CLIMATOLOGIA DINÃMICA DA REGIAO AMAZONICA

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Revista Brasileira de Meteorologia; 1987; Vol. 2, 107-1 17
CLIMATOLOGIA DINÃMICA DA REGIAO AMAZONICA:
MECANISMOS DE PRECIPITAÇAO
LUIZ CARLOS BALDICERO MOLION
Ministbrio da Ciência e Tecnologia - M C
Instituto de Pesquisas Espaciais - INPE
C.P. 515 - São Jos6 dos Campos, SP
RESUMO
São discutidas as configurações da circulação troposférica sobre a Bacia Amazônica e sua
relação com a distribuição de precipitação. De uma maneira geral, a precipitação durante
o verão está intimamente ligada com a posição de um sistema de alta pressão nos altos
níveis da troposfera, que domina a circulação da América do Sul e cujo centro geralmente
se forma.sobre a Bolívia. Este sistema se enfraquece e move-se para o norte durante o
outono e inverno, e ao mesmo tempo os setores sul e leste da Amazônia experimentam
sua estação seca. A variabilidade da precipitação pode ser parcialmente devida a zonas de
convergêricia persistentes originadas de ou associadas com sistemas frontais do Hemisfério
Sul, que organizam convecção profunda sobre o Brazil tropicai. A brisa marítima, que
afeta a costa norte, é um fator importante na organização de linhas de instabilidade.
Outra possível origem dessas linhas, especialmente as que se formam durante a noite, é
a convergência da brisa terrestre com as perturbações no campo dos ventos alísios. Essas
perturbações podem estar sendo causadas por penetrações profundas de sistemas frontais
de ambos hemisférios nos subtrópicos. As vezes, essas linhas de instabilidade propagamse continente a dentro, permanecendo ativas por períodos de até 48 horas, durante os
quais elas âtravessam a Bacia Amazônica, chegando até aos contrafortes dos Andes.
ABSTRACT
The tropospheric circulation patterns and i t s relation to rainfall in the Amazonas
Basin are discussed. The general pattern of precipitation, during the summer, is closely
linked to the position of an upper tropospheric high pressure system which dominates
the circulation over South America and whose center generally forms over Bolivia. This
system weakens and moves northward during fall and winter while southern and eastern
portion of the Amazonas Basin experience a dry season. Variability in the rainfall pattern
may be due partially to persistent convergence zones, originating from or associated
with Southern Hemisphere frontal systems, which greatly organize convection over
tropical Brazil. The sea breeze circulation, which affects the northern coast of Brazil, is
an important factor in organising instability lines. Another possible origin of instability
lines, especially the ones forrning during the evening, is the convergence of land-breeze
and disturbances in the easterlies. These disturbances may be caused by deep penetration
in the subtropics of frontal systems from both hemispheres. At times, these lines propagate inland remaining active for up to 48 hours, in which time they cross entire basin,
reaching the Andes.
O clima de uma região é determinado por fatores,
denominados controles climáticos, que atuam tanto na
escala global como na regional. Os mais importantes são
a circulação geral da atmosfera (CGA), a topografia local,
a natureza da cobertura vegetal, o-'ciclo hidrológico e a
influência de correntes oceânicas se a região for costeira.
A CGA, que 6 uma consequência da distribuição latitudinal da energia solar e da distribuição assirnétrica de continentes e oceanos, impõe as características gerais do clima
regional. O ciclo hidrológico nâio só 6 um componente do
clima em si, mas também da paisagem biogeofísica. Sua
influência no clima não se resume apenas às interações
entre a umidade atmosférica, precipitação e escoamento
superficial. Devem ser levados em conta, t a m b h , as grandes quantidades de energia que são absorvidas e liberadas
durante os processos de mudança de fase sofridos pela
substância água.
Este trabalho trata das circulaç6es de macro e mesoescalas que atuam na Regiâio Amazônica e os mecanismos
dinâmicos que organizam e promovem precipitação naquela
drea.
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Luiz Carlos Baldicem Molion
1. CIRCULAÇAOMÉDIA DE LARGA ESCALA
Até recentemente a circulação m6dia da troposfera
sobre a Amazônia tinha sido estudada usando dados convencionais de radiossondagens de algumas poucas estações
existentes. Por exemplo, Newell et a/., (1972) analisaram
os campos de função de corrente para 850 e 200 mb entre
450N e 45% mas suas análises incluem menos de dois anos
de dados de Manaus a Belém. Em trabalhos mais recentes
foram utilizadas séries mais longas de dados porém ainda
algumas poucas estações (e.g. Kayano, 1979;Sobral. 1979).
