o pensamento estóico e a crítica a sociedade romana

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O PENSAMENTO ESTÓICO E A CRÍTICA A SOCIEDADE
ROMANA EM SÊNECA
LUZ, Camila Santiago (UEM)
VENTURINI, Renata Lopes Biazotto (UEM)
Introdução
Ao iniciarmos esta pesquisa decidimos por executá-la em três etapas:
levantamento bibliográfico do contexto histórico da fonte, isto é, século I d.C.,
acompanhado de leituras de biografias do autor ( neste caso Lucius Annaeus
Sêneca),leituras sobre a corrente filosófica estóica da qual Sêneca é um importante
representante e divulgador no mundo romano, e por ultimo, a analise da fonte
intitulada
Cartas a Lucilio. Todas estas etapas acima expostas seguiram um
cronograma anteriormente planejado.
Na primeira etapa foram realizadas leituras sobre o contexto histórico do
Principado durante o seu primeiro século com objetivo de entender as relações
políticas e humanas travadas durante o período estudado concomitante com as
leituras de caráter biográfico, que tinham por objetivo entender Sêneca dentro do
seu contexto, para esta etapa foram utilizados os respectivos autores: Géza
Alföldy, História Social de Roma; Pierre Grimal, O Império Romano; Jerôme
Carcopino,Roma no apogeu do Império ; Marcos Luis Ehrhardt,O Arquiteto
social:Sêneca e a construção de modelos para a sociedade romana nos tempos do principado
a partir da Historia Magistra Vitae e Paul Veyne, O Império Romano.
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Após a compreensão do contexto estudado, foram efetuadas leituras sobre
o estoicismo que permitiram aprofundar-nos seus preceitos. Para este fim dois
autores em especial foram de crucial importância: Reinholdo Aloysio Ullmann , O
estoicismo romano e Jean Brun, O estoicismo.
Por fim a terceira etapa realizou-se com a análise da fonte que em nosso
caso são as Epistulae Morales Ad Lucilium, Cartas a Lucílio. Para realizarmos esta
analise resolvemos selecionar algumas cartas com os assuntos que permitissem
uma abordagem direcionada ao estudo da moral romana, tendo em vista que as
epistolas contemplam variados problemas de ordem social, política e filosófica.
Objetivos
Objetivo geral
O presente projeto de pesquisa tem como objetivo demonstrar a influência
do pensamento filosófico estóico na formação do homem romano. Nesse sentido,
estudaremos em que medida a ética proposta pelo estoicismo se transforma numa
conduta moral para o cidadão romano do século I d.C.
Objetivo específico
Estudar a influência do estoicismo na formação do cidadão romano por
meio da leitura das Cartas de Lúcio Aneu Sêneca endereçadas ao seu amigo e
discípulo Gaio Lucílio Júnio.
Metodologia
Com o suicídio de Marco Antonio em 30 a.C. um período longo de guerras
pela disputa do poder chegara ao fim. Otavio retornara a Roma como o seu único
senhor, contudo ele não seguira o exemplo de Julio César e ao invés de adotar
abertamente um sistema de ditadura militar ele a mascarou conservando a
fachada da Republica.
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Mesmo sendo o princeps e portanto o detentor do imperium,
Augusto
procurou manter as boas relações com o Senado instituição essa que se
preocupava em evitar a concentração de poder nas mãos de um só homem.
Durante o principado portanto fazia-se necessário ao primeiro dos cidadãos
romano obter o apoio do senado, o jogo político entre estas duas figuras do poder
manteve-se presente durante todo o Império causando inclusive a queda de
imperadores.
No governo de Otavio (27 a.C.-14 d.C.) observamos uma preocupação com
a infra-estrutura urbana, pois Roma se tornara a capital do Império. Foram
construídos na cidade de Roma, a fim de proporcionar abastecimento de água
para a maioria das casas romana, sistemas de canalização e aquedutos, aumentara
também a distribuição de alimentos à população pobre da cidade. O imperador
era o patrono da plebe:
O Princeps passara a realizar a função de evergeta no Império
Romano.Era política comum que esse cidadão, o primeiro deles,
ajudasse os concidadãos através de grandes doações de alimentos
(plebs frumentatio),organizasse jogos etc (EHRHARDT, 2008, p. 42).
