Verba para combate à aids fica parada nas contas

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Aids
06 de Novembro de 2012
HIV
Verba para combate à aids fica parada nas contas de estados e
municípios
Secretarias estaduais e municipais mantêm, sem uso, 160 milhões de reais repassados pelo
Ministério da Saúde. Rio de Janeiro, que tem segundo maior índice de mortalidade pela doença no
país, é o campeão de desperdício
Por Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
Vírus HIV: vacina experimental usa nova estratégia para combater a aids, com bons
resultados. Mas ainda está longe de ser testada em humanos (Thinkstock)
Quando confrontados com um problema grave em suas gestões, administradores públicos têm, invariavelmente, uma
justificativa no repertório: a falta de verbas, a escassez de recursos, as limitações de orçamento. Em grande parte
dos casos, é certo que falta dinheiro e sobram problemas, como nas casas em que o salário acaba e o mês
prossegue. Mas nem sempre a inação se explica pelo dinheiro – ou a falta dele. Neste momento, quando pacientes
portadores do vírus da aids se acotovelam em busca de atendimento em hospitais e postos de saúde do país, estão
parados nas contas de estados e município 160 milhões de reais repassados pelo Ministério da Saúde para melhorar
o atendimento de soropositivos e criar programas de prevenção.
O levantamento da situação desse dinheiro é do próprio ministério, com base nas informações repassadas por
estados e municípios. O desperdício pode ser ainda maior: cerca de 200 municípios não informaram o que fizeram –
e se fizeram – com a verba destinada ao combate à aids.
Em alguns locais, a verba repassada regularmente pelo Ministério da Saúde desde 2003 ‘apodrece’ na conta há 91
meses, como em Vila Velha, no Espírito Santo. No Sudeste, são 68,4 milhões de reais sem uso nas contas bancárias
dos gestores municipais e estudais. A região é a que tem maior número de mortes causadas pela doença: em 2010,
dos 11.965 óbitos notificados no país, 5.687 ocorreram nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e
Espírito Santo.
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O estado do Rio, que tem a segunda maior mortalidade pela doença do país, é o que acumula mais recursos sem
uso: 30,2 milhões de reais em caixa entre verbas destinadas à Secretaria Estadual de Saúde e às secretarias
municipais. Segundo levantamento ao qual o site de VEJA teve acesso, a Secretaria Estadual de Saúde fluminense
gastou apenas 36,8% dos 24,9 milhões de reais que recebeu desde 2003. Ou seja, acumula 15,7 milhões de reais
sem uso. Já o município deixou de aplicar na rede 8,1 milhões dos 17 milhões que recebeu desde 2003.
O estado tem 9,1 mortes por aids para cada grupo de 100 mil habitantes, quase o dobro da média nacional, de 5,6
óbitos. A cada dois dias, nove moradores do estado morrem em decorrência de problemas com o HIV.
Oferecer tratamento com rapidez é a diferença entre a vida e a morte quando o assunto é o HIV. A aids, que já
representou uma sentença de morte, hoje é considerada uma doença crônica por especialistas, mas o diagnóstico
tardio e o atendimento precário são entraves ao tratamento. Os destinos possíveis para o dinheiro são muitos. De
acordo com o Ministério da Saúde, os recursos poderiam ser usados na contratação de ações de prevenção
realizadas por organizações não-governamentais e em melhorias estruturais de unidades de saúde que atendem
soropositivos. Poderia ainda ser destinado a casas de apoio que cuidam de pacientes sem recursos ou na compra
de leite para bebês, filhos de mulheres soropositivas, pois o leite materno de uma mãe soropositiva leva risco de
contágio ao recém-nascido.
Deixar de empregar o dinheiro destinado ao combate à aids dificulta o trabalho de entidades que tiveram destaque
no combate à epidemia, cujo ponto crítico se deu na década de 1980. O grupo Pela Vidda Rio, fundado em 1989, é
um dos que passa por dificuldades atualmente. Sem receber dinheiro público e com o corte dos financiamentos
internacionais, o Pela Vidda foi obrigado a reduzir seu horário de funcionamento ao período da tarde. O atendimento
já não está disponível às segundas-feiras e foi fechado o Disque-Aids, destinado a dar orientações a soropositivos e
famílias de pacientes com a doença.
O trabalho do Pela Vidda consiste em dar assistência psicológica e jurídica aos portadores do vírus. O grupo também
se especializou em ações de prevenção ao HIV e na luta contra o preconceito e pelos direitos dos soropositivos.
“Hoje, a situação financeira do Pela Vidda é muito delicada. Fazemos um esforço enorme para manter as portas
abertas, mas se nada mudar não sei até quando conseguiremos. O mais grave é que as pessoas continuam
chegando, buscando ajuda sem conseguir acesso à rede pública. Muitas acabaram de ter o diagnóstico e chegam
perdidas, com medo de morrer, sem ter a quem revelar o diagnóstico. Em seguida, ainda precisam peregrinar em
vários postos para conseguir uma consulta”, afirma o psicanalista George Gouvêa, coordenador do Pela Vidda, que
mantém atendimento psicológico e jurídico com 12 voluntários.
O superintendente de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde, Alexandre Chieppe, alega
dificuldades no repasse de recursos para projetos de organizações não-governamentais devido ao excesso de
documentos exigidos. Chieppe argumenta ainda que a secretaria aumentou o gasto nos últimos anos e afirmou que,
até 2013, investirá no Plano de Metas a verba que hoje esta parada na conta do estado.
“Não sobra dinheiro. Não há excesso. O que há é dificuldade de utilizar esses recursos, que se acumularam em anos
anteriores. Os juros também geram mais recursos”, afirma. “Há uma discussão em relação ao repasse para ONGs.
Não há instrumentos jurídicos adequados. O estado tem que fazer o repasse como se o fizesse para uma empresa
qualquer. Ou seja, há uma carga muito grande de documentos exigidos para organizações não-governamentais que
não têm o mesmo porte de uma empresa que vende para o governo. Tem que se pensar numa adaptação para que
esses recursos sejam repassados. Hoje, temos muita dificuldade”, disse.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde Rio, que segundo o levantamento do Ministério da Saúde tem 8,1 milhões
de reais na conta, alega que não há valores parados. O município argumenta que “todos os valores estão
empenhados no orçamento, vinculando os recursos financeiros em conta com os recursos orçamentários e
compromissos assumidos”. “A verba é utilizada em despesas fixas e variáveis, como campanhas, e o recebimento e
uso dos valores são dinâmicos, com prestação de conta feita ao final do exercício. Portanto, a Secretaria Municipal
de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC) não tem hoje em sua conta os R$ 8 milhões citados. Dentre as
despesas fixas estão a compra de leite substituto para crianças nascidas de mães com HIV, cerca de 28 mil latas ao
ano, aquisição de gel lubrificante (500 mil saches/ano)”, diz a nota. O município não informa quanto tem em caixa no
momento dos recursos repassados pelo ministério.
A resposta escorrega nos detalhes. A orientação do Ministério da Saúde para uso da verba não inclui a compra de
gel lubrificante. A Secretaria Estadual de Saúde comete o mesmo erro: de acordo com o superintendente Alexandre
Chieppe, o órgão também compra gel lubrificante com o valor de incentivo. Ou seja: do pouco dinheiro que é usado,
há ainda gastos que desrespeitam o que foi acordado com o ministério.
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