Por outro lado, foi demonstrado que os dados obtidos
por satélites geoestacionários (sbrie SMSIGOES), com grande cobertura espacial e alta frequência de imagens, podem
ser utilizados para estimar campos de temperatura e umidade e computar campos de vento, através dos deslocamentos
das nuvens. Virji (1981) foi o primeiro a utilizar esta tQcnica para estudar a circulação de verão sobre a AmBrica do
Sul. Kousky (1983) usou um conjunto de dados do Centro
Meteorológico Nacional dos EEUU (NMC/NOAA) para o
período 1970-75, que combina dados convencionais e de
satélites e revisou cartas médias de função de corrente
Figura 1 (e - d) - e) Linhas de função de corrente representendo o escoamento troposf6rico m6dio de Janeiro fver8o) e 850 mb: "A" refere
se ao centro de elte pressão.
b) Linhas db função de corrente representando o escoamento troposf6rico médio para Janeiro e 250 mb. (Continua. .i
.
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LONGITUDE ( W )
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Figura 1 (a d)
C) O mesmo que (a) s6 que para Julho (inverno) a 850 mb.
d) O mesmo que íb) só que para Julho a 250 mb. (Kousky, 1983).
para dois níveis 850 e 250 mb e para dois meses típicos:
Janeiro (verão) e Julho (inverno).
Estas cartas estão reproduzidas na Figura 1. Comparando as Figuras l a e I c para o Hemisfkrio Sul, nota-se que
ao nível de 850 mb os anticiclones (Al,do Atlântico e Pacífico subtropicais estão presentes em ambas as estações. No
inverno, o centro de anticiclone do Pacífico parece estar
ligeiramente deslocado, em direção ao equador, de sua
posição no verão, enquanto o anticiclone do Atlântico permanece aproximadamente na mesma latitude mas aproxi-
ma-se da costa da Ambrica do Sul. Parece, portanto, não
haver diferenças significativas no escoamento troposférico
mkdio dos baixos nfveis entre o inverno e o verão.
Ao nivel de 250 mb, no escoamento médio nota-se
uma variação sazonal pronunciada, de movimentos essencialmente meridionais em Janeiro (Figura l b ) para movimentos predominantemente de caráter zonal durante Julho
(Figura l d ) . A natureza meridional do escoamento de verão
B resultado direto do forte aquecimento da superfície com
liberação de calor sensível e de calor latente, este ultimo
Luiz Carlos Baldicero Molion
devido à condensação de umidade através de toda coluna
troposférica. Este aquecimento produz uma célula de circulação direta forçada termicamente com ar quente e úmido
subindo (convecção) sobre o continente e ar seco descendo
(subsidência) sobre as áreas oceânicas adjacentes. A Figura
2 é uma representação esquemática desta célula de circulação direta. De acordo com Gill (1980). contudo, o ramo
leste da componente zonal desta circulação, conhecida
como circulação de Walker, pode ser mais extenso que o
ramo oeste. Portanto, a subsidência ocorre sobre grande
área a leste do centro de ascensão. No caso da América do
Sul, o movimento subsidente estende-se desde o este da
Amazônia at6 o oeste da Africa, incluindo a parte do Nordeste do Brasil. O ramo ascendente desta circulação de
Walker provoca desenvolvimento intenso de nuvens convectivas e altas precipitações pluviométricas, enquanto o
ramo descetldente inibe a formação de nuvens e precipitação. Esta configuração é evidente na distribuição m6dia da
precipitação global apresentada na Figura 3: mais de
6 mm-dia-' sobre a Bacia Amazônica (ramo ascendente)
e menos de lmm-dia-' sobre os oceanos subtropicais (ramo
descendente).
A circulação termicamente forçada sobre a região
aquecida induz convergência de ar e baixa pressão atmosférica nos baixos niveis e divergência de ar e alta pressão nos
altos níveis (Alta da Bolívia). A variabilidade sazonal da
Alta Bolívia, tanto em intensidade como em posição, está
diretamente relacionada com a distribuição espacial e temporal da precipitação (Kousky e Kayano, 1981). Quando a
Alta se enfraquece e se move para o norte no inverno (Figuras l b e l d ) , os setores sul e leste da Amazônia experimentam sua estação seca, conforme pode ser visto nos mapas
de brilho médio de imagens visíveis de satélite (Figura 4).
