Qualidade da assistência médico-hospitalar: conceito e

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ARTIGO ORIGINAL
Qualidade da assistência
médico-hospitalar:
conceito e avaliação
de indicadores
Quality of medical care in a hospital.
Concept and evaluation of the indicators
RESUMO
Discute-se o conceito de qualidade sob perspectivas diversas e, a partir
dessa discussão, é proposta uma definição objetiva para a qualidade da
assistência médico-hospitalar. Esta é definida pelos seguintes atributos:
a) diagnóstico definitivo da doença que levou o paciente ao hospital,
informado claramente ao próprio ou familiar responsável; b) tratamento
atualizado e comprovadamente eficaz, aceito pelo paciente ou familiar
responsável; c) assistência de enfermagem capaz de cumprir fielmente
a prescrição médica e assegurar ao paciente atenção, carinho e respeito; d) internação isenta, ou com um mínimo de intercorrências infecciosas e não-infecciosas; e) atendimento dessas condições por um preço
menor que o do concorrente. Propõem-se os seguintes indicadores para
avaliar os atributos acima citados: a) falta de informação médica no prontuário do paciente; b) tempo médio de permanência; c) mortalidade institucional; d) queixas sem diagnóstico; e) complicações infecciosas hospitalares; f) complicações não infecciosas hospitalares; g) consumo de
antibióticos. As variações desses indicadores entre 1992 e 1999, são
analisadas, concluindo-se que essa análise corrige suposições sem base
em fatos e demonstra, de forma objetiva, as verdadeiras falhas do atendimento, bem como sugere suas prováveis causas. Na medida em que
essas falhas e suas possíveis soluções forem discutidas com os profissionais de saúde, a qualidade da assistência médico-hospitalar será, efetivamente, monitorada e aprimorada.
Palavras-chave: qualidade, indicadores hospitalares, assistência médica
RAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
DR. URIEL ZANON
Comissão de
Avaliação e Controle (CAC)
do Hospital Dona Helena (HDH),
tel.: (47) 451-3379, CEP 89204-250 –
Joinville, SC. E-mail: [email protected]
15
ABSTRACT
The concept of quality is discussed through different perspectives and an objective definition of
medical care quality in hospitals is proposed from this discussion. This definition is determined by
the following attributes: (a) definite diagnosis of the disease that led to admission, clearly informed
to the patient or to the family member in charge; (b) updated and clearly efficient treatment also
accepted by the patient or the family member in charge; (c ) nursing assistance capable of carrying
out medical prescriptions accurately and providing the patient with attention, respect and affection;
(d) hospitalization free from or with the fewest number of infectious or non-infectious events; (e)
meeting these needs for a price that is lower than that offered by other institutions. The following
indicators are proposed to assess the attributes above: (a) lack of medical data on patient record;
(b) average hospitalization period; (c ) institutional mortality rate; (d) complaints without diagnosis;
(e) hospital infectious complications; (f) hospital non-infectious complications; (g) rate of use of
antibiotics. The variations of these indicators from 1992 through 1999 are analyzed, and this analysis is found to correct previous assumptions which were not based on facts, and also to objectively
demonstrate the real drawbacks of medical care, as well as suggesting probable causes. As soon
as these drawbacks and their possible solutions are discussed with health professionals, the quality
of medical care in hospitals could be, in fact, monitored and improved.
K ey words: quality, epidemiological indicators, hospital care
INTRODUÇÃO
A assistência médico-hospitalar consome recursos que variam entre 4 e 14%
do PIB de uma nação(8). Tanto o governo
quanto a comunidade estão conscientes
de que se ela é tão cara, seu produto deve
ser da mais alta qualidade. Mas o que é
assistência médico-hospitalar de boa qualidade?
Esta questão tem sido objeto de ampla discussão pelas indústrias de suprimentos hospitalares, empresas de consultoria e marketing, administradores hospitalares e profissionais de saúde(1,4,6,14).
Todavia, o conceito de qualidade, além
de subjetivo, difere conforme a formação
profissional, a ética e os interesses envolvidos.
A indústria usualmente confunde a
qualidade da assistência médico-hospitalar com a qualidade dos produtos que fabrica, os quais, ao contrário dos produtos da assistência médico-hospitalar, podem ser avaliados objetivamente pela
comparação com padrões invariáveis,
previamente definidos. Todavia o simples
ajuste de métodos de avaliação da qualidade industrial para a apreciação da saúde nem sempre é apropriado(15,16).
