Saber Secreto: O que fOi a revOlucaO de fevereirO de 1917?

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Cronologia de fevereiro
(segundo o calendário juliano)
23 de fevereiro
Dia Internacional das Mulheres. Nenhuma
das organizações previu greves para esse
dia. O partido bolchevique é muito fraco e o
contato entre operários e soldados é quase
inexistente.
Pela manhã, operárias têxteis de diversas
fábricas abandonam o trabalho e enviam
delegadas aos metalúrgicos, solicitando
que apoiem a greve. Protestam contra as
longas filas de espera pelo pão. Muitas são
esposas de soldados.
Como um rastilho de pólvora, o movimento
se alastra e se torna uma greve de massas.
São cerca de 90.000 pessoas nas ruas. O
comitê bolchevique de Vyborg, que antes
havia desaconselhado greves nesse dia,
percebe que o partido tem que ir às ruas.
24 de fevereiro
O movimento dobra de tamanho, e cerca
de metade dos operários de Petrogrado
declara greve. Os operários se encontram
nas fábricas, não para trabalhar, mas para
organizar reuniões e marchas ao centro da
cidade.
Os cossacos não cumprem algumas ordens
dos oficiais: se recusam a reprimir os manifestantes. Estão posicionados de forma a
impedir o acesso ao centro da cidade, mas
permitem que os operários passem debaixo
da barriga dos cavalos.
um fim à greve para que mais pessoas não
sejam feridas. A direção vacila mais que a
base.
27 de fevereiro
Os operários se reúnem nas portas das
fábricas e decidem pela continuidade da
greve.
A única forma possível de continuidade da
situação é a passagem da greve à insurreição.
Tentativas de organizar reuniões em frente
às casernas do exército são reprimidas a
tiros de metralhadoras pelos oficiais. Há a
impressão de que ainda é preciso conquistar os soldados. Porém, rapidamente, um
após o outro, os batalhões de reserva da
Guarda se amotinam, seguindo o exemplo
da 4ª companhia.
O povo se arma.
O comitê de Vyborg e os soldados traçam
um plano de ação de tomada da cidade e
libertação dos presos políticos.
O povo toma o palácio da Táuride. Início da
formação do Governo Provisório e renascimento do Soviete de Petrogrado.
O contexto histórico russo
28 de fevereiro
A Rússia em 1917 encontrava-se entre o
Ocidente e o Oriente. Não apenas pela sua
posição geográfica, atravessando Europa e
Ásia, mas porque no mesmo país se encontravam, de um lado as maiores indústrias da
Europa, que utilizavam as mais modernas
técnicas de produção capitalista, e de outro
toda uma série de formações econômicas
que combinavam a servidão feudal à propriedade comunal asiática. No começo do
século XX, a monarquia dos Romanov, na
figura do Czar1 Nicolau II, sintetizava o jugo
despótico vindo da formação asiática2 do
Estado russo à pressão militar e econômica
exercida pelo Ocidente, que não permitiu
que a Rússia se formasse como nação
asiática.
Os ferroviários impedem a entrada do trem
do czar em Petrogrado.
2 de março
O czar Nicolau II abdica oficialmente do
trono.
25 de fevereiro
São agora 250.000 operários em greve. Há
confrontos entre a multidão e a polícia. Os
soldados vacilam entre a postura passiva
e a hostil aos policiais. Nas imediações da
estátua de Alexandre III, cossacos disparam
contra a polícia, que havia disparado contra
a multidão.
Mais que em outro lugar do mundo, o atraso
econômico russo envolvia o desenvolvimento do capitalismo em pesadas contradições.
A burguesia russa, fraca e vacilante, se
apoiava num czar que tinha sérias limitações para garantir o bom funcionamento
do capitalismo no país. Essa burguesia
não tinha nem capacidade nem interesse
em levar adiante as tarefas democráticas
elementares que se colocaram como tarefas
históricas da burguesia em outros países. O
governo russo era um governo autocrático,
com um monarca incapaz, governando para
uma burguesia igualmente incapaz.
