Diagnóstico Análise da Movimentação Dentária (VTO dentário) Adriano César Trevisi Zanelato*, Hugo José Trevisi**, Reginaldo César Trevisi Zanelato***, André César Trevisi Zanelato*, Renata Chicarelli Trevisi**** Resumo Este presente artigo teve por finalidade demonstrar, simplificadamente, o manejo da Análise de Movimentação Dentária (VTO dentário) em todas as suas fases, com demonstração clínica de um diagnóstico ortodôntico, buscando, após identificar a quantidade e a direção de movimentação dos dentes posteriores e anteriores, elaborar uma biomecânica ortodôntica compatível com os resultados da análise dentária. Palavras-chave: Ortodontia. Biomecânica. VTO dentário. *Mestre em Ortodontia pela UMESP. Professor do Curso de Especialização em Ortodontia pela APCD de Presidente Prudente (SP). Coordenador do Curso de Especialização da ABCD-MT. **Coordenador do Curso de Especialização em Ortodontia pela APCD de Presidente Prudente. Idealizador da Filosofia MBT™. ***Mestrando em Ortodontia pela UMESP. Professor do Curso de Especialização em Ortodontia da APCD de Presidente Prudente (SP). Professor do Curso de Especialização em Ortodontia pela ABCD-MT. ****Mestre em Ortodontia pela UNICID. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 59 Análise da Movimentação Dentária (VTO dentário) Introdução A Ortodontia sempre se mostrou uma especialidade de alta complexidade, tanto no âmbito de diagnóstico e planejamento como na organização biomecânica. A biomecânica ortodôntica torna-se ainda mais difícil quando não obtém informações precisas na fase de diagnóstico e planejamento ortodôntico, no que se refere à direção e à quantidade da movimentação realizada pelos dentes posteriores, representados pelos primeiros molares, e informações da movimentação dos dentes anteriores, representados pelos caninos. A Análise de Unidade de Espaço foi inicialmente desenvolvida por Andrews, mas foi amplamente estudada e simplificada, estando disposta nos dias atuais de maneira compreensível, graças a estudos e modificações realizadas por McLaughlin e Trevisi, que a dividiram em 3 fases: 1) Análise da posição inicial e da movimentação dentária; 2) Cálculo das unidades de espaços requeridas (UER); 3) Cálculo das unidades de espaços disponíveis (UED). A primeira fase, a análise da posição inicial e da movimentação dentária, destina-se a informar a análise da relação interarcos e da posição da linha média. Posteriormente, quantificar o apinhamento anterior, o apinhamento posterior, a profundidade da curva de Spee, o desvio da linha média e a posição planejada para o incisivo Primeiro molar superior direito Primeiro molar inferior direito Linha média superior Linha média inferior Primeiro molar superior esquerdo Primeiro molar inferior esquerdo Figura 1 0 Figura 2 60 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 inferior no final do tratamento ortodôntico. Somando-se estes dados, a análise fornece a direção e a quantidade do movimento dos caninos e, também, o total de problema do arco dentário inferior. Baseado nestas informações, executa-se a movimentação dos caninos, iniciando assim as movimentações dentárias necessárias para a execução da biomecânica ortodôntica (propósito de movimento). A segunda e a terceira fases são realizadas sob informações obtidas da primeira fase, ou seja, são os complementos da primeira fase, onde quantificamos o total de movimentações dentárias, transformado em unidades de espaço, já posteriormente descritas por Martins3. E na terceira fase são definidos os aparelhos ortodônticos necessários, capazes de promover os movimentos planejados. Neste artigo não iremos tecer informações a respeito destas duas últimas fases. Sendo assim, propusemos por meio deste trabalho exemplificar com informações teóricas e clínicas toda a primeira fase do VTO dentário, denominada Análise de Movimentação Dentária (VTO dentário). MANEJO DA ANÁLISE DE MOVIMENTAÇÃO DENTÁRIA (VTO DENTÁRIO) Posição inicial da relação interarcos (1a chave de Andrews1) e das linhas médias Com os modelos de gesso articulados do paciente define-se a relação interarcos, ou seja, a primeira chave de Andrews1 e não mais o erro molar, segundo a classificação de Angle2. Define-se também a posição das linhas médias. Esses dados são lançados no diagrama