A genética do vírus da gripe

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A genética do vírus da gripe
Para uma melhor compreensão das futuras pandemias é
necessário entender sobre as pandemias passadas e os fatores que
contribuem
para
a virulência,
bem
como
estabelecer
um
compromisso em rastrear os vírus circulantes.
Clancy,
S. (2008) Genetic
of
the
influenza
Virus. Nature
Education 1 (1)
http://www.nature.com/scitable/topicpage/genetics-of-the-influenzavirus-716. Acesso em 22, nov. 2010
Anualmente a gripe sazonal transforma-se em uma linhagem
particularmente virulenta, como a gripe espanhola que matou
milhões de pessoas em 1918.
Mas como essas cepas pandêmicas surgem?
Embora a maioria dos adultos que entra em contato com a
gripe apresente poucos sintomas, essa e outras viroses respiratórias
são uma séria ameaça à saúde de toda a população norte-americana,
sendo as crianças e idosos particularmente suscetíveis. Além disso,
as pandemias que envolvem cepas, contra as quais a maioria das
pessoas não possui imunidade, causam altos níveis de mortalidade e
de consequências desastrosas para a saúde pública.
As autoridades enfrentam o constante desafio de se prepararem
para a ameaça da gripe, pois além da possibilidade de os vírus
residirem em vários hospedeiros, eles podem sofrer mutações
rapidamente e se recombinarem formando novas linhagens. Apesar
da intensa investigação ao longo de décadas, ainda permanece
desconhecido
o
fato
de
algumas
cepas
serem
transmissíveis e de alguns vírus causarem graves doenças.
altamente
Estatísticas da Gripe
Nos Estados Unidos, as epidemias de gripe sazonal são a causa
da morte de cerca de 30 mil pessoas por ano e a causa de internação
de mais de 100 mil (Reid & Tautenberger, 2003). A cada dois ou três
anos, circulam novas cepas virulentas que aumentam o número de
mortos em cerca de 10 mil a 15 mil indivíduos. Essas epidemias
sazonais são o resultado da deriva antigênica, um fenômeno causado
por mutações em dois genes-chave virais devido a um erro na cadeia
de RNA polimerase (error-prone).
Menos
frequentemente,
entretanto,
surgem
novas
cepas
variantes, particularmente virulentas, responsáveis pelas pandemias
e pelo aumento da mortalidade. Essas linhagens surgem a partir de
um fenômeno conhecido como mutação antigênica, em que os seres
humanos são infectados pelo vírus da gripe aviária ou por cepas
resultantes da combinação de genes humanos e de aves.
Desde 1900, três dessas pandemias ocorreram. A primeira, em
1918, causou a morte de cerca de 40 milhões de pessoas ao redor do
mundo no período de menos de um ano (Palese, 2004). Ao contrário
das cepas de gripe mais fracas, que são ameaça apenas para idosos,
a gripe espanhola causou a morte de muitos jovens e crianças. De
fato, 99% das mortes atribuídas a essa cepa ocorreram em pessoas
com menos de 65 anos, enquanto que as pandemias subsequentes
afetaram poucos indivíduos dessa faixa etária. Posteriormente, em
1957, a gripe asiática foi responsável pela morte de cerca de 70 mil
pessoas nos Estados Unidos e, em 1968, a gripe de Hong Kong matou
cerca de 30 mil americanos (Reid & Tautenberger, 2003).
O genoma do vírus influenza A
Sentido negativo do RNA Figura 1: Diagrama esquemático do vírus influenza A.
Duas
glicoproteínas
de
superfície,
a
hemaglutinina
(HA)
e
a
neuraminidase (NA), e as proteínas de canais iônicos (M2) são
incorporadas ao envelope viral, que é derivado da membrana
plasmática
compreende
do
um
hospedeiro. O
segmento
complexo
de
RNA
de
viral
ribonucleoproteína
associado
à
uma
nucleoproteína (NP) e à três proteínas de polimerase (PA, PB1 e
PB2). A proteína da matriz (M1) está associada à ribonucleoproteína e
ao envelope viral. Uma pequena quantidade de proteínas não
estruturais 2 também está presente, mas sua localização no interior
do vírus é desconhecida.
