THOMAZ ESPINDOLA E A GEOGRAFIA ESCOLAR DO SÉCULO XIX: UMA ANÁLISE DO COMPÊNDIO “ELEMENTOS DE GEOGRAFIA E COSMOGRAFIA OFERECIDAS À MOCIDADE ALAGOANA” Edgleide de Oliveira Herculano Universidade Federal de Alagoas [email protected] Maria das Graças de Loiola Madeira Universidade Federal de Alagoas [email protected] Palavras-chave: Thomaz Espíndola – Geografia escolar – Século XIX INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta parte da pesquisa Recuperação de acervo bibliográfico de docentes alagoanos (1840-1960), financiada pelo CNPqi, particularizando uma reflexão acerca do manual de Geografia publicado pelo médico e lente do Liceu Alagoano Thomaz do Bomfim Espíndola (1832-1889), o qual se tornou um expoente intelectual, consultado para propor mudança no sistema de ensino local, tanto no cargo de Diretor Geral de Estudos, quanto no parlamento na condição de Deputado Provincial. Algumas publicações do autor foram consultadas, como o Relatório da Instrução Publica e Particular da Província das Alagoas (1866)ii, em cujo conteúdo faz um levantamento da situação escolar de Alagoas dos ano de 1835-1865. Com relação à obra Elementos de geografia e cosmografia oferecidas à mocidade alagoana (1885), que será nosso objeto de estudo, ela foi a principal obra do autor, destinada aos alunos do Liceu (1849) e da Escola Normal de Maceió (1869). Na condição de lente catedrático de Geografia, História e Cronologia do Liceu Alagoano, ele se viu com a missão de preparar os jovens para a Escola Normal e os cursos superiores. Na escrita da obra, o médico e docente parecia atento e atualizado com relação aos referenciais, à época, utilizadas nos principais colégios europeus, e por isso ele define a terceira edição de “a mais correta e de acordo com os progressos da ciência”. Na introdução da versão de 1885 há uma advertência sobre o acréscimo de alguns capítulos referentes aos 2 estudos da Astronomia Solar do Dr. J. H. Fabre, “seguida nos collegios e instrução da mocidade em França” (ESPINDOLA, 1885, p. 4). O saber geográfico no referido período cumpria uma dupla função na constituição da nação brasileira e da modelação de conhecimento sobre os diversos grupos sociais. A primeira delas era demarcar e mensurar territórios. Então, esta formação deveria já constar nas escolas, a fim de preparar sujeitos que precisavam zelar pela integridade geográfica do país, não por acaso esse saber estabelecia uma relação íntima com o poder político. A segunda função era colocar a ciência geográfica como modeladora das demais ciências que se despontavam à época. E a busca por uma “ciência das evidências” transformou a Geografia num grande trunfo para as orientações positivistas que pretendiam pôr no mesmo status as ciências que se ocupavam do elemento humano com aquelas que tinham como objeto os elementos físicos e naturais. Assim se absolutizava um saber como único e verdadeiro. Colocadas estas observações inicias, este texto se insere nos estudos sobre a história dos livros didáticos no Brasil, cuja produção tem recebido um número expressivo de publicações, por eles terem sido considerados importantes fontes de pesquisa sobre os saberes escolares circulados numa determinada época. Como afirma Corrêa (2000, p. 13), os livros didáticos funcionam como “veículos de circulação de ideias que traduzem valores”, supostamente capazes da modelagem de sujeitos. As obras didáticas circuladas no período oitocentista apresentavam uma orientação do pensamento europeu, quer fossem publicadas por eles próprios, quer por autores brasileiros. O presente artigo indaga sobre qual saber geográfico era veiculado na obra Elementos de geografia e cosmografia oferecidas à mocidade alagoana, do médico e docente alagoano Thomaz do Bomfim Espíndola. Alguns autores nos ajudaram neste propósito, a exemplo de Vlach (1994), Rocha (1996), Souza Neto (2000), Tonini (2003) e Albuquerque (2010). Com 333 páginas, a obra de Espíndola está divida em três partes, com cerca de 70 capítulos, distribuídos em temas relacionados à descrição dos espaços geográficos dos continentes da Europa, Ásia, África, América e Oceania, descrevendo clima, solo e vegetação. Para sua elaboração, o texto será desenvolvido em três tópicos, no primeiro buscaremos apresentar os propósitos gerais da obra. No segundo item, trataremos sobre quais conhecimentos geográficos eram destinados aos alunos da Escola Normal e do Liceu Alagoano. No último tópico nos deteremos sobre a parte II – a Geografia Política - destinada ao estudo das representações de civilização, nação, e religião nos diferentes continentes. 