A greve se converte em greve geral. As
massas revolucionárias entram em contato
com as tropas do exército. Operários, especialmente as mulheres, procuram convencer
as tropas a não atirar na multidão, apelando
diretamente aos soldados.
Cem militares são detidos. O Comitê de
Petrogrado é detido, e a direção do partido
bolchevique passa ao comitê de Vyborg.
Alguns bairros da cidade estão sob controle
dos rebeldes.
26 de fevereiro
Ao mesmo tempo, as contradições capitalistas atingiam seu ápice, naquele momento, na esfera internacional. As maiores
potências capitalistas lutavam para dominar
o mercado mundial e redividir a economia
do mundo de acordo com seus interesses
de dominação imperialista3. O evento que
ficou conhecido como a Primeira Guerra
Mundial nada mais era que uma guerra de
rapina entre as burguesias alemã, inglesa,
francesa, italiana, norte-americana... para
defender seu capital, essas burguesias colocaram fileiras e fileiras dos filhos do proletariado e dos camponeses pobres de todo o
mundo para atirar e matar uns aos outros.
Mais bairros passam para o controle dos
rebeldes.
Cidade fortemente patrulhada pelas tropas
do exército, que recebem ordem rigorosa
de atirar. São 40 mortos, e mais um grande
número de feridos.
A 4ª Companhia do Regimento Preobrajensky subleva-se em reação aos disparos
do exército contra a multidão. Eles se
dirigem ao quartel para sublevar todo o
regimento. No caminho, confronto com a
polícia.
Alguns membros do comitê bolchevique de
Vyborg se perguntam se não devem chamar
Saber Secreto:
O que foi a revolucao
de fevereiro de 1917?
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A Rússia, apesar de ser considerada uma
das grandes potências, cumpria um papel
absolutamente secundário e vergonhoso.
Pelo seu atraso econômico, o país não tinha
de fato capacidade para disputar o mercado
mundial com as outras potências europeias.
Apesar de estar em guerra contra a Alemanha, seu interesse se limitava a garantir
sua exploração do mercado de pequenas
nações a sua volta. Embora as grandes
indústrias nas principais cidade do país,
como Petrogrado e Moscou, garantissem
a produção de armamentos de guerra e
munição, o capital era incapaz de garantir
a distribuição de comida à população e de
fazer chegar bens alimentícios e ração ao
exército. Em 1917, mais soldados russos
haviam morrido de fome e doenças relacionadas à falta de alimentação, como tifo e
escorbuto, do que em combates.
No front, os soldados morriam de fome. Em
casa, o povo não tinha pão. Os operários
e demais trabalhadores assalariados, nas
cidades e no campo, trabalhavam muito
e ganhavam uma miséria. Os camponeses pobres perdiam suas terras. Era uma
situação limite, que as massas não podiam
mais suportar. A demanda por pão, paz e
terra colocou as massas em movimento e
deu início ao evento que estremeceria todo
o mundo.
1. Czar
Nome dos comandantes supremos
da Rússia, que exerciam o poder
despoticamente, concentrando em
sua figura todas as atribuições do
poder do Estado. O regime dos
czares, o czarismo, durou de 1547
até a Revolução de Fevereiro de
1917.
2. Formação asiática
Quando dizemos que a Rússia tinha
uma “formação asiática”, estamos
nos referindo ao fato de que o país
possuía, em grande quantidade,
relações de produção pré-capitalistas, quer dizer, relações que
não eram fundadas na divisão dos
meios de trabalho daqueles que
trabalham neles, como é a relação
capitalista de assalariamento, onde
o trabalhador é “livre” num duplo
sentido, segundo Marx: livre de
vínculos baseados em sangue,
terra, filiação, para vender a sua
força de trabalho no mercado; e
livre no sentido de estar sem a
posse dos meios de produção (ver
“proletário”).