Apesar das transformações de ordem político-administrativas, a transição
da Republica para o Império não acarretou para Roma grandes transformações na
organização social e na economia, que continuou baseada na agricultura e no
sistema escravista que se consolidou no período imperial,
Se a estrutura social do Alto Império diferia relativamente pouco
da de finais da República, essa continuidade derivava
principalmente da natureza do sistema econômico romano que
pouco se alterou com a transição da República para o Império
(ALFÖLDY, 1989, p. 111).
O sucesso da expansão econômica dessa época deve-se a política de
anexação e de urbanização de novas províncias e territórios já conquistados o que
gerou um grande desenvolvimento dentro da península e fora dela.
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Ao princeps cabia também governar as províncias senatoriais em conjunto
com os magistrados nomeados pelo Senado. Ele era o único a governar as
províncias imperiais, por meio de legados por ele promulgados e comandava o
supremo exercito romano. Era ainda o cidadão com maior prestigio na sociedade
romana ocupando o mais alto status social do Império, uma vez que por ser
Imperador era tido como a encarnação ideal de todas as virtudes romanas, entre
elas a virtus, a clementia , a iustitia e a pietas.
Este prestígio era reforçado ainda pelo papel religioso que o governante
desempenhava, já que era considerado um deus e por isto obtinha honras de culto.
Porém apesar dessas premissas não era intrínseco ao princeps as
possibilidades jurídicas de garantir a sucessão,deste modo a escolha de um
sucessor era um assunto de natureza política solucionada de diferentes formas
dependendo das circunstancias, podendo contar com a ajuda do exército por meio
da força de um comandante, do Imperador beneficiando um parente fosse ele
direto ou adotado, ou pelo Senado favorecendo um de seus membros.
O senado, criação republicana, exercia um poder que rivalizava com o do
Imperador e por isso acordos e negociações eram constantes entre eles. Sendo
assim o Senado continuava a influenciar as decisões do princeps e do principado,
não sendo raros na historia de Roma episódios em que o Senado romano trama o
assassinato de um Imperador.
Grosso modo, pode-se dizer que o Senado também tinha controle sobre a
construção da memória de um determinado governante na medida em que muitos
escritores estavam vinculados com o Senado ou fizeram parte dele.
De acordo com Suetônio, após a morte de Calígula em 41 d.C., alguns
membros do Senado chegaram a sugerir que se destruíssem os templos que foram
construídos para a consagração deste Imperador como forma de apagá-lo da
memória de Roma para sempre, de onde podemos inferir que a imagem de um
bom ou mal princeps dependia em muito da relação que este mantinha para com o
Senado.
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Otaviano, o primeiro imperador, obtivera unificação política através de
reformas que tinham como objetivo conter as guerras civis. Ao seu governo são
creditadas as medidas políticas que denominamos de pax romana, dentre elas a
política do panis et circensis (distribuição de trigo e oferecimento de jogos para a
plebe urbana empobrecida). Ele também distribuiu lotes de terras aos soldados
consolidando seu poder sobre o exército e garantindo assim a sua fidelidade ao
poder imperial.
Para manter o senado ao seu favor Augusto concedeu as famílias abastadas
das províncias o direito de ocupar o cargo de senador, antes pertencente somente
à nobreza romana.
O Principado representou uma nova estrutura política que respondia a
uma nova situação. Lembramos que o processo de conquista significou não
somente a expansão territorial com a difusão do trabalho escravo e da grande
propriedade, mas também a extensão da cidadania fora de Roma, a partir do
século I A.C. Os habitantes do mundo romano estavam unidos por este laço
jurídico concedido pela indulgentia do imperador.
Deste modo, a cidadania romana se apresentava como uma condição social
e, quando associada à fortuna pessoal e ao favor imperial, permitia a ascensão na
carreira pública - cursus honorum -, através da integração na ordem senatorial ou
na ordem eqüestre.
