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JOÃO MARCELO ZANONI GOMES
“COISAS” DE MOACIR SANTOS
CURITIBA
2008
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JOÃO MARCELO ZANONI GOMES
“COISAS” DE MOACIR SANTOS
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de mestre. Curso de
Pós-Graduação em Música, Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Norton Dudeque
CURITIBA
2008
3
JOÃO MARCELO ZANONI GOMES
“COISAS” DE MOACIR SANTOS
Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre no Curso de PósGraduação em Música, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do
Paraná, pela comissão formada pelos professores:
Orientador:
Prof. Dr. Norton Dudeque
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, UFPR
Co-orientador:
Prof. Dr. Rafael dos Santos
Instituto de Artes, UNICAMP
Prof. Dr. Rogério Budasz
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, UFPR
Curitiba, 02 de fevereiro de 2009
4
Dedico este trabalho à Luiza, minha “pitoca”, e a meus pais.
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, serei sempre grato à pessoa que trouxe a música de Moacir Santos
para minha vida, uma das figuras mais carismáticas e musicais que já pude conhecer, o contrabaixista Sizão Machado.
Pelo esforço imenso empregado na implementação e consolidação do Curso de Música da Universidade Federal do Paraná, e pela dedicação incondicional ao ensino de música,
gostaria de agradecer em especial ao professor e amigo Rodolfo Coelho de Souza.
Pela disponibilidade em trocar idéias livremente sobre nosso tema afim, e pelo trabalho que muito me ajudou nesta trajetória, gostaria de agradecer ao Gabriel Improta. Agradeço
também a Andrea Ernst Dias, que, assim como o Gabriel, procura estudar a música de Moacir
Santos, e, também como Gabriel, foi solícita e não levantou barreiras ao conversar sobre Moacir.
Duas outras pessoas foram fundamentais ao longo do processo de criação desse trabalho, por acompanhar e incentivar minhas descobertas em relação à música de Moacir desde o
início e, especialmente, ao me ajudar a acreditar no valor deste projeto. Por estes e outros motivos, agradeço muito aos grandes amigos Gabriel Gualano e Flaviana Martins de Lima.
Agradeço à Antônia Adnet e Joana Adnet, pois sempre que precisei, soube que podia
contar com a ajuda delas para encontrar os caminhos que levariam ao encontro da obra de
Moacir Santos.
A Zé Nogueira e Mário Adnet agradeço em especial pelo trabalho dedicado por eles à
obra de Moacir Santos, sem o qual talvez hoje eu simplesmente desconhecesse a existência de
tantas “coisas” maravilhosas feitas por Moacir.
À Lilian Nakahodo, Marcelo Oliveira, Luís Boursheit, Marjorie Crispin, Oliver Pellet,
Fernando Lobo, Hely de Souza, Alex Figueiredo e Denis Mariano agradeço muito por terem
topado a briga de estudar e tocar a música de Moacir Santos juntos. E viva o som!
Grande amigo e colega de estudos desde a graduação, com quem tenho contado em
diversos sentidos há um bom tempo, agradeço em especial ao Felipe Hickmann.
Não poderia deixar de agradecer a meus orientadores: Rogério Budasz, que esteve ao
meu lado desde o início e me ajudou a desenvolver boa parte desta dissertação e Norton Dudeque, que me trouxe a serenidade necessária na reta final deste trabalho.
6
Agradeço, ainda, a Rafael dos Santos, meu co-orientador e responsável por uma das
maiores motivações que tive ao longo de todo este processo, quando fui de Curitiba a Campinas para conversar com ele, ainda antes de apresentar o projeto aqui em Curitiba, e voltei com
a certeza de que a empreitada valeria a pena.
Por fim, agradeço a meus pais, por tudo que se pode agradecer, em especial pela paciência e incentivo incondicional ao que tenho feito.
7
RESUMO
Motivado pela alta qualidade da obra de Moacir Santos, por um lado, e pela escassez de material produzido sobre o compositor, o presente trabalho analisa a obra do “Maestro”, em especial a produzida nos anos próximos de 1965 em que foi lançado seu disco “Coisas”, objeto
central deste estudo. Análise histórica e análise musical foram desenvolvidas, em busca do
alcance de uma visão mais abrangente da trajetória de vida, estudos e produção musical de
Moacir Santos.
