Em busca do teste de

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14 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 21 de agosto de 2016
Em busca do teste de
Alzheimer
» PALOMA OLIVETO
m dos grandes desafios da
medicina deste século, o
Alzheimer é uma doença
complexa e multifatorial que
atrai a atenção de cientistas do mundo
todo. Entre eles, está uma catarinense
de 28 anos que, apesar da pouca idade,
investiga a biologia dessa doença neurodegenerativa há uma década. Recentemente, Maíra Assunção Bicca,
pesquisadora de pós-doutorado da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), descobriu uma importante
proteína que poderá ajudar a diagnosticar a enfermidade. O trabalho, que
lhe rendeu o prêmio Jovem Talento em
Ciências da Vida, produzido pela Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq) e patrocinado
pela GE Healthcare, também abre caminhos para o desenvolvimento de
novos tratamentos.
A cientista descobriu uma proteína,
a TRPA1, que está presente de forma
anormal no cérebro de pacientes de
Alzheimer. Se conseguir rastreá-la por
meio de um exame de imagem, como a
ressonância magnética, a expectativa de
Maíra A. Bicca é fornecer um diagnóstico da doença, algo que não existe
atualmente — a detecção baseia-se
na avaliação clínica, em consultório.
Apenas amostras do tecido cerebral
U
retiradas após a morte comprovam a
doença que consome os neurônios.
Essa proteína é uma velha conhecida dos pesquisadores do Laboratório de Farmacologia e Terapêutica Experimental da UFSC. Contudo, não se
sabia que ela também existia no cérebro. Até a descoberta da cientista, os
demais investigadores, sob a orientação do professor João Batista Calixto,
estudavam o papel da TRPA1 na dor e
em doenças inflamatórias, como a artrite reumatoide. “Nas pessoas que
têm esses problemas, a proteína está
muito ativa ou em grande quantidade”, explica Maíra A. Bicca. Também
havia evidência da presença dela na
medula espinhal.
Como esse receptor, que se localiza
na superfície das células, se encontra
superativado em pessoas com processos inflamatórios — e o Alzheimer é
caracterizado por inflamações celulares —, a pesquisadora desconfiou que
o acharia no cérebro. “Vi que não tinha
nenhum trabalho na literatura mostrando que ele também poderia estar
expresso no encéfalo”, conta. Então,
Maíra A. Bicca começou a procurá-lo.
“As minhas primeiras perguntas foram: ele está lá? Se sim, no curso da
doença, ele se altera?”.
Para responder a essas questões, a
pesquisadora utilizou diferentes modelos de estudo, começando pelo mais
Todos os pesquisadores
querem encontrar um
alvo terapêutico. Apesar
de ainda distante da
realidade clínica, o
trabalho da Maíra abre
caminho para a ciência
aplicada”
João Batista Calixto,
orientador de Maíra Assunção Bicca
básico, a cultura de células. Depois,
partiu para os modelos animais, induzindo em camundongos os sinais da
fase inicial da doença e, em seguida,
dos estágios mais avançados. A jovem
cientista viu que estava certa. Ela descobriu a TRPA1 no cérebro e constatou que, como mecanismo de defesa,
tentando evitar a progressão da enfermidade, as células passam a ativála exageradamente. Contudo, o que
acontece é o oposto: “Esse excesso
mata os neurônios”.
Pesquisadora brasileira descobre
que o cérebro de pessoas com o mal
degenerativo tem maior concentração
da proteína TRPA1. Se o problema for
acusado por ressonância magnética,
o exame poderá funcionar como
um diagnóstico da doença
“Ela encontrou a proteína em um
lugar que ninguém esperava, abrindo
a possibilidade de que isso possa ajudar a controlar o Alzheimer”, diz João
Batista Calixto, que orientou a pesquisadora. “O trabalho é inédito e tem
grande relevância por ser um achado
completamente novo. Ninguém saiu
na frente da Maíra”, diz. Calixto ressalta
que o trabalho ainda está distante da
realidade clínica. “Mas abre caminho
para a ciência aplicada”, reforça.
Além do diagnóstico, o trabalho da
cientista catarinense poderá ajudar no
desenvolvimento de futuros tratamentos de uma doença para a qual, até hoje, não existe medicamento específico.
