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Psicanálise: Divã de Procusto?
Seminário Clínico
“Psicanálise: Divã de Procusto?”
Apresentadoras:
Alexandra Medeiros Borges
Eliana Maria Bronzi de Aveiro
Rida Sabbagh
Supervisora: Eliana Fátima de Pádua
Comentarista: Alice Ivone Marconi França
Psicanálise: Divã de Procusto?
Histórico
O IEP iniciou em agosto de 2011 um projeto social que oferece
gratuitamente aos seus membros a possibilidade de atendimento
supervisionado, através de parcerias com ONGs, OCIPs e instituições
interessadas. Através desse projeto o IEP oferece oportunidade para
que profissionais possam adquirir habilidades e conhecimentos em
psicanálise, através da articulação entre teoria e prática. O projeto
consiste na realização de atendimentos individuais, com enfoque na
teoria e técnica psicanalítica, a serem realizados em Programas Sociais
cadastrados.
É
oferecida
gratuitamente
supervisão
dos
casos
atendidos, realizada por profissionais do IEP.
A casa da sopa é uma das entidades contempladas. É uma
entidade espírita que atende a população de baixa renda oferecendo
sopa e legumes uma vez por semana.
Atualmente são três profissionais responsáveis por quatro
atendimentos (três adultos e uma criança). Todos os casos são
acompanhados por uma supervisora do IEP.
Procusto
Procusto, segundo a mitologia grega era um bandido que morava
numa floresta na região de Elêusis (península da Ática - Grécia). Ele
tinha uma cama com exatamente as mesmas medidas do seu próprio
corpo, nem um milímetro a menos. Procusto quando capturava uma
pessoa na estrada amarrava-a naquela cama. Se a pessoa fosse muito
Psicanálise: Divã de Procusto?
alta ele amputava o que sobrava a fim de ajustá-la na cama. Se fosse
menor, ele a esticava até atingir o comprimento suficiente.
Provavelmente Procusto, ao menos miticamente falando, foi o
primeiro normatizador.
O mito representa a intolerância diante de um outro diferente.
Representa a tentativa de modelar os outros conforme a nossa
imagem e semelhança, negando a multiplicidade, a criatividade e a
originalidade.
Tomando como referência a simbologia do mito de Procusto
levantamos a seguinte questão: É possível o uso do modelo
psicanalítico em atendimento fora do “setting” usual? O próprio Freud
defende a idéia de um saber sempre em construção: “Como vocês
sabem, nós não nos vangloriamos jamais da completude e do
acabamento definitivo de nosso saber e de nosso poder. Estamos
tão prontos, agora, como estávamos antes, a admitir as imperfeições
de nosso conhecimento, a considerar qualquer coisa nova que se
apresente e a modificar, na nossa abordagem, o que possa ser
colocado como algo melhor”. 1
O
presente
artigo
trata
das
particularidades
da
clínica
psicanalítica inserida em uma entidade espírita que oferece auxílio à
população carente.
Psicanálise: Divã de Procusto?
Psicanálise e instituição
Freud em um congresso realizado em Budapeste, ao tratar das
questões relacionadas ao futuro da psicanálise, aponta, como um
caminho possível, o estabelecimento da clínica psicanalítica em
ambientes institucionais. Segundo ele: Por um lado, é possível prever
que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará,
e lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma
assistência à sua mente quanto o tem, agora, à ajuda oferecida pela
cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a saúde pública não menos
do que a tuberculose, de que, como esta, também não podem ser
deixadas aos cuidados impotentes de membros individuais da
comunidade. Quando isto acontecer, haverá instituições ou clínicas de
pacientes externos, para as quais serão designados médicos
analiticamente preparados, de modo que homens que de outra forma
cederiam à bebida, mulheres que praticamente sucumbiriam ao seu
fardo de privações, crianças para as quais não existe escolha a não ser
o embrutecimento ou a neurose, possam tornar-se capazes, pela
análise, de resistência e de trabalho eficiente. Tais tratamentos serão
gratuitos. Pode ser que passe um longo tempo antes que o Estado
chegue a compreender como são urgentes esses deveres. As condições
atuais podem retardar ainda mais esse evento. Provavelmente essas
Psicanálise: Divã de Procusto?
instituições iniciar-se-ão graças à caridade privada. Mais cedo ou mais
tarde, contudo, chegaremos a isso.
Defrontar-nos-emos, então, com a tarefa de adaptar a nossa
técnica às novas condições. Não tenho dúvida de que a validade das
nossas hipóteses psicológicas causará boa impressão também sobre as
pessoas pouco instruídas, mas precisaremos buscar as formas mais
simples e mais facilmente inteligíveis de expressar as nossas doutrinas
teóricas. Provavelmente descobriremos que os pobres estão ainda
menos prontos para partilhar as suas neuroses, do que os ricos,
porque a vida dura que os espera após a recuperação não lhes oferece
atrativos, e a doença dá-lhes um direito a mais à ajuda social. Muitas
vezes, talvez, só poderemos conseguir alguma coisa combinado a
assistência mental com certo apoio material, à maneira do Imperador
Jose. É muito provável, também, que a aplicação em larga escala da
nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre com o
cobre da sugestão direta; e também a influência hipnótica poderá ter
novamente seu lugar na análise, como o tem no tratamento das
neuroses de guerra. No entanto, qualquer que seja a forma que essa
psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os
elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos
e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à
psicanálise estrita e não tendenciosa.