16
As empresas de consultoria e de marketing consideram a mensuração da satisfação do cliente como critério absoluto para avaliar a qualidade(4,14,17). Mas a
avaliação da assistência médico-hospitalar pela mensuração da satisfação do paciente é inadequada, porque sofre a influência das fobias e dos preconceitos
que constituem a noção popular de qualidade de vida e de saúde e, inadvertidamente, estimula o charlatanismo(22).
O administrador hospitalar usualmente avalia a qualidade da assistência por
parâmetros arquitetônicos, pela sofisticação dos equipamentos e pela rentabilidade do investimento. Contudo, a excelência da planta física e dos equipamentos não significa, necessariamente, que os
pacientes recebam assistência de boa
qualidade. Quanto ao resultado econômico-financeiro, não há dúvida de que a
qualidade concorre decisivamente para
o aumento da produtividade e da margem de lucro a longo prazo, mas de acordo com Ishikawa, “o lucro em primeiro
lugar é uma idéia antiquada que precisa
ser descartada”(12).
O objetivo deste ensaio é a proposição de uma definição de qualidade da
assistência médico-hospitalar do ponto de
vista dos profissionais de saúde e sugerir
indicadores para a sua avaliação objetiva.
O CONCEITO DE QUALIDADE
MÉDICO-HOSPITALAR
Os especialistas em marketing definem
qualidade, genericamente, como “a totalidade de atributos que deve ter um produto ou serviço, para atender as expectativas do usuário final ou superá-las”(2).
De acordo com esses especialistas, é a
emoção, que o cliente sente diante da
experiência de utilizar um serviço ou de
adquirir um produto de acordo com a sua
expectativa, e não a razão, que produz
decisões acertadas. Consequentemente,
a qualidade deve ser avaliada pela pesquisa de opinião do cliente(2,4,14,17).
As pesquisas de opinião, entretanto,
não abrangem todos os fatores que contribuem para o êxito da assistência médico-hospitalar. Elas apenas avaliam o estado da comunicação estabelecida entre
os profissionais de saúde e seus pacientes(22). Um paciente plenamente satisfeito pode não estar recebendo os cuidaRAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
dos necessários à recuperação da sua
saúde. A opinião do paciente é necessária, porém insuficiente para definir a qualidade da assistência médico-hospitalar(18,22).
Em 1990 a Joint Comission on Accreditation of Health Care Organization
(JCAHO) definiu a qualidade da assistência médico-hospitalar como “o grau segundo o qual os cuidados com a saúde
do paciente aumentam a possibilidade da
desejada recuperação do mesmo e reduzem a probabilidade do aparecimento de
eventos indesejados, dado o atual estado de conhecimento““ (14). Do ponto de vista médico a expectativa do paciente é,
portanto, a recuperação ou a melhora da
doença que o aflige.
Desde o início do século passado, a
equipe de saúde procura avaliar a assistência médico-hospitalar. O conceito de
quality of care foi proposto, pela primeira
vez, por um cirurgião chamado Codman,
em 1912. Partindo do princípio de que “a
observação de tudo o que acontece durante e após o tratamento é a melhor maneira de avaliar a qualidade da assistência prestada”, ele propôs um sistema comparativo, criou os conceitos de tratamento eletivo, paliativo e de emergência, bem
como o de risco provável(3). A aceitação
das idéias de Codman levou Vergil N. Slee
a criar a auditoria médica, em 1943. Em
1972, o Congresso Americano, através do
Social Security Act criou o Professional
Standard Review Organization, com o objetivo de regulamentar a avaliação dos
serviços de Saúde(8).
Resumindo, a equipe de saúde procura avaliar a qualidade da assistência que
presta, pelo estudo sistematizado da história clínica, pela correlação entre esta e
os resultados dos exames complementares de diagnóstico, pela adequação da
prescrição médica ao diagnóstico, pelas
intercorrências verificadas e pelas condições de saída. Esses fatores técnicos interagem com fatores psicológicos, interferindo favorável ou desfavoravelmente na
recuperação da saúde do paciente(23).
RAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
Outra definição genérica de qualidade
consiste em considerá-la como “grau de
adequação de um bem ou serviço à necessidade de alguém””. Dizemos que um
sapato é melhor (tem mais qualidade) do
que outro porque responde mais adequadamente a cada um dos itens que constituem a necessidade de usar um calçado:
proteção e conforto dos pés, destaque
social, adorno do corpo, etc.(17). Esses atributos têm um custo que confere ao sapato um valor financeiro. Então, a qualidade pode ser expressa objetivamente
por uma relação custo x benefício. Conseqüentemente, um sapato será melhor
do que outro quando atender melhor ao
maior número de necessidades do usuário pelo menor preço.
Esse conceito pode ser aplicado à assistência médico-hospitalar desde que se
reconheça que ela envolve três categorias de atividades: a) prevenção da doença, recuperação e promoção da saúde;
b) hotelaria; e c) gestão econômico-financeira. Peter Dans, em 1988, fez uma analogia entre uma viagem aérea e uma internação hospitalar. Na viagem aérea o
objetivo principal é chegar com vida ao
destino, evitando-se uma aterrissagem
forçada ou um acidente maior; na internação hospitalar, é sair melhorado ou
curado, evitando-se a piora e a morte.
Depois de atingido o objetivo principal,
em ambos os casos, é que os outros aspectos passam a contar: o custo, a pontualidade, o conforto, o sabor da comida,
a atenção e a gentileza da tripulação ou
do pessoal hospitalar(5). É importante notar que, tanto as empresas de aviação
quanto os hospitais, devem oferecer atendimento compatível com o poder aquisitivo do cliente ou do paciente, sem comprometer sua atividade fim: a segurança
de vôo nas companhias aéreas ou a promoção e recuperação da saúde nos hospitais. Além disto, a qualidade tanto de
uma quanto de outra depende da comunicação entre fornecedor (companhia de
aviação ou hospital) e o comprador (cliente ou paciente) do serviço (viagem aérea
ou assistência hospitalar).
De acordo com os conceitos acima
abordados é possível caracterizar operacionalmente assistência médico-hospitalar de boa qualidade através dos seguintes atributos:
a) diagnóstico definitivo da doença que
levou o paciente ao hospital, informado claramente ao próprio ou a um familiar responsável;
b) tratamento atualizado, comprovadamente eficaz, consentido pelo paciente ou familiar responsável;
c) assistência de enfermagem capaz de
cumprir fielmente a prescrição médica e assegurar ao paciente atenção,
carinho e respeito;
d) internação isenta, ou com um mínimo,
de intercorrências, infecciosas e não
infecciosas;
e) atendimento pelo menor preço sem
comprometer os itens acima citados.
METODOLOGIA DE APURAÇÃO
DOS INDICADORES DE QUALIDADE
A avaliação dos atributos acima citados pode ser feita pelo levantamento e
monitoração dos seguintes indicadores:
a) Falta de informação médica no prontuário do paciente.
b) Tempo médio de permanência.
c) Mortalidade institucional.
d) Queixas sem diagnóstico.
e) Complicações infecciosas hospitalares.
f) Complicações não infecciosas hospitalares.
g) Consumo de antibióticos.
Esta é uma lista mínima que poderá ser
aumentada, quando houver necessidade
de maior sensibilidade e especificidade,
pela adição de outras taxas: complexidade do atendimento; mortalidade sem infecção, com infecção comunitária e com
infecção hospitalar; tipo de complicação
infecciosa; supuração da ferida por especialidade cirúrgica; supuração da ferida por tipo de cirurgia; taxa de infecção
em procedimentos de risco e outras.
A apuração desses indicadores é feita
após cuidadosa revisão do prontuário de
cada paciente, seguida pelo registro dos
dados pertinentes em formulário especí17
fico (anexo 1). Os dados desse formulário são digitados em arquivo dBase e apurados pelo programa EPI INFO, de domínio público, desenvolvido pelo Epidemiology Program Office do Centers for Disease Control, Atlanta, USA.
RESULTADOS
Em qualquer processo de produção, as
características dos produtos variam normalmente ao longo do tempo ou em
amostras diferentes. Deming, citado por
Nogueira, distingue dois tipos de variações: normais e anormais. A variação normal (abaixo do limite tolerável) resulta de
flutuações aleatórias do processo de produção ou de diferenças de precisão na
mensuração das características do produto. A variação anormal (acima do limite
tolerável) decorre de uma alteração relevante estranha no processo de produção,
que compromete a qualidade do produto(17).
