Arquivo - Martins Fontes

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Há um dom em você
or essa razão, lembro-te de que despertes o dom
de Deus, que há em ti mediante a imposição das
minhas mãos.
Porque Deus não nos deu espírito de covardia [timidez], mas de poder, de amor e de moderação.
Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso
Senhor nem de mim, dele prisioneiro; pelo contrário
participa comigo dos sofrimentos do evangelho segundo
o poder de Deus. Ele nos salvou e nos chamou com uma
santa vocação, não por causa das nossas obras, mas
devido ao seu próprio propósito e à graça que nos foi
concedida em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, e que
agora se manifestou pelo aparecimento de nosso Salvador
P
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Gente cansada de igreja
Cristo Jesus, que destruiu a morte e trouxe à luz a vida
e a imortalidade pelo evangelho, do qual fui constituído
pregador, apóstolo e mestre (2Timóteo 1.6-11).
Este texto integra a última obra de Paulo. Nele, o
apóstolo faz um resumo do evangelho e recomenda
a Timóteo manter-se forte numa civilização em colapso. Em certo sentido, nosso contexto é o mesmo.
Temos o privilégio de viver numa sociedade na qual
convivem tensamente o velho, que se esgotou, e o
novo, que nos assusta por não sabermos em que vai
dar.
Timóteo era uma pessoa de saúde fraca, física e
emocionalmente. Ele sofria de dores no estômago
(talvez uma gastrite ou algo mais grave) e de desânimo (talvez por sua pouca idade e pela enormidade
dos desafios).
Os cristãos não são super-homem, mas têm problemas. Estamos sujeitos às mesmas dificuldades
que os outros. Em nome da defesa do evangelho,
vendemos uma imagem de felicidade que não condiz com a realidade da nossa vida e muito menos
com a natureza do evangelho. Há muitas pessoas
que sofrem por causa desse estoicismo estranho à
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Há um dom em você
Bíblia. Paulo mesmo, ao longo de suas cartas, fala
naturalmente de seus sofrimentos. Jesus não escondeu sua angústia diante da iminência da morte.
Questões como essas produzem gente cansada
de igreja. Gente que esqueceu o primeiro amor.
Gente que não sabe para onde vai, nem mesmo se
ainda quer ir. Timóteo estava cansado, bem como
outras comunidades cristãs da época de Paulo. Para
eles, esse grande apóstolo havia ensinado em vários
momentos sobre igreja e sua caminhada pelo mundo.
Durante as próximas páginas, vamos estudar três
desses momentos. Nossa busca é por revigoramento.
Das pessoas e das próprias igrejas.
O que houve com Timóteo?
O que estava acontecendo com Timóteo?
Paulo não apresenta detalhes, mas estava preocupado. Pelo que sentia, Timóteo precisava reavivar
o dom que recebera de Deus. O verbo aqui empregado (despertar/reavivar; desperte/reavives) significa
manter a chama do fogo incandescente.
Para despertar seu dom, Timóteo precisava reacender o fogo. Por alguma razão, ele estava se esquecendo de que o Espírito Santo habitava nele (verso
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Gente cansada de igreja
14). O dom de Deus, simbolicamente transmitido
pela imposição de mãos, estava sendo esquecido.
Como nos esquecemos da alegria de nossa
conversão! Como nos esquecemos da felicidade do
batismo! Como permitimos que essas lembranças
prazerosas, feitas de risos ou lágrimas, se apaguem, às
vezes completamente, de nossa memória.
Não sabemos por que isso aconteceu com
Timóteo. Talvez a sua saúde frágil o tenha enfraque­
cido por inteiro. De tanto lutar contra suas dores no
estômago, talvez estivesse cansado de viver.
Talvez, nos momentos de crise, ele tenha orado
para que Deus viesse em seu socorro e pusesse fim à
sua aflição; e, como Deus não lhe respondesse como
esperava, talvez estivesse desanimado, quem sabe
decepcionado com Deus.