3. Imperialismo
Conceito estudado a fundo pelo
revolucionário Lênin, em seu livro
“Imperialismo, estágio superior
do capitalismo”, para designar o
período histórico do capitalismo
em que o capital financeiro, que é
a fusão do capital bancário com o
industrial, procura aumentar seus
os lucros para além dos mercados
internos das nações capitalistas,
através da exploração das colônias,
levando a guerras por mercados e
matérias primas, como foi a própria
Primeira Guerra Mundial.
4. Proletariado
É um termo que vem da época
do Império Romano, quando
designava uma classe de cidadãos
romanos cujas posses consistiam
apenas na sua prole, seus filhos.
Modernamente, designa a classe
que precisa vender a sua força de
trabalho no mercado para garantir a
sua subsistência, em contraposição
à burguesia, a classe proprietária dos meios de produção que
compra essa força de trabalho. Não
confundir com “operariado”, que
é um setor do proletariado, aquele
que trabalha nas fábricas e produz
carros, máquinas, alimentos, roupas
etc., e que tem centralidade no
processo revolucionário.
5. Estado Maior
Trata-se de um órgão, composto
por oficiais e outro pessoal, de
informação, estudo, concepção e
planejamento para apoio à decisão
de um comandante militar.
6. Cossacos
Os cossacos são um povo nativo
das estepes das regiões do sudeste
da Europa, que se estabeleceram
mais tarde nas regiões do interior
da Rússia asiática. É um povo
conhecido por seu talento militar,
a tal ponto que foram organizados
regimentos de cossacos para travar
as guerras de unificação da Rússia,
integrando-se assim ao Exército
Russo.
A importância e os limites da
revolução de fevereiro
A Revolução Russa é celebrada graças
à tomada do poder pelo proletariado4
em outubro de 1917, feito de importância
histórica. Foi em outubro que a consciência
dos trabalhadores e suas formas organizativas, seus órgãos de poder independentes
e contrários ao poder burguês estavam em
maturidade suficiente para tomar o poder
e mantê-lo de maneira consistente. Porém,
não se pode entender como a luta de classes na Rússia chegou a um grau tal que a
tomada do poder pelos trabalhadores fosse
possível sem entender como esse processo
começou. E o primeiro ato desse drama foi
a revolução de fevereiro.
É certo que amplas camadas populares
russas já não podiam suportar a exploração
a que eram submetidas, a fome e todos
os graves problemas trazidos pela guerra.
Qualquer fé na capacidade do czar ou da
burguesia de dar uma resposta às necessidades do povo havia sido corroída. No front,
os soldados exigiam a paz, e se recusavam
a obedecer às ordens dos oficiais do exército. Os soldados, oriundos das camadas
do proletariado e do campesinato pobre,
se recusaram a entrar em conflito com os
soldados alemães, oriundos das camadas sociais equivalentes da Alemanha. O
Estado Maior5 perdeu qualquer capacidade
de controle sobre o exército. Os oficiais
relatavam que não dariam ordem de ataque
aos soldados com medo de serem linchados ou fuzilados. Em Petrogrado, as tropas
de soldados e os cossacos6, antes a tropa
de choque mais sanguinária da monarquia,
passaram a se recusar a reprimir os protestos. É famosa a cena dos operários em
protesto passando por baixo da barriga dos
cavalos dos cossacos.
Em apenas cinco dias, uma greve de operárias contaminou outros diversos setores da
indústria, extrapolou para além daí, atingindo soldados, e terminou com o proletariado
derrotando o czar. Em apenas cinco dias
a greve evoluiu de greve econômica para
greve política e de greve política para insurreição armada.
Fevereiro colocou na prática a necessidade de aliança do proletariado com outros
setores de classe e outras classes sociais
em favor da revolução. Os diversos protestos nos cinco dias que abalaram a Rússia
teriam sido muito mais sangrentos se não
fosse a neutralidade simpática dos cossacos. Os soldados sublevados distribuíram
armas aos operários, e sem essa aliança,
o trabalho da insurreição armada e de
supressão da polícia teria sido muito mais
difícil. Mas fevereiro teve seus limites: foi
um momento em que a cidade se ergueu
e, ao contrário de países como o Brasil
hoje, a grande maioria da população Russa
vivia no campo. Embora os camponeses
recebessem com esperanças as notícias da
revolução, ficava ainda a questão de como
travar de fato uma aliança com as massas
camponesas de forma a arrastá-las na torrente revolucionária.