A tabela 1 apresenta a variação dos
indicadores epidemiológicos, utilizados
no Hospital Dona Helena (HDH), de 1 de
abril de 1992 a 31 de dezembro de 1999.
O limite máximo de variação tolerável para
cada indicador foi calculado somando-se
à média o dobro do desvio padrão (DP).
O limite tolerável da falta de informação
médica no prontuário é zero.
Anexo 1
O controle estatístico dos indicadores
da qualidade tem por objetivo identificar
e eliminar as variações anormais.
Quando passam a prevalecer apenas
as variações normais diz-se que o processo entrou em estado de controle estatístico ou estabilizou-se(17).
DISCUSSÃO
a) Falta de informação médica no prontuário
É considerada falta de informação médica a inexistência de diagnóstico inicial
ou final no prontuário do paciente. Esta
taxa é calculada dividindo-se o número
de pacientes sem informação pelo total de pacienTABELA 1
tes e multiplicando-se o reVariação dos indicadores epidemiológicos – Hospital Dona Helena, de 1/4/1992 a 31/12/1999
sultado por 100.
As taxas de falta de inAno
TMP
Falta
Mortalidade
QSD
CIH
CNI/
ATB
ATB
formação médica no Hosinformação
1.000
terap.
profilt.
pital Dona Helena (HDH)
1992
2,88
0,0%
0,5%
3,6%
0,6%
5,4
13,1%
20,3%
caíram de 3,3 por 100
1993
2,84
0,0%
0,7%
4,7%
0,6%
6,2
16,9%
19,3%
pacientes em 1996, para
1994
3,15
0,0%
0,6%
3,7%
0,7%
7,6
16,8%
22,4%
0,6 em 1999 (p = 0,001),
1995
3,37
1,2%
0,9%
5,0%
1,0%
7,2
18,1%
21,8%
como conseqüência do
1996
3,84
3,3%
1,1%
6,1%
0,7%
4,7
22,9%
19,4%
trabalho que vem sendo
1997
3,70
1,9%
1,2%
6,1%
0,8%
3,9
22,5%
23,4%
feito de conscientização
1998
1,93
1,2%
1,2%
5,0%
1,1%
4,8
23,0%
28,4%
individual e informal dos
1999
3,86
0,6%
1,5%
4,5%
1,2%
7,2
19,3%
29,7%
médicos (veja tabela 1).
Média
3,18
0,9
0,9
4,8
0,8
5,9
18,9
22,8
De acordo com artigo
DP
0,653
0,011
0,003
0,010
0,002
1,396
0,035
0,040
69
do Código de Ética
Limite
4,49
0
0,91
4,82
0,804
8,692
18,97
22,88
Médica “é vedado ao
18
RAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
médico deixar de elaborar prontuário
para cada paciente”. O paciente tem o
direito de participar das decisões relacionadas com seu tratamento de saúde. Para
que isto aconteça, ele deve ser informado clara e concisamente da sua condição física e de todos os procedimentos
técnicos necessários a sua recuperação,
incluindo a possibilidade de qualquer risco de morte ou reações colaterais importantes. O paciente não deverá estar sujeito a nenhum procedimento sem o seu
consentimento voluntário, competente e
são, ou o consentimento de seu representante legal autorizado. Quando existirem alternativas médicas significativas
para o seu tratamento, estas deverão ser
informadas”(9,15,23).
O prontuário é um registro detalhado
e ordenado dos dados do paciente. Inclui informação individual e familiar, seus
hábitos e antecedentes, detalhes de sua
doença, de seu estado geral e da sua
evolução, bem como os procedimentos
diagnósticos e terapêuticos indicados e
efetuados, seus resultados e um resumo
final da doença com diagnóstico(s) definitivo(s). Do ponto de vista legal, graças
ao prontuário do paciente é que os médicos podem provar que a assistência era
adequada ao quadro clínico que o paciente apresentava naquele momento. Se não
existir informação no prontuário, ou se a
mesma for incompleta, o médico perde a
possibilidade de poder comprovar o que
realmente fez e, conseqüentemente, a
assistência não pode ser considerada de
boa qualidade. É, portanto, inadmissível
considerar o atendimento de boa qualidade se os registros médicos ou de enfermagem não existem ou são incompletos.
b) Tempo médio de permanência (TMP)
O tempo médio de permanência é a
media do número de dias que os pacientes permaneceram internados. É calculado dividindo-se o número de pacientesdia pelo número de pacientes. P acientedia é o conjunto de ser
viços pre
stados
prestados
serviços
a um paciente hospitalizado em um
período compreendido entre 0 e 24
RAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
horas um dia censitário(7). O número de
pacientes-dia é calculado multiplicandose o número de pacientes pelo número
de dias que estiveram internados.