1
Psicanálise: Divã de Procusto?
Preconceitos com relação à psicanálise em instituições
públicas com população de baixa renda:
Pinheiro e Vilhena2 (2007) apresentam, em seu artigo, uma visão
histórica das dificuldades em trabalhar com psicanálise em instituição.
Segundo as autoras: Os impasses teóricos e clínicos suscitados pela
clínica institucional foram, inicialmente, compreendidos como sendo
indicativos de uma inadequação fundamental das teorias psicológicas,
em geral, e da psicanálise, em particular, no atendimento da
população de baixa renda, que, usualmente, recorre ao trabalho
institucional em busca de um auxílio para o seu sofrimento psíquico.
Boltansky
(1979)
apontava
a
relação
médico/paciente
como
dependente dos sistemas de classe e das habilidades lingüísticas dos
pacientes para compreenderem, experienciarem e expressarem as
sensações orgânicas. Essa percepção fez com que a relação
psicoterapêutica começasse a ser problematizada, como nos trabalhos
de Bernstein(1980), pelo viés das estruturas lingüísticas, que
capacitariam (ou não) os pacientes a se submeterem a uma terapia.
Uma vez que as práticas psi se fundamentam em teorias geradas no
interior do código lingüístico elaborado, os pacientes que dele
compartilham (classe média e alta) mostrariam uma maior adequação
para se submeterem a um processo terapêutico. Paralelamente, os
impasses encontrados no desenvolvimento das psicoterapias, nas
Psicanálise: Divã de Procusto?
instituições, foram entendidos como dificuldades e inadequação dos
pacientes de baixa renda a esse tipo de atendimento, posto que esses
pacientes possuiriam um código lingüístico muito restrito que não os
permitiria usar algumas habilidades lingüísticas necessárias a um
processo terapêutico (BERNSTEIN, 1980). A noção bernsteiniana –
segundo a qual diferentes classes sociais possuem diferentes processos
de socialização que, por sua vez, engendram diferentes estruturas
subjetivas, tornando os indivíduos mais ou menos adequados às
práticas
psicológicas
questionamentos
–
acerca
acabou
da
produzindo
possibilidade
uma
de
série
se
de
trabalhar
psicoterapicamente para além dos grupos sociais estruturados a partir
de um universo simbólico individualista, disciplinar e intimista.
A psicanálise pressupõe uma dupla trabalhando, então podemos
formular a seguinte questão: a capacidade de compreensão de um não
depende da capacidade de comunicação do outro? Qualquer que seja o
caso que estejamos atendendo sempre é necessário adequar a
linguagem ao nosso paciente.
Além disso, como pontuou Freud3, nenhum psicanalista avança
para além do quanto lhe permitem os seus próprios complexos e
resistências internas. Dessa forma, Freud adverte que o essencial é
que o próprio terapeuta se submeta também à sua análise pessoal de
Psicanálise: Divã de Procusto?
forma a aprofundar-se continuadamente, para que possa discriminar o
que é conteúdo seu e o que é do paciente.3 Freud afirmava que o
analista deve tornar o seu próprio inconsciente um órgão receptor, na
direção do inconsciente transmissor do paciente, acentuando que
deveria se ajustar ao paciente como um receptor que se ajusta ao
microfone transmissor.4
Algumas reflexões sobre as diferenças e semelhanças da
prática psicanalítica em diversos contextos
Transferência
Instituição de saúde:
Em instituições de saúde parece que o nome da instituição
funciona inicialmente como referência à procura, de forma que
primeiro a transferência se dá com a instituição.
Casa da sopa:
De início pudemos notar a idealização que o responsável pela
instituição tinha a nosso respeito. Acreditava que éramos melhores que
os profissionais de sua cidade com os quais não teve uma boa
experiência. Percebemos que houve, no início, uma transferência do
administrador para com os profissionais voluntários. Podemos pensar
que esta influenciou os pacientes que foram encaminhados pelo
Psicanálise: Divã de Procusto?
mesmo. O fato de sermos provenientes de um grande centro urbano,
assim como o trabalho realizado inicialmente pela psicóloga nessa
instituição ter despertado no administrador uma boa impressão
contribuiu para uma transferência positiva. Nota-se na comunidade
uma supervalorização de profissionais que “vem de fora”.
Apesar dessa transferência inicialmente poder ocorrer com a
instituição,
temos
observado
que,
no
decorrer
do
trabalho
psicoterapêutico, ela irá se dirigir inevitavelmente para o terapeuta.
