica o gosto dos golpes fictícios, quanto supera com a energia poética da
verdade o fingimento patriótico dos antigos épicos (PÈCORA,2001, p.150)
Enfim, a obra registra conquistas e feitos arranjando conjuntamente toda a
verossimilhança patriótica entre a verdade histórica e o mito, fazendo este, ainda,
colaborar com o dinamismo do texto.
3.5 O Mito em Lusíadas: funções
O mito, já visto ,é um dos elementos relacionados à epopéia, dentro da qual
possui extrema associação com a história .
Ele está presente em Os Lusíadas, e aqui identificar-se-á algumas de suas
funcionalidades.
Como anteriormente apresentado, os mitos estavam presentes nos relatos de
viagem do descobrimento como forma de cartografar o desconhecido e celebrar o
heroísmo dos viajantes.N’
OsLusí
adas
, no fundo um relato de viagem, sua função
também é semelhante. A valorização humana, as atitudes dos portugueses próximas
dos deuses é fruto da humanização do Renascimento. Tais são os efeitos provocados
por alguns episódios fundamentais: a Ilha dos Amores, comentado anteriormente na
apresentação da obra, e também do Gigante Adamastor.
O mito fixou no texto outra função: a de divinizar as ações dos portugueses.Os
heróis tomavam grandes proporções e por isso exaltavam o povo espelhado em seus
atos magníficos.Não há como deixar de perceber, por uma lado a amplitude destes
heróis, elevados ao ponto de ser comparados aos deuses.
Por outro lado, percebe-se a duplicidade figurada dos mitos que ao mesmo
tempo possuem um lado humano. Esse é o caso de Adamastor, um gigante
30
ameaçador que comove e se desespera por um amor, chorando constantemente por
amor de Têtis.
O episódio da Ilha dos Amores, em que as ninfas concedem favores aos
navegadores, mostra esse aspecto que os tornam mais que humanos.
Afora essas funções do mito, Saraiva e Lopes (1979) colocam que para o poema
era indispensável uma mola de ação e só a história não bastava.Durante a viagem de
Gama, a narrativa mostra este movimento: a face sobre-humana dos navegadores e
dos deuses quase que humanos. “
Os deuses desejam, palpitam, lutam, são de carne ,
em cont
r
as
t
e com oshomenshi
s
t
ór
i
cos
,que apar
ec
em de br
onz
e ou de már
mor
e”
(p.346).
Os Lusíadas necessitava de uma força dramática, algo que conferisse
movimento e coerência para a obra. A mitologia trouxe, como mais uma de suas
funcionalidades, ação ao texto. A narrativa não deve apresentar somente uma
seqüência cronológica, porém, deve existir um dinamismo, como uma mola de ação
para conduzir o texto.
Para Saraiva e Lopes (1979, p.347), a função central da mitologia em os
Lusíadas é o sentido da ação e de proporcionar um enredo dinâmico. Dessa maneira, o
humano e o divino se revelaram de extrema importância na construção de uma
dinâmica e coerente epopéia.
31
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os Lusíadas por ter sido escrito em uma época tão transitória da Renascença
deixou na obra concepções novas e antigas. O Renascimento foi um momento fértil que
exigiu ao mesmo tempo diferentes formas de pensar. O mundo começou a ser visto não
só pelo ângulo tradicionalista, mas por novos caminhos.
Dentro deste universo, o poema épico de Os Lusíadas colocou todo o
sentimento contraditório pelas formas de pensamento e concepções. E um dos
elementos que contribuíram foram o mito e a história. Eles se mostram temas tão
opostos, mas que constituem uma epopéia.
Para Veyne (1983,p.126), não há como separar o mito e a história, eles são
convencionais para a sociedade da época.
Vale salientar que na narrativa de Os Lusíadas, o importante é a conjunção da
mitologia com a história que leva o texto a assumir seu papel crucial para a exaltação do
povo e registrar o momento para o mundo.
A obra ficará na memória do povo e do mundo, pois trouxe a celebração da
pátria e a divinização dos heróis lusos, além de relatar uma história essencial para todos
os tempos.
O mito resgata na obra episódios importantes que trazem para o texto de
Camões o heroísmo português com a elevação dos homens lusos ao maior grau
existente. Há também um fato indispensável para a humanidade a apresentação da obra
como relato de viagem, ressaltando este papel significativo para o patriotismo. Não há
como negar a grandeza do canto que elevou Portugal,glorificou seus heróis e trouxe
32
mitos para toda a eternidade com intuito de ser permanente.
Entende-se que a história colaborou para a formação do épico com o objetivo
de levar a verossimilhança à
obra, buscando
ser a mais verdadeira possível. Ela
também serviu e serve até hoje como forma de aprendizagem, pois há historicidade
contida no texto, e com sua maneira dinâmica a epopéia torna-se mais interessante.
“
Nãoésó o amor que faz grande o poeta Camões, mas a verdade que o faz sábio e
as
si
m um f
i
elhi
s
t
or
i
ador
”(
PEI
XOTO,1981,p.
10)
.
O mito e a história são cruciais para a formação da epopéia, pois pertencem a
este gênero e fazem juntos uma exaltação á pátria. Eles tendem a construir uma
dinâmica difícil de existir em outros textos e colaboram com a ação do enredo de Os
Lusíadas
A história desempenhou diversos papéis importantes, assim como a mitologia.
O que vale salientar é que na narrativa jamais se pode separar a história do mito. Pois,
com tais elementos se faz esta epopéia universal.
33
REFERÊNCIAS
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DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Vol 02.Lisboa:Estampa, 1984.
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LUCKESI, Cipriano Carlos; PASSOS, Elizete S. Introdução a Filosofia –Aprendendo
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PEIXOTO, Afrânio. Camões: Ensaios Camonianos. Portugal: Coleção Brasil,
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SARAIVA, Antônio José; LOPES,Oscar. História da Literatura Portuguesa. Lisboa:
Porto Editora, 1979. 1218p
TINÉ, José Talles. Camões e os Lusíadas. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do
Estado de Guanabara, 1974.131 p.
VEYNE, Paul. Acreditavam os gregos em seus mitos? Lisboa: Edições 70,1983.
151p
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