APRESENTAÇÃO

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FILOSOFANDO: REVISTA DE FILOSOFIA DA UESB
NÚMERO ESPECIAL – FILOSOFIA DA MENTE E FILOSOFIA DA LINGUAGEM
ANO 2  NÚMERO 2  JULHO-DEZEMBRO DE 2014  ISSN: 2317-3785
APRESENTAÇÃO
JULIANA DE ORIONE ARRAES FAGUNDES1
Organizadora do Número Especial Filosofia da Mente e Filosofia da Linguagem
E-mail: [email protected]
1.
ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A MENTE
Os temas relacionados à Filosofia da Mente interessam a estudiosos de
diversas
áreas.
Inquietam
psicólogos,
neurologistas,
biólogos,
linguistas,
estudiosos da inteligência artificial e das ciências cognitivas e os profissionais dos
mais diversos campos do conhecimento, além, é claro, dos próprios filósofos. Faz
todo sentido, portanto, que tenhamos ampliado um pouco a abrangência do tema
do número especial, com o intuito de incluir diferentes debates que tangenciam as
questões acerca do mental. Pensar sobre o mental, em grande medida, é pensar
sobre o próprio ser humano2.
A disciplina de Filosofia da Mente abrange uma diversidade de questões e
temas, os quais, em geral, possuem intersecções com outras áreas. Há, por
exemplo, o problema de se determinar a natureza da relação entre mente e corpo.
São coisas diferentes ou a mesma coisa? Será que são propriedades distintas de
uma só substância? Esse dilema levou autores como Descartes e Espinoza a
adotarem perspectivas ontológicas distintas, sendo o primeiro dualista e o segundo
monista. Ainda no debate contemporâneo, há versões de dualismos e monismos
em Filosofia da Mente.
1
Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora Assistente da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (UESB).
2 Não que a mente caracterize o humano no sentido de que só os seres humanos possuam mentes. O
mais provável é que os animais também possuam mentes e podemos discutir sobre a possibilidade
de máquinas ou extraterrestres terem mentes, mas o fato é que pensar sobre o mental é pensar
sobre nós mesmos.
FAGUNDES, Juliana de Orione Arraes
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Outra questão relevante é acerca de como os estados mentais podem ter
poderes causais sobre o mundo físico, a partir de nosso comportamento. Essa
questão, de acordo com Davidson (1994, p.5), já é apresentada por Kant como um
desafio para conciliar a autonomia da ação humana e a causalidade do mundo
natural. O livre-arbítrio, afinal de contas, está relacionado à responsabilidade
consciente por nossas ações. Porém, se o mundo natural é regido apenas por
processos naturais, que papel tem o mental na explicação de nossos
comportamentos? Esse é outro debate bastante profícuo em Filosofia da Mente e
intimamente relacionado ao debate anterior.
Podemos pensar ainda sobre quem são os que têm mentes. As máquinas
podem pensar? Seres diferentes dos humanos têm mentes? Os animais têm
mentes? Todos eles? Seria possível traçar uma linha divisória entre os que as têm e
os que não as têm? E o meu colega? E o meu professor? Será que tenho como
garantir a existência de outras mentes? Nagel (2001, p.19) coloca a seguinte
pergunta: “O que você sabe, de fato, sobre o que se passa na mente de outra
pessoa?” Aparentemente, o acesso que temos às nossas próprias experiências é
bem diferente do que temos às mentes dos outros, pois não podemos saber o que
pensam ou o que sentem a não ser pelo seu comportamento. E se veem o mundo
de maneira totalmente diferente da nossa? A linguagem, nesse sentido, poderia
nos estar enganando, fazendo-nos crer que temos experiências internas
semelhantes, quando, na realidade, temos experiências totalmente distintas.
O que é estar consciente? Como podemos caracterizar a consciência?
Até que ponto nós agimos conforme deliberações e até que ponto somos
guiados por aspectos biológicos e culturais em nossas ações? Para Dennett
(2013, p. 279), por exemplo, a consciência é um dos fenômenos mais
intrigantes que existem e, para compreendê-la, precisaremos abandonar
muitas das nossas opiniões de senso comum.