ABSTRACT
Motivated both by the high quality of Moacir Santos’ work, and by the lack of studies about
his music, this work analyses the “Maestro’s” production, specially in the years close to 1965,
when the main object of this study, the Long Play “Coisas” was released. In order to achieve a
wider vision of Moacir Santos’ life, studies and musical production, both musical and historical
analysis were developed.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Motivo melódico A
72
Figura 2: Tema A
73
Figura 3: Tema B
75
Figura 4: Material para variação
75
Figura 5: Tema C
76
Figura 6: Célula rítmica A
77
Figura 7: Padrão rítmico A
78
Figura 8: Padrão rítmico B1
78
Figura 9: Padrão rítmico B2
79
Figura 10: Padrão rítmico da percussão
79
Figura 11: Padrão rítmico da percussão com melodia e acompanhamento (Tema A) 79
Figura 12:
80
Figura 13:
81
Figura 14:
82
Figura 15:
83
Figura 16: Transição entre Tema A e Tema B
83
Figura 17: Transição entre Tema A e Tema B na Seção 1
84
o
Figura 18: Tema B na Seção 2 de “Coisa n 3”
84
Figura 19: Tema B – Frases 3 e 4
85
o
Figura 20: Tema B na Seção 1 de “Coisa n 3”
85
Figura 21: Mudança de sentido melódico no fim do Tema A
86
Figura 22: Indicações harmônicas para a guitarra no Tema C
87
Figura 23: Tema C na Seção 1
87
Figura 24: Mudança no sentido melódico do Tema A final
88
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
11
1.1 Moacir Santos
1.1.1 Nordeste
1.1.2 Rio de Janeiro
1.1.3 Estados Unidos
1.1.4 Redescobrimento
15
15
16
19
26
1.2 Objetivos
1.2.1 Geral
1.2.2 Específicos
28
28
28
1.3 Revisão de Literatura e fontes
30
2 CONTEXTUALIZANDO Coisas
37
2.1 Introdução
37
2.2 A relação de Moacir Santos com a Bossa Nova
38
2.3 Baden Powell, os estudos de Moacir e a questão negra
41
2.4 Moacir Santos e o Samba jazz
46
2.5 O cinema
51
2.6 A Gravadora Forma
57
3 ANÁLISE DE “COISA No 3”
66
3.1 Introdução
66
3.2 Análise Musical
3.2.1 A forma musical
3.2.2 Características gerais das seções
3.2.3 Desenvolvimento melódico dos temas
3.2.4 O ritmo
3.2.5 Instrumentação
68
68
69
70
76
81
3.3 Conclusão
88
4 CONCLUSÃO
90
10
REFERÊNCIAS
93
1. Bibliográficas
93
2. Discográficas
96
3. Filmográficas
97
ANEXOS
99
1 Partitura de “Coisa no 3”
100
2 CD Anexo: Índice de Faixas
110
11
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
Meu contato inicial com a obra de Moacir Santos ocorreu no ano de 2005, em curso
de curta duração ministrado pelo contrabaixista Sizão Machado, durante a Oficina de Música
de Curitiba daquele ano. A proposta do curso era que fossem executadas algumas músicas por
um grupo formado exclusivamente por contrabaixistas. Com o objetivo de selecionar tais músicas, Sizão Machado tocou para a turma alguns CDs que havia selecionado previamente. Entre estes CDs estava Ouro Negro, compilação de músicas de um compositor que eu e a maioria,
senão a totalidade da turma, desconhecia: Moacir Santos. Deste CD, três músicas foram tocadas aos alunos, “Coisa no 4”, “Coisa no 5” e “Mãe Iracema”.
