ICB/ DEPTO. DE MICROBIOLOGIA/ VIROLOGIA Cultivo de vírus animais O cultivo de um determinado vírus animal é limitado pela necessidade de um tecido vivo em que as células possuam receptores apropriados, e que sejam suscetíveis à replicação dos vírus após a penetração no citoplasma. Inicialmente dispunha-se apenas de animais de experimentação em que se conseguia obter a multiplicação dos vírus, como o vírus da Raiva em coelhos. Hoje em dia essa prática persiste, sendo um exemplo importante a vigilância de arboviroses (de “artropod-born” ou veiculado por artrópodes, como os vírus da dengue e febre amarela, transmitidos por mosquitos do gênero Aedes). Nesse procedimento hemolinfa de mosquitos ou sangue de animais silvestres são inoculados em cérebro de camundongos neonatos, observando-se ocorre o aparecimento de sintomas de paralisia quando há presença de um arbovírus. Uma alternativa é a inoculação desses fluidos nas cavidades (ex.: alantóide) de ovos embrionados (Figura 1), cujo epitélio ou eventualmente o próprio tecido embrionário seja sucetível à infecção por determinados vírus (por exemplo, os vírus do Sarampo, Influenza, Polio e Herpes crescem bem nessas condições). Figura 1- Esquema de inoculação de vírus em ovos embrionados. O estudo dos vírus animais teve um grande avanço a partir dos anos 40, quando se começou a utilizar as culturas celulares, desenvolvidas inicialmente por Enders e colaboradores, para a multiplicação in vitro do vírus da poliomielite. As células podem ser obtidas a partir de culturas de explante. Essa técnica consiste na utilização de fragmentos de tecidos ou órgãos, que são cultivados em meio adequado de crescimento celular. Os fragmentos aderidos à superfície de um frasco apropriado vão liberar espontaneamente as células, de maneira a formar uma camada monocelular. Essas culturas de células em monocamada podem também ser preparadas pelo tratamento do tecido original, ou da linhagem estabelecida já cultivada em frascos, com agentes dispersantes tais como: enzimas proteolíticas (ex.: tripsina) e/ou substâncias quelantes (ex.: EDTA). Assim, com a retirada das proteínas, do cálcio e do magnésio, necessários para a ligação na estrutura do tecido ou à superfície de cultivo (plástico ou vidro), as células são dispersas. Isso é feito em meio nutritivo, sendo que após algumas horas de incubação as células aderem-se à superfície do novo frasco, e multiplicam se formando outra camada celular. A esse procedimento é dado o nome de sub-cultivo, passagem ou repique (Figura 2). As culturas primárias são derivadas diretamente dos tecidos. Esse tipo de cultura celular é constituído por células diplóides (contém o mesmo número de cromossomos da espécie que deu origem à cultura). A cultura primária é geralmente mais sensível que as demais para o cultivo de vírus, e pode ser utilizada para a produção de vacinas. Entretanto, apresenta algumas desvantagens, entre elas, a maior dificuldade de obtenção, o alto custo e a possibilidade de contaminação por vírus latentes. As culturas primárias quando sub-cultivadas, em geral, degeneram e morrem após a segunda ou terceira passagem. Figura 2 Esquema indicando como é realizado um subcultivo para propagação de cultura celular. Um exemplo será realizado através de um filme em sala de aula. No decorrer de sub-cultivos das culturas primárias, pode haver a seleção de clones, capazes de sobreviver e se multiplicar por 50 ou mais passagens. Esses clones dão origem às chamadas linhagens celulares, também denominadas de linhagens estabelecidas ou contínuas, que podem ser aneuplóides (com número de cromossomos alterado). São sensíveis para o isolamento de vírus e são de manutenção relativamente fácil. Os estoques devem ser congelados em baixo número de passagens, e reativados quando necessário, mantendo assim a mesma sensibilidade à infecção. Quando a cultura de explante é feita a partir de tecido tumoral, em geral as linhagens celulares são obtidas mais rapidamente e são aneuplóides. Estas podem ser úteis para fins de diagnóstico, isolamento e propagação de vírus, produção de reagentes, mas não para produção de vacinas. Outro método, utilizado para a obtenção de culturas celulares, baseia-se no cultivo de células em suspensão, obtidas de tecido originalmente não aderente ou adaptadas a essa condição. Neste caso, grandes populações de células podem ser obtidas, sendo úteis para o preparo de grandes volumes de vírus com altos títulos, como na produção de antígenos para confecção de vacinas ou reagentes para diagnóstico. Isolamento de vírus de material clínico Como vimos acima, os sistemas celulares mais utilizados para o isolamento dos vírus são: as culturas de células in vitro, os ovos embrionados de galinha e os animais de laboratório. A grande variedade de métodos e sistemas utilizados no isolamento de vírus de amostras de material clínico reflete, de fato, que as condições ótimas de isolamento são distintas para cada vírus. Se um hospedeiro insensível é inoculado com uma amostra contendo determinado vírus, este provavelmente não será isolado, e um resultado falso negativo será obtido. As culturas celulares apresentam grande variação na sua suscetibilidade aos diferentes vírus, por exemplo: para o isolamento de poliovírus as culturas mais indicadas são as culturas primárias de rim de macaco ou as linhagens celulares de rim de macaco (GMK - rim de macaco verde ou LLC-MK2 - rim de Macaca mulata) ou ainda linhagens celulares humanas (RD - rabdomiosarcoma humano). Para adenovírus a linhagem mais indicada é a HEp-2 (carcinoma epitelial humano); para o vírus do sarampo e o vírus Herpes, a linhagem celular mais indicada é a VERO (rim de macaco verde). Quando pequenas quantidades de vírus estão presentes numa amostra, um resultado positivo só pode ser obtido quando o sistema mais sensível é utilizado. Portanto, é muito importante que o laboratório seja informado da síndrome clínica, ou do vírus suspeito, para que se possa utilizar o melhor método de detecção. Nenhuma técnica laboratorial (ou cultura celular) no entanto, será eficiente, se a amostra não for colhida, transportada, armazenada e processada de forma adequada. As amostras precisam ser colhidas na fase aguda da infecção e sua escolha deve ser apropriada: fezes, para vírus entéricos; secreção nasal para vírus respiratórios; sangue, para vírus de transmissão sangüínea, etc. As amostras, quando colhidas com "swab" (tipo de cotonete), devem ser imediatamente colocadas em solução salina tamponada ou meio de cultura, para evitar que ressequem com a conseqüente desnaturação dos vírus. De forma geral, todas as amostras devem ser transportadas em temperatura de geladeira para o laboratório imediatamente, e assim conservadas até o momento do diagnóstico, para evitar a inativação dos vírus pelo calor.As amostras, antes da inoculação em culturas celulares, ou antes de serem usadas em qualquer teste de diagnóstico, deverão ser processadas adequadamente. Esse processamento, de modo geral, inclui fases de eluição dos vírus da amostra, com uso de salina tamponada; clarificação por centrifugação, para eliminação de resíduos indesejáveis, e descontaminação com agentes antibacterianos e/ou antifúngicos. Evita-se assim, que resíduos tóxicos ou microrganismos contaminantes interfiram no isolamento dos vírus e no diagnóstico.