da distinção entre filosofia do direito e ciência jurídica

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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA
DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA*
Norberto Bobbio
Tradução: Jonathan Hernandes Marcantonio
João Ibaixe Jr.
1. Nosso modo de conceber a filosofia do direito é diferente do modo tradicional e convencional. Para nós, a filosofia
do direito apresenta-se, sobretudo, sob duas formas: como
ideologia jurídica, isto é, como posição de valores ideais (em
particular o valor da justiça) baseados nos quais aprovamos e condenamos as ações dos homens e as leis mesmas
que os governam; e como metodologia jurídica, isto é, como
crítica do conhecimento jurídico. Pode-se dizer com outras
palavras que a filosofia do direito coloca-nos exclusivamente
dois problemas: o problema axiológico (o problema do valor)
e o problema crítico (o problema do método científico), porém
acrescentando uma advertência de que os dois problemas
derivam de uma única e fundamental atitude diante da realidade, tanto é verdadeiro que o problema axiológico implica
uma crítica (crítica do agir) e o problema crítico implica uma
axiologia (isto é, uma doutrina do critério de verdade).
* Tradução do italiano, do Capítulo I, intitulado Filosofia del Diritto e
Scienza Giuridica, da obra Teoria della Scienza Jurídica, de G. Giappichelli, Turim, 1948.
**Doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Pesquisador do Grupo de Estudos em Direito, Análise Informação e Sistemas da
PUC-SP. Pesquisador convidado do Instituto de Filosofia da Universidade
Livre de Berlim (Alemanha). Professor universitário.
*** Mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Advogado e professor universitário.
REVISTA DO CURSO DE DIREITO
Existem, naturalmente, muitos outros modos de conceber
a natureza e a competência da filosofia do direito. Há os que
negam a existência de qualquer que seja a filosofia do direito
(por exemplo, os positivistas do século passado que identificavam a filosofia do direito, de tempos em tempos, com a teoria
geral do direito ou com a sociologia), ou os que lhe negavam
a autonomia (por exemplo, Croce, que reduziu a filosofia do
direito à filosofia da economia). A doutrina dominante, ao
contrário, que teve aqui na Itália o apoio de alguns entre os
mais autorizados estudiosos de nossa matéria, como Icilio
Vanni (positivismo crítico), Giorgio del Vecchio (neokantismo),
Adolfo Ravà (idealismo), está propensa a dividir o estudo da
filosofia do direito em três partes e a atribuir-lhe, portanto,
três competências: a competência lógica ou ontológica (que
consiste na pesquisa do conceito do direito ou daquilo que
é o direito); a competência deontológica (que consiste na
pesquisa do fundamento do direito, ou daquilo que o direito
deve ser); a competência fenomenológica (ou pesquisa das
leis constantes que conduzem ao desenvolvimento histórico
do direito, ou do direito na sua formação).
Fazendo um rápido confronto com a posição por nós assumida, vem-nos de repente observar que a tripartição acima
referida não conhece o problema metodológico (que de fato
foi por eles mais negligenciado, do que deriva a necessidade
de colocá-lo novamente sob a atenção seja dos filósofos, seja
dos juristas, e é isto que desejamos exatamente mostrar neste curso); mas enquanto excluído o problema metodológico,
atribui-se à filosofia do direito duas competências que não
lhe reconhecemos: a competência ontológica e a competência
fenomenológica. Assim é que o único ponto em comum entre
a nossa posição e a denominada doutrina das competências
é a consideração da competência deontológica que coincide
com nossa teoria da justiça.
2. A exclusão das competências ontológica e fenomenológica do campo da filosofia do direito não significa,
naturalmente, que o estudioso do direito possa prescindir
do estudo do conceito de direito (competência ontológica) e
da pesquisa das leis constantes da formação jurídica (competência fenomenológica); significa somente que estes dois
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
problemas não são para nós problemas filosóficos, ao contrário, são problemas científicos, que fazem parte, portanto,
não da filosofia do direito, mas da ciência jurídica em seu
significado mais amplo.
O problema do conceito do direito (que consiste em dizer
o que o direito é) distinto do problema do valor do correto
(que consiste em dizer que coisa o direito deve ser) é empírico;
e como tal (segundo o que veremos melhor adiante quando
falaremos da natureza da ciência) é um problema científico.
Trata-se de estabelecer, não aquilo que é idealmente justo,
mas aquilo que é de fato, na realidade, jurídico, e que não
se pode fazer a não ser baseando-se na experiência jurídica,
isto é, sopram os direitos efetivamente (se não atualmente)
vigentes, ou direitos históricos (para estudar-se, portanto,
não metafisicamente, mas historicamente). Posso dizer, como
exemplo, que o direito é norma ou, mais precisamente, uma
espécie particular de norma (a provida de sanção): e com a
qual distingo a norma jurídica das normas morais, religiosas,
sociais etc. Posso ainda dizer que o direito é instituição, e
mais precisamente, uma espécie particular de instituição (a
instituição organizada que implica uma autoridade e uma distribuição das funções de seus membros), e com isto distingo
a sociedade jurídica, por exemplo, da comunidade espiritual
etc. Posso, além disso, dizer que o direito é relação, e mais
precisamente uma espécie particular de relação (a relação intersubjetiva recíproca): e, além disso, distingo a relação jurídica
da relação econômica, da relação moral etc. Todas essas três
formulações do conceito de direito – o direito como norma, o
direito como instituição, o direito como relação – às quais se
pode reconduzir as principais teorias sustentadas em ordem
com o problema, assim dito, ontológico do direito, derivam do
estudo da experiência jurídica, isto é, da pesquisa daquilo que
é historicamente dado como direito: são, em outras palavras,
generalizações da experiência jurídica, e não são, de fato, construções filosóficas, ou princípios deduzidos especulativamente
de qualquer concessão total da realidade.
Como problema empírico, o problema do conceito do direito não pertence à filosofia porque não se pode diferenciar,
de modo algum, qualquer outro problema científico. O estudo
do conceito do direito pertence, portanto, a uma disciplina
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diferente da filosofia e que os juristas chamam de teoria geral
do direito. O que se deve entender por teoria geral do direito
será visto em seguida.
Aqui nos limitamos a observar que o problema discutido pela filosofia do direito na parte dedicada ao exercício
ontológico do direito é, na realidade, aquele que os juristas
chamam de fato de teoria geral do direito: e são os problemas da norma jurídica, dos princípios da norma jurídica, da
pesquisa jurídica, dos temas e do objetivo da norma jurídica,
e assim por diante.
Como na prática não vemos nenhuma diferença entre
os problemas tratados pelo filósofo do direito quando fala do
mencionado exercício ontológico e aquele tratado pelo jurista
quando fala da teoria geral do direito, não vemos necessidade
de atribuir à filosofia uma tarefa que cabe por direito à ciência
jurídica e que é desenvolvida quase sempre pelos juristas.
