Papiloma invertido: impacto da escolha da abordagem

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Marinho MAO et al.
RELATO DE CASO
Papiloma invertido: impacto da escolha da abordagem
cirúrgica e importância do seguimento pós-operatório
Inverted papilloma: impact of surgical approach and the
follow-up importance
Marco Aurélio de Oliveira Marinho¹, Marcel Noronha Gonzaga2, Gianne Pascoal3,
Thayná Cristina do Nascimento Paiva3, Eurípedes de Oliveira Marinho4
RESUMO
SUMMARY
Introdução: O papiloma invertido é um tumor benigno
de origem ectodérmica originário da mucosa nasal e dos
seios paranasais. Apesar de ser histologicamente benigno,
apresenta, como complicações, tendência à destruição
local, recorrência e malignização em carcinoma de células
escamosas. Alguns autores optam por abordagem cirúrgica radical extranasal como primeira escolha, enquanto
outros recomendam abordagem endonasal ou extranasal
limitada. Técnicas tradicionais, como a Caldwell-Luc e
etmoidectomia transnasal conservadora ou esfeno-etimoidectomia, estão associadas a uma alta taxa de recorrência.
A via endonasal é recomendada para lesões menores e
menos infiltrativas, enquanto as vias extranasais, combinadas ou não, são reservadas para casos que necessitam
de ressecções com margens de segurança ampliadas.
Relato do caso: Os autores apresentam o caso de um
paciente do sexo masculino, de 67 anos, com queixa de tumoração em pálpebra inferior direita havia um ano, de crescimento lento e progressivo, com diagnóstico de papiloma
invertido através de biopsia. O paciente foi submetido a uma
técnica de abordagem cirúrgica ampliada e combinada,
devido à extensão tumoral. Apesar de duas recidivas, houve
boa evolução pós-operatória com a técnica empregada.
Introduction: Inverted papilloma is a benign tumor of
ectodermal derived from the nasal mucosa and paranasal
sinuses. Despite being histologically benign, presents, as
complications, tendency to local destruction, recurrence
and malignant transformation in squamous cell carcinoma.
Some authors prefer the radical extranasal surgical approach
as first choice, while others recommend endonasal approach or extranasal limited. Traditional techniques, such as
Caldwell-Luc and trans-nasal ethmoidectomy conservative
or spheno-etimoidectomy, are associated with a high rate
of recurrence. The endonasal approach is recommended
for smaller and fewer infiltrating lesions, while the extranasal approaches, combined or not, are reserved for cases that require resections with safety margins expanded.
Case report: The authors present the case of a male patient
of 67 years, complaining of a tumor in the right lower eyelid
had a year, of slow and progressive growth, with a diagnosis
of inverted papilloma made by biopsy. The patient underwent
a surgical technique expanded and combined due to tumor
extension. Despite two recurrences, there was a good postoperative course with the used technique.
Descritores: Papiloma invertido. Endoscopia. Seios
paranasais. Recidiva local de neoplasia. Carcinoma.
Descriptors: Papilloma, inverted. Endoscopy. Paranasal
sinuses. Neoplasm recurrence, local. Carcinoma.
1. Professor Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do
Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
do Triângulo Mineiro (UFTM).
2. Médico Residente do Segundo Ano de Cirurgia Geral do Hospital de
Clínicas da Faculdade de Medicina da UFTM.
3. Aluna do quinto ano do curso de Medicina da UFTM.
4. Professor Chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do
Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da UFTM.
Correspondência: Marco Aurélio de Oliveira Marinho
Av. Leopoldino de Oliveira, 4310 – Centro – Uberaba, MG, Brasil
CEP: 38010-000
E-mail: [email protected]
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Papiloma invertido
material para biopsia de congelação, que evidenciou papiloma
invertido. Procedemos à ampliação da incisão, com abertura
do lábio superior, região medial da órbita e extensão infraorbitária (Weber-Ferguson); dissecção do tumor no seio maxilar
e órbita direita até os planos profundos, com preservação
do nervo orbicular inferior. Visualizou-se tumoração, com
nasofibroscópio, em cavidade nasal direita, comprometendo
seio esfenoidal e etmoidal. Realizada abertura da parede nasal
lateral, com ressecção de parte óssea e da mucosa, com acesso
à continuidade da tumoração na cavidade nasal. Foi ressecada
toda massa macroscopicamente visível do tumor, inclusive
na região do seio etmoidal (Figura 2). O estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de papiloma invertido com
hiperplasia verrucosa.