A primeira impressão ao ouvir cada música era de se estar ouvindo algo extremamente
atual. Era possível identificar parte da variedade de estilos que compõem a música popular
brasileira representada de maneira muito particular, executada por uma formação instrumental
que ia além de fazer referência à sonoridade de big bands de Jazz e orquestras de gafieira, mas
que incorporava de maneira original instrumentos musicais em geral pouco utilizados ou comumente relegados a um papel meramente ornamental, como o berimbau ou a kalimba. Além
deste forte caráter de enraizamento na música popular brasileira que transparecia a cada músi-
12
ca ouvida, me chamou muito a atenção o acuro dos arranjos em que estas mesclas de ritmos e
instrumentações se davam, e que aparentavam em um primeiro momento, grande simplicidade, mas que logo me convenceram de que tais músicas não haviam sido compostas por alguém
que não tivesse realizado intenso estudo e prática musical.
Neste momento, me senti motivado a buscar músicas e discos de Moacir Santos, sendo que o primeiro a ser adquirido foi justamente Ouro Negro, em um quiosque situado no próprio local em que estava sendo realizada a Oficina de Música. Antes ainda de ouvir as 28 músicas de Ouro Negro, ao ler os textos contidos no encarte, comecei a ter alguma noção de quem
era Moacir Santos e do que sua obra poderia representar. O texto de abertura do encarte inicia-se assim:
Só mesmo o destino, com os vários nomes que tem, para transformar um
negrinho do interior de Pernambuco, nascido menos de quatro décadas após
a abolição da escravatura e órfão aos 3 anos de idade, em um dos músicos
brasileiros mais reconhecidos, nacional e internacionalmente.1
Órfão, sem haver realizado qualquer estudo musical formal até os trinta e poucos anos
de idade, o primeiro maestro e arranjador negro da Rádio Nacional e professor de músicos do
quilate de Baden Powell e João Donato, compositor de trilhas cinematográficas, e que por fim,
já nos Estados Unidos, veio a gravar três discos pela Blue Note Records e a ser indicado ao
Grammy. A trajetória de vida de Moacir Santos me deixou impressionado pela segunda vez em
apenas um dia.
Apenas um fato me causou estranhamento ao ler este texto que abre o encarte de Ouro
Negro, a afirmação de que Moacir era um dos músicos brasileiros mais reconhecidos nacionalmente. No início de 2005, havia ingressado no último ano do curso de música da Universidade
1
LOPES, Nei. Encarte do CD Ouro Negro. Rio de Janeiro: MPB. 2001.
13
Federal do Paraná, e há certo tempo me dedicava a ouvir e tocar música popular brasileira
instrumental, mas nunca havia ouvido falar de Moacir. Concluí que, ou meus estudos não estavam bem direcionados, ou Moacir não era tão conhecido assim.
Ao escutar as faixas dos dois CDs de Ouro Negro, e analisar o titulo das músicas, me
chamou a atenção uma série de músicas intituladas “Coisas”, numeradas de um a dez. Me pareceu claro que tais músicas deveriam representar parte importante da obra do compositor, e
tive mais certeza disso ao ler no encarte anexo ao CD, o seguinte comentário do próprio Moacir Santos:
Sempre tive o anseio em produzir músicas com a catalogação erudita, como
por exemplo Opus 3, no 1. Quando o Baden Powell foi estudar comigo e me
convidou para participar do disco com o baterista americano Jimmy Pratt,
na antiga Phillips, o engenheiro de gravação perguntou o nome da música e
eu respondi: ‘isso é uma coisa’... Aí me ocorreu a idéia de numerá-las.2
A afirmação do desejo de Moacir de produzir músicas nos moldes eruditos levantou
uma importante questão: Em que medida teria este desejo motivado o compositor a realizar
estudos mais aprofundados em teoria musical e composição erudita? A impressão anterior de
sofisticação dos arranjos das músicas de Moacir me levava a crer que tais estudos haviam realmente ocorrido, e que haviam tido importância fundamental no desenvolvimento de sua
obra, o que não demorou a se confirmar.