3 A trajetória intelectual de Thomaz Espindola A escrita dos homens do Império era marcada por uma larga formação intelectual de cunho humanístico. A produção de uma obra didática não tocava apenas as especialidades de uma área, mas a um conjunto delas, desde cultura, religião, política, educação, até os aspectos mais instrucionais dirigidos aos professores. Isto também representava o lugar social do autor nas suas respectivas províncias. Este exemplo pode ser aplicado ao médico, professor e parlamentar Thomaz do Bomfim Espíndola (1832-1889). Integrante do Partido Liberal ele se manteve no cargo de deputado provincial entre os anos de 1868 e 1884. Na condição de professor do Liceu Alagoano ministrava aula de Geografia, Cronologia e História, além ter ocupado o cargo de Diretor Geral de Estudos e docente de Higiene do Liceu de Artes e Ofícios (1884). A interpretação da província de Alagoas, segundo Almeida (2004), passava pela escrita de alguns poucos homens de letras que, não por acaso, pertenciam à elite econômica e política de Alagoas. E eram alguns desses senhores letrados que também faziam parte do professorado liceísta, tendo assim total privilégio na publicação de compêndios e periódicos. Como principal redator do jornal O Liberal, fundado em 12 de abril de 1869, Espíndola demonstra com veemência reais circunstâncias nas quais se encontrava a escolarização alagoana. (BARROS, 2005, p. 542). Citado como homem que esteve à frente de seu tempo, Espíndola é lembrado por Lima Junior (1969) como “homem austero, culto, brilhante, de aprimorada educação” (LIMA JUNIOR apud ROCHA, 1997, p. 1). E ainda, Madeira e Silva (2011, p. 7) escrevem sobre sua forte influência no cenário sociopolítico da província alagoana servindo de referência para as camadas mais ostentadas da época: “[...] ele era a expressão clara do intelectual de sua época, chamado a falar e a ocupar os mais diversos lugares no corpo social, assim se compreende a condição de professor, médico, geógrafo, historiador, inspetor e parlamentar”. Quanto ao seu percurso profissional, ele concluiu o Curso de Medicina e Cirurgia em Medicina na Bahia em 1853. Para obtenção de seu título de doutorado, sua tese se intitulava: Dissertação inaugural acerca da influência progressiva da civilização sobre o homem. Em 1858 assumiu interinamente a cadeira de Geografia, Cronologia e História do Liceu. Em 1869 tornou-se Catedrático. Foi professor de Higiene do Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1884. E quando ocupou o cargo de inspetor geral de estudos foi “responsável por sistematizar dados das diversas escolas e encaminhá-las ao Presidente da Província, 4 constituindo duas formas de avaliar a educação: a importância do lugar social ocupado e da história de vida de cada um” (PAUFERRO, 2010, p. 125). Suas obras estão voltadas para temas relacionados à Medicina, Geografia, História e Educação, são elas: Profilaxia do “colera morbus” epidêmico: sintomas, tratamento curativo desta moléstia, dieta, convalescência, considerações gerais e clínicas (Ceará, 1862); O compêndio didático Elementos de Geografia e Cosmografia oferecido à mocidade alagoana (1874), foi escrito pela motivação de ter assumido o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública. Já na condição de Inspetor Geral de Estudos publicou o Relatório da Instrução Publica e Particular da Província das Alagoas (1866)iii. Não há dados precisos de quantos compêndios de Geografia foram publicados nesse período em Alagoas, mas no decorrer de nossas pesquisas