Sendo assim, a ampla extensão da cidadania possibilitou a manutenção e o
reforço da unidade do Império, bem como provocou mudanças nas formas de
acesso a carreira das honras com a intervenção direta do imperador na vida
política.
Lucius Annaeus Sêneca, como homem nascido nos tempos do principado
não pode ser separado deste contexto, inclusive porque este participou ativamente
da política romana durante o governo de Nero, por conseguinte Sêneca conheceu e
interagiu de perto com as ferramentas do poder que moviam a sociedade romana
de sua época.
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Sêneca nasceu em Córdoba na Espanha, cidade que foi conquistada pelos
romanos no ano 152 a.C, e tida como a capital da província báltica, província esta
que naquele momento era um centro de relativa importância cultural e política. A
data de seu nascimento é incerta variando entre 4 a.C - 1 d.C. Seu pai. Annaeus
Sêneca conhecido como Sêneca, o Velho, o qual teve renome com retórico, fora seu
professor de oratória.
Devido a sua origem ilustre (Sêneca descendia de uma família de
cavaleiros), fora enviado para Roma ainda criança com o objetivo de iniciar seus
estudos em gramática, retórica e filosofia, sendo esta ultima a que mais lhe
interessava, pois enxergava na filosofia a arte de bem viver e morrer e a
considerava a pedagoga da humanidade. Por isso, julgava-a imprescindível para a
direção da vida interior.
Perto dos 20 anos de idade, Sêneca interrompe os seus estudos e vai para o
Egito tratar de uma doença respiratória, onde é recebido pela tia materna. Seu tio
Galério era prefeito da cidade sob o governo de Tibério. Ao retornar à Roma em 31
d.C, Galério morre e desde então, devido à importância desse tio para a família,
começa a receber ajuda e Sêneca em 34/35 recebe o cargo de questor, primeira
função no seu cursus honorum. Posteriormente, entre 38 e 39, quando seu pai falece,
assumiu a magistratura.
No outono de 41 d.c Sêneca é exilado Cláudio na ilha de Córsega por ordem
do imperador, onde escreveu Ad Helviam de Consolatione endereçada à sua mãe
Hélvia e Ad Polybium de Consolatione ao seu amigo Políbio
Sêneca retornou à Roma em 49 d.c a pedido de Agripina que desejava que
este fosse o preceptor de seu filho Domício (Nero) a fim de prepará-lo para se
tornar o futuro princeps de Roma.
Em 54 d.c Sêneca escreve aquela que é considerada a obra prima das sátiras
romanas Apocolocyntosis Divi Claudii (transformação do divino Cláudio em
abóbora) contra o ex-imperador Cláudio que o mandara para o exílio em Córsega.
Em meados de 55 d.C. o filosofo recebe um título especial que ate então
nunca existira: amicus princeps,em 56 recebeu o titulo de cônsul. Neste mesmo ano
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Sêneca escreveu um de seus mais importantes textos: De Clementia dirigido à Nero.
Para o cordobês a chave de uma boa administração imperial encontrava-se no bom
uso da clemência exercida pelo princeps.
A partir de 62 d.C. Sêneca se afasta gradativamente do poder imperial
dedicando-se a busca de uma vida consagrada às letras e a reflexão filosófica.
No ano de 65 fora acusado de participar da Conjuração de Pisão , que tinha
por objetivo o assassinato do Imperador Nero . Recebeu ordem para praticar
suicídio, ordem que dizem cumpriu com a serenidade que cabia aos estóicos.
Sêneca escreveu muitas obras durante sua vida dentre elas oito tragédias
que foram uma espécie de modelo no Renascimento e inspiraram o
desenvolvimento da tragédia na Europa. Alem das obras anteriormente
mencionadas também escreveu os seguintes tratados de moral: Da Brevidade da
Vida, Da Vida Feliz e Dos Benefícios.