Existe uma relação direta entre o TMP
e o estado geral do paciente, exceto naqueles muito graves, que vão precocemente
a óbito. Contudo, além da doença, a permanência pode ser afetada por fatores
econômicos (pressão para reduzir a estada e aumentar a rotatividade de leitos),
sociais (o paciente não tem para onde ir)
e administrativos (necessidade de leitos).
O TMP no HDH aumentou progressivamente de 2,88 dias, em 1992, para 3,86
em 1999, traduzindo a complexidade
crescente do atendimento hospitalar (veja
tabela 1).
c) Queixas sem diagnóstico (QSD)
O grupo XXVIII da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) consiste em:
a) “casos para os quais não se possa chegar a um diagnóstico mais preciso,
mesmo depois que todos os fatos que
digam respeito ao caso tenham sido
investigados;
b) “sinais ou sintomas existentes no momento da primeira consulta que se
mostrem de caráter transitório e cujas
causas não possam ser determinadas;
c) ”diagnósticos provisórios atribuídos a
um paciente que não retorne a consulta para aprofundamento da investigação do diagnóstico ou para assistência;
d) “casos encaminhados aos outros locais para investigação ou tratamento
antes que o diagnóstico fosse feito;
e) “casos para os quais não foi possível
estabelecer um diagnóstico mais preciso por qualquer razão”.
A caraterística comum desse grupo é,
portanto, a falta de um diagnóstico definitivo da queixa ou sinal que levou o paciente ao hospital. Para se caracterizar
uma QSD e necessário que o paciente
apresente exclusivamente sintomas e sinais classificados entre os códigos 780.0
e 799.9 da Nona Revisão (1975) da Classificação Internacional de Doenças, ou
entre os códigos R00.0 e R99.0 da Décima Revisão (1995) dessa Classificação.
Esta taxa é calculada dividindo-se o número de pacientes com QSD pelo total de
pacientes e multiplicando-se o resultado
por 100.
As QSD no HDH aumentaram de 3,6
para 100 pacientes, em 1992, para 5,1
em 1998 (p < 0,0001). Apesar do trabalho individual e informal para convencer
os médicos de que as taxas QSD encontradas são incompatíveis, com competência profissional de cada um e com os recursos de diagnóstico que o hospital lhes
oferece, a diferença entre as taxas de
1998 e 1999 (veja tabela 1) não é estatisticamente significante (p = 0,07).
Todo paciente tem o direito de ter um
diagnóstico definitivo, estabelecido em
linguagem clara, que possa ser por ele
compreendida(9).O diagnóstico é uma variável que pode afetar decisivamente o
curso da doença. Ele depende da formação e da experiência do médico, da disponibilidade de recursos tecnológicos
específicos e, também, do tempo de permanência no hospital. Zanon e cols., estudando 27.424 internações em 12 hospitais brasileiros, encontraram uma taxa
mediana de queixas sem diagnóstico de
4% em Medicina Clínica e Pediatria e de
2% nas demais clínicas. Baseados nestes
dados propuseram que taxas superiores
a essas sejam consideradas evidência de
falta de diagnóstico definitivo em proporção incompatível com assistência de boa
qualidade(24). Esta proposição só é válida
para pacientes com permanência no hospital superior a 3 dias, que é o tempo
usualmente necessário para fechar a
maioria dos diagnósticos.
Sem diagnostico definitivo o tratamento
se limita ao alívio dos sintomas, que apesar de necessário, não altera o curso da
doença, podendo ao contrário agravá-la.
d) Mortalidade
Taxa bruta de mortalidade é calculada
dividindo-se o número de óbitos verifica19
dos em uma clínica ou no hospital como
um todo e o total de pacientes saídos
dessa clínica ou do hospital, em determinado período, e multiplicando o resultado por 100.