realizadas no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – IHGAL e no Arquivo Público de Alagoas – APA foram encontradas outras publicações no campo da Geografia, como a de Antonio Joaquim de Moura (17781857), Opúsculo da Descrição Geographica Topographica, Phizica, Politica, e Historica do que unicamente respeita á Província das Alagôas no Imperio do Brazil (1844), considerada a primeira obra didática de Alagoas, e também ressaltada como o primeiro relato sobre a história da província (ALMEIDA, 2009); e a de Manoel Balthazar Diegues Pereira Júnior (1852-1922) Geografia e Cosmografia (1890). Na Assembleia Provincial Espíndola envolveu-se na defesa da não extinção do Liceu em 1861 do qual foi Lente de Geografia. (BARROS, 2005, p. 541). Na 3ª discussão do projeto financeiro da Assembleia Provincial o jornal Diário das Alagoas de 19 de julho de 1861 publica algumas considerações de Espindola sobre o ensino de Geografia: Senhor presidente, tratando de demonstar a grande utilidade da geographia, disse-o o dr. Pompeo, e disseram muitos outros litteratos: “Assim como a historia nos faz contemporâneos de todos os sucessos e de todos os grandes homens, a geographia nos faz cosmopolitas ou concidadãos de todos os povos: Ella é perístilo dos conhecimentos humanos, a porta que dá entrada para o mundo civilizado. E Cousin disse-o: - Dái-me a carta de um paiz, sua configuração, seu clima, suas águas, seus ventos e toda a sua geographia physica; informai-me de suas producções naturais, de sua flora, de sua zoologia &c.; e eu me comprometo a dizer-vos a priori qual será o homem desse paiz e que lugar gozará na historia, não accidental, mas necessariamente, não em tal época, mas em todas as épocas; enfim a Idea de que este paiz é destinado a representar”. (Diário das Alagoas, 19 de julho de 1861, n. 163). Espindola foi um grande defensor da permanência das “cadeiras de Geografia, História e de Língua Inglesa, a fim de que o aluno pudesse melhor aproveitar os estudos em 5 conhecimentos úteis para a vida cotidiana” (PAUFERRO, 2010, p. 108). Entre outros debates sugere a revogação da lei de vitaliciedade dos cargos de diretor e vice da diretoria da instrução pública e dos professores substitutos. Liberal convicto ele fazia defesa da importância dos estudos relacionados ao conhecimento de grande utilidade, como a Geografia. Sugere também o cumprimento da legislação que determinava o concurso para as cadeiras do liceu, organização e regulamentação das escolas primária e secundária. Reclama do ensino primário por carecer de métodos e livros didáticos, e não ter mais porque apelar para a leitura de Camões nas aulas do sexo feminino, como rotineiramente acontecia em suas visitas às escolas. Lamenta ainda o caráter disciplinar das aulas dos ensinos primário e secundário, sem que o gosto pelo desenvolvimento intelectual fosse o elemento mais importante. Para tanto, lembra-se da importância de se criar leis que cerquem de garantia os alunos do liceu contra o abuso da autoridade dos mestres. Por fim, ressalta que é preciso despertar nos jovens o gosto pela ciência e os estudos que interessam a sociedade na qual vivem. Quanto à educação intelectual asseverava que o ensino era “feito a talante dos professores, o methodo individual, mutuo, simultaneo e o mixto são abraçados e seguidos indistinctamente, não havendo portanto regularidade e uniformidade na sua adopção” (ESPINDOLA, 1866, p. 3). E citava numerosas lacunas nos processos pedagógicos. Pedia Espindola à instalação imediata da Escola Normal, já criada; a decretação de um novo regulamento interno; o estabelecimento e uniformidade de um método de ensino; a divisão do tempo escolar; a eficiência das inspeções das escolas; a adoção de compêndios previamente escolhidos pela Inspetoria Geral; maior propagação da instrução primaria, tornando-a de alguma sorte obrigatória; o estabelecimento de caixas de beneficência, e o auxilio ao ensino particular. Espindola faleceu no dia 06 de março de 1889 como um dos destacados homens de letras da província de Alagoas. E deixa marcas