É creditado a ele também uma coleção de 124 epistolas –Epistulae Morales ad
Lucilium- que constituem ensaios morais sobre variados aspectos da vida tais
como: o bem supremo, a felicidade,os temores da morte entre outros.O
destinatário das cartas é Gaio Lucílio Júnio natural de Pompeios, na Campânia.
Pertencia a ordem eqüestre e, graças ao seu talento e sua diligência, tornou-se um
personagem de destaque na sociedade romana.
Sêneca tem um objetivo em suas epístolas: converter o amigo Lucílio às
teses estóicas de forma gradual, dominando os princípios desta escola (da qual
Sêneca fora um dos maiores representantes) e sendo capaz de aplicá-los no
cotidiano, sobretudo, libertando-se dos condicionalismos de ordem social e
política, para aproximar-se do ideal do sábio estóico.
A fim de melhor compreendermos Sêneca e seus escritos faz-se
necessário uma breve apresentação da filosofia da qual este foi um expoente,
ate porque o estoicismo florescera em Roma no século I d.C., o período
denominado século de ouro do qual Sêneca faz parte.
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A corrente filosófica estóica surge em Atenas por volta do ano 301 antes
de nossa era, fundada por Zenão de Cítio (336-264 a.C.), sendo caracterizado como
movimento espiritual e moral:
Os Estóicos distinguem na moral, parte da filosofia: um estudo da
tendência,um estudo dos bens e dos males, um estudo do primeiro
valor,um estudo das condutas convenientes,dos encorajamentos,
das dissuasões (BRUN, 1986, p. 75).
O estoicismo tem como preceito viver de uma forma harmoniosa, ou seja,
viver de acordo com a natureza. Para Zenão viver conforme a natureza é o mesmo
que viver segundo a virtude, pois ela é a natureza. Segundo Ullman, para a
maioria dos estóicos, assim como para Sêneca, vivere naturae, possui um
significado metafísico, pois a natureza “é entendida como especificidade do
homem, isto é, como ente dotado de razão.”
Viver de acordo com a natureza é desenvolver a razão e pautar-se
por ela. Por outra o homem deve submeter-se a ordem do universo
onde se expressa a ratio. Esta identifica-se com Deus ou logos
(ULLMAN, 1996, p. 18).
Outro conceito importante dentro da filosofia estóica é o de paixões. Elas
são definidas como um movimento irracional da alma contrário a natureza. Sêneca
as descreve como doenças da alma, porém o que difere no conceito de paixão do
estoicismo para o da concepção grega é o fato de que elas não são obra dos deuses
e sim dos homens. Faz-se necessário, portanto, suprimir as paixões, “o sábio não é,
por conseguinte um apaixonado porque julga sabiamente porque vive de acordo
com a razão natural.” (BRUN, 1986, p.84), e a única forma de fazê-lo é através da
razão. O sábio estóico é um ser excepcional e os filósofos do estoicismo são os
primeiros a reconhecer que esse sábio nunca teria existido em sua plenitude.
A identidade de Lucius Anneus Sêneca com o meio social que o envolvia
pode ser atestada por sua escala de valores. Ele próprio ocupara uma posição
privilegiada na sociedade e admirava os homens de moral.
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Sêneca acreditava firmemente que o filosofo era o homem mais preparado
para orientar as pessoas de um modo geral fossem elas cidadãs ou governantes.
Desenvolvimento
Em suas epistolas à Lucílio não são raros os exemplos de homens ilustres
que deram provas de sua moral diante de situações adversas, entre os citados por
Sêneca encontram-se, Sócrates, Mucio e Catão.
De fato por possuir um caráter pedagógico Sêneca utiliza-se e muito dos
exemplos para melhor ilustrar os principais pontos da corrente estóica e desse
modo converter ao estoicismo o seu amigo Lucílio.
Nas epistolas encontram-se criticas ferrenhas ao comportamento romano,
em especial no tocante aos espetáculos circenses sangrentos de lutas de
gladiadores e combates entre homens e feras aos quais Sêneca não se cansava de
censurar.