Com isso, sustentamos a redução do método ontológico
da filosofia do direito à teoria geral do direito.
3. Também o exercício fenomenológico não pertence,
como pensamos, à filosofia do direito, porque a pesquisa que
isso envolve é empírica e, portanto, científica.
O exercício fenomenológico da filosofia do direito chama-se
estudo das leis invariáveis que regulam a evolução do direito.
É, em outras palavras, a filosofia da história do direito, isto
é, a filosofia da história aplicada em particular ao estudo da
história jurídica: e, de fato, por filosofia da história se entende
o estudo das leis presumivelmente universais que regem o devir
da história, e com base nas quais, portanto, seria capaz ainda,
quando estas leis pudessem ser determinadas com exatidão,
prever o futuro da história humana. É considerada, por exemplo, uma lei típica da história jurídica a assim conhecida “lei
do Maine”, segundo a qual a evolução do direito passaria necessariamente, e, portanto, em todo sistema jurídico privativo,
da fase da agregação necessária, ou regime de “status”, para
a fase de associação voluntária, ou regime de “contrato”.
Identificado o exercício fenomenológico com a filosofia da
história jurídica, o problema pode ser colocado nos seguintes
termos: é possível, e dentro de que limite é possível, a filosofia da história em geral e aquela do direito em particular? O
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
problema é colocado agora de várias maneiras e resolvido na
maior parte dos casos de modo desfavorável para a filosofia
da história. Não podendo aqui nos deter minuciosamente
sobre este problema (limitamo-nos apenas a recordar que a
filosofia da história tem sido uma das bestas negras da Cruz
que foi repetida e resolutamente combatida), basta dizer
que a conclusão comumente alcançada nesta matéria é que
a filosofia da história ou não é possível como tal ou não é
totalmente uma filosofia.
Aqueles que sustentam que a filosofia da história não é
possível como tal baseiam-se no argumento fundamental de
que a história do homem, à diferença da evolução mecanicista
determinada da natureza, pertence ao reino da liberdade e
que, portanto, não é possível, como é ao contrário possível
pelo estudo da natureza, estabelecer leis universais da história humana, do momento em que todo evento histórico,
sendo a demonstração da livre decisão do homem sozinho,
individualmente empenhado naquela situação particular e
responsável por sua decisão, de qualquer modo é imprevisível, e, portanto, não sujeito a um esquema pressuposto. Esta
tese foi reforçada pelo fato de que, ainda no campo da ciência
natural, veio sempre mais esclarecendo que, pelo menos no
mundo microscópico, cai toda possibilidade de estabelecer leis
universais e necessárias e é preciso contentar-se com leis puramente estatísticas ou de meros índices de probabilidade.
Negada, assim, a possibilidade de uma ciência universal
dos fatos históricos, de uma espécie de sistema racional e
absoluto da história humana, ficamos limitados ao campo
da filosofia da história, por assim dizer, para constatação
e pesquisa do contínuo empirismo do processo histórico,
vale dizer, aquela generalização que, derivada da observação
empírica, não tem nenhuma pretensão de universalidade,
mas tem valor puramente classificatório ou indicativo de
uma tendência, sem que esta “indicação” pretenda ter valor
de regra absoluta, e, portanto, não deva ser continuamente
submetida à avaliação das novas observações empíricas que
possamos, assim, confirmar, mas também modificar ou eliminar. Mas a filosofia da história, uma vez reduzida a esta
função puramente generalizada, não é mais uma filosofia,
no sentido tradicional da palavra, mas uma ciência empíriRevista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011
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ca, não diferente da ciência da natureza, se não pelo objeto
que é constituído pelos fenômenos naturais e, além, pelos
eventos históricos.
Mais precisamente, a ciência empírica que estuda naturalisticamente (isto é, com método próprio da ciência natural) a experiência histórica vem até nós pouco a pouco e
sempre mais bem figurado como sociologia, ou pelo menos
como ciência da sociedade que renunciou a qualquer pretensão filosófica e se limita a ser uma pesquisa, fundada na
observação empírica das leis constantes com base na qual
se forma, se desenvolve e declina a sociedade humana. A
filosofia da história confluiu, assim, para a sociologia e por
essa razão, enquanto a filosofia da história como filosofia
é agora extinta e sobrevive somente nos cantos mortos da
filosofia contemporânea (lá onde se encontram os pseudoprofetas, os vaticinadores das catástrofes, toda a multidão
dos pseudofilósofos), a sociologia como ciência empírica dos
fatos históricos ocupou seu posto e se desenvolve sempre
mais alargando e aperfeiçoando seus próprios métodos de
pesquisa.
Retornando ao exercício fenomenológico da filosofia do
direito, amparados no verdadeiro direito, depois do que se
constatou acerca da redução da filosofia da história a sociologia, que este exercício não tinha nada o que fazer com a
filosofia do direito, mas seja no mínimo uma parte daquela
peculiar forma de sociologia que se chama sociologia jurídica.
A sociologia jurídica é uma pesquisa empírica que trabalha
com método naturalístico, e tem o método geral de estudar
as relações entre direito e sociedade, e, como consequência,
fixar quais são as leis constantes e puramente tendenciosas,
com base nas quais se evolui a sociedade jurídica. Não há,
então, problema do assim chamado “método fenomenológico”
da filosofia do direito que – uma vez negada a possibilidade de uma filosofia da história como filosofia – não possa
entrar novamente na pesquisa a que se dedica a sociologia
jurídica. Acrescentamos que somente nesta inserção na sociologia jurídica, que se vale de todas as investigações, as
descobertas, os conceitos gerais da sociologia em geral, o
assim conhecido “método fenomenológico”, pode haver um
desenvolvimento adequado, aquele desenvolvimento que até
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o momento, ligado como estava à filosofia do direito, não
pode, ao menos na Itália, se desenvolver 1.
4. Vamos retomar: daquilo que dissemos anteriormente
resulta para nós a necessidade de distinguir exatamente a
filosofia da ciência e dar à filosofia só o que for dela, e à
ciência aquilo que lhe é próprio. Fazendo esta distinção, a
cada minuto nós distinguimos delas três métodos da filosofia do direito, porque dois desses métodos nos são revelados
como métodos próprios de pesquisa tipicamente científica
Portanto, a filosofia do direito se caracteriza como tal, isto é,
como teoria da justiça – por seu método deontológico – como
aquela doutrina que investiga e atribui valor de base, com o
qual infere todos os atos pertencentes à experiência jurídica.