Copyright 2005 Nature Publishing Group, Horimoto, T., et. al.,
Influenza: Lessons from past pandemics, warnings from current
incidents, Nature Reviews Microbiology 3, 591--600
O nome influenza é derivado do latim e significa influência, e os
patógenos responsáveis pela doença são vírus compostos por oito
segmentos de RNA pertencentes à família Orthomyxoviridae (Figura
1). Existem três tipos básicos de vírus influenza: A, B e C, sendo que
as epidemias são causadas pelos tipos A e B. Os tipos B e C infectam
apenas a espécie humana e o influenza A infecta hospedeiros não
humanos como suínos, aves, cavalos, focas e camelos, servindo
também
1997).
como
reservatório
para
a
gripe
(Hayden
&
Palese,
Um rearranjo entre os subtipos que infectam animais e os
que infectam a espécie humana pode resultar em uma mudança
antigênica em potenciais pandemias.
Como em todos os vírus, o genoma da partícula viral é envolto
por um capsídeo, geralmente constituído de centenas de proteínas. O
capsídeo do tipo A (Figura 2) contém as glicoproteínas hemaglutinina
antigênica (HA) e neuraminidase (NA); várias centenas de moléculas
de cada proteína são necessárias para formar o capsídeo. Essas
proteínas são as partes do vírus reconhecidas como estranhas pelo
sistema imunológico do hospedeiro, induzindo a uma resposta imune.
Como existem diferentes tipos de moléculas de proteínas HA e NA,
elas formam diferentes subtipos do vírus influenza A. Com isso, o
sistema imunológico da espécie humana é frequentemente desafiado
a produzir novos antígenos. Por exemplo, mutações pontuais nos
genes HA e NA podem levar a alterações na antigenicidade que
permite
que
um vírus infecte
pessoas
previamente
imunes
ou
vacinadas.
Incluindo os genes HA e NA, o genoma do vírus influenza
A contém oito genes que codificam 11 proteínas, nas quais estão
incluídas três RNA polimerase que funcionam como um complexo
para
replicar
o
genoma
do
RNA
viral. Curiosamente,
foram
demonstradas altas taxas de erros nessas polimerases devido à falta
de capacidade de correção (proofreading), o que leva a altos níveis
de mutação
no genoma viral e, portanto, às rápidas taxas de
evolução viral. A alta taxa de mutação e a evolução são fontes da
diversidade genética do vírus Influenza.
O genoma da gripe também codifica as proteínas estruturais
necessárias para formar o capsídeo: a nucleoproteína (NP), as
proteínas NS1 (não estruturais da proteína 1) e NS2 (nuclear), e as
proteínas de exportação (NEP), cujos papéis ainda estão sendo
investigados. Outras
vírus
incluem
proteínas
proteínas
de
codificadas
membranas
pelo
M1
e
genoma
M2
(que
do
são
necessárias para exportação nuclear e várias outras funções) e, claro,
HA e NA (que desempenham funções para o anexo viral e para a
liberação de células do hospedeiro, respectivamente).
Figura 2: Micrografia eletrônica das partículas do vírus da
gripe A.
Copyright 2004 Nature Publishing Group, Palese, P., Influenza:
Antigas e novas ameaças, Nature Medicine 10, S82-S87
Devido à sua natureza, em que sequências de codificação estão
localizadas em vertentes individuais do RNA, os genomas da gripe
são facilmente misturados às células do hospedeiro infectadas por
mais de um vírus da gripe. Por exemplo, quando uma célula está
infectada com vírus de diferentes espécies, um rearranjo pode
resultar em uma nova prole que contenha genes daqueles vírus que
normalmente infectam as aves e daqueles que normalmente infectam
os seres humanos. Isso, certamente, formará novas cepas nunca
identificadas anteriormente na maioria dos hospedeiros.
Muitas
identificados
combinações
16
são,
diferentes
então,
subtipos de
possíveis
e
já
foram
hemaglutinina e
nove
de neuraminidases. Desses subtipos, três de hemaglutinina (H1, H2 e
H3) e dois de neuraminidase (N1 e N2) têm causado epidemias na
população. As aves são hospedeiras e reservatório para todos os
tipos e subtipos do vírus influenza A, sendo que, a partir delas, os
novos subtipos de HA são transmitidos em seres humanos. (Palese,
2004).
Para nomear uma nova cepa, convenciona-se colocar em seu
nome os itens: nome do hospedeiro (se não for humano), local de
origem do vírus, número da cepa, ano de isolamento e o subtipo
HA/NA.