O que se busca é apenas o prazer! Nenhum vicio se conserva
dentro dos seus limites: o luxo degenerou em ganância! O
desprezo pela moral invadiu todos os domínios: nada se considera
ignóbil quando se pode pagar o preço. O homem - que para o
homem devia ser coisa sagrada – é exposto à morte apenas para
servir de divertimento; já era sacrilégio treinar homens para
ferirem e ser feridos – agora atiramo-los para o circo nus e
inermes, basta-nos a simples morte como espetáculo! (Carta 95 33).
As criticas do filosofo latino não se restringiram aos espetáculos circenses e
adentraram o campo da esfera privada e das relações públicas:
De entre os nossos concidadãos muitos há que despendem mais
energia em tempo de paz do que em tempo de guerra: gente que
aproveita a paz para se entregar a bebida, a luxúria e a outros
vícios – que ate a guerra forçaria interromper! (Carta 73- 6).
Por vezes é de todo o povo que nos devemos precaver; outras
vezes, quando o governo da cidade passa na sua maior parte pelo
senado , são os seus membros que importa conciliar; outras, são
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homens que, a título pessoal, receberam do povo o poder que
exercem contra o próprio povo (Carta 17-7).
Sêneca chega inclusive a maldizer As Saturnais (Saturnalias), data festiva
tradicional do calendário romano celebrada em honra de Saturno no dia 17 de
dezembro de cada ano.
Será de facto uma prova segura de firmeza de ânimo não
acompanhar, não se deixar guiar por um ambiente aliciador de
concessões à volúpia. Se é indicio de maior constância mantermonos inteiramente sóbrios em meio de uma multidão ébria a ponto
de vomitar, será mais moderada a nossa atitude se nos não
situarmos à margem, não nos tornando notados nem nos deixando
absorver na turba, isto é , se fizermos a mesma coisa mas com uma
diferente disposição de espírito. Afinal de contas, é possível
participar numa festa sem cair no deboche! (Carta 18-4).
Mas para alem das criticas o filosofo cordobês oferece, por meio da filosofia
estóica, orientações para não se deixar seduzir pelos vícios e paixões. Desta forma,
logo após criticar o comportamento político dos romanos como o trecho da carta
14 outrora citado ele prossegue dizendo:
Evita a perniciosa companhia dos poderosos mas tomando cautela
para não aparentar evitá-la ; em grande parte a segurança reside
em não a buscarmos de forma demasiado evidente , pois fugir de
alguma coisa é o mesmo que condená-la (Carta 14-8).
Como anteriormente foi mencionado Sêneca entende a filosofia como
pedagoga da humanidade, para ele é ela quem deve guiar e conduzir os atos
humanos , pois só com o seu auxilio é que, no seu entendimento, se pode alcançar
uma vida feliz longe das paixões e pautada pela razão .
O objectivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa
alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos
actos, em apontar-nos o que devemos fazer ou pôr de lado, em
sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre
escolhos. Sem ela ninguém pode viver sem temor, ninguém pode
viver em segurança (Carta 16-3).
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E prossegue, ainda sobre a filosofia, na mesma carta,
Ela nos incitará a obedecer espontaneamente à divindade, a resistir
a pé firme à fortuna; ela nos ensinara a seguir a divindade, ou a
suportar o acaso (Carta 16-5).
É, portanto por meio da filosofia que se obtém a salvação esse pensamento é bem
explicitado em um trecho da Carta 37 das Epistulae Morales ad Lucilium que diz:
E esse caminho será a filosofia a indicar-to. Dedica-te a ela, se de
facto queres salvar-te, se queres viver seguro e feliz, se queres ,
enfim, e isso é fundamental, der livre.Não há outro modo de
conseguires tudo isto. A ignorância é uma coisa vil, abjecta,
indigna, servil, sujeita a inúmeras e violentíssimas paixões – e que
ora nos governam alternadamente, ora em conjunto – te libertará a
sabedoria, a única liberdade autentica. Para chegar à sabedoria um
só caminho e em linha recta; não há que errar; avança em passo
firme e constante. Se queres que tudo te esteja sujeito, sujeita-te tu
á razão; dirigirás muitos outros, se a ti dirigir a razão. Ela te dirá o
que deves empreender, e de que maneira; assim não serás
surpreendido pelos acontecimentos (Carta 37, 3-4).