da figura 1. Relação interarcos Se o paciente apresentar uma relação interarcos de Classe I, o valor lançado no gráfico será zero, como mostra a figura 2. Se o paciente apresentar uma relação interarcos de Classe II ou de Classe III, define-se em qual arco dentário encontra-se o erro, ou em qual 0 Adriano César Trevisi Zanelato, Hugo José Trevisi, Reginaldo César Trevisi Zanelato, André César Trevisi Zanelato, Renata Chicarelli Trevisi arco dentário o tratamento ortodôntico irá se expressar. Assim o valor do erro da relação interarcos poderá ser creditado ou para os molares superiores ou para os molares inferiores. Posição das linhas médias O mesmo procedimento se faz no lançamento da posição da linha média. Se as linhas médias estiverem centralizadas, o valor lançado será zero, se houver desvios devemos diagnosticar qual das linhas médias está desviada, lançando o valor correspondente ao desvio, como mostra a figura 3, que apresenta desvio da linha média superior e inferior. No exemplo da figura 3, a linha média superior apresenta 1mm de desvio para o lado direito e a linha média inferior apresenta-se desviada 2mm para o lado esquerdo. O valor lançado no gráfico será somente o valor do desvio da linha média inferior. Definição dos problemas do arco dentário inferior Os valores que serão lançados na análise são na maioria negativos, pois são problemas. O desvio da linha média e a projeção da posição final dos incisivos é que poderão receber valores positivos. Se o diagnóstico ortodôntico projetar um aumento da protrusão dos incisivos, os valores lançados relacionados à incli- nação dos incisivos (P. Inc.) tornar-se-ão positivos. Todos os valores somados (A3/3 + Spee + L.M. + P.Inc.) irão determinar o total de movimento dos caninos (T 3/3). Se este resultado for negativo indica que o canino sofrerá um movimento de distalização e se o resultado for positivo indicará mesialização dos caninos. Apinhamento ântero-inferior (A 3/3) O apinhamento ântero-inferior é quantificado medindo-se da linha média dentária até a distal do canino do lado direito e do lado esquerdo. Não se deve quantificar todo o apinhamento anterior, de canino a canino, e dividir respectivamente para cada lado (Fig. 4). Apinhamento posterior (A 6/6) Uma vez computado o apinhamento anterior, para informar a quantidade de apinhamento posterior, de molar a molar, basta quantificar o apinhamento da região dos pré-molares. Não havendo apinhamento na região dos pré-molares o apinhamento posterior é idêntico ao apinhamento anterior. Se, por ventura, existir apinhamento na região dos pré-molares, o valor a ser lançado na análise é o valor deste apinhamento somado ao valor do apinhamento anterior. O exemplo da figura 5 não apresenta apinhamento na região dos pré-molares. Arco Inferior A 3/3 1 -3 -5 A 6/6 Spee 2 L.M. P. Inc. T 3/3 T 6/6 Figura 3 Figura 4 - Os valores lançados no gráfico são negativos. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 61 Análise da Movimentação Dentária (VTO dentário) D E A 3/3 -3 -5 A 6/6 -3 -5 Spee L.M. P. Inc. T 3/3 T 6/6 Figura 5 Profundidade da curva de Spee Para definir o valor da curva de Spee mede-se o lado direito e também o lado esquerdo, seguindo as orientações de Steiner4, que estabelece 0,5mm para cada 3mm de profundidade da curva de Spee. E para uma profundidade maior que 3mm lança-se 1mm de problema. A curva de Spee é considerada problema, pois o seu nivelamento resulta em aumento da protrusão dos incisivos, que normalmente não é interessante para a mecânica ortodôntica. O exemplo da figura 6 mostra uma curva de Spee de profundidade menor que 3mm, por este motivo o valor lançado é zero. o incisivo inferior normalmente é utilizada para facilitar a biomecânica ortodôntica. Toda projeção que determinar um aumento da protrusão do incisivo inferior, conseqüentemente aumenta o perímetro do arco dentário, se ganha espaço no arco dentário, assim o valor a ser lançado na análise será positivo. Quando realizar retrusão do incisivo inferior, este procedimento consome espaço, então, o valor a ser lançado é negativo. Se a biomecânica planejada não provocar alteração na posição do incisivo, o valor correspondente na análise será zero. O valor creditado na análise se dá pela diferença do valor de 1-NB inicial com