Foi muito importante para colocar as massas proletárias em movimento o chamado
elemento espontâneo. Mas faltava ainda um
elemento consciente que soubesse colocar
a questão da tomada do poder pelos trabalhadores. Muitos historiadores e jornalistas
burgueses à época tentaram negar, mas
era muito claro que as classes à frente da
revolução de fevereiro eram o operariado e
os soldados. Porém, pela imaturidade do
movimento, a revolução naquele momento tirou o poder das mãos do czar para
colocá-lo nas mãos da burguesia. Embora o
movimento tenha sido dos trabalhadores, o
poder acabou caindo no colo da burguesia,
que montou um governo provisório.
Muitos socialistas daquela época acreditavam que era impossível aos trabalhadores
chegarem ao poder num país como a Rússia. Eles defendiam que antes o capitalismo
deveria se desenvolver plenamente. A essa
concepção depois deu-se o nome de etapismo. Quem defende hoje a revolução em
etapas na verdade nunca aprendeu a lição
de fevereiro. Ou pior, quer fazer esquecer
essa lição! Dentro do Partido Bolchevique7, algumas pessoas acreditavam nisso,
e defendiam colaboração com o governo
provisório. Era o caso dos dirigentes mais
velhos, como Stálin.
Porém, alguns dirigentes experimentados,
como Lenin e Trotsky, os dirigentes que
eram operários e estavam na Rússia em
fevereiro e a maioria dos jovens operários
que compunham o Partido acreditavam que
as condições objetivas já estavam maduras para que os trabalhadores tomassem
o poder. Eles defendiam que a burguesia
era incapaz de levar adiante as tarefas que
lhe cabiam historicamente e que caberia
ao proletariado liderar essas tarefas, ao
mesmo tempo que levava adiante as tarefas
socialistas. Por isso, a Rússia não deveria
passar a ser uma república parlamentar,
afinal, já existia uma forma muito superior
de organização democrática das massas, os
sovietes8. A tarefa que se colocava para os
trabalhadores em fevereiro era a tomada do
poder e a passagem da Rússia para uma república soviética, e isso colocava na ordem
do dia o desmascaramento do real caráter
do governo provisório.
Nos meses seguintes, houve uma luta
importante no interior do Partido para que a
concepção correta prevalecesse. Se ela não
tivesse prevalecido, os bolcheviques não
teriam sabido apontar a direção correta às
massas. Essa foi a lição mais dura e mais
importante daquele mês. Os bolcheviques
eram um grupo praticamente desconhecido
da grande maioria da população russa em
fevereiro. Eles só chegaram a ser o partido
da revolução de outubro porque souberam
extrair as lições corretas dos acontecimentos. Fevereiro trazia outubro em semente.
7. Bolchevique
Nome dado a uma fração do Partido Socialdemocrata Russo, que se
formou após o Segundo Congresso
do Partido em 1903. O nome é derivado de “a maioria”, em russo, pois
tal fração conseguiu maioria de votos nas questões mais importantes
no tal Congresso, em contraposição aos mencheviques, “a minoria”.
Os bolcheviques defendem uma
organização partidária regida pelos
princípios do centralismo democrático: liberdade na discussão das
ações, unidade na sua execução. O
Partido Bolchevique é quem dirige
a tomada do poder pelo proletariado russo em outubro de 1917.
8. Sovietes
Sovietes ou conselhos são forma
de organização dos trabalhadores
surgidas, pela primeira vez, na
Revolução Russa de 1905, pela
ação independente dos próprios
trabalhadores. Os sovietes são uma
forma de democracia direta dos
trabalhadores, que concentra as
atribuições executivas e legislativas
num só órgão. Os sovietes têm
papel fundamental na história da
Revolução Russa de 1917, pois
é através deles que se organiza a
tomada do poder e eles servem de
base para a posterior reorganização
do Estado (daí “União Soviética”).
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