E ao lado da teoria da justiça, tem-se como pesquisa empírica, vale dizer científica, a teoria geral do direito (que absorve
1
Na Itália não há um conhecimento geral atualizado de sociologia jurídica. Os conhecimentos do assim chamado “método fenomenológico” que
encontramos nos tratados de filosofia do direito não são suficientes, e
devemos acrescentar, nem mesmo atualizações. A sociologia jurídica está
atualmente em pleno desenvolvimento nos países anglo-saxões; pode-se
observar que neste caso este desenvolvimento está arriscado a tornar-se
hipertrófico, porque a sociologia jurídica está para absorver tanto a filosofia
do direito quanto a mesma ciência do direito. O primeiro e ainda hoje mais
importante conhecimento da sociologia jurídica não é mais americano nem
inglês, mas alemão. É a obra de Eugen Ehrlich, Grundlegung der Soziologie des Rechts, 1912, hoje largamente difundida nos países anglo-saxões
por meio de uma tradução inglesa de 1936. Ocorre ainda que o principal
filósofo do direito americano ainda vivo, Roscoe Pound, é essencialmente
um filósofo do direito, e em 1911, num artigo intitulado Scope and purpose
of sociological jurisprudence, confirmava os direitos e apontava a importância da sociologia jurídica; quando grande parte das escolas jurídicas
americanas que se referem direta ou indiretamente a Pound são escolas
de orientação claramente sociológica. Entre os mais notáveis sociólogos
do direito vivos é necessário lembrar Georges Gurvitch, de origem russa,
emigrado na França depois da revolução, e nos Estados Unidos durante a
última guerra. Precisamente neste último país publicou, em 1947, Sociology
of law, que retrata em grande parte a resolução sistemática da extensa
pesquisa histórica e teórica conduzida em torno do problema da origem
social do direito, das relações entre direito e sociedade e das várias formas
de sociedade jurídica.
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o método ontológico) e a sociologia jurídica (que absorve o
método fenomenológico)2.
Com o intuito de esquematizar (mas ao mesmo tempo chamar novamente a atenção sobre o perigo de se manter preso
exclusivamente aos esquemas), podemos dizer que a teoria da
justiça determina os fins aos quais a sociedade humana deve
estar inspirada. A sociologia jurídica, por sua vez, indica os
meios que devem ser utilizados para adequar-se melhor a esses
fins, e, por fim, a teoria geral do direito visa estabelecer a forma
como esses meios devem ser utilizados para que seja possível
alcançar tal fim valorativo. Podemos dizer, de outro modo, que
perante um determinado ordenamento jurídico podemos assumir três perspectivas intelectuais diversas: ou o estudamos a
partir de sua formação e de sua evolução (sociologia jurídica),
ou o consideramos a partir de sua estrutura formal (teoria
geral do direito) ou, ainda, o avaliamos, cotejando-o com um
determinado valor que colocamos como critério ideal, colocando,
em seguida, uma base para sua transformação se acreditarmos que ele não corresponde ao modelo ideal adotado (teoria
da justiça). Em todas as perspectivas fica evidente que existe
essencial diferença entre a postura da mentalidade própria da
2
Esta distinção entre teoria da justiça, de um lado, e sociologia jurídica e
teoria geral do direito, de outro, traz uma correspondência quase perfeita
nas ideias sustentadas recentemente por um jurista inglês, Julius Stone,
o qual, em uma volumosa obra (de cerca de mil páginas) dedicada ao
estudo geral do direito, intitulada The province and function of law, Sidney, 1946, sustenta que o estudo introdutório do direito (que nos países
anglo-saxônicos se chama jurisprudência) deve ser constituído das três
partes seguintes: 1) jurisprudência analítica (que corresponde à nossa
teoria geral do direito); 2) jurisprudência crítica (que corresponde à nossa
teoria da justiça); 3) jurisprudência sociológica (que corresponde à nossa
sociologia jurídica). À parte o nome impróprio de “jurisprudência” dado a
todas as três partes, o material de investigações e o modo de distribuílo são idênticos àqueles que apresentamos no texto. Trata-se, por outro
lado, de mais que uma voz isolada de uma tendência da filosofia do direito
nos países anglo-saxônicos, como pode resultar pela leitura da obra de
W. Friedmann, Legal theory, Londres, 2. ed., 1949, na qual se aceita a
mesma divisão. Para maior esclarecimento, ver meu artigo: Interpretazioni
anglosassoni della filosofia del diritto, in Riv. int. fil. dir, 1950, fasc. I.
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
teoria da justiça e aquela da teoria geral do direito e da sociologia. Acima de tudo, esta última abordagem é logicamente
dependente da primeira: a determinação do fim, na verdade,
é o pressuposto necessário para uma pesquisa que aborde os
meios e a forma; não faz sentido buscar os meios e estabelecer a forma para alcançar o fim se não houver a determinação
acerca de qual fim se trata. De outro modo, até ao examinar o
ordenamento jurídico em sua formação ou em sua estrutura,
não se identifica a realidade por meio de identificação de um
de seus aspectos característicos, o que não resulta, de modo
algum, de uma identificação pela experiência. Somente quando
submeto o ordenamento jurídico a uma valoração, por intermédio da teoria da justiça, coloco-me diante da realidade por
criticá-la, e, no limite da possibilidade humana, por transformála. Esta diferença essencial entre a teoria da justiça e as outras
duas abordagens, comumente atribuídas à filosofia do direito,
reconduz-nos à diferença entre filosofia e ciência, isto é, ao
fato de que somente a primeira é verdadeiramente filosófica,
enquanto as outras duas são abordagens científicas.
Quando da pergunta sobre a diferença que fazemos
entre a filosofia, de um lado, e a ciência em particular, do
outro, limitar-nos-emos a dizer, para não ter que recordar
coisas ditas de forma mais aprofundada em outro curso,
que a ciência em particular se reduz à tomada de posse
ante a realidade, enquanto a filosofia consiste na tomada de
posição ante a realidade, justamente como já se afirmou na
Introdução deste livro. Aplicando esta distinção na esfera
do Direito, certamente a ciência jurídica (incluindo todas as
espécies desta ciência, como a sociologia jurídica e a teoria
geral do direito) nos aparece como investigação destinada a
garantir que haja uma dependência do homem de uma padronização teórica da realidade jurídica, enquanto a filosofia
do direito, como teoria da justiça, assume posição diante de
uma determinada realidade jurídica, por aprová-la como justa
ou por condená-la como injusta. O jurista, em suma, está
dentro da realidade jurídica e a aceita da forma como ela se
manifesta: e ai dele se não a aceitasse! Todo o seu sistema
lógico-científico ruiria, sendo privado de sentido. O filósofo
do direito, ao contrário, coloca-se acima da realidade jurídica e, guiado por uma determinada concepção do mundo,
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que particularmente na zona relativa ao direito apresenta-se
como ideal da justiça (ideologia política), decide, com base na
comparação que faz do direito com seu modelo ideal, se deve
aceitá-lo ou não. E se não o aceitar, não lhe restará outra
coisa a fazer, se quiser ser coerente com suas ideias, a não
ser propiciar sua transformação.