a projeção de 1-NB final (Fig. 8). Linha média Somente será lançado na análise o desvio da linha média inferior, seguindo orientação de aspectos faciais, para determinar a posição das linhas médias. Uma característica que indica o desvio da linha média inferior é quando o paciente apresenta quantidades de apinhamentos diferentes em ambos os lados. A linha média é lançada na análise já corrigida, ou seja, para o lado que a linha média apresenta-se desviada será lançada com um sinal positivo e o lado oposto, ou seja, para onde a linha média será desviada, o sinal é negativo. Este procedimento se dá pelo fato que para se corrigir a linha média, se ganha espaço do lado do desvio e consome-se espaço do lado em que a linha média tem que desviar (Fig. 7). Total do movimento dos caninos (T3/3) A somatória do apinhamento de canino a canino (A 3/3), da profundidade da curva de Spee, do desvio da linha média e da projeção final dos incisivos indica a direção e a quantidade dos movimentos dos caninos. Lembrando que os valores lançados em sua grande maioria são negativos. Sendo assim, se o resultado que indica o movimento dos caninos (T3/3) apresentar um valor negativo, significa que o canino será distalizado. Se o valor somado apresentar um resultado positivo indica que o canino será mesializado (Fig. 9). Protrusão desejada do incisivo inferior Após quantificar todas as informações anteriores, interpretar a análise cefalométrica e facial, conhecer a queixa do paciente e saber do que somos capazes profissionalmente e o que o paciente aceita biologicamente, assim projetamos, embasados no bom senso, a posição final do incisivo inferior. Essa alteração planejada para 62 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 Total de problemas de molar a molar (T6/6) A somatória do apinhamento de molar a molar (A 6/6), da profundidade da curva de Spee, do desvio da linha média e da projeção final dos incisivos indica o total de problema do arco dentário inferior (Fig. 10). Propósito de movimentos Com a definição da direção e da quantidade dos movimentos realizados pelos caninos inferiores (T 3/3), iniciamos o propósito de Adriano César Trevisi Zanelato, Hugo José Trevisi, Reginaldo César Trevisi Zanelato, André César Trevisi Zanelato, Renata Chicarelli Trevisi D E A 3/3 -3 -5 A 6/6 -3 -5 Spee 0 0 D E L.M. P. Inc. T 3/3 T 6/6 Figura 6 A 3/3 -3 -5 A 6/6 -3 -5 Spee 0 0 L.M. -2 +2 D E A 3/3 -3 -5 A 6/6 -3 -5 Spee 0 0 L.M. -2 +2 P. Inc. -1 -1 P. Inc. T 3/3 T 6/6 Figura 7 ANB = 1 . NA = 1 . NB = y x T 3/3 1 . Pl. Mand = P. Inc. = x - y T 6/6 Figura 8 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 63 Análise da Movimentação Dentária (VTO dentário) D E A 3/3 -3 -5 A 6/6 -3 -5 Spee 0 0 L.M. -2 +2 P. Inc. -1 T 3/3 -6 D E A 3/3 -3 -5 A 6/6 -3 -5 Spee 0 0 L.M. -2 +2 -1 P. Inc. -1 -1 -4 T 3/3 -6 -4 T 6/6 -6 -4 T 3/3= A3/3 + Spee + L.M. + P. Inc. T 6/6 Figura 9 movimentos. Sempre pela movimentação dos caninos inferiores, determinado pelo valor do T 3/3. O número 7, lançado no gráfico da figura 11, indica o tamanho mésio-distal do pré-molar que foi extraído. Assim o próximo dente a ser movimentado é o molar inferior, sendo que este movimento é determinado pela diferença do tamanho mésio-distal do dente extraído ou do espaço existente na região posterior do arco dentário, com a movimentação dos caninos. Determina-se o tamanho do dente extraído ou do espaço existente, movimenta-se o canino e o espaço remanescente é fechado pelo movimento do molar (Fig. 12). A movimentação do arco dentário superior inicia-se pelo movimento do molar, ao contrário da movimentação do arco dentário inferior, que começou com o movimento dos caninos. Relacionando-se o movimento realizado pelo molar inferior com a relação interarcos inicial do paciente. No exemplo abaixo o paciente apresentava uma relação interarcos de Classe I, e o molar inferior movimentou 1mm do lado direito e 3mm do lado esquerdo para mesial, entrando assim numa relação de Classe III. Para retornar a Classe I, temos que movimentar também o molar superior a mesma quantidade da movimentação do molar inferior (Fig. 13). Determinado o movimento do molar, observa-se o espaço existente no arco dentário superior, proporcionado pela extração ou por espaços existentes, assim a diferença, ou seja