Uma pergunta que se pode fazer no cerne da própria Filosofia da
Mente é se de fato as questões empíricas podem e devem dialogar com a
Filosofia. Searle (2004) e Dennett (1991), apesar de serem autores bastante
divergentes, em geral, levam em consideração as pesquisas desenvolvidas
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nas diversas ciências, como a Psicologia, a Neurociência e a Biologia. John
Heil (1998), ao contrário, se revela cético em relação à amplitude da
contribuição das áreas empíricas para a Filosofia da Mente, considerando
que as questões mais fundamentais da área são as metafísicas. Esse é um
tema de meta-filosofia.
Essas perguntas são apenas para atiçar um pouco a curiosidade do
leitor. Dezenas de outras perguntas poderiam ser feitas, mas essa amostra
nos dá a noção do papel central que os estudos acerca do mental possuem
em Filosofia. A área possui relações com as mais diversas disciplinas
filosóficas, incluindo a Ética, a Epistemologia, a Metafísica e a Filosofia da
Linguagem, e é uma das áreas mais profícuas no debate filosófico atual.
Muitos trabalhos têm sido produzidos sobre esses temas, e grande parte dos
maiores filósofos de nossa época estão debruçados sobre as questões do
mental.
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2.
A REVISTA FILOSOFANDO E O NÚMERO ESPECIAL
Desde o início do ano de 2014, por iniciativa dos participantes do
grupo de estudos “Filosofia da Mente e Linguagem”, vínhamos conversando
sobre a possibilidade de organizarmos uma publicação. Nossa instituição
não conta com a disciplina de Filosofia da Mente no curso de graduação em
Filosofia e tínhamos o desejo de divulgar um pouco essa área.
Acreditávamos (e ainda acreditamos) que as reflexões dos estudantes de
graduação são interessantes para seus pares, já que compartilham de um
grau parecido de desenvolvimento acadêmico e filosófico.
O veículo de divulgação mais apropriado estava diante de nossos
olhos, mas demorou um pouco até que percebêssemos a Revista
Filosofando. O que a Revista tem de especial é poder proporcionar ao
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estudante de graduação um espaço para que ele divulgue aquilo que o
motiva a prosseguir em suas leituras e pesquisas. Além disso, fomos
agraciados também com o recebimento de alguns artigos mais avançados,
produzidos por estudantes de pós-graduação, trazendo rigor acadêmico e
aprofundamento bibliográfico ao nosso número especial. A cereja no bolo foi
a autorização dada por Searle para a tradução de seu artigo, a pedido de José
Renato Freitas Rêgo, estudante do grupo.
Este número se inicia com o artigo de Bruna Oliveira Ferraz,
estudante de graduação, que trata do problema das outras mentes, um tema
intimamente relacionado à Epistemologia. O texto reflete, ainda, sobre os
perigos do solipsismo, ao abordar o mental como algo puramente subjetivo.
Dentro desse mesmo debate, o artigo da estudante de graduação Clara
Rocha Mascena utiliza o famoso argumento de Nagel em “Como é ser um
morcego?” e o argumento do quarto chinês de Searle, para questionar a
possibilidade de comunicação de nossos estados mentais internos, os qualia.
Já que estamos falando de comunicação, o artigo do mestrando José
Marcelo Sivieiro defende, a partir de Merleau-Ponty, que o sujeito se
manifesta no mundo por meio de sua expressão linguística, e o corpo é o
instrumento que permite a comunicação. O pensamento, segundo essa
concepção, só é possível a partir da linguagem, de modo que o mundo do
sujeito não se encerra nele mesmo.
O artigo de Ana Margarete Barbosa de Freitas, doutoranda em
Filosofia, trata das abordagens internalista e externalista acerca do mental,
oferecendo a posição do filósofo Donald Davidson como uma chave para
essa questão. A abordagem internalista é aquela segundo a qual os
conteúdos mentais são individuais e independentes dos objetos externos.
Numa perspectiva externalista, os estados internos necessitam da referência
externa, compartilhada para serem conhecidos pelo sujeito. A partir desse
texto, podemos pensar sobre as conexões entre a Epistemologia e a Filosofia
da Mente.