O noroeste da América do Sul não apresenta estação seca.
Por volta de outubro, a Alta começa a se mover de volta
para sua posição média de verão e a estação seca vai terminando no sentido Brasil central para leste da Amazônia.
Outro elemento de circulação geral relacionado com
precipitação na costa nordeste da Amazônia 15 a Zona de
Convergência Intertropical (ZCIT) sobre o Atlântico equatorial. A ZCIT é formada pela confluhcia dos ventos alísios do Hemisfério Norte e os ventos alísio do Hemisfério
Sul. Hastenrath e Lamb (1977) mostraram que, sobre o
Atlântico, a ZCIT move-se progressivamente para o sul,
de sua posição limite-norte em Agosto, e alcança sua posição limite-sul no final do verão do Hemisfério Sul (Março).
A ZCIT é responsável pelas precipitações sobre as áreas
costeiras da Amazônia e do NE brasileiro. Alguns autores
(e.g. Trewartha, 1961; Ratisbona, 1976). mencionam a
existência de uma ZCIT continental durante o verão. A
Figura 5 mostra uma região de máximo de precipitação
na costa, próximo a foz do Amazonas, mas o outro máximo ocorre no interior do continente orientado de centrosul para noroeste com um mínimo apreciável entre os
dois. As imagens médias de satélite não apresentam evidência de uma banda de nuvens no sentido leste-oeste sobre o
continente, como ocorre sobre o Atlântico (Figura 4).
Sobre o continente, o escoamento na baixa troposfera,
afluentes de ambos hemisférios, podem estar se misturando
'lateralmente e verticalmente, devido à grande atividade
convectiva, sem manter uma zona de confluência nítida
(Taljaard, 1972).
As perturbações transientes podem ser classificadas
de acordo com sua escala de tempo, variando na convecção
local de microescala que tem um tempo de vida de minutos
e algumas horas, até grandes aglomerados de cúmulonimbos
de mesoescala, que são organizados por sistemas troposféricos extratropicais da macroescala e que podem durar até
vários dias. Nesta seção serão tratados primeiro as perturbações de mesoescala e depois aquelas associadas a circulação
de escala sinóptica.
CONV
Figura 2. Diagrama esquemarico representando a circulação que resulta do aquecimento diferencial entre o continente e os oceanos no verão.
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Figura 3. Distribuição da precipitaçso média global (rnm.dia-' i. Mapa preparado no GLAS com base nos dados de Jaeger (1976). Assetas
indicam a direção do deslocamento dos mdximos de precipitação entre o verflo e o inverno (cortesia de Dr. C.A. Nobre, INPE).
i;'
Figura 4. Nebulosidade média sobre a América do Sul. Mosaico preparado com imagens dos sat6lites de órbita polar (14:OO hs horbrio local)
para o período 1967-70 (Miller e Feddes, 1971i .
Luiz Carlos Baldicero Molion
Climatologia dinâmica da região AmazGniw: mewnismos de precipitação
113
2.1. Sistemas Tropicais de Mesoescala
Um número significativo de estudos sobre o comportamento e estrutura de sistemas tropicais de mesoescala
ou escala subsinóptica já foram realizados (veja e.g. Hastenrath, 1985), principalmente com dados coletados durante
o GATE.
Para a Amazônia, porém, não existe ainda um conjunto de dados adequados. A única fonte disponível para estudar a formação e propagação de sistemas de nuvens tem
sido os sinais de satélites associados com os esparsos dados
de superfície. Johnson ( 1970) observou a presenca de grande número de aglomerados de nuvens que se formavam e se
dissipavam diariamente. O desenvolvimento das células convectivas normalmente começa durante as horas da manhã,
caso não haja forçante de escala maior. Estas células sofrem
um processo de seleção através do qual, algumas crescem
formando aglomerados ou linhas, enquanto as menores são
dissipadas. A formação de uma linha ou aglomerado depende do escoamento troposférico médio conforme mostrado
esquematicamente na Figura 6. Com um campo de vento
moderado, as novas células convectivas formam-se B jusante
da célula original. As correntes descendentes da célula original funcionam como um rnini-sistema frontal levantando,
assim, o ar quente e úmido a sua frente. Estas novas células
formam uma linha arqueada (Figura 6a). Quando o vento
é muito fraco, as novas células circundam a célula original
em decaimentos formando um anel, com uma região de
subsidência no centro ou então dão origem a um aglomerado que continua a crescer às expensas das correntes descendentes ( Figura 6b).