5. Dizer que filosofia e ciência são distintas não significa
que devamos escolher entre uma das duas, como infelizmente acontece, e com bastante frequência, seja por culpa dos
filósofos, seja por culpa dos cientistas. É uma problemática
da qual muito se tem escrito e polemizado, e à qual ainda
vale a pena se ater. É fato que cientistas e filósofos habitualmente fazem cada um seu próprio caminho, um ignorando
o do outro. E, quando encontram é somente para mostrar
um desprezo recíproco. Para os cientistas, os filósofos são
“apanhadores de nuvens”. Para os filósofos, os cientistas são
uma espécie de verme que rasteja na terra e nunca levanta
os olhos para o céu para olhar a luz.
Esta situação tornou-se bastante aguda na Itália, onde
as últimas correntes de filosofia que tinham tido alguma ressonância, como o idealismo e o existencialismo, mostraram
ser filosofias totalmente desprovidas de interesse científico
e, portanto, como consequência, contribuíram para expandir o sulco que já separava por si naturalmente os filósofos
dos cientistas. Sem mencionar que a Itália, por sua tradição
filosófica, é um terreno fértil para toda filosofia do tipo metafísico; diferentemente dos países anglo-saxões (onde floresceram as tradições empiristas), aqui, na Itália, a filosofia
anticientífica engendrou-se com grande rapidez e fragor.
Pode-se dizer, grosso modo, que há duas grandes tradições filosóficas: uma de tipo humanístico e outra de tipo
científico. Para a primeira, o filósofo é antes de tudo um humanista, para a segunda, em vez disso, é um cientista. A concepção humanista inclina-se à retórica, enquanto a científica
quer manter-se no terreno da realidade e não compreender
erroneamente os fatos pelo uso de belas palavras. A filosofia
acadêmica – sobretudo depois da decadência do positivismo
(que por seu turno não teve grande repercussão na Itália) – é
de um modo geral uma filosofia do tipo humanista: ignora a
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
ciência e se compreende por sua vez ignorada pela ciência.
Não seria de grande peso se a filosofia se limitasse apenas
a ignorar a ciência; mas, o que é pior, é que a filosofia, ao
ignorar a ciência e considerá-la independente da filosofia, pretende prescrever padrões de desenvolvimento e determinar-lhe
seu fim. E é por isso que entre a filosofia acadêmica oficial, a
filosofia assim chamada de cátedra, e a ciência particular não
há boas relações. Não há nada mais irritante do que receber
sermões de quem não faz nada para compreender.
Contra a filosofia do tipo humanístico no caso, neste curso, se defende o objetivo da filosofia do tipo científico. Nossa
tese é, em poucas palavras, esta: enquanto a ciência pode
fazer pouco da filosofia, a filosofia não pode fazer pouco da
ciência. Que a ciência possa fazer pouco da filosofia significa
simplesmente que o cientista, para fazer suas descobertas, não
tem necessidade de ter alcançado o conhecimento filosófico
que lhe permita assumir uma determinada postura perante a
realidade que ele investiga. O cientista toma posse da realidade por intermédio de uma série de expedientes operacionais
e intelectuais que constituem o método científico: não há
necessidade de outro além de um método sempre mais bem
aperfeiçoável. Mas o método, como constantemente é claro
para qualquer um, é construído pelo próprio cientista. Não
creio que seja muito difícil admitir que o grande progresso
da ciência foi alcançado pelos cientistas, fazendo-o somente
pela ciência (isto é, da rigorosa e controlada pesquisa) e sem
recorrer a nenhum subsídio da filosofia. Ao contrário, pode-se
dizer mais: o cientista obteve todos os seus resultados apesar
da filosofia, a qual se foi cristalizando em uma determinada
concepção que se pretende absoluta e universal e, como tal,
definitiva e, portanto, imutável. Alguns resultados da ciência
são normalmente obstruídos pela filosofia, e se não obstruídos,
no mínimo trazem mais dificuldade ao posterior progresso do
saber científico. Entendemos que o cientista pode fazer pouco
da filosofia somente quando faz dela ciência; muito frequentemente, ao contrário, o cientista, como é notório, quer fazer da
filosofia, assim, uma propiciadora de uma escalada das noções
científicas em uma visão mais ampla da realidade. Neste caso,
a ciência, é óbvio, não mais o ajuda; e lhe é necessária a filosofia. Mas é, sobretudo, óbvio que no caso de a ciência não
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mais o ajudar e lhe ser necessária a filosofia, ele deixará de
ser cientista por ser alçado além dos limites da ciência.
Se a ciência pode fazer pouco da filosofia (pelo menos, até
os limites da ciência), não é, por outro lado, verdade, segundo
nosso pensamento, que a filosofia possa fazer pouco da ciência.
Se não faz pouco, se se crê no poder de fazer pouco, como
acontece no caso da filosofia humanística, arrisca tornar-se
uma filosofia estéril e vazia, vagamente consoladora e não
concretamente reformadora. A esta afirmação se conduz a
extensa distinção entre filosofia e ciência feita por nós: se a
ciência é ter sob posse e a filosofia é assumir um posicionamento, não posso pensar em assumir um posicionamento que não
se baseie na posse de algo. Se se escolhe uma posição perante
uma realidade qualquer sem conhecê-la, isto é, sem saber dela
tudo o que o conhecimento científico me permite saber, meu
posicionamento passa a ser arbitrário, e, portanto, ineficaz,
subjetivo e sem qualquer alinhamento com os demais.
Naturalmente se pode sustentar que a filosofia não precisa
da ciência porque chega à realidade por um caminho diferente
do percurso da ciência, um caminho muito mais seguro e mais
certeiro e que conduz diretamente à verdade substancial sem
necessidade de passar pelo esclarecimento disponibilizado
pelo mundo fenomênico, somente acessível à ciência. Mas,
para aqueles que sustentam tal tese – e é a tese pela qual se
defende a filosofia anticientífica –, pode-se responder que o
caminho trilhado por ela, ao contrário do caminho científico,
provou bons resultados. Se esta prova não nos fosse dada, não
teríamos razão para duvidar que há outro caminho de acesso
à realidade diferente daquele dado pela experiência, que é, a
princípio, o caminho percorrido pelo conhecimento científico.