Lembrando que por ignorância não deve entender-se puramente a ausência
de conhecimentos, mas primordialmente o estado de quem de maneira voluntária
ou involuntária vive à margem dos princípios morais estabelecidos pela filosofia,
sendo assim, o ignorante passa a ser a antítese do ideal do sábio estóico.
O sábio estóico deve regular-se pelo bem supremo, ou seja, aquilo que se
conforma com a moral. Assim ele poderá enfrentar a fortuna de pé mantendo sua
alma inabalável não importando o que ela lhe traga.
Entretanto, para atingir esse ideal de sábio torna-se necessário, antes de
qualquer coisa, suprimir os vícios e as paixões, buscando uma vida virtuosa e
educando a si próprio nas bases do estoicismo. Sêneca reconhece ser difícil atingir
o ideal de sábio que os estóicos apregoavam, mas não impossível, pois para ele a
alma humana é divina, deste modo, para ela nada é inatingível.
Muita gente pensa que as nossas teorias estão acima do que a
condição humana permite, e com uma certa razão, quando apenas
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se toma em consideração o corpo. Mas se passar a tomar-se em
consideração a alma, ver-se-á como a bitola para medir o homem
deve passar a ser a divindade! (Carta 71-6).
Para tanto é de fundamental importância que se mantenha sempre alerta e
constante a fim de manter-se reto e sem esmorecer no caminho da filosofia, pois os
homens são propensos aos vícios, e estes tal como doenças contagiosas espalhamse e contaminam rapidamente ao menor contato com o doente, e é por este motivo
que Sêneca aconselha à Lucílio a ficar longe das multidões.
È- nos prejudicial o convívio com muita gente: não há ninguém
que nos não pegue qualquer vicio, nos contagie, nos contamine
sem nós darmos por isso. Por isso, quanto maior é a massa a que
nos juntamos, tanto maior é o perigo. E nada há tão nocivo aos
bons costumes como ficar a assistir a algum espectaculo, pois é
pela via do prazer que os vícios se nos insinuam mais facilmente
(Carta 7-2 ).
Nota-se que é necessário muito esforço e sacrifícios para se atingir o modelo
de vida de um sábio, uma vez que, o sapiens, ou seja, o sábio é dono de si mesmo,
não teme a fortuna e pouco lhe importa se esta rodeado de luxos ou entregue a
pobreza. Contenta-se consigo mesmo e tem confiança em si próprio, não se deixa
abater por nada e nem teme a morte, já que a entende como não sendo algo bom
ou mau e sim um processo natural pelo qual tudo que é vivo passara, e enxerga
nela em algumas situações uma saída honrada para a vida.
È um mal viver na necessidade, mas não há qualquer necessidade
de viver na necessidade. Como não seria assim? Em todo o lado
estão patentes as vias para a liberdade: muitas, curtas e fáceis.
Agradeçamos à divindade o facto de ninguém poder ser obrigado
a permanecer vivo: é- nos possível dar um pontapé na própria
necessidade (Carta 12 – 10).
De acordo com Ullmann:
No suicídio, realiza-se o grande paradoxo da liberdade e da
impassibilidade do sábio. Este sabe não apenas viver com
dignidade, mas também morre com coragem (1996, p. 47).
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Na Epistola 87 o próprio Sêneca admite que esta longe do ideal de sábio
estóico, ele tem-se apenas por um homem que sabe qual a meta ideal a atingir e a
persegue com dedicação ainda que tenha em mente que há um longo caminho a
percorrer.
Dificilmente consigo de mim próprio a confissão aberta de que
uma tal carroça me pertence. Ainda não me libertei por completo
desta indigna vergonha de agir bem: sempre que vem ao nosso
encontro algum grupo mais aparatoso, coro, embora contrariado.