de um homem inquieto com seu tempo, critico das práticas de uma escola de tradição jesuítica que primava mais pela disciplina de comportamento do que pelo gosto do conhecimento. Entretanto, a forma como esboça seu texto, propõe uma relação de saber na qual o mestre define o que o aluno deveria memorizar para seu aprendizado com relação ao ensino de Geografia. O conteúdo da obra recebeu críticas de Brandão (2004, p.31)iv: Ative-me ao lacunoso trabalho do Dr. Thomaz do Bomfim Espindola, que não pode ser com justeza e imparcialidade relegado para um plano inferior, 6 mesmo atento às falhas de que se ressente a Geografia Alagoana, muitas vezes de uma prolixidade enfadonha a respeito de certos assuntos, e de outras feitas sobremodo omissa e incompleta. Apesar dessas críticas, ele tornou-se referência na escrita alagoana, pois foi um dos pioneiros na sistematização do saber geográfico em Alagoas, expondo temas como o solo, o clima, a fauna e a flora da província de Alagoas. Em sua obra, esses aspectos geográficos passariam a definir o caráter humano, convicção que sairia dos postulados de uma ciência considerada chave na configuração do poder político e econômico. Com este propósito, a Geografia precisava circular na forma de saber didático nas escolas provinciais brasileiras. Espíndola e o conhecimento geográfico destinado ao ensino primário e secundário O livro Geographia e cosmographia oferecidos a mocidade alagoana (1860)v é composto por 333 páginas, e foi lançado no ano de 1860 pela editora de TVP da Gazeta de Notícias de Maceió. Mas somente tivemos acesso à terceira edição que, segundo Thomaz Espindola, foram acrescidos o tema Geografia e Cosmografia. O autor demonstrava preocupação em se manter de acordo com os avanços da ciência e segundo Duarte (1947, p. 50), esta obra “foi escrita com o propósito de atender às necessidades do ensino da matéria no então Liceu de Maceió, de cujo corpo docente fazia parte o seu autor, na qualidade de lente catedrático de Geografia, História e Cronologia, e apareceu em 1860, sendo reeditada em 1871”. Duarte (1947, p. 51) expõe elogios a respeito da segunda edição afirmando categoricamente que essa obra é um “trabalho honesto, meticuloso de grande tomo para época” que serve como modelo de produção bibliográfica sobre a descrição da Geografia Alagoana: A segunda edição do livro, impresso na tipografia do “Liberal”, de Maceió, e aparecida em 1871 “muito aumentada e cuidadosamente correta”, evidencia o desejo de Espindola de melhorar o seu trabalho, escoimando-o de algumas falhas e acrescendo-o com novos dados. As fontes a que recorreu para elaborá-lo, honestamente citadas no prefácio, demonstram a sua probidade científica: consultou as pessoas que julgava mais competentes na matéria e capazes de fornecerem-lhe informes seguros e rigorosos, e certos respeitos – os engenheiros da província: procurou seguir os dados dos relatórios oficiais, como os mais exatos, tal o de Halfeld, apresentado ao governo imperial, em 1858, e outros trabalhos. Mas, foram os “seus estudos próprios e especiais”, a sua cultura, larga e profunda, o seu longo conhecimento do nosso meio geográfico, o trato com a nossa natureza os seus melhores guias. Como professor de Geografia, ele procurou na sua citada obra fixar as nossas características geográficas e o conseguiu plenamente. Os capítulos e neles se 7 inspiraram quase todos os que vêm escrevendo sobre a fisiografia das Alagoas. A obra está dividida em três partes, a primeira delas foi nomeada de “Preliminares”, que trata, segundo Espindola, dos princípios gerais de ciência os quais estão relacionados ao conhecimento da Geografia Geral: MESTRE – O que é Geographia? DICIPULO – Geographia (do grego ge terra e grapho eu descrevo) é a sciencia que descreve a Terra sem se occupar de sua estructura interior. Toma o nome de: Chorographia, quando descreve as coisas principaes de qualquer região. Topographia, quando desce a descripção de miudezas locaes. Orographia, quando descreve as montanhas e serras. Hydrographia, quando descreve a parte