O paciente apresentou boa evolução pós-operatória e obteve
alta hospitalar no quarto dia de internação.
INTRODUÇÃO
O papiloma invertido, também denominado papiloma de
Schneider, de Ewing, de células transicionais, epitelial, câncer
viloso, tumor benigno de células transicionais e papilomatose,
é um tumor benigno de origem ectodérmica, originário da
mucosa nasal e dos seios paranasais, podendo ser o epitélio
do tipo respiratório, transicional ou escamoso1. Apesar de
histologicamente benigno, é capaz de penetrar as paredes
ósseas dos seios paranasais e regiões circunvizinhas1,2. Suas
complicações incluem tendência à destruição local, recorrência
e malignização em carcinoma de células escamosas. Implantase, em geral, no meato médio ou na parede lateral nasal2. O
acometimento primário dos seios paranasais é extremamente
raro, ocorrendo em apenas 5% dos casos3,4. Constitui de 0,5 a
4% de todos os tumores nasais1. Pode apresentar transformação
maligna, e sua taxa de recorrência varia de 0% a 78%5.
O tratamento cirúrgico pode ser categorizado, segundo
Sham et al.6, como: abordagem nasal não endoscópica (polipectomia ou esfenoetmoidectomia); abordagem extranasal
limitada (Caldwell-Luc ou etmoidectomia externa); abordagem extranasal radical (rinotomia lateral ou degloving com
ressecção em bloco da parede lateral) e ressecção endonasal
endoscópica. Em tumores em estágio avançado, abordagens
combinadas, principalmente com a técnica de Weber-Ferguson,
permitem exposições amplas e excelente visibilização do
campo operatório7.
Este artigo tem como objetivo demonstrar uma abordagem
cirúrgica combinada para o tratamento do papiloma invertido
avançado e também a importância do seguimento pós-operatório de pacientes com lesões recidivantes.
Figura 1 – Tomografia computadorizada de face e seios paranasais, em que se observa lesão expansiva ocupando totalmente
o seio maxilar direito, com extensão para cavidade nasal,
células etmoidais e parede medial da órbita direita.
A
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 67 anos, com queixa de tumoração em pálpebra inferior direita havia um ano, de crescimento
lento e progressivo, associada a episódios de cefaleia frontotemporal direita há alguns meses, esporádica e com piora há
um mês. Negava alterações visuais. Tabagista por 50 anos (20
cigarros/dia).
Ao exame físico de face, notou-se a presença de tumoração
fibroelástica, indolor, em região medial de pálpebra inferior
direita e com preservação da motilidade ocular. Na tomografia
computadorizada de face e seios paranasais, observou-se
lesão expansiva com densidade de tecidos moles, ocupando
totalmente o seio maxilar direito e provocando destruição das
paredes ósseas medial e posterior. Havia extensão da lesão para
cavidade nasal, células etmoidais e parede medial da órbita
direita, não se observando plano de clivagem com o globo
ocular. A lesão também envolvia parcialmente as células etmoidais posteriores e os seios esfenoide e frontal direitos (Figura 1).
Foi indicada biopsia incisional da lesão, cujo laudo
evidenciou papiloma Shneideriano invertido e observaram-se
alterações sugestivas de efeito citopático pelo papilomavírus
humano (HPV). Diante do quadro, foi indicada a ressecção da
lesão com equipe cirúrgica conjunta de Cirurgia de Cabeça e
Pescoço e Otorrinolaringologia.