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Maria Andreia Ferreira apresenta e discute o debate entre Libet e
Velmans sobre como nossas decisões influenciam nossos movimentos
corporais. Libet estuda a relação entre a atividade neural e a tomada de
decisões conscientes. Velmans discorda de Libet e apresenta uma
abordagem alternativa. Maria Andreia, porém, apresenta as fragilidades dos
argumentos de ambos. Tal debate possui consequências importantes para a
questão do livre-arbítrio.
O artigo de Daniel Luporini, mestre em Filosofia, propõe a teoria dos
sistemas dinâmicos para que se possa explicar a mente humana, sem que
seja necessário recorrer a um dualismo, nem a um epifenomenalismo3. Para
isso, é necessário construir uma nova concepção de causalidade. O ser
humano é apresentado como um sistema complexo do qual a consciência
emerge a partir de uma combinação de seus elementos microscópicos.
Finalizando a seção “artigos”, temos o trabalho do estudante Carlos
Eduardo Gomes Nascimento que traz da literatura ideias filosóficas. A partir
da saga de Damázio - personagem sertanejo de um conto de Guimarães Rosa
– que vive em busca do significado da palavra “famigerado”, o texto
apresenta a questão do significado segundo Wittgenstein. Ele reflete sobre a
plasticidade dos usos e como isso constitui o significado. O artigo já carrega
consigo um “quê” de literatura.
Na seção “traduções” contamos com a já mencionada tradução de
Searle, na qual o autor contrasta sua posição com o dualismo de
propriedades, argumentando que não se trata da mesma teoria. Já a seção
“resenhas”, tivemos a colaboração do estudante João Henrique Souza
Santos, que comentou o capítulo dois, do livro de introdução à Filosofia da
Mente, de Maslin (2009).
A Revista Filosofando conta com uma comissão editorial composta
de estudantes voluntários, que trabalham sem bolsa, além do professor
Epifenomenalismo é a posição segundo a qual os estados mentais, embora possam ser causados
por estados físicos, não possuem influência sobre estes.
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orientador. O grupo de estudos “Filosofia da Mente e Linguagem” também
ainda não possui bolsas de estudos, e todos os membros participam de
maneira espontânea. Nesse sentido, agradecemos imensamente a Jaquisson
Aguiar Guimarães e a João Henrique Silva-Pinto, membros da Comissão
Editorial da Revista e estudantes que, entre uma série de outras tarefas,
dedicaram-se com atenção e cuidado a este projeto. Agradecemos, ainda, ao
professor Jorge Miranda de Almeida, editor-chefe da Revista, por ter
aceitado a nossa proposta, ainda que tivesse artigos em lista de espera para
publicação.
Somos
gratos
também
a
todos
os
pareceristas
que,
secretamente, contribuem para a qualidade dos artigos aqui publicados. Por
último, não podemos deixar de expressar nossa gratidão aos autores,
grandes responsáveis por esta publicação.
Boa Leitura!
6
REFERÊNCIAS
DAVIDSON, D. Davidson, Donald. In: GUTTENPLAN, S. A Companion to the
Philosophy of Mind. Oxford: Blackwell, 1995.
DENNETT, D. DENNETT, Danniel. Consciousness Explained. London: Penguin
Books, 1991.
_______. Intuition Pumps and Other Tools for Thinking. New York: W.W.
Norton & Company, 2013.
HEIL, John. Filosofia da Mente: uma introdução contemporânea. Lisboa: Instituto
Piaget, 1998.
MASLIN, K.T. Introdução à filosofia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
NAGEL, T. Outras Mentes. In: _______. Uma Breve Introdução à Filosofia. São
Paulo: Martins FOntes, 2001. [Tradução de Silvana Vieira].
SEARLE, J. Mind: a Brief Introduction. New York; Oxford: Oxford University
Press, 2004.
SEARLE, J. Why I Am Not a Property Dualist. Journal of Consciousness Studies,
London, v.9, n. 12, 2002, p. 57–64.
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