Figura 6. Diagrama esquemático mostrando a formação de linhas de
instabilidade e aglomerados de cúmulos.
Cavalcanti (1982) demonstrou que a circulação de
brisa marítima organiza convecção sobre toda a costa próxima à foz do Amazonas. As linhas convectivas formam-se
na costa, ou fora dela, devido a convergência da brisa e se
deslocam para o interior, chegando a Belérn a tarde e dissipando-se após o por do sol, em conSèquência da redução
do contraste térmico. Existem ocasiões. porém, em que
essas linhas de instabilidades permanecem ativas por mais
de 48 hs e se propagam para leste, i.e. para o interior do
continente, alcançando muitas vezes a Cordilheira dos
Andes. Em menores proporções, elas podem ser compara-
Figura 7. Mosaico de imagens de satélites geostacionário mostrando
a propagaçzo de linhas de instabilidade (diagonais brancas) na Amazônia. (Kousky, 1983). Veja texto para detalhes.
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f lgurr 8. Isolinhat de desvios do total m6dio de precipitaçso para estação chuvosa (Fev-Mai) de 1958; os desvios foram normalizados com
relaçgo ao desvibpadflo da s6rie (Moura e Kayano, 1983).
Grandes reduções nos totais anuais de precipitação
parecem estar relacionadas com a ocorrência de eventos
fortes de El Nino-Oscilação do Sul (ENOS). Possível associgão entre ENOS e secas ou redução de precipitação
foram explicadas por Kousky et a/., (1984). Convecção
mais intensa que o normal .estabelece-sesobre as águas anomalamente quentes do Pacífico equatorial leste. O ramo
ascendente da circulação de Walker, que normalmente
se apresenta sobre o oeste da Amazônia é deslocado para
oeste sobre as águas mais quentes e intensificado pela
forte convecção. O ramo descendente cobre praticamente
toda a Amazônia e chega até a costa da África, causando
reduções notáveis da precipitação.
Moura e Kayano (1983) estudaram a distribuição de
precipitação de 1958 quando ocorreu um evento forte
de El Nino. A Figura 8 desse trabalho mostra as isolinhas
dos desvios com relação à média, normalizados pelo desviopadrão da série, para o período de Fevereiro-Maio. Sobre
partes do oeste da AmazBnia, NE do Brasil, Africa Central
e Sul, notam-se desvios negativos excedendo - 1.8 desvios
padrões. Viírios autores estudaram o evento de 1982183,
caracterizado com o El Nino mais forte do século (e.g.
Kousky et a/., 1984; Nobre e Rennó, 1985; Moura e
Kayano, 1986), com relação à variabilidade da precipitação na Amazônia. Para o período Janeiro-Maio de 1983,
Kousky e t a/., (1984) indicam que a precipitação, para
algumas estações selecionadas, foi 30% abaixo da normal;
Nobre e Rennó (1985) utilizando todas as estaçaes disponlveis, concluem que para o período Janeiro-Fevereiro
de 83, a precipitação foi 70% abaixo da normal e Fevereiro
de 83 foi o mês mais seco dentre os últimos 50 anos.