liquida. (ESPINDOLA, 1885, p. 4). Com a definição do que seja Geografia, o autor irá descrevê-la em quatro partes: physica, politica, mathemática ou astronomica e histórica. Springer (2009, p. 21) afirma que essa organização metodológica da obra de Espindola se assemelha a do alemão Humboldt, que dividia a Geografia em “Geografia Geral” e “Geografia Especial”, sendo a primeira Geografia destinada ao “estudo geral da Terra em seus aspectos naturais e sociais, que seriam observados e analisados em uma sequência de sete áreas pelo globo terrestre”. Com relação à “Geografia Especial” ela “desenvolveria o conhecimento sobre os países, cada um estudado e analisado em separado com suas particularidades” (Ibidem), que representado na segunda parte do livro de Espindola, que é dividida em cinco seções que correspondem aos cinco continentes do planeta. Cada seção se subdivide em cinco capítulos, os quais abordam a Geografia Física descritiva. A terceira parte é designada população do globo também dividida em cinco seções, as quais se subdividem em dois capítulos, abordando temas como a divisão política de cada continente. A Geografia Particular do Brasil integrada nesse compêndio é subdividida em duas seções – física e política. Em relação à última parte da obra, nomeada Geografia Matemáticavi trata da Cosmografia. Espindola acredita ser a mais complexa. Espindola se utiliza de referências importantes para a Geografia, como Humboldt que ajudou teoricamente aos estudos da Geografia Geral e Física deste compêndio. Segundo Tonini (2003, p. 34) os estudos do alemão Humboldt contribuíram para a construção da Geografia Moderna, de tal forma que ela irá compor os aspectos de uma Geografia puramente descritiva, passando a 8 proporcionar “mais cientificidade nas análises geográficas ao buscar uma totalização, uma generalização, uma universalização dos fatos, enfim um encontro com a Modernidade”. Pratt (1999, p. 213) também explora a contribuição deste alemão para o surgimento desta nova concepção de Geografia: Ele apresentou tentativas inovadoras de corrigir o que considerava como as falhas do relato de viagem de seu tempo: por um lado, uma preocupação irrelevante com o que chamava de o “meramente pessoal”, e, por outro, um acúmulo de detalhes científicos que eram espiritual e esteticamente enfraquecidos. [...]. A vivacidade da descrição estética, de que ele estava convencido, seria complementada e intensificada pelas revelações científicas das “forças ocultas” que moviam a natureza. Desta forma, a contribuição dos escritos de Humboldt foi importante para a realização de mudanças na formalização da geografia, uma vez que a referida disciplina no final do século XVIII se instituiu num trunfo poderoso para governos nacionais e aqueles que precisam demarcar territórios e conceitos de nação para seus respectivos países. Seguindo a análise da primeira parte do compêndio denominado Elementos da Geographia Geral que trata do mapeamento do solo e do reconhecimento de suas características, Espindola ressaltará a importância da descrição topográfica, como também do ensino da descrição da Terra. Ainda nesta parte inicial Espíndola chama atenção para a distinção entre conhecimentos geográficos destinados aos normalistas e aos liceístas: Advirto, porém que os alumnos da Eschola Normal não devem ser obrigados a aprender da Geographia propriamente dita mais do que aquillo que contem no Atlas elementar para o uso das aulas primarias pelo Dr. João Eislão da Silva Lisboa; também como não devem ser obrigados a aprender a superfície de todos os países do mundo, nem o nome de todas as cidades mencionadas nesta obra; basta que não ignorem a superfície dos países mais notáveis da Europa e América e que entre as cidades decorrem os nomes das capitais e de uma ou outra cidade mui notável, como, por exemplo, nos EstadosUnidos do N. além da capital as cidades de New York, Philadelphia e Boston; na Inglaterra além das capitais do reino, da Irlanda e Escossia as cidades de Licerpool, Menchester e Glascoro e conseguintemente do artigo do appendice