Uma adolescente brasileira foi passar um ano
nos Estados Unidos como parte de um programa de
intercâmbio, e sua família ficou muito feliz porque
seus hospedeiros eram cristãos. Quando ela chegou
lá, soube de algo trágico: a única filha deles tinha
morrido. Daí em diante, aquela família brigou com
Deus. Em todas as manhãs de domingo, daquele
ano inteiro, a adolescente foi levada até à porta da
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Há um dom em você
igreja em que a família congregava, mas eles não
entraram.
Recentemente, uma família carioca perdeu a filha em circunstâncias trágicas. Uma senhora crente
foi consolar o pai. Sua resposta foi:
— Eu não quero saber de Deus. Tudo o que Deus
podia fazer pela minha filha, que era preservar a sua
vida, ele não fez. Agora, nada mais interessa, nem
mesmo ele.
Há muita gente decepcionada com Deus.
Paulo estava preocupado com Timóteo, temeroso de que seu filho adotivo estivesse entrando num
processo de desânimo ou que já estivesse desanimado. Por isso, o apóstolo pediu-lhe que não esquecesse, fossem quais fossem as circunstâncias, de que o
Espírito Santo habitava nele.
A recomendação vale para cada um de nós. O Espírito Santo habita em você. Por isso, você pode guardar o depósito da fé em Deus até o final de sua vida.
O que está acontecendo conosco?
E nós: por que permitimos que o dom se apague?
Por que nos esquecemos de que o Espírito Santo
habita em nós?
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Gente cansada de igreja
Certas coisas acontecem conosco — o desânimo,
a descrença, a falta de compromisso com a santificação, a falta de envolvimento no projeto de Deus para
o mundo — porque nos esquecemos de que o Espírito Santo mora em nós. Ah! se nos lembrássemos!
Seríamos mais felizes!
Que religião é esta em que Deus — que nas
outras religiões habita lugares diferentes e exige
tantas voltas para se ter acesso a ele — habita com as
pessoas e nelas? Será que ele é um Deus fácil demais?
Será que não estamos querendo um Deus difícil, ao
qual, por exemplo, só se pode ter acesso uma vez por
ano, e não a toda hora ou a todo domingo?
Então, comecemos por oferecer algumas respostas: o que tem feito apagar o nosso dom para que
precise ser reaceso? Eis quatro respostas:
As pressões da vida
Não tem sido fácil viver. Os pobres, a classe média e os jovens têm sido muito sacrificados.
Os pobres têm sofrido com a indigência dos serviços públicos básicos nas áreas da saúde, da educação
e da segurança, bem como com crônicas dificuldades
de alimentação e de moradia.
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Há um dom em você
Com o salário congelado, a classe média tem perdido acesso a bens e serviços, diante da alta constante dos preços em áreas que lhes são importantes.
Pagar todas as contas no mês em que elas vencem é
privilégio de poucos.
As maiores vítimas — e isso tem muito a ver
com Timóteo — são os adolescentes e os jovens.
Eles têm um mundo para conquistar, mas não
conseguem emprego. Quando conseguem um estágio
remunerado, o que deveria ser automático nessa fase
da vida, soltam foguetes, que espantam os que ficam
fora da fila. Para muitos, o horizonte é sair do país.
Nessas condições, somos chamados a dar
testemunho acerca do poder de nosso Senhor (verso
8). Nós, que estamos precisando de alento, é que
temos de confortar os outros. Nós, que queríamos ver
esse poder, é que temos de falar dele. Parte de nosso
desânimo, vem dessas circunstâncias, especialmente
quando vemos o que o salmista viu: a prosperidade
do ímpio (Salmos 37). Ai! Como dói ver o descrente
prosperar!
Essas pressões vão além do plano material e alcançam o plano moral. Penso, de novo, nos adolescentes e jovens.