De resto, nenhuma das vias filosóficas tentadas pela metafísica ao longo do tempo baseou-se em ciência, mas se reduz
à grande via da intuição, que se apresenta ora como evidência
ora como verdadeira e própria apreensão direta e imediata da
realidade em contraposição à compreensão mediata da ciência
baseada na observação controlada. Toda a história da filosofia
sabe da contraposição entre a filosofia intuitiva e a filosofia
positiva: a característica de qualquer filosofia intuitiva, inclusive aquelas mais recentes, de Bergson e de Husserl, é a
atitude polêmica contra a ciência, considerando-a uma forma
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
de conhecimento inferior ou deteriorado. Ora, sem se deixar
envolver pelas críticas intuitivistas, as quais se apresentam
muito distantes (e foram apresentadas no curso anterior),
limitamo-nos a dizer que a intuição não tem outra garantia de
sua própria validade que não ela mesma: o critério de verdade
da intuição é a própria intuição. O que acontece, então, se a
minha intuição for diferente da sua? Serão as duas válidas?
É isto que conduz ao pluralismo subjetivista. Somente uma é
válida? Mas qual? Qual é o critério que embasa minha decisão,
no que diz respeito a qual das duas é válida? Quando adoto
como critério uma terceira intuição, não soluciono o problema;
apenas o adio, pois a terceira intuição eventualmente adotada
não consegue garantir a si mesma. Se, ao contrário, eu procurar o critério de escolha nos resultados que uma ou outra
intuição me assegura, não conseguirei realizar essa pesquisa a
não ser pela experiência e por meio dela. E com isso deixarei a
intuição e demonstrarei que nada mais que experiência, e não
a intuição, é o fundamento final de meu conhecimento.
6. Toda essa discussão sobre a necessidade de que a
filosofia se mantenha bem ligada à ciência se não quiser flutuar como uma nuvem em céu tempestuoso significa que a
filosofia não pode pretender que seu campo de pesquisa seja
diferente daquele da ciência. A filosofia deve levar em conta
as possibilidades propiciadas pelos resultados da ciência. Distinguiremos uma filosofia saudável de uma filosofia enferma
segundo seu maior ou menor contato com a ciência. Quanto
mais um filósofo mantiver contato com o saber científico,
tanto mais sua concepção total do mundo (em que consiste
sua filosofia) será sólida e eficaz. Quem abandona a ciência
termina ou na retórica (a filosofia de belas palavras) ou no
solipsismo (a filosofia da solidão).
É na retórica e no solipsismo que certamente se encerra
grande parte da filosofia do nosso tempo que, por essa razão,
é certamente uma filosofia enferma. Se, de um lado, é uma
filosofia evasiva (o existencialismo) que procura escapar ao
vício dos problemas concretos da sociedade e da história,
buscando um refúgio no qual se proteja dos clamores incômodos que venham dos homens que trabalham e lutam em uma
sociedade, de outro lado é uma filosofia evasiva (o atualismo)
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que não evita os problemas mas se esquiva dando a eles uma
solução puramente verbal e crendo com isso tê-los solucionado também na realidade: esta filosofia busca não agora um
refúgio mas um subterfúgio com o qual deseja livrar-se da
dificuldade que a restringe. Ambas são tentativas das mais extremas com as quais os homens de cultura tentaram se livrar
de suas responsabilidades de “pessoa” vivente na sociedade e
na história. O primeiro modo de livrar-se da responsabilidade
é próprio de uma filosofia dos decadentes, o segundo de uma
filosofia dos retóricos. Ambos os modos são característicos de
uma filosofia que havia abandonado a esfera da experiência
e do conhecimento científico para correr atrás da pretensa
evidência absoluta da intuição ou das sugestões das palavras,
consideradas como tendo valor por si mesmas.
Esta separação entre filosofia e ciência talvez nunca tenha estado tão intensa na filosofia oficial italiana como neste
último ano. Daí a necessidade de reagir e repropor em termos
claros e francos a necessidade de reaproximação e de íntima fusão. Tanto mais que este divórcio é o resultado de um
século de crise na filosofia, não mais tido como um fato real
nos momentos de grande desenvolvimento do pensamento filosófico. Pode-se dizer, pelo contrário, que a excelente filosofia
andou sempre pari passu com a excelente ciência. A origem
da filosofia (as pré-socráticas) coincide com o surgimento do
pensamento científico na Grécia. A filosofia aristotélica (da
metafísica à lógica) reflete e ao mesmo tempo promove o saber
científico do tempo, assim como a filosofia cartesiana reflete
e promove o saber científico no início da Idade Moderna. A
separação começou quando a ciência progrediu a passos tão
rápidos que a filosofia teve dificuldade para segui-la: e então acontece que a filosofia, não conseguindo acompanhar a
ciência e, por outro lado, não podendo pará-la, deixou que
ela seguisse seu caminho. E então nasce para necessidade
de fatos a teoria, que assim muitas vezes ouvimos, sustentada pelos filósofos, que o caminho da ciência e o da filosofia
são por essência diversos. A verdade é, ao contrário, que os
caminhos não são diversos agora como não eram diversos
antes: a verdade para nós é que é sempre um único caminho, e diversos são os revestimentos nos quais a filosofia e
a ciência se encontram num mesmo caminho: a ciência se
308 • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011
DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
encontra numa posição mais avançada, a filosofia está presa
numa posição mais recuada. A ciência, afirmamos, chegou
à teoria da relatividade e a filosofia ainda demora a explicar
o mundo valendo-se da concepção mecanicista dos racionalistas setecentistas ou da evolutivo-orgânica dos positivistas
oitocentistas. Bem notou um cientista-filósofo que, frequentemente, os famosos contrastes entre a ciência e a filosofia
não são outros senão os contrastes entre uma nova teoria
científica, alcançada pela ciência, e a velha teoria científica,
a qual a filosofia, depois de petrificá-la e elevá-la à verdade
absoluta, permaneceu sem ser capaz de revê-la e de removêla3. O contraste, portanto, é somente aparente entre ciência
e filosofia: na realidade é entre uma nova teoria e uma teoria
petrificada, isto é, entre duas teorias científicas das quais a
primeira é válida (e é sustentada pela ciência), a segunda não
o é mais (e é sustentada, ai de mim, pela filosofia). Quando
o contraste chega a esse ponto, nasce entre os filósofos uma
teoria muito perigosa: a teoria da dupla verdade. Segundo
esta teoria (melhor do que teoria seria chamá-la pretexto),
nós temos duas verdades: uma filosófica e uma científica, e
cada uma é válida em sua própria categoria. Deste modo,
salvamos a filosofia, mas salvamos condenando-a a uma perpétua imobilidade, que agrava mais sua inferioridade perante
a ciência. Curioso destino: a teoria da dupla verdade que os
filósofos sustentaram durante a crise medieval para salvar a
liberdade da filosofia do dogmatismo teológico, agora, iniciada
a crise da Idade Moderna, os filósofos são forçados a sustentar para defender suas posições dogmáticas do progresso
do saber científico: lá essa teoria era em função progressiva,
aqui é em função notadamente regressiva.