relativo as curiosidades artificiaes somente as que dicerem respeito as a qualquer das cidades decoradas; e ainda assim se preceder-lhes este signal. (p. 3). A partir do trecho da obra surge a seguinte indagação: Qual o saber geográfico deveria constar na formação do professor primário? Verifica-se que o conceito de formação docente nas séries iniciais está relacionado apenas ao que fosse necessário ensinar ao aluno. O mais 9 importante era memorizar o nome das cidades que pertenciam aos países considerados civilizados. Essa advertência aos alunos da Escola Normal delimitava que eles deveriam somente aprender o essencial da Geografia, “a superfície dos países mais notáveis da Europa e América e que entre as cidades decorrem os nomes das capitais e de uma ou outra cidade mui notável, como, por exemplo, nos Estados-Unidos do N.” (ESPINDOLA, 1885, p. 3). Um ano após a publicação da terceira edição da obra, Espindola (1866, p. 3) escreve em um relatório sobre a instrução pública e particular da província de Alagoas e expõe que os professores “vão servindo sem a precisa aprendisagem que os habilite ao ensino”. Devido a essas condições da falta de formação dos professores ele reclama da necessidade da instalação da Escola Normal, que já havia sido criada. Mas Costa (1931, p. 15) lembra que no ano seguinte os mesmos assuntos reclamados por Espindola em seu relatório “ficára surdo” ao poder público. Já com relação ao saber geográfico destinado aos alunos dos cursos preparatórios para o ensino superior, este era extenso e completo, pois ali se preparava uma elite que teriam mais à frente poder de mando. Essa condição não é restrita ao século XIX, porque desde a Antiguidade a Geografia tem relações diretas com os governantes. O conhecimento do lugar ajudava a estabelecer estratégias de dominação de espaço e expansão territorial noções tão bem empregadas nas guerras da época antiga. (ROCHA, 1996). No próximo tópico discutiremos a Geografia política na perspectiva de Thomaz Espíndola, cuja compreensão relaciona-se aos limites e divisões territoriais, as origens e o grau de “civilização” dos povos, bem como, ao estudo de alguns princípios que ele considera fundamental, como a religião. A Geografia Política de Espíndola: conceituando nação, civilização e religião É por meio das instituições escolares, como o Liceu alagoano, que o saber geográfico se propagar em seus conceitos que ganhavam solidez com os experimentos, com as atividades de campo, tão próprias das ciências naturais. É a partir dessa concepção, que podemos dizer que a Geografia do século XIX é considerada uma ciência mensurável, na qual o homem será estudado como um elemento a mercê da natureza. (VLACH, 1994); (MADEIRA; SILVA, 2011). Nessa época os livros brasileiros de Geografia seguiam a uma linha teóricometodológica centrada nas experiências e observações dos fenômenos. Duarte (1947, p. 58) aponta que “ainda neste período, predomina o sentido ou o gosto pela descrição, sem se 10 descer à compreensão das influências do meio físico sobre o homem”. Deste modo, a Geografia nasce por meio de traços descritivos, orientando o pesquisador a ser um mero observador que enumera e classifica os objetos estudados. A partir dessa reflexão, constata-se que a análise de Espindola sobre a constituição dos diferentes povos é bastante determinista, enquadrando as nações em definições fechadas e retas excluindo quaisquer possibilidades de reformulações para um melhor entendimento da cultura desses povos. Para Espindola a Geografia política é obra do “homem na Terra”, sendo que no capítulo IX da primeira parte de seu livro à definição de nação está dividida em três esferas, como podemos ver a seguir: MESTRE – O que é nação? DISCIPULO – Esta palavra tem tres accepções; uma geographica, outra ethnographica e outra politica. Segundo a geographica dá-se o nome de nação a todos os habitantes de uma região que tem limites naturaes independentes das divisões politicas a que pertencem e das linguas que fallam; por exemplo, os índios, que chamam-se todos os habitantes