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Gente cansada de igreja
Uma menina, feliz com seus pais, anda triste porque não tem namorado. Falta algo em sua vida. Na
igreja ninguém se interessa por ela, e ela não se interessa por ninguém. Ela tem amigos na escola, mas
não participa dos seus programas. Então, resolve se
aproximar um pouco mais. Os garotos também se
aproximam. As conversas são um pouco estranhas,
mas ela se mantém firme nas suas convicções. Um
encontro aqui, outra festa ali, um passeio em outro
dia. Um rapaz chega mais perto. Ela até o leva à sua
casa. Ele, então, se abre: não fala em amor, mas fala
em sexo. Ela se afasta, mas a história se repete com
outro rapaz. Moral da história: ela não faz parte da
turma. Não seria melhor fazer parte? Ficará sozinha
para sempre? Está certa em manter seus valores?
A pressão é enorme e, às vezes, apaga o dom;
isso se aplica aos solteiros e às solteiras que querem
construir uma família; aos viúvos e às viúvas que não
querem ficar sozinhos; aos separados e às separadas
que querem recompor sua vida afetiva. A solidão
machuca, abafa e abala.
Os sofrimentos da vida
Nosso dom se apaga quando experimentamos
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Há um dom em você
aquilo que consideramos ser o silêncio de Deus,
quando oramos e não ouvimos a resposta. Por algum
tempo nos consolamos com o ensino de que Deus
tem o seu tempo. Depois nos cansamos de esperar.
Sabemos que precisamos orar por nosso filho
afastado de Deus, mas por quanto tempo?
Um dia desses, ouvi a história de uma filha que
nunca desistiu de orar pelo pai, afastado da família
e de Deus. Ela orou muitos anos seguidos. Posteriormente, eu me encontrei com esse homem. Ele pediu
perdão aos seus e ao seu Senhor e está sinceramente
disposto a começar a viver e a permitir que sua família também viva em harmonia.
Sabemos que precisamos orar pela saúde das pessoas queridas, mas até quando? Oramos pela saúde
de pessoas, e elas morrem. Oramos pela recuperação
de pessoas, e elas continuam sofrendo. Isso nos cansa
e debilita. Afinal, nossa fé abarca todas as áreas da
vida. Deus não é só para a vida religiosa, mas para a
vida toda.
A pergunta inevitável é: vale a pena servir a um
Deus desse? Paulo, que sofria a prisão, como que para
testar seu filho espiritual, faz-lhe um convite: venha
sofrer comigo, Timóteo (verso 8).
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Gente cansada de igreja
O cansaço da igreja
Por vezes, na igreja sobram línguas para críticas
destrutivas, e faltam braços para a ação.
Qualquer que seja a necessidade da igreja, quando alguém resolve ajudar nas suas atividades, haverá
aqueles que dirão que fariam diferente, os mesmos
que nunca se apresentaram para fazer nada. Os que
estiverem trabalhando terão de ter muita convicção
para não permitir que seu dom seja apagado. Em casos como esse, precisa-se de pessoas que se alistem
no grupo, que usem seus braços para trabalhar, nunca a língua para destruir.
Por vezes, na igreja sobram dedos para apontar
os erros dos outros e faltam ombros para sustentar os
que querem ficar firmes.
A tendência humana de competir também se
propaga na igreja, de modo que o fracasso de um é
discretamente comemorado. Quando se confirmam
as direções dos nossos dedos, em lugar de chorar, preferimos dizer: “não falei?”.
A queda é uma possibilidade na vida do crente.
Mas é triste saber que há pessoas que têm de trocar
de igreja para recomeçar a vida. Deus já as perdoou,
mas, muitas vezes, nós não perdoamos.
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Há um dom em você
Não raramente, na igreja sobram olhos para ver
as brechas e falta disposição para tapar uma só delas.
Em outras palavras, por vezes, na igreja sobram
pernas ligeiras para escorregar dos compromissos e
falta vigor para se pôr a caminho. Somos capazes de
fazer diagnósticos precisos identificando os problemas da igreja. No entanto, nós nos esquecemos de
que, quando não nos empenhamos em solucioná-los,
nós é que somos os problemas.