Decifrando a epidemia de 1918
Como o vírus da gripe espanhola foi pouco estudado até a
década de 1930 e tampouco isolado ou cultivado, não foi possível
encontrar a origem dessa pandemia. Apenas em 1997 foi possível
obter, a partir do tecido pulmonar de vítimas da gripe, os ácidos
nucleicos e a sequência do genoma desse vírus, que estava
congelado e fixado em formol (Tautenberger et al., 1997). As
amostras foram obtidas de dois soldados americanos, de uma mulher
do
Alasca,
e
de
duas
pessoas
do
Reino
Unido. As
cepas
compartilharam 99% da sequência do genoma inicialmente e, não
responderam às perguntas dos pesquisadores sobre sua origem.
Nas pandemias que ocorreram em 1957 e 1968, as cepas pareciam
ter surgido da recombinação dos genes HA derivados das cepas das
aves em amostras humanas. Em contrapartida, o gene HA da cepa da
gripe espanhola foi relacionado ao da gripe de suínos (Reid &
Tautenberger, 2003), possuindo algumas semelhanças com cepas de
aves,
mas
diferindo
da
maioria
daquelas
responsáveis
pelas
pandemias que ocorreram posteriormente.
Na
verdade,
quando
se
comparam
os
genes
das
três
pandemias, os genes HA das cepas de 1918 são os que apresentam
maior diferença em relação aos demais. Já as cepas posteriores
acabaram
por
mostrar
poucas
diferenças
na
sequência,
assemelhando-se mais à gripe aviária da Eurásia do que àquela da
América do Norte (Tabela 1). Essas cepas também se aproximam
mais das sequências de gripes aviárias do que qualquer gripe de
mamíferos. Em conjunto, esses dados sugerem que os suínos podem
ter sido um hospedeiro intermediário da cepa de 1918, embora esse
fato ainda deva ser cuidadosamente estudado.
Tabela 1: Diferença no número de aminoácidos entre as gripes
AH e os subtipos da gripe aviária.
Número de diferenças
Número de diferenças
Cepas de
nas sequências da
nas sequências da
pandemia
gripe aviária da
gripe aviária da
América do Norte
Eurásia
1918
24
24
1957
19
5
1968
14
7
(Adaptado de Reid & Tautenberger, 2003)
Subdiagnóstico da gripe e suas implicações na saúde pública
Evidências recentes indicam que muitos médicos falham no
diagnóstico da gripe ou na tentativa de distinguir seus sintomas dos
causados por outros vírus respiratórios. Por exemplo, um estudo de
2006 do New England Journal of Medicine concluiu que "a maioria das
infecções
da
gripe
em
crianças
não
foram
diagnosticadas
clinicamente" (Poehling et al., 2006).
Como parte de um projeto chamado New Vaccine Surveillance
Network, patrocinado pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA,
os investigadores realizaram diagnósticos e a confirmação laboratorial
do
patógeno
em
pacientes
pediátricos
internados
e
ambulatoriais. Relataram, então, que apenas um terço dos pacientes
identificados positivamente para a gripe foram testados. Além disso,
das crianças que participavam do projeto de vigilância, apenas 28%
foram hospitalizadas e 17% receberam diagnósticos clínicos de
influenza. Os demais pacientes receberam outros diagnósticos, como
asma, pneumonia ou infecção viral inespecífica, quando na realidade
eram influenza positivos.
Os autores do estudo concluíram que a vigilância que se baseia
em dados médicos subestima significativamente as estimativas da
gripe, refletindo a falta de reconhecimento durante a maioria das
visitas. Claramente, a falha no diagnóstico dificulta a aplicação das
estratégias efetivas de prevenção e o desenvolvimento de vacinas.
Embora a biologia e a genética do vírus da gripe estejam bem
estudadas, para a prevenção de futuras pandemias, é preciso uma
melhor compreensão das pandemias passadas e dos fatores que
contribuem para sua virulência, bem como um esforço concentrado
do setor de saúde pública em rastrear os vírus circulantes na
população.
Imagens:
http://www.nature.com/scitable/content/Resurrecting-the-1918influenza-virus-24371. Acesso em 22, nov. 2010.
Artigo relacionado:
“Reação desmedida”, Ricardo Zorzetto. Revista Fapesp - Dezembro
2009
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=4009&bd=1&pg=1&lg=.
Acesso em 22, nov. 2010.
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