comprehendidos entre Himalaya, o oceano Indico, o Indo e o Ganges. Segundo a ethnographica dá-se o nome de nação aos habitantes de uma região qualquer, os quaes fallam uã mesma lingua e seus díversos díalectos independente das grandes distancias que os separam, das divisões políticas a que pertencem, da religião que professam, e do estado de civilisação em que se acham; por exemplo, os hespanhoes espalhados pelo globo. Finalmente segundo a politica dá-se o nome de nação a uma quantidade grande de famílias, que habitam um determinado terreno, e vivem sujeitas ao mesmo supremo governo. (p. 42). Nesta passagem, não somente pode-se avaliar a distinção entre o que seria uma nação, como também, o modelo metodológico utilizado na obra por Espindola. Esse procedimento é conhecido como método dialogístico, que tratava da aplicação de perguntas e respostas por meio da relação de um diálogo fictício entre o mestre e o discípulo. O mestre era aquele que transmitia o conhecimento e o discípulo aquele que recebia o conhecimento. Era comum à época os livros didáticos dessa área de utilizarem de uma espécie de catecismo. Esse método foi utilizado por Thomaz Pompeo de Souza Brasil em seu livro “‘Geografia geral e Especial do Brasil’, editado pela primeira vez em 1856 e considerado um dos raros livros de Geografia dessa época, é por muito tempo, o mais aceito e o mais divulgado compêndio didático” (PESSOA, 2007, p. 34). E ainda segundo Rocha (1996, p. 167) esse compêndio apesar de propor um estudo sobre a Geografia do Brasil, o autor se “dedica aos estudos generalistas sobre os diferentes países do globo”, portanto definindo-a 11 como “uma Geografia meramente descritiva, sem preocupação nenhuma com uma análise científica dos fenômenos abordados”. Tal conhecimento descritivo desempenhou uma importante função na composição do que se entendia por nação (VESENTINI, 1994, p. 33). E ainda podemos concluir que acerca desse discurso nacionalista criou-se acentuada exaltação à pátria cujo modelo se centrava nos países europeus, levando a se estabelecer uma relação preconceituosa e desigual com relação aos povos, classificando-os em civilizados, selvagens e bárbaros: M – Como se classificam os povos segundo o seu progresso material, intellectual e aperfeiçoamento moral? D – Em selvagens, bárbaros e civilizados. M – O que são povos selvagens? D – São os que ignoram ou conhecem mui imperfeitamente a arte de escrever e as outras mais necessarias á vida; mantem o menor numero de relações com outros povos; e em geral são dados á pesca, caça ou pastoricia; vivem n’um estado nômade e pugnando pela liberdade natural: alguns são ate antropophagos, ou comem carne humana. M – O que são povos barbaros? D – São os que conhecem a arte de escrever e as outras mais necessárias a vida e não tem língua polida, nem legislação bem conhecida; dão grande apreço à profissão da guerra e pouco ao estudo e aperfeiçoamento das sciencias e artes. M – E civilisados? D – São os que teem lingua polida, legislação bem conhecida, governo activo e previdente; teem em grande estima as sciencias e artes, marchando o seu progresso material e intellectual, mais ou menos, a par do aperfeiçoamento moral. M – Quantas especies de civilisação há no globo? D – Duas: a europeia e a asiatica, ambas as quaes distinguem-se entre si pela sua moral, usos e costumes. (p.39) Ratzel nomearia esta passagem de Espindola de nível de desenvolvimento, ou seja, “anteriormente as separações se faziam pelas localizações geográficas – povos das montanhas; das planícies; dos platôs; das ilhas; dos rios -, agora, para justificar as divisões, insere-se outro elemento, elaborado no discurso de Ratzel: o nível de desenvolvimento” (TONINI, 2003, p. 46). Esse desenvolvimento significava situar às demais culturas numa escala desigual. Por fim, compreende-se que o compêndio de Espindola destinados aos alunos da Escola Normal e dos Cursos Preparatórios de Alagoas centra-se numa concepção de saber geográfico que se inicia com o estudo da Cosmografia (o global) e nos capítulos subsequentes destrincha