Precisamos de fiéis que se disponham a se pôr na
brecha para serem usados por Deus e reparar a iniquidade (Ezequiel 22.30).
Por vezes, na igreja sobra cérebro para discutir
temas irrelevantes e falta inteligência e criatividade
para encontrar soluções novas para um tempo novo
que tem as carências de sempre.
Como perdemos tempo com coisas sem importância!
Enfim, em alguns momentos, na igreja sobram palavras, palavras de compreensão e entendimento, e
faltam ações, ações de compreensão e entendimento.
Jesus recomenda (Mateus 18.15) que, quando tivermos alguma informação sobre um irmão, devemos
ir a ele, para saber o que está acontecendo e ajudá-lo,
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Gente cansada de igreja
se possível. No entanto, achamos que a maneira de
ajudar um irmão é espalhar a informação que temos
dele a um amigo mais íntimo, que a divulga a outro
irmão mais íntimo, que pede oração a um grupo íntimo. Quando o irmão-vítima fica sabendo, ele esclarece que não é nada daquilo, mas já não é mais possível
recolher as penas lançadas do alto da montanha.
Esse irmão, certamente, será um que terá de lutar
muito com Deus para que seu dom não seja apagado por um cristianismo teórico demais em intenções
boas e prático demais em realizações más.
Por isso, e por outros fatores, há muita gente
cansada de igreja, gente que logo ficará cansada de
Deus, gente que logo se afastará de Deus e, em muitos casos, irremediavelmente.
Há gente cansada porque fez muito e acabou sufocada pela incompreensão e pela crítica. Há gente
cansada por não ter feito nada. Há gente que se cansou de sua própria acomodação. Há gente cansada
de esperar atitudes coerentes.
O cansaço de Deus
Há gente cansada de Deus, embora raramente o
confesse, porque o acesso a ele é fácil demais.
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Há um dom em você
Nosso Deus está disponível 24 horas por dia. Não
há exigência alguma e para se falar com ele. Não há
um local especial em que se fale com ele. Jonas falou
de dentro de um peixe. Elias falou com ele do interior de uma caverna. Moisés falou com ele do centro
de um deserto.
Não há uma posição para se falar com ele. Pode
ser em pé. Pode ser deitado. Pode ser ajoelhado.
Pode ser com as mãos para cima. Pode ser com as
mãos para baixo. Podemos falar com ele olhando
para o céu. Podemos falar com ele olhando para o
chão.
Banalizamos Deus por ser ele gracioso demais!
Que contrassenso, como se preferíssemos um deus
aterrador e pavoroso!
Com o passar do tempo, isso alcança os convertidos em idade adulta e também os que nasceram
no evangelho. É como se alguns que nasceram no
Evangelho sentissem saudade de um tipo de vida que
nunca tiveram. Há quarentões ou cinquentões adolescendo! É ridículo, mas acontece.
Há gente esquecida de sua salvação e de sua
santa vocação (verso 9). Há muita gente triste com
a sua salvação, por estranho que pareça. Se somos
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Gente cansada de igreja
salvos e estamos cansados, é porque esquecemos
que somos salvos ou porque a salvação produz tristeza em nós. Na verdade, na linguagem do salmista,
falta a muitos a alegria da salvação (Salmos 51.12),
alegria que produz adoração vibrante, alegria que
produz vida ativa cheia do dom.
Devemos parar de banalizar Deus. Precisamos
vivê-lo como um Deus compassivo e zeloso da sua
santidade e da santidade dos seus seguidores.
A natureza do dom
Que dom é esse, de que fala o preocupado apóstolo Paulo? Essa é uma pergunta que não pode ficar
sem resposta.
Dom e espírito
Há aqui duas palavras essenciais no texto: dom
e espírito.
O dom (carisma) é uma concessão (dádiva) de
Deus ao homem. É a transferência de parte do seu
caráter ao ser humano. Nós temos o carisma de
Deus.