o espaço remanescente, é fechada pela distalização do canino superior. Este é o último dente a ser movimentado e a sua movimentação depende do movimento realizado pela diferença do movimento do molar superior com o espaço do dente extraído ou dos espaços existentes (Fig.14). Conclusão Após o término de todos os passos da Análise de Movimentação Dentária (VTO dentário), é importante observar as informações obtidas e conduzí-las na elaboração da biomecânica a ser utilizada no 64 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 T 6/6= A6/6 + Spee + L.M. + P. Inc. Figura 10 (7) 4 6 (7) Figura 11 1 (7) 6 4 (7) 3 Figura 12 0 0 1 1 (7) (7) (7) 6 4 3 (7) 3 Figura 13 0 0 Figura 14 1 (7) 6 4 (7) 1 (7) 6 4 (7) 3 3 Adriano César Trevisi Zanelato, Hugo José Trevisi, Reginaldo César Trevisi Zanelato, André César Trevisi Zanelato, Renata Chicarelli Trevisi tratamento ortodôntico. Assim, observando o exemplo demonstrado, verifica-se que as mecânicas aplicadas nos lados direito e esquerdo são distintas. Nota-se que a mecânica aplicada no lado direito compreende movimento de distalização muito maior para os caninos quando comparada ao movimento de mesialização dos molares. Tal fato indica-nos a necessidade de ancoragem máxima posterior para a realização da biomecânica do lado direito. Os recursos disponíveis para a realização de tratamento ortodôntico, aplicando-se ancoragem máxima posterior no arco dentário superior, são barra palatina e bandas nos segundos molares do início ao término do tratamento ortodôntico, associadas ao uso do aparelho extrabucal por 12 horas diárias. O dente a ser extraído para a realização desta mecânica deve ser o primeiro pré-molar. Considerando-se o arco dentário inferior, aplicando-se ancoragem máxima posterior, os recursos disponíveis são arco lingual até o final da fase de nivelamento, bandas nos segundos molares e a preferência pela extração também dos primeiros pré-molares. No entanto, todo este arsenal, que tem por finalidade preservar a ancoragem, ainda é muito duvidoso. Questiona-se se tal ancoragem é efetiva ou não. Felizmente, a Ortodontia atual pode utilizar miniimplantes para fins de ancoragem, onde a “lei da ação e reação” parece entrar em desuso. O gráfico demonstrando o propósito de movimentação dentária para o lado esquerdo dá-nos movimento com ancoragem moderada posterior. Para a execução de tal mecânica, indica-se a extração também do primeiro pré-molar associada a aparelhos de preservação de ancoragem até a fase final do nivelamento. A experiência mostra-nos que o controle das mecânicas ortodônticas assimétricas é extremamente difícil, apresentando execução demorada, pois é preciso haver controle, utilizando-se ancoragem posterior superior e inferior no lado direito e somente após o término desta mecânica é que se removem os sistemas de ancoragem, para executar o tratamento do lado esquerdo sob ancoragem moderada posterior. Assim, analisando o VTO dentário obtém-se as informações necessárias de algumas condutas terapêuticas clínicas que devem nortear o tratamento, já projetando o tratamento ortodôntico durante todas as suas fases, antes mesmos de dar início ao tratamento clínico. Analysis of Dental Movement (Dental VTO) Abstract This present study aims to show in a simplified way how the Analysis of the Dental Movement (Dental VTO) works in all its stages with a demonstration of a clinical case, elaborating, after identifying the amount and direction of the movement of the posterior and anterior teeth, an orthodontic biomechanics compatible to the dental analysis. key words: Orthodontics. Biomechanics. Dental VTO. Referências 1. 2. 3. 4. ANDREWS, L. F. The six keys to normal occlusion. Am J Orthod, St. Louis, v. 62, no. 3, p. 296-309, Sept. 1972. ANGLE, E. H. Classification of malocclusion. Dental Cosmos, Philadelphia, v. 41, p. 248-264, 1899. MARTINS, D. R. Análise de Andrews: análise das unidades de espaço. Ortodontia, São Paulo, v. 17, n. 1/3, p. 49-65, jan./dez. 1984. MARTINS, D. R. Análise de Andrews: análise de unidade de espaço. Ortodontia, São Paulo, v. 17, p. 49-52, 1984. Endereço para correspondência Adriano César Trevisi Zanelato Av. Washington Luis 1526 Presidente Prudente / SP E-mail: [email protected] Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 65