sobre a Corografia (o local). Nesta perspectiva de se trabalhar do macro para o micro, o autor também trata nos seus capítulos temas específicos da Geografia a partir da 12 análise comparativa dos continentes, tendo em vista a classificação dos povos seguindo um padrão hierárquico, tomando como medida os países europeus. Como se pôde constatar, o saber veiculado na obra tende a ressaltar com o ideário já consolidado à época, qual seja, os humanos do continente Europeu eram intelectualmente superiores porque a natureza os estimulavam à vida laboriosa, e tal condição se visualizava desde as marcas estéticas (cor, estatura, espessura e cor de cabelo), políticas (civilização, religião) e econômicas (comercio e indústrias) de seu país. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com poder de influenciar as decisões políticas na província de Alagoas, Espindola conseguia sintetizar ou captar com sua escrita os desejos de mudança daquele grupo que pretendia consolidar nas escolas o saber originário da Ciência Moderna. Mas a compreensão e a forma de apresentá-lo ao aluno ainda se mantinha preso à tradição mnemônica e repetitiva do chamado “velho ensino”. Como vimos, o modelo “catecismo” (pergunta resposta) parecia nos inquietar sobre onde residia a modernidade em seu compêndio. É possível que os resultados de estudos baseados na observação, na descrição e na experimentação, postulados do saber moderno, justificassem aquela exigência de que a escola pudesse despertar no aluno o gosto pelo conhecimento. Em síntese, o teor daquele saber poderia se constituir como novidade em meio à velha tradição, mas a sua concepção ainda pairava como absolutamente confiável, e isso definia o modo de expô-lo, tanto quanto antes. Ou seja, numa relação verticalizada professor e aluno obedeciam à hierarquia naturalizada das práticas escolas oitocentista. Os efeitos desse saber geográfico no âmbito escolar, mais seguro e confiável, trouxe também a circulação de um saber que tematizava a imagem de progresso material do território europeu associado às qualidades intelectual e moral. Ao território brasileiro restava ressaltar a grandiosidade territorial e as belezas paisagísticas que poderiam transformar o país numa nação que caminharia para o progresso material. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Luiz Sávio de (Org.) CAROATÁ, José Próspero Jeovah da Silva e CABRAL, João Francisco Dias. Dois textos alagoanos exemplares. Maceió: FUNESA, 2004. 13 ALBUQUERQUE, Maria Adailza Martins de. A Geografia do Brasil nos livros didáticos europeus do século XIX: o caso de Lições de Geographia do Abbade Gaultier. In: CARDOSO, Carlos Augusto de Amorim; KULESZA, Wojciech Andrzy (orgs.). A escola e a igreja nas ruas da cidade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010, p. 149-167. BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. 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Costa (1931, p. 15) lembra que as inquietudes de Espindola contidas em seu relatório estavam em torno da má qualificação dos professores e por consequência a precária aplicação dos métodos de aprendizagem com os alunos, o abandono de algumas disciplinas como, a educação física, a educação moral e a própria educação religiosa. iii Ele também escreveu dois relatos de viagem intitulados “Descrição das viagens do Dr. José Bento Cunha Figueiredo Júnior ao interior da Provincia de Alagoas” (1870) e “Viagem do Presidente da Provincia Francisco de Carvalho Soares Brandão a Povoação de Piranhas e Paulo Afonso” (1878). (BARROS, 2005, p. 541). iv A primeira edição desta obra data de 1909. v Somente tivemos acesso à terceira edição deste livro que data de 1885. vi Segundo Rocha (1996, p. 131) a Geografia matemática é uma “concepção de Geografia cuja principal característica era a forte influencia exercida pelas ciências matemáticas sobre ela, o que explica o fato de que em conexão com os ensinamentos acerca das considerações gerais sobre a Terra, fossem também ensinadas a astronomia, a cosmografia e a cartografia, bem como a geometria”. ii