Passei então a buscar o disco em que estas “Coisas” estariam, e ao adquiri-lo, à certeza
de que as dez músicas representavam parte importante da obra do autor, acrescentou-se outra
convicção ainda maior: o disco também intitulado Coisas, originalmente lançado em 1965, representava um marco na história da música popular brasileira, e um marco sem paralelos, de
sonoridade rica, única, que dialogava com os mais diversos estilos de música popular nacional,
14
e este diálogo era feito com conhecimento e domínio técnico tão profundos que pareciam
gerar um estilo muito particular que, de alguma forma, sugeria ter inclusive fortes influências
da música erudita.
Muito contribuiu para que estas convicções ganhassem força, o texto originalmente
publicado na contracapa do LP, e integralmente reproduzido no encarte do CD, escrito por
Roberto Quartin, produtor responsável pela gravadora Forma, pela qual o disco foi lançado,
que afirma constantemente a importância para a música popular brasileira da época, do lançamento de Coisas, por ser um contraponto à Bossa Nova e às canções de protesto que dominavam o cenário musical de então.
Foi também ao ler o encarte de Coisas, mais especificamente o texto de apresentação
do CD, assinado pelos produtores Mário Adnet e Zé Nogueira, que vi relacionados os outros
discos de Moacir. Ao adquirir estes outros LPs do compositor, certas questões foram surgindo
e sendo respondidas; qual a trajetória percorrida por Moacir Santos nos Estados Unidos, com
quem tocou, com quem estudou, enfim, quais foram suas atividades musicais. Mas uma questão permaneceu sem resposta: por que, se tantos grandes músicos demonstravam tamanha
admiração e respeito por sua obra, ela era tão pouco conhecida e tocada no Brasil, especialmente onde moro, Curitiba. Nesta cidade foram raríssimas as pessoas, inclusive músicos profissionais, professores e estudantes de música, que demonstraram conhecer Moacir Santos. De
modo geral, as pessoas nunca haviam ouvido falar dele, e quando muito, conheciam a “Coisa
No 10”, que se revelava um tanto popular entre os músicos freqüentadores de rodas de Jazz.
O pouco conhecimento a respeito da obra de Moacir refletia-se também na escassez
de material escrito sobre ele e nos dados controversos encontrados em fontes distintas, como
a grafia de seu nome; muitas das fontes escrevem-no “Moacyr”, e a data e local de seu nascimento, que ora constava como 1926, ora 1924, e divergia entre algumas cidades do interior de
2
Ibid.
15
Pernambuco. De qualquer maneira, alguns textos importantes surgiram ao longo deste processo em que busquei conhecer a obra deste compositor, e é com estes textos, que apresentarei
em breve, que me proponho a trabalhar.
Creio ser fundamental neste ponto contextualizar brevemente o compositor e sua obra.
1.1 Moacir Santos
O maior clichê sobre Moacir Santos é começar citando o que Vinícius de
Moraes diz sobre ele na parte falada de “Samba da Bênção”: “A benção,
maestro Moacir Santos, que não és um só, mas tantos”. Desse clichê não
nos furtamos, mas talvez agora seja um bom momento para lembrar que a
maior parte do que é lido por aí não vai muito alem.3
1.1.1 Nordeste
Moacir Santos nasceu em 1926, na cidade de Serra Talhada, Pernambuco. O próprio
Moacir relata que descobriu ao certo o local e data de seu nascimento tardiamente, em viagem
que fez a Pernambuco, e durante a qual encontrou sua certidão de nascimento. Antes de Moacir Santos nascer, seu pai abandonou a família e, quando tinha 3 anos, sua mãe faleceu. Moacir
foi então adotado por uma família que morava na cidade de Flores, onde viveria até os 14 anos
de idade, e onde começou a demonstrar o seu interesse pela música. É freqüente encontrarmos em seus relatos a história de que, com aproximadamente dez anos, começou a freqüentar
os ensaios da Banda Marcial da cidade de Flores. Inicialmente repreendido, insistiu em apare
EVANGELISTA, Ronaldo. Bizz entrevista Moacir Santos. Revista Bizz, n. 197, Janeiro de 2006. São Paulo:
Editora Abril, p.22
3
16
cer nos ensaios passando a ser aceito pelos membros da banda, com a condição de que cuidasse dos instrumentos durante os intervalos. Segundo Moacir, foi então que começou a aprender
a tocar ‘todos’ os instrumentos da banda.