A taxa bruta de mortalidade no HDH
aumentou de 0,5% por 100 pacientes,
em 1992, para 1,5% em 1999 (veja tabela 1), sendo este aumento estatisticamente significante (p < 0,001). Apesar de
terem ultrapassado o limite tolerável, elas
são comparáveis com as de outras instituições de elevado padrão de atendimento. No terceiro semestre de 1999, a taxa
bruta de mortalidade em 14 hospitais certificados pelo Programa de Controle da
Qualidade Hospitalar (CQH) do Hospital
das Clinicas da Universidade de São Paulo e da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas variou entre 0,5 e 14 por 100 pacientes em
torno da mediana de 1,71(11).
A mortalidade reflete o estado geral do
paciente e a complexidade do atendimento. Complexidade deriva de complexo,
que literalmente significa confuso, complicado, intricado. Atendimento de maior
complexidade é, por tanto, aquele de
diagnóstico mais difícil, que requer
maior assistência e que envolve um risco maior de óbito. Por definição a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) se destina ao atendimento de pacientes gravemente enfermos; existe uma correlação
direta entre a freqüência do atendimento
na UTI e a mortalidade. Conseqüentemente, a taxa de internações nessa unidade é
um indicador de complexidade. No HDH
a freqüência de internações na UTI foi de
4,4 por 100 pacientes em 1998 e de 4,8
em 1999. Por definição, quanto melhor
for o hospital, mais graves serão seus
pacientes, mais complexos os procedimentos e maior a taxa de mortalidade.
e) Complicações infecciosas hospitalares (CIH)
As infeções hospitalares foram definidas como conjunto de patologias mal classificadas, como pouca coisa em comum,
exceto a condição de incidirem em pa20
cientes hospitalizados. Não são, portanto, uma entidade nosológica (uma doença especifica classificada), mas síndromes
diferentes que, genericamente, são chamadas de infecção hospitalar, porque se
manifestam durante a internação ou após
a alta. Infecção hospitalar é uma denominação incorreta, porque o processo infeccioso não depende do ambiente hospitalar, mas da doença que o levou ao
hospital, do seu estado geral e do tipo de
tratamento a que foi submetido. Não se
trata de uma doença infecciosa em sentido estrito, mas da complicação de uma
doença preexistente ou do tratamento
realizado(20,21).
Os critérios para o diagnóstico das CIH
foram estabelecidos pelo National Nosocomal Infectious Surveillance System dos
Estados Unidos e oficializados pelo Ministério da Saúde do Brasil, através da
Portaria 2616/ GM de 12 de maio de
1998(21). Para ser classificado como caso
de CIH, é necessário que o paciente não
apresente infecção ao ser admitido no
hospital. Do contrário, será considerado
um caso de CIH se apresentar manifestações infecciosas em local diferente do
processo infeccioso inicial. Por exemplo,
neoplasia com infecção urinária na admissão e pneumonia durante a internação.
A taxa bruta de pacientes com complicações infecciosas hospitalares é calculada dividindo-se o numero de pacientes
infectados pelo total de pacientes e multiplicando-se o resultado por 100. No
HDH, esta taxa aumentou significantemente de 0,6 por 100 pacientes, em 1992,
para 1,2 em 1999 (p = 0,00004). Apesar de ter ultrapassado o limite tolerável
(veja tabela 1) é compatível com a observada em 14 hospitais certificados pelo
Programa de Controle da Qualidade Hospitalar (CQH) do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo e da Escola
de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas(11), que variou entre
0,5 e 7,0 por 100 pacientes, em torno da
mediana de 3,1.
A taxa bruta de pacientes com complicação infecciosa hospitalar deve ser es-
tratificada por clínica para aumentar a sensibilidade e a especificidade do controle.
O gráfico 1 registra a freqüência de pacientes com complicações infecciosas
hospitalares por clínica, no HDH, no National Nosocomial Infection Study (NNIS) e
no Estudo Multicêntrico de Infecções
Hospitalares (EMIH)(19).
As complicações infecciosas hospitalares mais freqüentes são: a supuração
da ferida cirúrgica (CIR), as infecções do
trato respiratório inferior (RES), as do trato
urinário (URI) e as septicemias (SEP), que
representam 80% do total das complicações infecciosas hospitalares. Menos freqüentes são: supuração em cateter vascular; gastroenterite; supuração em úlcera de decúbito; infecção intra-abdominal
em paciente não operado; conjuntivite;
otite; impetigo; supuração do coto umbilical e outras infecções . O gráfico 2 registra a freqüências dessas complicações.