O ato operatório foi realizado com a abertura da mucosa
oral por acesso de Caldwell-Luc, sendo realizada coleta de
B
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DISCUSSÃO
Figura 2 – A: Aspecto intra-operatório, demonstrando abertura da mucosa oral por acesso de Caldwell-Luc com ampliação
da incisão, abertura do lábio superior, região medial da órbita
e extensão infraorbitária (Weber-Ferguson). Realizada também
abertura da parede nasal lateral, com ressecção de parte óssea
e da mucosa, com acesso à continuidade da tumoração na
cavidade nasal. B: Paciente em seguimento ambulatorial de
rotina, 5 meses após a primeira cirurgia.
A
O papiloma invertido é uma neoplasia epitelial verdadeira,
de caráter benigno, que apresenta crescimento endofítico do
epitélio superficial para o interior do estroma subjacente1,4,8.
A principal teoria sobre a etiologia do papiloma invertido
propõe que a membrana de Schneider, formadora da mucosa
do trato nasossinusal, sofreria diversas mudanças estruturais,
levando a maior predisposição de diferenciação neoplásica9,10.
Outras possíveis etiologias são: origem inflamatória e/ou rinossinusite infecciosa crônica, exposição a substâncias tóxicas,
processos alérgicos, vírus Ebstein-Barr e o HPV11 dos subtipos
6, 11 e 16. A presença do HPV está relacionada à patogênese
da doença, ocorrendo em 14% dos papilomas invertidos e
100% dos papilomas exofíticos, conforme encontrado no caso
relatado. Alguns autores sugerem que a infecção pelo HPV seja
responsável pelo desenvolvimento do papiloma invertido11,12.
Há maior chance de malignização em pacientes tabagistas13, o
que realça a importância do seguimento do paciente do caso
relatado. Histologicamente, os papilomas podem ser divididos
em três tipos: fungiforme ou exofítico, que se origina da parte
anterior do septo e apresenta aspecto macroscópico de verruga
vulgar, o colunar, que se origina da parede lateral do nariz e
meato médio, e o invertido, com três vezes mais chance de
malignização, se comparado ao papiloma colunar.
Pacientes com papiloma invertido são tipicamente homens,
que apresentam obstrução nasal unilateral na quinta ou sexta
décadas de vida2. Os sinais e sintomas são inespecíficos,
podendo causar obstrução nasal unilateral, epistaxe, distúrbios
olfatórios e rinossinusites recorrentes9. O diagnóstico é confirmado por tomografia computadorizada e ressonância magnética
de fossas nasais e seios paranasais, que são importantes para
avaliar o tamanho, a extensão e as relações anatômicas do
tumor, além de auxiliar na diferenciação entre outras doenças
nasossinusais, como pólipo escamoso do vestíbulo nasal,
granuloma de células gigantes e outras neoplasias, bem como
em casos de complicações orbitárias e/ou intracranianas. O
papiloma invertido frequentemente implanta-se na parede
nasal lateral, envolvendo ou infiltrando os seios paranasais
e estruturas adjacentes por extensão direta. O tumor pode se
estender para fora da cavidade nasal em 7% dos casos, em 3%
dos casos estende-se para nasofaringe e menos de 2% para a
fossa pterigopalatina e intracraniana.
Alguns autores optam pela abordagem radical extranasal
como primeira escolha, enquanto que outros recomendam abordagem endonasal ou extranasal limitada6. Hoje, a abordagem
por rinotomia lateral é tida como padrão; entretanto, apresenta
desvantagens, como cicatriz facial, ressecção excessiva de
mucosa normal e tecido ósseo, bem como a possibilidade de
injúria do ducto nasolacrimal. A abordagem por degloving
médio facial evita a cicatriz de face, mas pode levar a estenose
vestibular, epífora, hematoma subcutâneo e disestesia facial,
além de permitir acesso restrito ao seio frontal2.
Técnicas tradicionais, como Caldwell-Luc e etmoidectomia
transnasal conservadora ou esfeno-etimoidectomia, estão
associadas a uma alta taxa de recorrência no tratamento do
papiloma invertido. Por outro lado, a abordagem endoscópica
endonasal é um tratamento eficaz para casos selecionados
e, quando realizada por um cirurgião qualificado, pode-se
conseguir uma radical ressecção do tumor devido à excelente
B
Após aproximadamente um ano da cirurgia, houve queixa
de prurido em região malar direita associado a dor e tumoração
local, de consistência fibroelástica e diâmetro aproximado
de três centímetros. Solicitada tomografia computadorizada
de face e seios paranasais, cujo laudo evidenciou lesão com
densidade cística e leve realce periférico ântero-lateral no seio
maxilar à direita. A punção aspirativa com agulha fina (PAAF)
do seio maxilar direito não apresentou evidências de malignidade. A presença de lesão cística, escassez de células escamosas
viáveis e predomínio de células inflamatórias sugeriram um
seroma pós-operatório.