Não são duas verdades: são, ao contrário, duas diferentes
atitudes perante o mundo, a abordagem de posse científica e
a abordagem do posicionamento filosófico. Duas atitudes que
são estreitamente ligadas uma à outra, e que não podemos
separar senão condenando a filosofia à esterilidade. Por essa
razão, mantemo-nos firmemente contra a filosofia de tipo
3
FRANK, P. Modern science and its philosophy. Cambridge: Harvard University Press, 1949.
Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
humanístico, contra a filosofia evasiva e elusiva, uma filosofia do tipo científico, construída lembrando os resultados da
ciência, em uma palavra, uma filosofia positiva.
7. Nas discussões sobre as relações entre filosofia e ciência
temos frisado dois pontos fundamentais: 1) a ciência e a filosofia são distintas, como é a norma teórica do nosso conhecimento da avaliação que fazemos com a finalidade de determinar
nossa ação no mundo; 2) a filosofia deve considerar os efeitos
da ciência para evitar a estagnação e sua extinção.
Vejamos agora como esses dois pontos se desenvolvem
(e se confirmam seu desenvolvimento) na esfera mais restrita
da relação entre filosofia do direito e ciência do direito.
Enquanto se considera o primeiro ponto, a relação entre
filosofia do direito e ciência do direito, ou, melhor dizendo,
entre o ponto de vista filosófico e o ponto de vista científico
do direito, resolve-se historicamente na relação entre direito
natural e direito positivo. O direito positivo é o direito histórico, isto é, o direito que está em vigência ou teve força em um
determinado lugar e em um determinado período de tempo.
As características do direito positivo são a mutabilidade (limite temporal) e a particularidade (limite espacial). O direito
natural é o direito racional ou essencial ou fundamental, que
não vigora e nunca teve vigência, mas se coloca como norma
ideal do direito positivo. As características do direito natural
são a imutabilidade e a universalidade.
Não é possível determo-nos neste ponto, que é o temor
central da filosofia do direito de todos os tempos, o temor
que constitui a própria razão de ser da filosofia do direito. A
história da distinção entre um direito natural eterno e universal e um direito eventual e particular, a sucessão dos vários
modos com que esta distinção esteve mobilizada, coincide
com a própria história da filosofia do direito. Não estamos a
lembrar os gregos, as discussões entre os sofistas e Sócrates,
as invocações de Antígona, a teoria aristotélica, ou a histórica, ou ainda a epicurista; e em seguida Cícero e os juristas
romanos, toda a filosofia cristã de São Paulo até mesmo São
Tomás; e por outro lado ainda, na Idade Moderna, a corrente
do direito natural leva o nome de jusnaturalismo, de Grotius a
Wolff, e finalmente o direito racional de Kant e de Fichte. Em
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
toda essa longa tradição do pensamento não se discute nem
mesmo a existência dos dois termos da relação. Colocamos
somente em discussão e apenas variando de escola a escola,
a forma e os limites desse relacionamento. Mas ainda que este
relacionamento seja confirmado como estabelecido, confirma
a distinção por nós assumida entre o relacionamento filosófico e o científico, como diferença entre tomada de posição e
tomada de posse da realidade. Ao direito positivo ou histórico
corresponde o movimento científico que, por intermédio do
direito positivo, toma posse da realidade jurídica. Ao direito
natural corresponde o movimento filosófico que implica uma
tomada de posição perante o direito positivo, para aprová-lo
ou condená-lo. O direito positivo constitui a realidade jurídica
estudada pela ciência; o direito natural, ao contrário, representa o critério ideal de valor com base no qual a realidade
histórica é julgada e eventualmente transformada. A ciência
jurídica, ocupando-se do direito positivo, ocupa-se do direito
como fenômeno histórico e não toma conhecimento de todos
os seus desenvolvimentos, em suas várias fases, em suas múltiplas manifestações. A filosofia do direito, enquanto se dedica
ao direito natural (e por muito tempo é identificada exatamente com a ciência do direito natural) tem a ver com a ideia da
justiça com base na qual o direito positivo é julgado, isto é,
coloca um modelo ideal para a avaliação do direito real. Assim,
filosofia do direito e a ciência do direito, enquanto reproduzem
a distinção entre direito natural e direito positivo, encontram
entre si a relação, segundo o senso genuíno da relação entre
filosofia e ciência, há pouco determinada.
Que a filosofia do direito esteja ligada ao direito natural
entendido como direito ideal e, portanto, como termo de avaliação do direito positivo, pode estar confirmado historicamente no fato de que, no último século, quando o direito natural
entrou em crise, entrou em crise também, concomitantemente,
a filosofia do direito, porque faltava à filosofia, com a falta
do modelo ideal, o critério de avaliação, em suma, a esfera
do valor, sua razão de ser, sua possibilidade de distinguir-se
da ciência. A crise da filosofia do direito vai pari passu com
a crise do direito natural; a crítica do direito natural implica normalmente a negação da possibilidade da filosofia do
direito. Não é também o caso aqui de limitarmo-nos a este
Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
assunto que, sobretudo, é bastante conhecido; limitamo-nos
a recordar que, a começar na escola histórica do direito no
primeiro decênio do século XIX, e a terminar com as várias
escolas positivistas de métodos sociológicos, foi-se assistindo
à tentativa de destruir o direito natural; o que leva inevitavelmente à negação da filosofia do direito. Pode-se, além do
mais, acrescentar que esta crise do direito natural no sentido racional e iluminista da palavra já é, contudo, presente,
até mesmo antes do florescer positivista, em Hegel, em cujo
método imanentista falta aquela distinção dos dois planos do
ser e do dever ser, sobre os quais se baseia a possibilidade
da distinção entre direito real e direito ideal. Só que Hegel,
por negar o direito natural como modelo ideal, como dever
ser abstrato fora da realidade histórica, não nega a filosofia
do direito; mas, pelo contrário, em uma das maiores obras de
toda a história da filosofia (Lineamenti di filosofia del diritto,
1821), cria um sistema coerente e completo de filosofia do
direito, buscando a universalidade do ideal ético e jurídico
não fora da história, mas na própria história, pretendido
como a realização do espírito objetivo (e nisso houve um único
grande precursor, Gianbattista Vico, que, assim como Hegel,
combateu o jusnaturalismo abstrato e intelectualista de seu
tempo). Mas Hegel também representou a última grandiosa e
desesperada tentativa de construir uma filosofia como saber
total, isto é, de elaborar um sistema filosófico plenamente coerente e tendo validez absoluta e definitiva. A crise da filosofia
hegeliana foi considerada por isso um acontecimento decisivo
na história do pensamento, no sentido de que representava,
não a crise de uma filosofia particular, mas a crise da própria filosofia. E assim também a grande crise da filosofia do
direito (sobre a qual estivemos entretidos no curso do ano
passado) começa propriamente com Hegel e percorre toda a
segunda metade do século passado.