Outros mecanismos dinamicos podem causar variabilidade na precipitação como, por exemplo, a intensificação da circulação de Hadley quando a ZCIT permanece
mais ao norte de sua posição normal. Moura e Shukla
(1981) mostram que quando a temperatura de superfície
do mar (TSM) no Atlântico Norte subtropical está mais
alta que a normal e ao mesmo tempo as TSM do Atlântico
Sul subtropical mais baixas, o ramo descendente da célula
de Hadley é intensificado, causando fortes movimentos
subsidentes sobre a Amazônia central e leste e bloqueios no
escoamento troposfbrico. Conforme foi mencionado
anteriormente, sistemas frontais do Hemisfério Sul que
penetram profundamente nos subtrópicos organizam convecção sobre a Amazônia. Esta penetração é afetada pelos
bloqueios troposféricos que ocorrem sobre o continente
e áreas adjacentes do Pacífico. Em anos com alta frequdncia
de bloqueios, um número menor de sistemas frontais
alcançam a Amazônia e a precipitação é reduzida.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As condições meteorológicas na AmazBnia são afetadas por um amplo espectro de fenomenos que variam desde
a escala de convecção-cúmulo at6 as configurações da circulação de escala global. Linhas de instabilidade associadas
com brisa marítima e perturbações nos ventos allsios,
causados por penetraçaes profundas de sistemas frontais
nas regiaes subtropicais bem como a convecção organizada
por sistemas frontais do Hemisfbrio Sul, posicionados na
costa em torno de 200s e orientados NW-SE, parecem
Climatologia dinsmica da região Amai6niw: mecanismos de precipitaação
das a sistemas frontais extratropicais. O ar atrás da frente é
originário das correntes descendentes dos cúmulonimbos
que formam a linha e tem características termodinâmicas
distintas do ar quente e úmido na vanguarda do sistema;
esse ar será levantado pelo sistema, propiciando a forma:
ção de novas células. Com a aproximação das linhas, o
vento também muda de direção, passando a soprar do quadrante SE-SW e, após sua passagem, torna-se novamente
do quadrante leste. Durante à noite, elas apresentam-se
menos ativas, mas no dia seguinte intensificam-se devido
ao forte aquecimento superficial. Essas linhas podem se
propagar com velocidades de cerca de 100 de longitude
por dia. A Figura 7 (Lousky, 1983). que mostra um exernplo dessas linhas, foi construída usando a técnica descrita
por Wallace (1970). O mosaico é composto de setores de
imagens do satélite geoestacionário GOES, estendendo-se
de 50N a 50s de latitude, começando às 03:18TMG do
dia 21 de Janeiro de 1980 e terminando às 21:18TMG
do dia 25 de Janeiro, com intervalo de 3 horas entre cada
imagem. A propagação das linhas de instabilidadesé indicada pela banda branca em diagonal formada pela nebulosidade. Estas linhas podem atingir comprimentos superiores
a 1000 km, enquanto aquelas formadas pelo processo representado na Figura 6a raras vezes excedem essa marca.
A convergência da brisa marítima pode não ser o
único mecanismo dinâmico a propiciar a formação destas
pertulbações transientes. Foi observado que algumas dessas
linhas formam-se ao longo da costa durante a noite. Tais
linhas parecem estar associadas a penetrações profundas
nos subtrópicos, próximos ao equador, de sistemas frontais
extratropicais provenientes de ambos os hemisférios. Essas
penetrações profundas causam perturbações no campo dos
alísios, que se propagam para oeste e encontram a brisa
terrestre, criando, então, zonas de convergência e de convecção profunda ao longo da costa. Essas penetrações
profundas parecem ocorrer preferencialmente no período
Dezembro-Abril, na ausência de bloqueios atmosféricos.
Em outras ocasiões, observou-se a formação de linhas de
instabilidade já no interior da Amazônia. Este tipo de
linha psde estar associado a intrusões de ar frio, proveniente do Hemisfério Norte, semelhantes às que causam
os "Nortes" na America Central e no Caribe, descritas
em Hastenrath (1985).
zando a convecção local e influenciando na precipitação.
Kousky (1979), por exemplo, reporta um estudo de caso
de um sistema frontal em Janeiro que, movimentando-se
ao longo da costa do Brasil em direção ao equador, provocou o deslocamento do máximo de precipitação de sua
posição média na Amazônia central para o leste da.Amaz6nia e NE do Brasil. A precipitação no oeste da Amazônia
foi reduzida pelo movimento subsidente compensatório,
que inibiu a convecção. Recentemente, Oliveira (1986)
inspecionando imagens de satélites geoestacionários, mostrou que muitos sistemas frontais se deslocam ao longo
da costa brasileira, às vezes até latitudes subtropicais,
sobretudo durante.0 verão do Hemisfério Sul, organizando
e intensificando a convecção na Amazônia. Em geral,
esses sistemas frontais posicionamse entre 15%-250S,
orientados no sentido NW-SE. Existem anos em que esses
sistemas frontais permanecem quase-estacionários nessa
posição, resultando em grandes quantidades de precipitação sobre a região dos afluentes da margem direita do
Amazonas que apresentam, então, grandes cheias. Não
se conhece muito bem a causa da persistência dos sistemas
frontais estacionários. Aparentemente, parece estar relacionado com bloqueios no escoamento troposf6rico do
Hemisfério Sul sobre o Pacífico entre 30-400s de latitude
e 90-1000W de longitude. Esta situação está ligada com o
fortalecimento do jato subtropical sobre a costa leste do
Brasil, em torno de 20% de latitude, que por sua vez,
auxilia na manutenção dos bloqueios. É provável, então,
que o máximo secundário de precipitaçãd que ocorre na
Amazônia Central (Figura 5) esteja associado à convecção
resultante desses sistemas frontais.