A freqüência da supuração da ferida
operatória varia com a especialidade cirúrgica, com o tipo de operação e com a
técnica do cirurgião. Usualmente as operações são classificadas pelo potencial de
contaminação da ferida operatória em:
limpas, potencialmente contaminadas,
contaminadas e infectadas, a fim de estimar a possibilidade de infecção da ferida. Esse risco é, no máximo, de 5% para
as feridas limpas, 11% para as feridas potencialmente contaminadas e de 16%
para as feridas contaminadas. Essa classificação é inadequada porque são colocadas em uma mesma categoria intervenções cujo risco de infecção difere significativamente. Por exemplo: amigdalectomias, episiotomias e hemorroidectomias
raramente supuram, mas são classificadas como operações contaminadas, juntamente com gastrectomias (8 a 13% de
supuração), colecistectomias (3 a 11%), ressecção de cólons (9,7 a 27,0%). O controle
das infecções cirúrgicas requer o levantamento das taxas de supuração por especialidade cirúrgica e por tipo de cirurgia.
As complicações infecciosas broncopulmonares são provocadas pelos seguintes mecanismos(20,21):
RAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
6 0 ,0 %
TAXA/100 PACIENTES
5 0 ,0 %
4 0 ,0 %
32%
3 0 ,0 %
11%
4%
1%
0 ,4 %
1 ,1 %
M
ed
.C
lin
N
eo
na
to
C
iru
rg
ic
o
0 ,0 %
4%
3%
4%
1 ,2 %
3 ,3 %
H D H - 1998
N N IS
8%
1%
0 ,1 %
Pe
di
at
ric
o
6%
6%
1 0,4%
O
st
et
ric
o
14%
1 0 ,0 %
G
in
ec
o
2 0 ,0 %
E M IH
Gráfico 1 – Freqüência de complicações infecciosas hospitalares em diferentes instituições
c) as variações da técnica de introdução do cateter,
d) a má higiene perineal no sexo feminino.
A principal via de acesso ao trato
urinário no sistema de coleta fechado é a retrógrada, através do espaço entre a superfície externa do caCIR
RES
URI
SEP
OUT
TOT
teter e a mucosa uretral. No sistema
aberto é a luz do cateter(21). Entre 67
Gráfico 2 – Freqüência de infecção pela localie 79% das complicações infecciozação topográfica
sas urinárias ocorrem após a catetea) aspirações repetidas de pequenos
rização vesical, podendo chegar a 92%
volumes de secreção das vias aéreas
em pacientes ginecológicas(20,21). No HDH,
15 das 23 infecções urinárias hospitalasuperiores;
res ocorreram após cateterização vesical.
b) broncoaspiração maciça do conteúdo
A invasão da corrente sangüínea pode
gástrico;
originar-se de um foco infeccioso preexisc) disseminação hematogênica de um
tente localizado no tratos urinário, respifoco a distância;
ratório, entérico ou cutâneo. Todavia, end) contaminação devida a instrumentatre 62 e 65% das septicemias ocorrem
ção respiratória.
após instrumentação vascular (dissecção
Entre 48 e 55% das complicações invenosa, punção de veia profunda, aplicafecciosas bronco- pulmonares ocorrem
ção de cateter de Swan-Ganz ou cateteapós a intubação oro ou nasotraqueal,
rização arterial), mantida por mais de 48
com ou sem respirador mecânico, podenhoras, podendo chegar a 77% em paciendo chegar a 82% em pacientes cirúrgites cirúrgicos(20,21). No HDH, 3 das 8 sepcos(19). Entre as 27 infecções broncopulmonares observadas no HDH, 13 ocorreticemias hospitalares ocorreram após insram após instrumentação respiratória.
trumentação vascular.
As complicações infecciosas urinárias,
As causas intrínsecas mais freqüentes
em sua grande maioria, decorrem da
das complicações infecciosas hospitalamanipulação do trato urinário, especialres observadas no HDH são: doenças pulmonares agudas do coração (embolia e
mente da cateterização vesical. No pacor pulmonale), prematuridade, afecções
ciente cateterizado os principais fatores
respiratórias do recém-nascido, doenças
de risco são(21):
a) o sistema aberto de coleta de urina;
do esôfago, diabetes, doença isquêmica
b) o tempo de cateterização;
do coração, neoplasias e trauma.
