AULA TEÓRICA (NEURORRADIOLOGIA I) Arnolfo de Carvalho Neto ([email protected]) ANATOMIA DO ENCÉFALO O encéfalo é dividido, basicamente, em hemisférios cerebrais, tronco e cerebelo (figura 1). FIGURA 1: CORTE SAGITAL DO ENCÉFALO Ele é composto por 2 tipos de tecidos: a substância cinzenta, onde estão os neurônios (córtex, tálamos e núcleos profundos) e substância branca, que são os tratos de axônios. Entre a substância cinzenta e a branca mielinizada há uma diferença de concentração de água de cerca de 5-10%, suficiente para diferenciar os dois tipos de tecidos pela TC e pela RM (figura 2). FIGURA 2: SUBSTÂNCIA BRANCA E CINZENTA O encéfalo apresenta um sistema interno de cavidades, o sistema ventricular, composto pelos ventrículos laterais, um terceiro ventrículo mediano, o aqueduto e o quarto ventrículo na fossa posterior (figura 3). Além dos tecidos nervosos, outras estruturas, que fazem parte da proteção, são muito importantes. A primeira delas é a caixa craniana, que no adulto é inextensível. Ela forma a cavidade craniana que não é única, mas está subdividida em fossas anterior, média e posterior; separadas pela asa do esfenóide e pelo rochedo respectivamente. Nos traumas fechados estes ossos e o assoalho da fossa anterior (que não é liso, apresentando irregularidades) são obstáculos contra os quais o encéfalo bate (figura 4). Além das estruturas ósseas são muito importantes as meninges: dura-mater, aracnóide e pia-mater. A dura é capa fibrosa muito resistente, que recobre e está firmemente aderida a todas as superfícies ósseas, e também emite projeções que ajudam a subdividir a cavidade craniana. As principais são a foice cerebral e a tenda do cerebelo (figura 5). A pia é muito fina e está aderida ao parênquima e entre as duas há a aracnóide e um grande espaço chamado sub-aracnóide, onde fica o líquor. Os demais espaços entre as meninges são virtuais: o extra ou epidural (entre a dura e o osso) e o subdural (entre dura e a aracnóide) (figura 6). Finalmente, é importante o líquido céfalo-raquidiano, produzido nos ventrículos, ele sai para o espaço sub-aracnóide pelos forames entre tronco e cerebelo e tanto desce em torno da medula como sobe para as convexidades cerebrais, ocupando os sulcos e as cisternas. No plano microscópico, é muito importante lembrar que a microcirculação do encéfalo é toda particular. Como forma de proteção, os capilares não possuem poros e a membrana basal é contínua, por isto a maioria das substâncias não passa para o espaço extra-vascular (meio interno). O transporte é seletivo. Este mecanismo é chamado de barreira hemato-encefálica (figura 8) e sua importância é grande também no equilíbrio hídrico, pois, como já dissemos, o encéfalo está contido numa caixa inextensível e não possui um sistema linfático para eliminar o excesso de água. ESPAÇOS LÍQUIDOS SUBARACNÓIDE: SULCOS CEREBRAIS CEREBELARES CISTERNAS FOSSA POSTERIOR MAGNA PONTO-CEREBELAR PERIMESENCEFÁLIA PERIBULBAR SUPRATENTORIAL FISSURAS SILVIANAS FISURA INTER-HEMISFÉRICA SUPRA-SELAR AMBIENS VEO INTERPÓSITO VENTRÍCULOS LATERAIS TERCEIRO AQUEDUTO CEREBRAL QUARTO SEMIOLOGIA EM NEURORRADIOLOGIA A investigação do encéfalo na era pre-tomografia computadorizada era extremamente complicada, porque todas estruturas encefálicas (tecido cerebral, meninges, líquor) têm densidade de água, não havendo contraste. As radiografias simples só mostram as estruturas ósseas, que raramente são envolvidas pelas doenças do encéfalo. Assim, era necessário injetar diretamente ar ou contraste na cavidade craniana ou então fazer uma angiografia e tentar diagnosticar indiretamente as doenças, pois a angiografia mostra apenas os vasos. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) permitem uma demonstração anatômica fantástica, provavelmente a mais detalhada de todo corpo, devido a sua constituição, onde o líquor serve como forma de contraste natural, e à ausência de movimentos, que permite que séries demoradas, como as de RM não sejam prejudicadas. Devemos reconhecer, nos cortes, as estruturas nervosas e também as referências ósseas, meninges e face. A TC apresenta importante perda de resolução na fossa posterior devido aos rochedos (também as fossas médias sofrem com artefatos de “endurecimento do feixe”), enquanto a RM, não apresenta este problema, o que associado à capacidade de formar imagens com diferentes contrastes, torna a RM mais sensível e melhor na demonstração anatômica, embora a TC permaneça como excelente método, para a maioria das doenças. É fundamental entender alguns processos fisiopatológicos próprios do SNC, para obter das imagens, informações preciosas no diagnóstico da maioria das doenças. Em primeiro lugar, a caixa craniana inextensível no adulto, cria uma séria limitação de espaço, pois o encéfalo não tem para onde crescer nos processos, que causam aumento de volume. O único espaço disponível é aquele ocupado pelos líquidos, ou seja, sulcos, cisternas e ventrículos, que vão sendo obliterados nas lesões, que crescem (tumores, abscessos, hematomas, etc), dando o chamado efeito expansivo ou de massa. Se, por outro lado, há perda de volume encefálico, como na cicatrização (gliose), os espaços líquidos dilatam junto à lesão (efeito retrátil) (figura 1). Quando uma lesão continua crescendo, pode haver herniação (figura 2) do SNC para o compartimento vizinho, seja através do forame magno (hérnia de amigdalas cerebelares) (e), seja pelas subdivisões das meninges, gerando as hérnias subfalcina (a) e tentório (hérnia de uncus) (b). Quando a pressão aumenta, há um limite acima do qual o sangue não consegue penetrar na cavidade craniana, levando à morte cerebral. No nível microscópico, o mecanismo da barreira hemato-encefálica pode ser rompido em diversos processos, permitindo que macro-moléculas passem para o extra-vascular e haja acúmulo de água. A “quebra da barreira hemato- encefálica” é traduzida por edema vasogênico e impregnação pelos meios de contraste (figura 3). No edema vasogênico a água (hipodensa na TC e hiperintensa em T2 na RM) acumula-se mais na substância branca, poupando o córtex (figura 4). A impregnação é o acúmulo de contraste, que não deveria passar para o extravascular. Obs: embora substâncias diferentes, os contrastes da RM (gadolínio) e da TC (iodo) têm farmacodinâmica semelhante. Se houver uma obstrução ao fluxo do líquor, em qualquer nível, vai haver hidrocefalia, (figura 5) com conseqüente dilatação ventricular (nem toda dilatação é hidrocefalia). Como o sistema ventricular funciona como um auxiliar na reabsorção de água, observa-se edema periventricular nas hidrocefalias com pressão liquórica elevada. QUADROS NEUROLÓGICOS MAIS FREQUENTEMENTE INVESTIGADOS NA NEURORRADIOLOGIA CEFALÉIA Pode ser classificada em aguda e crônica. Crônica: é o sintoma mais comum da clinica diária e quase nunca tem tradução nos exames de imagem. Muito postulam que não deve ser usado exame de imagem, a não ser que haja outro sinal neurológico associado (edema de papila, déficit motor, alteração mental, etc), mas, muitas vezes, o paciente cobra do médico um exame que o deixe mais tranqüilo quanto a não haver doença grave. Comumente se solicita uma TC sem contraste venoso como método de triagem, capaz de excluir causa como hidrocefalia e a maioria dos tumores e outras lesões expansivas. Aguda: a investigação por imagem é importante. Além da hidrocefalia aguda e das hemorragias intraparenquimatosas, são causas importantes: a hemorragia subaracnóidea (HSA) e a meningite, ambas cursando com nucalgia e sinais meníngeos. Por isto, quase sempre se inicia com uma tomografia computadorizada que pode mostrar com facilidade sangue no espaço subaracnóide. Já a meningite tem exame normal na maioria dos casos e não pode ser