Vimos que a filosofia do direito encontra em si mesma
dois assuntos gerais científicos que frequentemente são elevados a assuntos filosóficos: a teoria geral do direito e a sociologia jurídica. Bem, a negação da filosofia do direito, após
a crise do pensamento hegeliano, durante o florescimento do
positivismo, foi realizada exatamente na direção destas duas
ciências gerais. E temos, por um lado, a redução da filosofia
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
do direito à teoria geral do direito (Bergbohm) e, por outro
lado, a redução da filosofia do direito à sociologia jurídica
(aqui na Itália, por exemplo, Fragapane).
Neste século, após o esgotamento da chama do positivismo, a filosofia do direito reapareceu considerada como
matéria autônoma distinta da ciência jurídica, individual e
superior a esta. E, naturalmente, com a filosofia do direito
reapareceu o direito natural; o que se pode ver na corrente
neokantiana como aquela que orienta Del Vecchio, e, por
assim dizer, na corrente neotomística. Mas, ainda uma vez,
a filosofia do direito reapareceu considerada como base da
diferença entre ser e dever ser, como ultrapassagem do direito
positivo e como condição de um critério ideal de avaliação
com base no qual o direito positivo é julgado. Em resumo,
mais uma vez, a filosofia do direito, e com ela toda a filosofia, reafirma-se como postura perante o mundo, quase a
restabelecer a tese de que onde há filosofia também existe
a condição de um método de valor (que apresenta um conjunto de princípios diretivos sobre os quais se baseia uma
determinada civilização). A filosofia do direito se consolidou
e tanto se consolidou quanto se colocou à frente da teoria
geral do direito e da sociologia jurídica, com que tinha sido
confundida pelos positivistas como teoria de valor do justo,
isto é, como teoria da justiça.
8. Enquanto se considera o segundo ponto adquirido na
discussão sobre as relações entre a filosofia e ciência, vale
dizer que a filosofia deve considerar os resultados das ciências
se quiser evitar a petrificação e a morte; faremos algumas
considerações sobre o modo como a filosofia do direito deve
relacionar-se com a ciência do direito.
Falamos aqui de “ciência do direito” no sentido amplo,
pretendendo falar de toda a pesquisa executada com método
científico e voltada para mundo do direito, da história do
direito à sociologia jurídica, da etnografia jurídica ao direito
comparado etc. Ora, trata-se de saber se o filósofo deve considerar toda essa vasta pauta de conhecimentos classificados
e ordenados que as ciências particulares reuniram, ou, ainda,
filosofar prescindindo deles e considerando-os unicamente
como dados de contingente terminados e casuais que não
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
prejudicam a estabilidade e a fixação do mundo das ideias
racionais. Do que dissemos no parágrafo precedente, percebese qual dos dois movimentos preferimos: não concebemos
outra filosofia senão aquela que enxertamos na árvore da
ciência e que em seguida – por meio desse enxerto – cresce
no terreno fértil e sempre produtivo (desde que trabalhado
com paciência) da experiência.
Na história da filosofia do direito esses dois movimentos
deram origem a duas escolas opostas: a escola racionalista, que acreditava poder traçar linhas fundamentais de um
sistema completo do direito natural sem considerar o provir
histórico, isto é, das instituições jurídicas na sua formação
e evolução histórica; e a escola historicista, que, por diversas maneiras e diversos critérios, afirmou a necessidade
de extrair do estudo da história, e somente dele e do seu
desenvolvimento na sociedade primitiva, até mesmo na sociedade mais civilizada, o universo jurídico. A contraposição
das duas escolas teve seu ponto culminante, num primeiro
momento, em Vico e, num segundo momento, em Hegel e
Marx. No historicismo de Vico vem esbarrar e romper-se
pela primeira vez o racionalismo abstrato da escola jusnaturalista (representada, sobretudo, por Hobbes e Pufendorf).
No historicismo de Hegel e em seu seguidor e perfeccionista
Marx aconteceu a dissolução do racionalismo iluminista e,
em seguida, do direito racional do modo de Kant e de Fichte,
do utopismo político e social, do inatismo jusnaturalista etc.
Tanto para Vico como para Hegel não existe universo jurídico
que não seja tratado pela história na qual está realizado.
Toda investigação puramente apriorística do direito, toda
dedução do direito de algumas simples postulações da razão
direta (como tentaram realizar, por exemplo, antes de Vico,
Hobbes, e antes de Hegel, Fichte), vêm de Vico e de Hegel
resolutamente negada.
Não é necessário dizer que na recente revivificação do
direito natural revelaram-se algumas tentações jusnaturalistas e anti-históricas. Contra essa posição, nós que desejamos
afirmar que a aceitação da exigência jusnaturalista (isto é
a exigência da contínua ultrapassagem do direito positivo
em nome da razão humana que luta contra a cristalização
histórica, contra os mitos recorrentes na sociedade) não deve
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
implicar ainda a aceitação do movimento anti-histórico do
racionalismo abstrato. A ideia de justiça que fixamos como
critério de avaliação do direito histórico não é nem uma ideia
absoluta nem uma ideia puramente racional (concepção platônica dos valores), mas uma abstração intelectual elaborada
nas observações de determinadas necessidades fundamentais
que apresentamos em um determinado momento histórico
como merecedor, do ponto de vista do progresso da civilização, de ser realizado (concepção humanística dos valores). A
ideia da justiça, assim como a concebemos, ou seja, a ideia
da justiça entendida como uma ideologia historicamente
determinada e eficaz, que ao classificar a história em movimento se sobrepõe à história cristalizada para avaliá-la e
renová-la, responde certamente à exigência eterna do direito
natural, mas não cai no universalismo abstrato (que é de
hábito, de fato, um utopismo ingênuo ou um conservadorismo fechado) do movimento racionalista.
Para nós, portanto, contra o movimento racionalista é
valido o movimento histórico que somente nos garante que
a filosofia não se perde em jogos estéreis do raciocínio abstrato e na ilusão de ter reformado o mundo somente porque
se construiu uma bela teoria ou até mesmo um perfeito e
coerente sistema. Somente o constante contato com a história
permite sua compreensão e então poderemos julgá-la. Contato
com a história significa para o filósofo do direito contato com
a experiência jurídica em todas as suas múltiplas formas. Mas
este contato com a experiência jurídica é aquele apontamento que procuramos por meio da ciência do direito de acordo
com a ampla acepção assumida no início deste parágrafo.