Isto só prova que aquele modo de agir que eu considero digno e
louvável ainda não de fixou de modo definitivo e inabalável no
meu espírito [...] Portanto ate agora ainda pouco progredi: ainda
não ouso praticar a frugalidade em publico, ainda me preocupa a
opinião dos outros viajantes!
Ademais o modelo de sábio para Sêneca não se deve isolar da sociedade.
Segundo Ehrhardt:
Para Sêneca, o sábio tem funções primordiais na sociedade em que
ele possa intervir, ou a partir do seu exemplo ou da sua escrita,
legar futuro, quando as condições do seu presente não permitirem,
ensinamentos para a humanidade. É o sábio que ensina a verdade
da natureza, as regras para uma convivência harmoniosa em
sociedade, ensina a conhecer os deuses, impede ao homem de
acreditar em falsas opiniões, demonstra que a felicidade esta em
uma vida devotada à virtu e o homem mais poderoso é aquele que
tem um absoluto controle sobre si (2008, p. 151).
Mais do que ser objeto de reflexão a filosofia para Sêneca tinha que ser
posta em prática.
Quando porás à prova a teoria? Na filosofia não basta, como é o
caso nas outras ciências, confiar na memória, devemos pó-la à
prova através da ação. Para ser feliz não basta conhecer a teoria, há
que pó-la em pratica (Carta 75 - 7).
Todavia, seguindo o pensamento o filosofo de Cordoba:
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Quando o estóico se der conta de que esta envolvido numa
situação opressiva, dúbia, ambígua deve recuar; não voltar as
costas, mas sim retirar-se gradualmente para lugar seguro (Carta
22 - 8).
E quando questionado por seu amigo Lucílio sobre o ócio (entendido no
sentido empregado pelos romanos como afastamento da vida e dos afazeres
públicos), Sêneca aconselha Lucilio:
Ao formular estas reflexões tanto para mim próprio como para
posteridade, não te parece que estou a ser mais útil do que se
comparecesse como consultor numa citação judiciária, se
imprimisse o meu sinete no fim dum testamento, ou se fosse ao
senado dar o meu voto e o meu apoio a um candidato qualquer?
Acredita: os que mais fazem são os que menos parecem fazer, pois
tratam ao mesmo tempo dos planos humano e divino (Carta 8 - 6).
Recordamos que ele próprio retirou-se progressivamente da vida publica a
partir de 63 quando percebeu que o ambiente no palácio lhe era hostil, chegando a
solicitar permissão à Nero , do qual já mencionamos Sêneca fora preceptor, para
deixar a corte embora esta lhe tenha sido negada uma vez que Nero alegou não
poder dispensar a presença do velho mestre .
Entretanto mesmo afastado da vida publica o sábio não encontrar-se-ia a
margem do Estado :
Abriga-te no teu ócio, mas coloca o teu ócio ao abrigo dos demais.
[...] O sábio, embora levando uma vida retirada, nem por isso
passa a situar-se à margem do Estado [...] Fica certo de que nunca
a ação do sábio é mais considerável do que quando à sua
contemplação se oferece tanto o divino como o humano (Carta 68).
Nota-se que o sábio tem para os estóicos uma função política importante
mesmo quando não participando ativamente da vida pública, ele deve colocar
suas reflexões a serviço da comunidade.
Ao abordar o aspecto de uma instituição incontestável na antiguidade tal
como a escravidão, Sêneca não se posiciona a favor da abolição, nem se quer a
cogitava (apesar de considerar a igualdade entre os homens). A liberdade para ele
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encontrava-se na alma, o corpo pode ser escravizado, mas a alma de um sábio
jamais.
Se Sêneca não batalhou pela a abolição da escravidão, achou,
contudo, uma compensação, procurando melhorar o tratamento
dispensado aos escravos. Queria, para eles, um trato humanitário e
não de bestas feras (ULLMAN, 1996, p. 28).
Esta preocupação com o trato dado aos escravos rendeu a Sêneca uma carta
inteira só sobre esse assunto.
