10 de junho de 2014 Edson Magalhães Bastos Júnior. Cartografia e Geoinformação. Afinal, pra que servem os mapas? #1 Imagine que você está planejando uma viagem de férias ou de negócios, e você mesmo será o motorista. Você nunca esteve nesse lugar antes e não conhece o caminho. O que fazer? Agora imagine outra situação: você vai oferecer uma festa para centenas de amigos e parentes e o lugar escolhido foi aquele sítio ou xácara situada lá “detrás da Serra”. Nem todo mundo conhece o caminho, que por sinal é cheio de idas e vindas, bifurcações e encruzilhadas, e, claro, você não quer que ninguém se perca! Como resolver isso? Agora você é um profissional que está trabalhando na implantação de uma nova avenida na sua cidade, e esta avenida vai cortar uma área de antigas moradias e casas comerciais, além de uma área coberta ainda pela mata nativa típica da região. Você terá que pensar bem como essa nova obra pode ser feita para que cause o mínimo impacto negativo ao ambiente em que vive a população local. Como você conhecerá melhor esta área para projetar corretamente o novo eixo de logradouro? Pra encerrar nossa viagem imaginária, imagine que você é um professor ministrando aulas sobre hidrografia e precisa apresentar aos alunos como os rios brasileiros se organizam em rede, ou ainda trabalhar com os alunos o sistema de hidrelétricas existente no país. Como tornar o assunto mais digerível, mais claro e atraente? Todas essas situações apontam para a mesma realidade. Queiramos ou não, os mapas e a Cartografia, que é a ciência que os estudam e a arte que os produzem, estão por toda parte em nossas vidas, e desde o surgimento das civilizações humanas, eles eram um retrato do mundo conhecido. Se por um lado, o seu surgimento está historicamente ligado à dominação entre os povos pela posse da natureza (água, comida, terras, riquezas), por outro, vivemos atualmente uma popularização dos mapas, proporcionada pela revolução tecnológica da informática e da computação. Qualquer pessoa que tenha um computador ou gadgets como tablets e smarthphones, por exemplo, com acesso à internet, pode consultar mapas online (Google earth, Bing Maps, Open Street Map) e interagir com os dados para produzir e compartilhar novas informações de interesse. Além disso, as redes sociais estão incorporando cada vez mais essa ideia. O facebook e o Google Plus, por exemplo, oferecem ao usuário a opção de indicar sua localização geográfica em tempo real (check in). Atualmente a Cartografia está ligada a outra área do conhecimento, denominada “Geoinformação”. De modo bem simples, a Geoinformação é toda informação que pode ser conhecida a partir de sua localização, extensão, forma e comportamento; mas também é um termo utilizado para designar toda tecnologia (GPS, Satélites, aeronaves com câmeras fotográficas, equipamentos de topografia, aplicativos de computação gráfica, etc), e as formas de operá-la para produzir e compartilhar dados e informações através de um mapa. O leitor pode estar se perguntando: tecnologia, redes sociais, mapas…“mas o que isso tem a ver com cidadania e ambiente?” Bem, o fato é que cidadania muitas vezes não passa de um jargão popular incompreendido, e envolve várias questões, dentre as quais o conhecimento da realidade ambiental em que se vive. E quando falo ambiental, não me refiro apenas àquela natureza “dos rios, das matas, da poluição”. Ambiental envolve todos os aspectos da vida em sociedade e como essa sociedade transforma o ambiente em que vive. Se antes os mapas eram algo produzido exclusivamente por militares e cientistas, hoje a Cartografia e a Geoinformação serve à população como instrumento de compreensão da realidade e de conscientização dos direitos e deveres na organização da vida comunitária. Dito isto, esse texto inaugura uma série de publicações que trarão aos leitores um pouco mais sobre o mundo da Geoinformação. Como esses instrumentos tem sido utilizados para o planejamento do desenvolvimento das cidades, um movimento que está promovendo mudanças sociais na forma como as pessoas veem sua própria aldeia nessa grande aldeia global chamada Terra. Cartografia e Geoinformação. Afinal, pra que servem os mapas? #2 Na penúltima edição (http://www.maisgloria.com.br/cartografia-e-geoinformacao-afinal-pra-que-servem-osmapas-1/) iniciamos uma série de artigos intitulada “Cartografia e Geoinformação: afinal, para que servem os mapas?” e começamos a entrar um pouco nesse universo das Tecnologias de Informação Geográfica ou Geotecnologias. Essas tecnologias auxiliam no planejamento urbano e rural e nos destinos do município, palco da vida comunitária contemporânea. Elas estão cada vez mais presentes no planejamento municipal, onde são mapeados possiblidades de intervenções públicas nos bairros e localidades da cidade, como as ações de urbanização ou regularização fundiária e implantação de equipamentos públicos (creches e escolas, unidades de saúde, etc). É através delas que o gestor municipal pode conhecer todos os imóveis da cidade, mapeando informações cadastrais como: nome do proprietário, dimensões, tamanho e forma do lote, valor, tipo (residencial, comercial, industrial, baldio, etc). Pode ainda incluir nesse cadastro dados urbanísticos, de redes de abastecimento, equipamentos de lazer, informações sobre transporte e trânsito, segurança pública, saúde e educação. Cada secretaria ou órgão da administração municipal passa a produzir dados estatísticos e cartográficos sobre cada área de atuação, que são organizados e cruzados em um sistema “inteligente” para produzir informações estratégicas e de grande utilidade gerencial. Tais práticas acabam tendo seu ponto máximo na formulação e manutenção dos Planos Diretores de Desenvolvimento Municipal, que são elaborados com a participação da população, para orientar o crescimento e o desenvolvimento do município, assegurar as vocações de cada bairro da cidade e áreas rurais, coibir más práticas de especulação financeira e desequilíbrios sociais e ambientais resultantes de tais práticas. E nesse Universo as prefeituras vão se modernizando em ritmos variados, muito ainda em função da obrigação legal, do contingente populacional do município e da complexidade dos problemas a serem enfrentados, embora essa “inteligência geográfica”, como também se costuma chamar, sirva primariamente para construir um equilíbrio futuro, e secundariamente para gerir problemas e passivos atuais. Na próxima edição, tratremos alguns exemplos e casos de boas práticas de gestão envolvendo o uso das Geotencologias. Enquanto isso, encerramos parafraseando uma reflexão da Sociedade Brasileira de Cartografia, para dizer que a Geoinformação é um elemento do nosso cotidiano. Bem empregada, ela é mais do que um dado cultural e histórico. É um instrumento de justiça social. Por isso será sempre uma má política desdenhá-la. Cartografia e Geoinformação. Afinal, pra que servem os mapas? #3 Na edição anterior (LINK DE ACESSO AO ARTIGO #2 desta série) falamos um pouco mais sobre o significado das Geotecnologias e da Geoinformação para a administração de uma cidade, estado ou nação. Nesta edição buscamos trazer aos leitores, exemplos de boas práticas na gestão pública federal, estadual e municipal envolvendo a utilização desses conhecimentos técnicos para gerir problemas reais com mais eficiência, clareza e transparência. O primeiro exemplo trazido aqui, que ganhou notoriedade no Brasil, foi o Plano Diretor de Geoprocessamento da Prefeitura de Fortaleza. Criado em 2007, consistiu em definir plataformas tecnológicas para a implantação do Cadastro Técnico Multifinalitário da cidade, baseado em um projeto de Geoprocessamento Corporativo. Entre os principais desdobramentos, hoje Fortaleza conta com a Geoinformação como ferramenta base no processo de zoneamento e divisão da mesma em sete regionais, no monitoramento do desenvolvimento urbano e ambiental, inclusive com uma Célula de Georreferenciamento dentro da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, além da presença na realização e difusão de estudos e pesquisas sobre a cidade e região metropolitana do Instituto de Planejamento de Fortaleza. Também em 2007, em Sergipe, o saudoso Governador Marcelo Déda iniciou um processo de inserção da Geoinformação no planejamento da esfera estadual. Inicialmente mapeando as demandas e resultados do Planejamento Participativo, a Cartografia se consolidou como ferramenta para o planejamento