Neste sentido, portanto, ou seja, no sentido de uma filosofia
do direito não abstrata, mas concreta, não racionalista, mas
histórica, indagamos que a filosofia do direito não prescinda
da ciência jurídica mas, ao contrário, faça a base para as
próprias construções e que prossiga na construção do próprio
sistema de valores (aquilo que poderemos chamar concisamente a própria “ideologia”) somente após um conhecimento
profundo dos dados científicos.
9. Tendo colocado o problema nestes termos – a filosofia
do direito não pode prescindir da ciência do direito –, resta
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
agora interrogar. Quais são, sobretudo a ciência jurídica, as
que o filósofo deve conhecer para não construir no vazio? Não
pretendemos exaurir o assunto, que é vastíssimo. Limitamonos a mencionar algumas orientações. Em primeiro lugar, a
história do direito no sentido de história da instituição jurídica. Advertimos aqui que temos a intenção de falar da história do direito no sentido mais amplo possível. Geralmente,
sobretudo para o uso escolástico do termo, por história do
direito entendemos simplesmente a história do direito italiano,
à qual se acrescenta como preâmbulo a história do direito
romano. E em sentido amplo podemos dizer que a história do
direito compreende a história do destino do direito romano
no Ocidente. Ora, é claro que a experiência jurídica é muito
mais ampla do que aquela que se possa observar do ponto
de vista do direito romano. Será bom, portanto, estender
a própria pesquisa tanto ao direito pré-romano quanto ao
pós-romano. No primeiro compreendemos: o direito grego,
os direitos orientais e as instituições jurídicas dos povos primitivos; toda aquela parte da experiência jurídica estudada
pela etnografia jurídica. Quanto aos direitos pós-romanos, um
filósofo do direito não pode deixar de conhecer os princípios
fundamentais que regem o sistema jurídico anglo-saxônico,
que é por tradição, por forma e por essência, diferente dos
continentais, e oferece à reflexão filosófica e, portanto, à elaboração de uma ideologia de justiça ou à pesquisa metodológica uma série de problemas de enorme interesse. Considerar
o direito anglo-saxônico significa fazer, como se diz, o direito
comparado, ou, com palavra mais ambiciosa e também mais
exata, a ciência comparativa do direito. Em lato sensu, a
história do direito implica, portanto, no nosso modo de ver,
no mínimo também a etnografia jurídica e o assim chamado
direito comparado; vale dizer, uma amplitude do horizonte
jurídico além do limite traçado pelo direito romano, por sua
evolução e por sua condição.
Depois da história do direito, o estudo do direito vigente, ou seja, de um determinado sistema normativo em seu
aspecto formal e em seu conteúdo. O aspecto formal de um
determinado ordenamento jurídico constitui o objeto da pesquisa da teoria geral do direito. O aspecto material, neste
caso, o único contido na norma do ordenamento, constitui
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DA DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA
o objeto da ciência do direito propriamente dito ou o que é
denominado doutrina.
Junto ao estudo do direito como norma e instituição,
é necessário também o estudo do direito como fenômeno
social, aquilo que forma o objeto da sociologia jurídica, de
que já falamos. Insistimos nesse ponto porque os estudos
sociológicos na Itália, após o ostracismo para eles dado como
idealismo, foram abandonados, ainda que outros países tivessem feito muitos progressos, aperfeiçoando seus métodos
de pesquisa e adquirindo procedimentos de pesquisa mais
exatos e mais fecundos característicos da ciência empírica
da natureza. Não é aqui o caso de explicar minuciosamente
qual o objeto do concreto estudo da sociologia jurídica. Podemos distinguir, grosso modo, duas partes fundamentais que,
segundo a denominação tradicional que trata precisamente
da linguagem da ciência da natureza, chamam-se estática e
dinâmica social. A estática social estuda a sociedade em sua
estrutura: vale dizer, acima de tudo, o elemento principal de
toda organização social, a relação social e, portanto, aquele
conjunto de relações ao mesmo tempo entrelaçadas e voltadas
a um propósito comum, que é a sociedade. Entre as várias
relações existe uma característica que é estudada de modo
particular pela sociologia jurídica, que é a relação jurídica.
Assim, entre as várias sociedades, a sociologia jurídica estuda
a sociedade juridicamente ordenada. A dinâmica social estuda a sociedade em seu desenvolvimento, como estes vários
agrupamentos se deslocam um para o outro, ou um contra
o outro. A esta parte da sociologia pertence o estudo das
classes sociais, de sua característica, de sua transformação,
de sua luta recíproca.
Além do estudo do direito como norma e como fenômeno
social, é óbvio que a filosofia do direito deve somente se refletir em sua própria história: a filosofia do direito não pode
viver sem a história da filosofia do direito. E considerando
que a filosofia do direito se apresenta, segundo nosso ponto
de vista, como ideologia e como metodologia, a história da
filosofia do direito explica-se na história da ideologia política, de um lado, e na história da metodologia jurídica, de
outro. Os tratamentos históricos habituais da filosofia do
direito limitam-se quando muito à história das ideologias. A
Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
história da metodologia foi, até agora, negligenciada, o que
também merece uma atenção particular, porque sem um
preciso conhecimento dessa não podemos compreender, em
minha opinião, os fenômenos culturais muito notáveis no
horizonte da experiência jurídica, como a dialética legista
dos juristas medievais, o próprio jusnaturalismo de 1600, a
escola histórica do direito florescente no início do século XIX
etc. É claro também que para construir a história da filosofia do direito é necessário conhecer o direito em seus vários
aspectos, estudados pela história do direito, pela ciência do
direito propriamente dita e pela sociologia jurídica. Uma história da ideologia que se limita a expor as diversas teorias
segundo uma ordem cronológica, sem nunca considerar uma
situação histórica concreta da qual e pela qual essas teorias
surgiram, e na qual trabalhamos, é uma árida e monótona
coleta do ponto de vista do direito que, alinhados um junto
ao outro como objetos imóveis, parecendo todos independentes, provisórios e contingentes, mera lucubração doutrinária,
das quais não se sabe dizer qual seja a melhor e qual a pior.
Infelizmente, a maior parte da história da filosofia do direito
é feita desse modo (que é, naturalmente, o modo mais fácil)
e tem sobre o leitor inexperiente um efeito desanimador.
Somente uma história da filosofia do direito que seja intimamente compenetrada com a história social e política e com a
história do direito, sim, que coloque continuamente em evidência a origem ideológica e a função normativa das várias
teorias da justiça, dá uma justificação às próprias teorias que
expõe e transforma a árida lista de ideias em uma história
real, isto é, em uma experiente tomada de consciência das
diversas reflexões do homem sobre a própria função e sobre
o próprio destino como ser social. Mas semelhante história
está ainda para ser escrita e não pode ser, naturalmente, o
trabalho de uma só pessoa.
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