excluída sem um exame do líquido cefalorraquidiano. A RM é menos específica para HSA aguda, que só aparece na seqüência FLAIR. As hemorragias intraparenquimatosas podem ser causa de cefaléia aguda, seja por hemorragia espontânea (hipertenso), seja por lesão vascular (aneurismas, mal formações arteriovenosas e cavernomas). Raramente a trombose venosa também pode dar cefaléia aguda. Raramente uma sinusite do esfenóide pode se manifestar como cefaléia aguda. As outras sinusites costumam dar dor facial. É importante lembrar que velamento de seios paranasais não é igual a sinusite, acontecendo numa porcentagem grande da população. TONTURA E ZUMBIDOS Raramente têm achados positivos nos exames de imagem. Podem estar relacionados a doenças dos ouvidos médio e interno, e neste caso, a RM é o melhor exame. Se houver perda auditiva neuro-sensorial associada é importante avaliar os condutos auditivos internos, pois schwanomas são freqüentes. SÍNCOPE Deve ser caracterizada clinicamente para diferenciar de convulsão, pois raramente tem achados positivos. CONVULSÕES É importante definir o tempo de evolução e o número de crises (epilepsia), além do tipo de crise (grande mal, parcial simples, parcial complexa, pequeno mal, etc) A RM é o melhor método, muitas vezes centrada na análise das formações hipocampais e na procura de lesões tratáveis como malformações, tumores e infartos (causa mais comum no idoso). Em nosso meio, pela alta incidência de neurocisticercose a TC pode ser muito útil, como completo da RM. DERRAME OU ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO Caracteriza-se pelo início súbito dos sintomas, quase sempre déficits motores, sensitivos ou alterações da consciência e da orientação. Incluem o infarto, o episódio isquêmico transitório, o hematoma intraparenquimatoso, a hemorragia subaracnóide espontânea e as tromboses venosas. Além disto, outras doenças que podem simular um derrame, como os tumores e os hematomas extra-axiais, devem ser excluídas pelos métodos de imagem. TRAUMA A indicação de exames de imagem depende da clínica do paciente e das características do trauma. Quase sempre a TC é o método inicial de avaliação, que permite tomar a maioria das decisões, principalmente a indicação cirúrgica nos hematomas extra-axiais (subdural e extradural). ALTERAÇÕES DE CONSCIÊNCIA Excluídas as causas metabólicas, os exames de imagem podem indicar causas como derrames, tumores, hidrocefalia, etc. A RM é o método ideal, mas a TC mostra a maioria das doenças tratáveis. ALTERAÇÕES DE MEMÓRIA Quando é progressiva ao longo de meses a anos, investiga-se como demência, procurando muito mais excluir causas tratáveis (tumores, hematomas, vascular), que são raras e não definir o tipo de demência (Alzheimer, fronto-temporal, etc). Quando indicada a investigação é feita por RM. Quando a alteração de memória é mais aguda ela não é uma demência e é investigada como alteração de consciência. LESÕES DE NERVOS CRANIANOS A clínica depende do nervo envolvido. A mais comum é a neuralgia do trigêmeo (V nervo), que é investigada por RM, mas na maioria das vezes não se acha a causa. Diplopia também é freqüente (III, IV e VI), assim como a paralisia facial (VII) e surdez neuro-sensorial (VIII). MACETES PARA INTERPRETAR EXAMES DE TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DO ENCÉFALO 1. CONHECER A ANATOMIA 2. SABER COMO O EXAME FOI FEITO (PLANO DE CORTE / ESPESSURA DO CORTE / USO DE MEIOS DE CONTRASTE / ETC) 3. IDENTIFICAR OS ESPAÇOS LÍQUIDOS (VENTRÍCULOS E ESPAÇO SUBARACNÓIDE). OS CONTORNOS SÃO DADOS PELO CONTATO ENTRE O LIQUOR E O PARÊNQUIMA ENCEFÁLICO. 4. COMPARAR A SIMETRIA DAS ESTRUTURAS DO ENCÉFALO (MAS LEMBRE QUE ELA NÃO É ABSOLUTA). 5. IDENTIFICAR IMAGENS SUSPEITAS. OLHAR O CORTE ANTERIOR E POSTERIOR 6. DESCARTAR ARTEFATOS (MOVIMENTO / VOLUME PARCIAL) 7. TENTAR CLASSIFICAR AS LESÕES EM EXPANSIVAS (REDUZ OS ESPAÇOS LÍQUIDOS / CAUSA HERNIAÇÕES) E LESÕES RETRÁTEIS OU CICATRIZES (AUMENTA OS ESPAÇOS LÍQUIDOS). 