das ações governamentais a partir da realização do novo mapeamento do estado por meio de fotografias aéreas em escalas de alta resolução. Com essa ação pioneira, Sergipe entrou na vanguarda da Cartografia nacional. Já em 2011, a Geoinformação ganha mais espaço, se tornando instrumento também para a gestão e monitoramento das políticas públicas, quando do surgimento do projeto Observatório de Sergipe (www.observatorio.se.gov.br). Criado para ser parte da estrutura do Sistema Estadual de Planejamento, o Observatório de Sergipe hoje se constitui em um método interdisciplinar agregando quatro grandes áreas do conhecimento (Cartografia, Geografia, Economia e Estatística) que atua subsidiando a elaboração de políticas públicas no estado, provendo base de conhecimento para tomada de decisão e disseminando dados e informações sobre a realidade do espaço geográfico e a sociedade sergipana. Já na esfera federal, o grande passo visando organizar a política da Geoinformação no Brasil foi dado com a implementação da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais – INDE. Por meio do Decreto nº 6.666/2008, o governo federal, via Ministério do Planejamento, implementou um conjunto integrado de tecnologias, políticas, mecanismos, procedimentos, padrões e acordos, necessários para facilitar e ordenar a geração, o armazenamento, o acesso, o compartilhamento, a disseminação e o uso dos dados geoespaciais de origem federal, e com perspectivas de extensão para as esferas estaduais e municipais. Assim, com um grande banco de dados indicando o que cada instituição possui em seus acervos, as características do material cartográfico (escala, ano…) e como adquirir, busca-se evitar sobreposições de trabalhos, otimizando os gastos públicos, tempo, além de estimular a transparência e o acesso à informação pública. Um pouco dessas práticas já começam a se fixar em terras glorienses, a partir da formação de corpo técnico e infraestrutura tecnológica orientada ao desenvolvimento de projetos urbanísticos. A Secretaria de Obras municipal, através de uma parceria com o Observatório de Sergipe, iniciou os trabalhos em 2013 com a utilização do mapeamento cartográfico digital do município, realizado pelo governo estadual em 2009 e 2010. São dados detalhados sobre qualquer parte de nossa cidade que estão servindo de base para estudos e pesquisas na área de regularização urbana e ambiental, licenciamento de obras e planejamento de políticas públicas para o desenvolvimento urbano. Bons ventos! Qualquer gestor público quer fortalecer a visão sobre o valor destas ferramentas e desse conhecimento para o futuro de seu município, estará promovendo um verdadeiro salto de qualidade em direção ao tão sonhado equilíbrio entre técnica e política, entre crescimento e desenvolvimento, entre prática e discurso. Na próxima edição, saberemos como a Cartografia e a Geoinformação estão transformando o ambiente escolar em laboratório para formação de cidadãos. Afinal, pra que servem os mapas? Até lá! Cartografia e Geoinformação. Afinal, pra que servem os mapas? #4 Nos currículos escolares, em maioria esmagadora dos casos, fica a cargo do profissional da Geografia a tarefa e a missão de formar alunos capazes de responder à pergunta que batiza esta série de artigos sobre cartografia e geo informação. Apesar dessa antiga e forte relação entre Geografia e Cartografia, há no Brasil um “mito” para com o ensino da Cartografia em sala de aula. Os alunos apresentam grandes dificuldades na compreensão de como e porquê os mapas são produzidos. Por outro lado, os professores também possuem o receio de aprofundar o ensino dessas técnicas e conceitos, se concentrando apenas na apresentação e leitura de mapas temáticos, quando, no máximo, apresentam os elementos que o compõem. Explicar a relação de escala e distância real, com um mapa vetorial ou “desenhado” é extraído a partir de fotografias aéreas e imagens de satélites, como os Sistemas de Posicionamento por Satélite, popularmente conhecidos como GPS, são utiliza-dos para construir mapas, se tornam ensinamentos marginais e ocultos que poucos tem o privilegio de aprender e repassar. E qual a causa dessa exclusão? Bom, essa é uma pergunta da qual não