Esse dom nos capacita com o espírito de poder,
amor e moderação.
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Há um dom em você
Espírito, aqui, sempre no singular, nada tem a ver
com um certo uso em que se fala em “espírito da preguiça” ou “espírito da doença”.
A palavra espírito (pneuma) refere-se ao sopro de
Deus sobre nossas vidas, capacitando-nos a fazer o
que o dom de Deus necessita para se exercitar em nós.
O apóstolo Paulo fala também em imposição de
mãos, experiência pela qual Timóteo passou havia
alguns anos. Não foi um gesto mágico, a partir do
qual o rapaz passou a ser outra pessoa. Ao contrário,
mesmo tendo recebido o dom, esse dom precisava ser
reavivado. Os gestos formais são apenas símbolos do
que acontece no interior. Todos quantos aceitaram
Cristo como Senhor e Salvador têm o dom de Deus,
dom que pode ter se transformado em carvão apagado ou fogo incandescente.
O dom que queremos
Há certa contradição entre o poder, o amor e
a moderação que o dom de Deus sopra sobre nós
(pneuma) e o poder, o amor e a moderação que nós
queremos que ele sopre.
O poder que naturalmente queremos é o poder
de levar Deus a fazer o que nós queremos, não o de
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Gente cansada de igreja
fazermos o que ele quer. Religião não é magia. Nós
podemos orar, mas não podemos fazer o que só Deus
pode fazer.
Um dia desses, fui procurado por uma pessoa
com um sério problema de saúde. Ela queria que eu
o curasse. Chegou a oferecer dinheiro, quanto fosse necessário, para que ficasse bom. Eu, então, lhe
disse:
— Eu não posso curá-lo. Posso pedir a Deus que
o cure. Eu não tenho poder para curá-lo. O poder é
de Deus. É ele quem decide.
Já pensaram se eu tivesse esse poder? No domingo seguinte, eu chegaria à minha igreja, todo falsamente humilde, e diria:
— Devemos dar graças a Deus porque ele operou
na vida de uma pessoa que me procurou. Eu orei, e a
pessoa foi curada. Louvado seja Deus, irmãos.
Ao dizer isso, no fundo eu estaria pensando:
“Como eu tenho poder!”. Os irmãos pensariam de
mim: “Como eu gostaria de ter este poder que o nosso pastor tem!” Se eu tivesse esse poder, minha igreja
iria transbordar de gente.
Mas, graças a Deus, eu não tenho o poder de fazer Deus fazer.
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Há um dom em você
O amor que nós naturalmente queremos é o amor
centrado em nós, não aquele de Jesus, auto-esva­ziado
de si mesmo.
Pensamos no dom do amor como o dom de sermos amados, nunca como o dom de amar. Sempre
pensamos no amor como flecha que vem em nossa
direção.
Como é bom saber que somos amados por Deus.
Essa é uma verdade que ninguém nos pode tirar,
nem mesmo a tristeza. Ele nos amou tanto que
tomou a decisão de morrer por nós numa ridícula cruz mal trançada de madeira vagabunda, sobre
um morrinho de nada. A morte dele não foi, como
deveria ser, uma superprodução. Ele não contratou
Steven Spielberg para produzir sua morte. Jesus
morreu longe dos holofotes, para poder alcançar
nosso coração.
Como é bom saber que somos amados por Deus,
que nos dá o seu Espírito para ser nosso intérprete e
consolador. Por causa desse amor, podemos até não
saber pedir, pois ele transforma nossos pedidos mal
formulados em pedidos claros. É por causa desse
amor que o Espírito habita em nosso coração. Que
verdades cheias de calor!
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Gente cansada de igreja
Esse é o amor que queremos, mas esse amor só
vai funcionar quando for uma usina que gere energia
para fora de nós. A retenção desse amor faz com que
ele vá se apagando, às vezes na velocidade da luz de
uma estrela.