“São escravos”. Não, são homens. “São escravos”. Não, são
camaradas. “São escravos”. Não, são amigos mais humildes. “São
escravos”. Não, são companheiros de servidão, se pensares que
todos estamos sujeitos aos mesmos golpes da fortuna. Por isso me
parece ridículo achar desonroso jantar na companhia de um
escravo. [...] Eu não julgo os escravos pelas suas tarefas, mas pela
sua conduta moral: a conduta é cada um que determina as tarefas,
essas, distribui-as o acaso. [...] “É um escravo”. Mas em que é que
isso o diminui?Aponta-me alguém que o não seja: este é escravo
da sensualidade, aquele da avareza, aquele outro da ambição,
todos são escravos da esperança, todos o são do medo (Carta 47).
A condição do escravo em Roma era a de inferior por natureza e
inferioridade jurídica, apesar de poder administrar os negócios do patrão se esse
assim o mandar, o escravo continua sendo um homem que pode a qualquer
momento ser vendido e castigado conforme a vontade de seu senhor.
De acordo com o historiador francês Paul Veyne
O escravo poderá ser torturado perante os tribunais públicos para
confessar os crimes do amo, enquanto os homens livres não eram
ameaçados de tortura (1990, p. 68).
È a este costume que Sêneca remete-se quando escreve que:
Antigamente, quando os escravos conversavam, não só na
presença, mas com o senhor, quando não se lhes cosia a boca, eles
estavam prontos a arriscar a vida pelo senhor, a desviar sobre si
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qualquer perigo que o ameaçasse; conversavam às refeições, mas
calavam-se quando torturados (Carta 47).
O filosofo afirma ainda que são os maus senhores quem tornam seus
escravos inimigos ao lhe aplicarem tratamentos cruéis e desumanos e os tratarem
feito bestas de carga .
Conclusões
Ao atrelar as virtudes romanas e o fortalecimento da moral ao âmbito
político o pensamento estóico visava garantir a segurança do Estado, uma vez que
objetivava a preparação de homens com o conhecimento estóico para pólo em
pratica quando governassem:
É papel do filosofo estóico buscar uma formação sólida e
adequada para se tornar apto também a ensinar porque ele deve
ser útil ao maior numero possível de pessoas, pois deve ainda
adotar um estilo de vida correto e saudável, para servir de
exemplo e é ele que indica aos outros o caminho justo
(EHRHARDT, 2008, p. 156-157).
No tocante as relações humanas na Roma imperial do século I d.C, Sêneca
fez criticas ardorosas aos comportamentos sociais que julgava imorais, como os
espetáculos circenses sanguinários, e o tratamento dado aos escravos em Roma,
pois como já mencionado para o filosofo o homem é algo sagrado.
Na perspectiva de Ullmann:
Em meio à instabilidade dos modismos éticos Sêneca emerge como
uma vigorosa coluna mestra a apontar um caminho seguro de
felicidade natural. Ao secularismo o filosofo recorda, com suas
meditações, eternamente vivas, a fragilidade humana, a obediência
ao logos, o não apego às riquezas, a resignação à morte. Tais
reflexões possuem conteúdos quase cristãos (ULLMAN, 1996, p.
66).
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A filosofia estóica soube como responder as almas conturbadas da época
com as superstições, o temor à morte e do castigo no Hades, por meio de uma
orientação espiritual e pratica pautada pela serenidade e pelo uso da razão.
Concordamos com Ullmann quando afirma que:
Os escritos de Sêneca ainda hoje conservam profunda validade,
porque perpassados de perenes valores humanísticos. Ele buscou
responder à interrogação fundamental da existência humana:
como deve o homem agir e portar-se, em meio à angústia e à
preocupação da vida, para assegurar, no asilo da consciência, a
felicidade e a paz (ULLMAN, 1996, p. 63).
É justamente por abordar questões tão inerentes ao espírito humano quanto
o medo da morte que as Epistulae Morales ad Lucilium se fazem tão pertinentes e
passiveis de aplicação perene pela humanidade.
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