“Quando peguei o modelo de rato com
sinais avançados de Alzheimer e o tratei com um bloqueador da TRPA1, que
inibe essa proteína, vi, pelo contraste,
que ela diminuiu muito”, conta a Maíra
A. Bicca, que aguarda a publicação de
um novo artigo com o resultado na revista Nature Neuroscience.
Parceria nos EUA
A primeira parte da pesquisa durou
três anos e foi feita no Brasil. Durante o
doutorado, Maíra A. Bicca ganhou
uma bolsa do programa Ciência sem
Fronteiras e passou 12 meses na
Universidade de Northwestern, nos
EUA, onde trabalhou com um banco
Carreira guiada pela curiosidade
Nosegundosemestre,viuumanúncio no quadro de avisos para estágio
de iniciação científica no laboratório
de João Batista Calixto, um dos mais
renomados cientistas brasileiros e,
agora, professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Como sempre teve grande interesse pelo sistema nervoso central, a
estudante de graduação ficou encantadaeminvestigarjustamenteoAlzheimer. “Tenho caso na família, uma avó
que não me reconhece mais. É uma
doença devastadora, me motiva a
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Natural de Laguna, a 120km de Florianópolis, a jovem cientista conta que
nasceu com o gosto pela ciência. “Segundo mamãe e papai, eu sempre fui
muito curiosa, perguntadora e metida
a testar ideias. Acho que nasci cientista e nem sabia”, diz. Filha e neta de
professores, Maíra Assunção Bicca sabia, porém, que queria seguir a carreira acadêmica. Aos 17 anos, com o ensino médio concluído, optou pelo curso de farmácia, que, à época, era associado ao de análises químicas, o verdadeiro foco de interesse da jovem.
poder ajudar os pacientes”, afirma.
O dia a dia no laboratório abriu novos horizontes para Maíra, que nunca
mais se afastou de lá. Engatou o mestrado e o doutorado, sob orientação de
Calixto, e, agora, faz pós-doutorado na
UFSC. Curiosamente, ela só soube do
Prêmio Jovem Talento em Ciências da
Vida na véspera do encerramento das
inscrições. O doutorado sobre a TRPA1, lhe rendeu o prêmio, em junho.
O diretor de negócios da GE Life
Sciences para América Latina, Gyvair
Molinari, acredita que o reconheci-
mento vai abrir mais portas para a
pesquisadora, que foi contemplada
com US$ 2 mil e o convite para participar de qualquer congresso científico que escolher. “O trabalho dela foi
sensacional. Um tema absolutamente relevante, pois se trata de uma
doença que vai atingir mais de 65 milhões de pessoas até 2030. Os ganhadores das edições anteriores estão,
hoje, em posição de destaque em várias partes do mundo e grande parte
dos finalistas continuaram na área
acadêmica”, orgulha-se. (PO)
de cérebros, que armazena tecidos humanos, incluindo os de pacientes de
Alzheimer. Ao comparar as amostras
de indivíduos sem a doença e aqueles
com sinais claros do mal degenerativo,
como a presença de placas da proteína
beta-amiloide e redução expressiva de
neurônios, a cientista percebeu que,
no segundo caso, havia uma expressão
anormal da TRPA1.
A passagem pela instituição norteamericana não permitiu apenas confirmar a presença do receptor no cérebro de humanos com Alzheimer. A então doutoranda brasileira participou
de um grupo de pesquisa que desenvolveu um tipo de contraste que, injetado pelo nariz do paciente, permite
identificar, por uma simples ressonância magnética, proteínas beta-amiloide isoladas no cérebro.
Embora as placas dessa substância
estejam associadas à destruição dos
neurônios, antes de se agregarem, elas
são mais tóxicas ainda, e encontrá-las
nesse estágio poderia, ao menos teoricamente, indicar o momento de uma
intervenção terapêutica. “Fizemos testes com humanos e tivemos sucesso.
Agora, tentamos usar o contraste para
reconhecer também a TRPA1”, conta a
pesquisadora, que continua colaborando com o grupo e publicou, com os
colegas norte-americanos, um estudo
na renomada revista Nature Medicine.
Arquivo Pessoal
Maíra A.Bicca: “Acho que nasci cientista”
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