A moderação que naturalmente queremos é a moderação com o qual somos julgados pelos outros, não
a de os julgar. Queremos ser julgados como amigos,
mas queremos julgar como se julgam inimigos. Para
nós, exigimos moderação. Em relação aos outros, nós
nos sentimos livres para exercer juízo sem moderação.
Agimos como na frase de um político mineiro:
— Para os amigos, tudo; para os adversários, a lei.
O espírito de poder (dunamis) que Deus nos dá
é o poder para viver, apesar das adversidades, e para
testemunhar, apesar das pressões e de nós mesmos.
O dom de Deus capacita-nos com o poder de enfrentar as ondas de dificuldades da vida. O poder de
Deus não se manifesta necessariamente em tirar os
problemas da nossa frente, mas principalmente em
nos fazer triunfar sobre eles.
O dom de Deus capacita-nos com o poder de
superar nossas próprias limitações, principalmente
a limitação da covardia, do medo e da timidez. Os
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Há um dom em você
tímidos, até mesmo no plano psicológico, precisam
receber o poder de Deus para explodir. Enquanto não
receberem esta dinamite espiritual, não vão sair das
cavernas que são sua vida, para os montes que deveriam ser.
O dom de Deus capacita-nos com o poder da coragem para ousar o que deve ser ousado, tanto no
plano espiritual quanto no plano profissional. Não
tenhamos medo. Isso não provém de Deus. Muitos
crentes têm medo de usar seus dons e assim testemunhar de Deus, porque receiam o ridículo, a zombaria,
a crítica, a oposição e a violência. Deus equipa-nos
e seu equipamento não inclui o medo. Se estamos
ansiosos e apavorados, esses sentimentos não vêm do
Deus a quem chamamos “Pai”.
O Espírito Santo infunde-nos o espírito do poder
quando começamos a testemunhar (viver por Cristo
ou para ele), nunca antes. Para que serviria o poder,
se não há o testemunho de Cristo? O poder chega à
medida que o nosso silêncio acerca de Cristo é interrompido.
O espírito de amor que Deus nos dá é o amor ágape, que surge na mente e na vontade e que se realiza
nas emoções. Esse tipo de amor é um dom de Deus.
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Gente cansada de igreja
Porque só ele o tem naturalmente, nós o recebemos dele
sobrenaturalmente. Só ele o tem, mas ele no-lo dá.
Sua primeira manifestação, portanto, é receptiva. Deus nos dá o espírito de ser amado por ele. A
timidez age aqui também sobre nós, impedindo que
aceitemos esse amor.
Esse amor em nós é produtivo, no sentido que
nos impulsiona para fora de nós mesmos, em direção
a Deus e ao outro. O amor que Deus nos dá é o amor
que se esvazia de si mesmo, como seu Filho fez. É o
amor que não existe na relação dar-receber. Esse tipo
de amor não faz parte da nossa natureza. É contrário
aos nossos genes.
É o amor-entrega a Deus que faz o servo de Deus
dispor-se a sofrer as consequências do poder do
evangelho em sua vida.
É o amor auto-esvaziado que nos impulsiona a
amar as pessoas, mesmo os inimigos.
Se alguém pudesse me interromper, gritaria:
— Alto lá. Você está sendo teórico demais, poético demais.
Pois eu respondo que, apesar de não amarmos
desse modo, nós temos o poder de amar assim, porque Deus o deu a nós. Ele não é teórico: nós somos.
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Há um dom em você
Só não somos práticos porque temos medo,
embora saibamos que o Pai não nos legou o espírito
da covardia. Não precisamos ter medo de amar,
porque temos o dom de amar como o Pai nos ama,
como seu Filho nos ama, como seu Espírito nos ama.
O espírito de moderação (sofronismou) que Deus
nos dá pode ser pensado em muitas direções. Temos
a força e temos o amor. O que nos falta? Será a sabedoria, para pôr em ação o poder e o amor? Não
falta mais, porque Deus também nos deu o espírito
de sabedoria, moderação, equilíbrio.