TAXAS/100 PACIENTES
9
As complicações infecciosas hospitalares variam com o grau de complexidade da assistência. Em geral quanto mais
complexo for o hospital, mais graves serão os pacientes e maior a probabilidade
de complicações infecciosas hospitalares.
Trata-se, portanto, muito mais de um indicador de risco, do que de qualidade. Taxas reduzidas de pacientes com complicações infecciosas hospitalares geralmente são encontradas em hospitais com baixo tempo de permanência e baixa mortalidade, que são características da clientela de planos e seguros de saúde.
8,7
8
f) Complicações não infecciosas (CNI)
7
6
5
4,2
4,0
4
3
2
1
2,2
2,1
1,4
1,1
1,4
0,7
1,4
1,4
0,7
0,3
0,2
0,5
0,1
0
EMIH
RAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
NNIS
HDH
0,9
0,5
As complicações não infecciosas são
intercorrências diversas, que complicam
a doença ou os procedimentos médicos
cirúrgicos e retardam a recuperação ou a
cura do paciente. Esse indicador foi adotado no HDH, em 1992, tendo como base
a observação feita por Haley e cols. em
1990: revendo 1.618 prontuários de pacientes randomizados, de um hospital universitário no Texas, encontraram 845
complicações não infecciosas (52% do
total). As mais freqüentemente encontradas foram: reação à medicação; lacerações, quedas sem seqüela, atelectasias,
pneumotórax, hemorragias e complicações anestésicas(10,13).
Esta taxa é calculada dividindo-se o número de pacientes com complicações
não infecciosas pelo total de pacientes e
multiplicando-se o resultado por 1.000.
A tabela 1 demonstra que as CNI no HDH
não apresentaram variações estatisticamente significantes (p = 0,14) entre1992
e 1999, bem como não ultrapassaram o
limite tolerável. Elas são inferiores à taxa
de 20 por mil, proposta por Zanon e cols.
como evidência de má qualidade assistencial(24).
As CNI aumentam a permanência, os
custos da internação, os riscos de complicações infecciosas hospitalares e de
óbito. Conseqüentemente, constituem um
indicador objetivo da má qualidade da
assistência prestada ao paciente.
21
g) Consumo de antimicrobianos
Os antimicrobianos estão entre os
medicamentos mais caros e de maior
consumo no hospital. A qualidade de sua
prescrição deve ser avaliada levando-se
em conta:
a) que devem ser indicados apenas para
infecções susceptíveis;
b) que a antibioticoprofilaxia deve restringir-se aos casos indicados na literatura especializada.
A desobediência a estes princípios leva
à prescrição indiscriminada, que é um indicador de má qualidade, porque expõe
o paciente a efeitos colaterais indesejáveis, seleciona germes resistentes e aumenta o custo da hospitalização.
A taxa de consumo profilático de antibióticos é calculada dividindo-se o numero de pacientes que utilizaram esses medicamento na ausência de uma infecção
e o total de pacientes, multiplicando-se o
resultado por 100. A taxa de consumo
terapêutico é calculada dividindo-se o
número de pacientes tratados com antibióticos pelo total de pacientes e multiplicando-se o resultado por 100.
A tabela 1 registra que a taxa bruta de
pacientes tratados profilaticamente com
antibióticos é de aproximadamente 23%
enquanto que a de pacientes tratados
terapeuticamente é de 19%. Existem evidências que demonstram que a administração profilática de antibióticos no HDH
é exagerada, principalmente na ginecologia.
CONCLUSÃO
O estabelecimento de uma definição
operacional de qualidade da assistência
22
médico-hospitalar permite a seleção de
indicadores epidemiológicos para avaliação objetiva da mesma. A análise dos sete
indicadores propostos neste estudo corrige suposições sem base em fatos e demonstra, de forma objetiva, as verdadeiras falhas do atendimento, bem com sugere suas prováveis causas.
Na medida em que essas falhas e suas
possíveis soluções forem discutidas com
os profissionais de saúde, a qualidade da
assistência médico-hospitalar poderá ser
efetivamente monitorizada e aprimorada.
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RAS _ Vol. 2, Nº 8 – Jul-Set, 2000
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