podemos afirmar precisamente a razão, mas há indícios. O primeiro deles é o embate (nem sempre saudável) existente entre várias correntes científicas dentro Geografia. Crítica, quantitativa, teórica, experimental, social, cultural, regional, dentre outras são denominações que aprendemos nos primeiros anos de Universidade, e nos acompanham pelo resto da vida profissional, influenciando diretamente a nossa afinidade ou não com a Cartografia e a Geo informação. O que nos leva ao segundo indício. A depender da teoria dominante na formação do currículo da disciplina, alguns conhecimentos ganham mais destaque e outros são menos valorizados. Por exemplo, se a Geografia é considerada mais “crítica”, ou mais “social”, no currículo da disciplina toda parte referente ao uso de técnicas e métodos de estatística e cartografia, associado à informática, quase sempre é desprezado. O contrário também acontece. Quando a Geografia é considerada mais técnica, mais quantitativa, costuma-se desprezar a necessidade de conhecimentos como Filosofia, Antropologia e Sociologia. Por esta razão, os conteúdos de Carto-grafia e Geo informação durante muitos anos, não apareceram com força nos currículos de todas as universidades brasileiras, e por isso ainda há muitos professores e até mesmo bacharéis em Geografia que se formam sem adquirir essas habilidades.Mas, esse cenário também começa a mudar. Em Sergipe, a reformulação dos currículos abriu espaço para a entrada dessas disciplinas mais técnicas e das Geotecnologias que chamamos de instrumentais de análise da Geografia. Mas isso não é o bastante. O terceiro indício é o descolamento existente entre o global e o local na hora de estudar e aprender sobre o mundo a partir da Cartografia. Muitas vezes um aluno brasileiro da região nordeste aprende sobre a rede ferroviária indiana e a força dessa modalidade de transporte no país, sobre os alpes suíços, sobre o monte everest, sobre o deserto do atacama, sobre a superpopulação de Nova Deli, mas não conhece a rede viária de seu próprio município e os impactos dela no sustento das famílias que vivem do campo, incluindo a dele mesmo. Quando muito conhecem apenas a estrada que toma de volta pra casano ônibus da escola. Essas situações, obviamente, afugentam o ensino da Cartografia nas salas dos ensinos fundamentais e médio. Mas, graças ao desenvolvimento tecnológico e reformulação das grades dos cursos de Geografia (não seria uma natural consequência e adaptação necessária a esse desenvolvimento?) aliado a popularização da informática e internet, a Cartografia, ou melhor, a Geoinformação está passando de mito para moda. É muito comum alunos em sala de aula manipulando celulares ligados a “net” e olhando suas redes sociais, pesquisando o que fazer no fim de semana, onde ir e como chegar. E isso, que poderia ser um entrave para o professor em sala, se tornou uma oportunidade de ouro para o professor de Geografia, ao menos no momento do ensino da antes temida Cartografia! Sites como o “google maps”, “bing”, “facebook”, pode ser o ponto de partida para termos alunos mais conscientes do seu próprio ambiente em que vive e críticos sobre a maneira como ele é produzido. Mas, para isso, a interação tem que vir acompanhada de estratégias e estruturas mínimas para que professor e aluno obtenham o sucesso pleno. Estamos falando das oficinas, ou aulas práticas, que por sua vez necessitam de laboratórios de informática conectados a Internet e com aplicativos que ensinem sobre os mapas de forma mais leve, fluente e didática. Um projetor com acesso a internet para o professor ajuda muito. Assim, a Geoinformação passa a ser algo mais prazeroso, moderno e próximo a linguagem do aluno que muitas vezes tem sede em aprender, mas não é atraído pelos métodos mais tradicionais. Navegar por mapas que mostram imagens de satélite das ruas da sua cidade, que possibilite fazer trajetos escolacasa, ou sites que permitam construir mapas em tempo real (conhecidos tecnicamente como WebGis), utilizando diferentes tipos de temas, como econômicos e sociais ajudam na quebra desse mito e na domesticação desse monstro chamado Cartografia. Autores: Edson M. Bastos Júnior, Walter Uchoa Dias Júnior, Matheus Ribeiro Costa.