Ser moderado é controlar as emoções, quando
devem ser controladas; é liberar as emoções, quando
devem ser liberadas.
Ser moderado não é ser contido, mas equilibrado.
Ser equilibrado não é ser fechado, fleumático, para
dentro; é ser aberto, capaz de caminhar por entre os
extremos.
Moderação também é a capacidade que Deus
nos dá para julgar os outros do mesmo modo que
queremos ser julgados. Como gostamos de julgar!
Como achamos corretos os nossos julgamentos!
Como gostamos de não ser julgados! Como achamos
que os julgamentos alheios a nosso respeito não são
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Gente cansada de igreja
corretos! Por isso, precisamos do espírito de moderação.
Moderação é ainda a capacidade que Deus nos
dá para discernir o tempo e as coisas, de modo que
possamos decidir e agir com prudência, na hora certa e sem precipitação. Como é difícil a moderação!
Como é fácil falar na hora de calar! Como é fácil
calar na hora de falar! Como é fácil comprar na hora
de poupar! Como é fácil guardar na hora de gastar!
Precisamos do espírito de moderação.
Moderação é também a capacidade que Deus
nos dá para persistir nas causas que abraçamos, quer
profissionais, quer familiares, quer eclesiásticas. Na
cultura do fácil, desistimos quando o bom é difícil e
duro, esquecidos de que o melhor é sempre o mais
difícil. Precisamos de disciplina própria, que nos faça
ter método e paciência para alcançar os alvos que
elegemos para a vida. Graças a Deus que ele nos dá o
espírito da moderação.
Assim, quem tem poder (força), amor (que é derramamento) e moderação (que é sabedoria de vida),
do que mais precisa?
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Há um dom em você
Como reavivar o dom
Em relação aos dons, há três tipos de cristãos:
• Os que mantêm o entusiasmo do dom (no original antigo, significa ter Deus dentro de si).
Esses cristãos têm o dom, sabem que o têm e
vivem segundo o poder desse dom.
• Os que diminuíram a força do dom. Esses
cristãos têm o dom, sabem que o têm, mas têm
mantido em chama branda a sua combustão.
Seu calor é o calor de uma estrela distante, da
Lua noturna, nunca do Sol radiante.
• Os que permitiram que o seu dom fosse apagado. Esses cristãos têm o dom, mas já não sabem
que o têm. É como se não mais o tivessem.
Quem está com o dom aceso ore para que Deus
mantenha o seu calor, como uma usina que gera
energia e luz.
Quem está com o dom em banho-maria ou apagado peça a Deus que ele seja reaceso. O crente não
pode deixar que o fogo do Espírito se apague.
Como reavivar o dom? Há dois tipos de compromissos para a manutenção do nosso dom. Um no plano da memória e outro no plano da disposição.
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Gente cansada de igreja
Projeto-memória
No plano da memória, precisamos:
• Lembrar-nos de que um dia recebemos o dom
de Deus (verso 6).
Quando nos salvou, Deus nos deu parte do seu
caráter. Na conversão, fomos separados para viver
segundo a vontade de Deus, não mais segundo a nossa. Isso não aconteceu por causa das nossas ações,
mas apesar delas. O dom foi-nos concedido segundo
o propósito e a graça de Jesus Cristo (verso 9). Não
foi algo que conquistamos e de que podemos abrir
mão. Nós é que fomos conquistados por quem não
abre mão de nós. Deus se manifestou em nossa vida
pelo aparecimento de nosso Salvador, Cristo Jesus, o
qual destruiu a morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade pelo evangelho.
Não podemos nos esquecer disso. Se esquecemos,
permitimos que o dom se apague. Se lembramos, permitimos que o dom continue aceso.
• Lembrar-nos do conteúdo desse dom, que é
de poder, amor e moderação (verso 7).