possível, também, que sistemas frontais do Hemisfério Norte influenciem diretamente na precipitação da
Amazônia. Molion et al., (1987) apresentaram um estudo
de caso para Fevereiro de 1980 em que a passagem de sucessivos sistemas frontais sobre o Atlântico subtropical norte
propiciaram penetrações de ar relativamente' mais frio
daquele hemisfério no norte da AmBrica do Sul. O ar frio
contribuiu para organização de banda de nuvens convectivas, no sentido leste-oeste, em torno de 70s de latitude,
que foi intensificada pelos sistemas frontais provenientes
do sul do continente. Esses eventos ocasionaram grandes
precipitações na Amazônia, Centro Oeste e NE do Brasil.
2.2. Influênciasde Escala Sinóptica
3. VARIABILIDADE INTERANUAL DA PRECIPITAÇAO
Vários autores têm descrito os efeitos de penetrações
de sistemas frontais do Hemisfério Sul durante o inverno
desse hemisfério (e.g. Trewartha, 1961; Brinkman et al.,
1971; Parmenter, 1976; Ratisbona, 1976). A maior parte
dessas descrições enfatizam os rápidos decr6scimos de
15-200C na temperatura, que duram' de 3 5 dias, e suas
consequências para o ambiente. Tais fendmenos são denominados localmente de "friagem".
Ocorre, porém, que esses sistemas frontais podem
penetrar na Amazbnia em qualquer Bpoca do ano, organi-
Nos trópicos, o parâmetro climatológico mais importante é a precipitação. As causas físicas de sua variabilidade
interanual na Amazania ainda não são bem conhecidas
mas certamente estão ligadas às flutuações de macroescala,
principalmente as da intensidade da circulação de HadleyWalker. Estas flutuações. por sua vez, estão relacionadas
com a intensidade e a variabilidade, tanto espacial como
temporal, das fontes de calor latente nas regiões equatoriais.
Luiz Carlos Baldicero Molion
explicar os máximos e minimos alternados, característicos da
distribuição da precipitação rnédia anual. As interações
entre essa gama de processos são importantes na determinação da distribuição da precipitação e sua variabilidade
anual. Uma das principais preocup~õesno que se refere às
mudanças climáticas é o papel do homem em transformar
inadvertidamente a superfície de grandes áreas continentais
através da remoção de vegetação natural. Um desmatamento em grande escala na Região Amazônica pode interferir
com o clima regional e possivelmente com o clima do globo.
É provável que o desmatamento reduza a evaporação local
conforme indicam experimentos numéricos (e.g. HendersonSellers and Gornitz, 1984). Considerando que na
Amazônia a fonte local de umidade para o processo de precipitação é da mesma magnitude que a umidade advectada,
a redução da evaporação mudaria o ciclo hidrológico reduzindo, provavelmente, a precipitação. A floresta, composta de várias camadas de copas e camada de serrapilheira,
intercepta cerca de 20% da precipitação anual. A precipitação interceptada é reciclada diretamente sem participar
do ciclo de umidade do solo. Quando a cobertura florestal
for removida, a chuva que anteriormente era interceptada
estará disponível para aumentar o escorrimento superficial,
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e possivelmente níveis de rios mais baixos na estação seca.
A região Amazônica com uma área de cerca de 7 x 106 km2
é uma das mais importantes fontes de calor para a Circulação Geral da atmosfera (Kasahara e Mizzi, 1983). Porém,
ainda não se tem conhecimento adequado da magnitude
dessa fonte e como a redução de precipitação local e de
calor latente associado, afetaria a quantidade total de energia que é transportada em direção aos pólos e, consequentemente, o clima do globo.
Existe, portanto, uma necessidade urgente de quantificar as interações entre a floresta e a atmosfera e modelar
as possíveis mudanças que venham a ocorrer no ciclo
hidrológico e no clima do globo em decorrência de desmatamentos em grande escala.
AGRADECIMENTOS
O autor agradece a Dra. Marlene Elias Ferreira pela
revisão do manuscrito e Maria de Fátima Santana Massunaga pela datilografia. Este trabalho foi baseado em um
-Relatório Técnico do INPE (INPE-2030-RP11050) escrito
por V.E. Kousky e L.C.B. Molion.
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