Consultório:
Usualmente o paciente escolhe o profissional em função da
indicação que é feita associada a determinados adjetivos que irão
direcioná-lo para essa escolha. Porém, atualmente, algumas situações
novas tem ocorrido em função da prática atual dos convênios. O
paciente pode escolher através de nominata ou encaminhamentos o
que implica numa escolha restrita dos profissionais. Nesses casos, o
paciente faz uma escolha objetiva em função do endereço ou da
disponibilidade de atendimento imediato e\ou subjetiva em função da
confiança transferida do profissional que indica para o profissional
indicado ou as possíveis fantasias despertadas pelo nome escolhido.
Pensamos que o importante é que em qualquer um desses
contextos, instituição, consultório particular ou convênio, que fique
Psicanálise: Divã de Procusto?
resguardado um “setting” para que a transferência ocorra e seja
trabalhada.
Privacidade:
Em virtude dessa instituição não ter experiência com o trabalho
psicoterápico algumas interferências ocorrem por pessoas que lá
trabalham, o que tem sido possível manejar adequadamente e
esclarecer alguns aspectos do nosso trabalho.
Tempo: frequência das sessões e tempo de duração:
Consultório particular: Nas clínicas após a introdução dos convênios o
profissional tem se deparado com uma limitação do número de sessões
que varia de convênio para convênio sendo de, no mínimo, 12 sessões.
No consultório particular não há, em tese, restrição do número
de sessões, o que não impede de haver uma restrição, de fato, da
parte do paciente ou terapeuta (interrupção do tratamento por uma
das partes).
Na instituição em que estamos trabalhando não existe esta
restrição tal qual no consultório. Profissionais e pacientes podem dar
continuidade ao trabalho pelo tempo que acharem necessário.
Psicanálise: Divã de Procusto?
De um modo geral o que o paciente deseja é ver seu sofrimento
mitigado
independentemente
do
tempo
que
isso
levar,
preferencialmente o mais rápido possível.
Remuneração:
Consultório:
Na clinica particular a remuneração ocorre sem intermediários.
Na instituição pública o pagamento é realizado pela instituição.
Na Casa da Sopa o atendimento, por ser voluntário, não envolve
remuneração.
Para Freud a relação estabelecida pelo paciente com o dinheiro
representa a sua forma singular de organizar e distribuir seus
investimentos libidinais.5
Dessa forma, na clínica, o terapeuta deve estar atento a como o
seu paciente lida com essa questão.
Tendo em vista esta hipótese de Freud e a importância que ele
atribui à questão do pagamento, o que podemos pensar em relação ao
tratamento não remunerado?
Psicanálise: Divã de Procusto?
Vamos tentar responder com outras perguntas:
Será que essa é a única forma de observarmos essa questão
levantada por Freud? Pensamos que a forma como o indivíduo
administra seus investimentos quer sejam libidinais, agressivos ou
amorosos, pode ser observada de várias outras maneiras.
Será que, por estar trabalhando sem remuneração, o terapeuta
não irá exigir, inconscientemente, outras formas de pagamento? Por
exemplo,
apresentar
melhoras,
demonstrar
interesse,
comprometimento com o trabalho ou qualquer outro tipo de
reconhecimento por parte do paciente? Pensamos que isso vai
depender de cada terapeuta, do quanto ele conhece de si mesmo
nestas questões, o que não difere do que se espera de um terapeuta
em qualquer contexto que envolva expectativas ou desejos em relação
ao paciente. Espera-se que esses desejos e expectativas sejam
conhecidos para não serem atuados.
O fato de não envolver dinheiro não significa que não exista
remuneração. Na nossa experiência, sentimo-nos remunerados, ou
melhor, gratificados por fazer parte de um projeto em que acreditamos
por vermos seus efeitos, além da possibilidade de compartilhar essa
prática com os colegas, acompanhada de supervisão com um
profissional experiente.
Psicanálise: Divã de Procusto?
Conclusão:
Entre outras coisas, observamos que o “setting” que vai
proporcionar o uso dos conhecimentos psicanalíticos começa com o
tipo de contrato e conversa que propomos aos nossos pacientes, uma
conversa muito diferente da que eles estão acostumados (pensamos
que não apenas os dessa instituição em particular).
Normalmente as pessoas são ensinadas a pensar para falar. A
gente pede que eles digam o que vem à cabeça, no lugar de pedir
exames ou fazer perguntas diretivas. Uma conversa onde o foco não é
a doença, mas o paciente e o que acontece entre nós.
Acreditamos que esse tipo de conversa diferente (resguardando
os princípios psicanalíticos essenciais) faz toda a diferença.
Referências:
1)
FREUD,
Sigmund
(1919)
Linhas
de
progresso
na
terapia
psicanalítica. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. Vol. XVII.
2) PINHEIRO, Nadja Nara e VILHENA, Junia de. Entre o público e o
privado: a clínica psicanalítica no ambulatório hospitalar. Arq. bras.
psicol. 2007. Vol.59, n.2.
Psicanálise: Divã de Procusto?
3) FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável (1937). In:
Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,1980. Vol. XXIII.
4) FREUD, Sigmund. A dinâmica da transferência (1912), In: Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Vol. XII.
5)
FREUD,
Sigmund.
Sobre
o
início
do
tratamento
(novas
recomendações sobre a técnica da psicanálise I). In: Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 1913. Vol. XII.
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