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Há um dom em você
Quando nos sentirmos fracos, lembremos que temos o espírito de poder (força) de Deus, apesar dos
escombros dentro de nós e ao nosso lado.
Quando nos sentirmos sós, lembremos que temos
o amor desinteressado de Deus por nós a nos fazer
companhia. Quando nos sentirmos desorientados,
lembremos que temos o espírito de moderação, que
nos capacita à caminhada na vida, em meio a tantas
decisões necessárias e urgentes.
Projeto-disposição
No plano da disposição, precisamos:
• Dispor-nos a viver intensamente a vida cristã,
pois essa é a nossa santa vocação (verso 9).
Todos somos chamados ao testemunho. Timóteo
era pastor. Paulo era pregador, apóstolo e mestre
(verso 11). E você, é o quê?
A maioria dos cristãos não conhece os seus dons.
Por isso, precisam ler e praticar o ensino de Paulo,
como indicado em Romanos 12.3-8, 1Coríntios 12.411 e Efésios 4.7-16. Nesses textos, temos várias listas,
nunca exaustivas nem conclusivas, para lembrar que
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Gente cansada de igreja
sem o exercício dos dons não há dons. No Novo
Testamento, aprendemos que os dons espirituais são
os instrumentos com que o Espírito Santo equipa o
crente para seu ministério no mundo.
Qual é o seu dom? Quais são os seus dons? O que
você tem feito com ele? Se você é cristão, você tem
pelo menos um dom. Trate de descobri-lo e aceitá-lo,
como dever e privilégio.
• Dispor-nos a trabalhar pelo evangelho, que é
a forma de experimentarmos o poder de Deus.
O convite do apóstolo ao seu filho na fé foi preciso: Timóteo, “participa comigo dos sofrimentos do
evangelho segundo o poder de Deus” (verso 8). É
como se Paulo lhe estivesse passando a tocha olímpica. Por isso, posso perguntar aos mais velhos: Que
cristianismo estamos passando aos mais jovens? Posso também perguntar aos mais jovens: Que disposição têm vocês para levar a tocha do evangelho de
Cristo?
• Dispor-nos a mudar de um estilo apagado para
um estilo vibrante; de um estilo dependente
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Há um dom em você
de si mesmo, para um estilo dependente de
Deus.
Como escreveu C. S. Lewis, não existe felicidade
e paz independentes de Deus. A vida cristã tem de
ser um brado de vitória. Ela começa com o brado de
vitória sobre as trevas, trazendo-nos a luz; com o brado de vitória sobre a morte, trazendo-nos a imortalidade (verso 10). Não podemos permitir que as trevas
e a morte cantem vitória sobre nós.
Ser cristão significa que somos pregadores de Deus,
isto é, mensageiros de uma mensagem que não é nossa, mas divina. Anulamos o nosso dom, quando passamos a proclamar um evangelho, não o evangelho.
Nosso fracasso decorre de esquecermos que somos
portadores do poder de Deus, não do nosso. Nossa vitória decorre de dependermos de Deus, nunca de nós
mesmos, jamais dos valores correntes do nosso tempo.
Ser cristão significa que somos enviados a pessoas
que não escolhemos, mas que Deus escolheu. A
igreja fracassa quando se envia a si mesma, ao passo
que foi constituída para ser enviada por Deus ao
mundo. Uma igreja cujos membros trocam gentilezas
e servem uns aos outros não é igreja. É um clube.
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Gente cansada de igreja
Ser cristão significa que somos comissionados
como mestres, prontos a ensinar com dedicação,
nunca com superficialidade, acerca do poder de
Deus. Um evangelho superficial que não incomoda
os crentes e não desafia os descrentes não é um
evangelho. É uma filosofia. E filosofia ruim, porque
desviada de sua rota e longe de sua raiz.
Permita-se incomodar pelo Espírito Santo, seja
para ser convencido do pecado, seja para ser capacitado por ele a ser testemunha do poder de Deus. Se
você não está usando o dom de Deus, está desperdiçando a própria vida.
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