8. TENTAR DEFINIR SE A LESÃO ESTÁ DENTRO DO PARÊNQUIMA (INTRA-AXIAL) OU FORA (EXTRA-AXIAL). 9. SE EXISTEM CALCIFICAÇÕES (DENSIDADE ALTA COMO O OSSO) E SE PODEM SER FISIOLÓGICAS (PLEXOS CORÓIDES / PINEAL / DURA-MATER) 10. PROCURAR ÁREAS COM DENSIDADE DIFERENTE DO PARÊNQUIMA: MAIS ESCURA MAIS ÁGUA (EDEMA / TUMOR / INFARTO) MAIS BRANCA (CALCIFICAÇÃO / HEMORRAGIA / IMPREGNAÇÃO PELO MEIO DE CONTRASTE). 11. FAZER A LISTA DAS DOENÇAS MAIS PROVÁVEIS MACETES PARA INTERPRETAR EXAMES DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DO ENCÉFALO: 1. CONHECER A ANATOMIA 2. SABER COMO O EXAME FOI FEITO (TIPO DE CONTRASTE (T1, T2, T2*, FLAIR, etc)/ PLANO DE CORTE / ESPESSURA DO CORTE / USO DE MEIOS DE CONTRASTE / ETC) 3. IDENTIFICAR OS ESPAÇOS LÍQUIDOS (VENTRÍCULOS E ESPAÇO SUBARACNÓIDE). OS CONTORNOS SÃO DADOS PELO CONTATO ENTRE O LIQUOR E O PARÊNQUIMA ENCEFÁLICO. 4. APROVEITAR A SIMETRIA DAS ESTRUTURAS DO ENCÉFALO (LEMBRE QUE ELA NÃO É ABSOLUTA). 5. IDENTIFICAR IMAGENS SUSPEITAS. OLHAR O CORTE ANTERIOR E POSTERIOR 6. DESCARTAR ARTEFATOS (MOVIMENTO / VOLUME PARCIAL / FLUXO) 7. TENTAR CLASSIFICAR AS LESÕES EM EXPANSIVAS (REDUZ OS ESPAÇOS LÍQUIDOS / CAUSA HERNIAÇÕES) E LESÕES RETRÁTEIS OU CICATRIZES (AUMENTA OS ESPAÇOS LÍQUIDOS). 8. TENTAR DEFINIR SE A LESÃO ESTÁ DENTRO DO PARÊNQUIMA (INTRA-AXIAL) OU FORA (EXTRA-AXIAL). 9. PROCURAR ÁREAS COM SINAL DIFERENTE DO PARÊNQUIMA: T1 = MAIS ESCURA MAIS ÁGUA (EDEMA / TUMOR / INFARTO) MAIS BRANCA (HEMORRAGIA / IMPREGNAÇÃO PELO MEIO DE CONTRASTE) T2 = MAIS BRANCA MAIS ÁGUA (EDEMA/ TUMOR/ INFARTO); MAIS ESCURA = SANGUE / CALCIFICAÇÃO / FLUXO. 10. FAZER A LISTA DAS DOENÇAS MAIS PROVÁVEIS TERMOS USADOS NA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA TR: tempo de repetição entre os pulsos de radiofreqüência. É medida em milisegundos (ms). TE: tempo após o qual o sinal vai ser captado na bobina (para isto, é aplicado um pulso, que faz os spins inverterem seu sentido, num tempo igual a TE/2) T2: tempo de relaxamento 2 ou “spin-spin”. As lesões com mais água ficam mais branca, o que o torna muito sensível para demonstrar lesões no SNC. T2*: tempo de relaxamento T2 sem a correção das inomogenidades do campo, o que o torna muito mais curto que o T2. É usado para identificar calcificações e depósitos de sangue. T1: tempo de relaxamento 1 ou “spin-latice” As lesões com mais água ficam mais escuras. Mostra a anatomia com mais detalhes, embora menos sensível para lesões. A impregnação pelo gadolínio só aparece nas imagens baseadas em T1. SEQÜÊNCIA: conjunto de imagens obtidas simultaneamente, num determinado plano (axial, coronal, sagital) utilizando um conjunto de parâmetros (TR, TE, etc) de modo a ter contraste baseado numa das propriedades dos tecidos (T1, T2, SINAL NA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA ÁGUA LIVRE: líquido não ligado às proteínas, como o líquor, cistos, etc. ÁGUA TECIDUAL: as moléculas de água que “envolvem” as proteínas ou estão nos espaços intracelular e extravascular dos tecidos. Esta água não é suprimida na seqüência FLAIR. GORDURA: os hidrogênios ligados à gordura têm freqüência de precessão pouco diferente da água. A gordura costuma ser “branca” tanto em T1 quanto em T2 (use a gordura do subcutâneo como referência). OSSO CORTICAL: sempre escuro, pois não tem prótons livres. Olhar sempre se a cortical próxima a uma lesão está íntegra ou não. OSSO ESPONJOSO: nos adultos predomina a medula amarela (gordura), aparecendo hiperintensa em T1 e T2. SANGUE: o hematoma pode ser qualquer sinal. Lembre de hematoma com lesões que tenham componentes muito escuros em T2 e brancos em T1. SINAL NA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA T1 ÁGUA LIVRE ÁGUA TECIDUAL GORDURA OSSO CORTICAL OSSO ESPONJOSO SANGUE VEIA ARTÉRIA T2 FLAIR