Diante dos exames complementares solicitados, optou-se
por realizar nova abordagem cirúrgica, com incisão infraorbitária direita e dissecção da lesão cística associada à curetagem
do seio maxilar. O paciente teve boa evolução pós-operatória,
com alta hospitalar no terceiro dia de internação. O exame
anatomopatológico evidenciou papiloma invertido residual
focal.
Após cerca de seis meses da segunda cirurgia, o paciente
apresentou nova tumoração em região zigomática previamente
operada, com fistulização e drenagem de secreção de aspecto
mucinoso. Nova abordagem cirúrgica demonstrou a presença
de lesão cística e total obliteração da parede lateral da cavidade
nasal. Após a ressecção da lesão cística, foi realizada comunicação do seio maxilar com a cavidade nasal e colocação de
sonda de Foley para manutenção do orifício neoformado. O
exame anatomopatológico revelou uma lesão semelhante a
um cisto de retenção e focos esparsos de papiloma invertido.
A sonda foi retirada após oito semanas e o paciente permanece
em acompanhamento no Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e
Pescoço do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em bom estado
geral até o momento, sem evidências de recidiva.
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Papiloma invertido
ampliação e visualização, com resultados comparáveis aos de
técnicas tradicionais, como a rinotomia lateral com maxilectomia medial14. A abordagem externa é ainda indicada em casos
em que o papiloma é inacessível endoscopicamente, ou quando
há invasão extrasinusal. A via de acesso deve estar relacionada
intimamente à experiência do cirurgião, localização e tamanho
da lesão, utilizando-se a via endonasal para lesões menores e
menos infiltrativas e reservando as vias extranasais, combinadas ou não, para casos onde haja necessidade de ressecções
com margens de segurança ampliadas. Lawson et al.5 definem
como lesão com indicação de cirurgia conservadora aquelas
limitadas à concha inferior e média ou região do meato médio,
com extensão mínima ao etmoide anterior ou antro maxilar;
enquanto que as lesões que envolvem células supraorbitárias,
células perilacrimais, seio frontal e lâmina cribiforme contraindicam esta abordagem pela sua localização com difícil visualização. No presente relato de caso, foram realizadas técnicas
combinadas (Caldwell-Luc associada a Weber-Ferguson), que
permitiram abordagem de toda a extensão do tumor.
As taxas de recorrência do papiloma invertido, com abordagens conservadoras, variam amplamente na literatura, com
uma média de 60%, enquanto que nas abordagens radicais, a
média é de 16%2. A recidiva tumoral ocorre normalmente nos
dois primeiros anos, porém em 17% dos casos ocorre após seis
anos de evolução, justificando o seguimento dos pacientes por
no mínimo seis anos9,10. As taxas de malignização descritas
na literatura variam de 5 a 13%, com uma média de 9,2%2.
Gênero masculino, idade avançada e papiloma recorrente
não representam fatores de risco para o desenvolvimento de
malignidade15.
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CONCLUSÃO
Embora de aspecto benigno, o papiloma invertido é uma lesão
agressiva e recidivante, que deve ser abordada cirurgicamente
conforme a extensão e localização tumoral, obedecendo às particularidades de cada caso. São de importante relevância a experiência e
a boa relação entre os diversos profissionais envolvidos. Uma abordagem cirúrgica eficaz, somada ao seguimento pós-operatório do
paciente, são indispensáveis, em virtude da alta taxa de recorrência
precoce e pelo risco, embora infrequente, de transformação maligna.
Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM),
Uberaba, MG, Brasil.
Artigo recebido: 9/2/2010
Artigo aceito: 18/5/2010
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