Com 14 anos, Moacir fugiu da casa onde morava, cansado de sofrer com os maus tratos dos pais adotivos. Iniciou-se então um período que se estendeu até os 22 anos, em que
Moacir Santos viajou pelo nordeste “acompanhando as cidades onde tinha banda tocando”4, sendo que
“nesse tempo todo o único lugar que eu demorei mais de um mês – acho que foi um ano, foi – foi na Paraíba”5.
O que me parece mais relevante com relação a este período de andanças que durou 8
anos no total, é a evidência de que a busca pela Música, por possibilidades de tocar em diferentes grupos e, conseqüentemente, acumular experiências musicais é que levou Moacir a tocar
em bandas de algumas das cidades por onde passava, tocar em bandas de circo, na Banda da
Polícia Militar da Paraíba e, finalmente, na Jazz Band da Rádio PRI-4 Tabajara, da qual se tornou regente em 1947.
1.1.2 Rio de Janeiro
Em 1948, já casado com Cleonice, com quem viveria até o fim de sua vida, Moacir
chegou ao Rio de Janeiro, de onde só viria a sair em 1967. Não demorou a ingressar na Orquestra da Rádio Nacional, como instrumentista, tocando Sax Tenor. Foi neste momento que
Moacir iniciou seus estudos formais em música. Acredito ser relevante mencionar um episódio
relativamente conhecido, fundamental para a compreensão da dimensão que tais estudos tiveram em sua vida. É freqüentemente citado como o primeiro contato de Moacir com a técnica
dodecafônica, durante o curso que fez com Ernst Krenek:
4
Ibid. p.24
17
No ano seguinte (1952), matriculou-se no Curso de Composição do Professor Ernst Krenek, realizado no Curso Internacional de Férias, em Teresópolis (RJ). O professor ministrou, na primeira aula, os preceitos e regras da
Técnica dos 12 Sons, sistema criado por Arnold Schoenberg. Como o instrumentista não falasse inglês nessa época, Koellreutter, diretor artístico do
curso, serviu de intérprete para a comunicação entre professor e aluno, que
surpreendeu Krenek e Koellreutter ao compor, de imediato, uma música no
novo método de composição.6
Não bastasse o compositor ter demonstrado tamanha facilidade em compreender e
criar de imediato uma pequena peça dentro das regras do sistema dodecafônico, Moacir posteriormente veio a ter aulas com o próprio Hans-Joachim Koellreutter, de quem se tornou assistente. Além de Koellreutter, teve aulas também com os compositores eruditos Cláudio Santoro, José Siqueira, Guerra-Peixe, Paulo Silva, Virgínia Fiuza, João Batista Siqueira e Nilton Pádua.
Já no ano de 1951, Moacir Santos tornou-se o primeiro maestro e arranjador negro da
Orquestra da Rádio Nacional, “(...) furando a hegemonia – benigna – dos mestres Radamés Gnatalli,
Leo Peracchi e Lyrio Panicalli”7, como observa Ruy Castro. Tal atuação ocorreu ao longo de dezesseis anos, entre 1951 e 1967, interrompidos entre os anos de 1954 e 1956, período em que
morou em São Paulo e atuou como regente da Orquestra da TV Record.
No final da década de 50 e princípio da década de 60, Moacir exerceu intensa atividade
de docência, e teve entre seus alunos alguns importantes futuros nomes do movimento da
Bossa Nova, e por este motivo é chamado por muitos de “Patrono da Bossa Nova”, expressão
5
Idem, ibidem. p.26
Apud FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na
década de 60. Rio de Janeiro. Gabriel Muniz Improta França, 2007. op. cit., p.29.
6
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
7
18
que me parece gerar certa confusão a respeito da relação de Moacir com tal movimento, e
sobre a qual falarei no subcapítulo 2.2, “A relação de Moacir Santos com a Bossa Nova”.
Paralelamente às suas atividades de regente e professor, Moacir trabalhou em gravadoras, fazendo arranjos e conduzindo orquestras, como a Orquestra da Copacabana Records,
pela qual foi o arranjador do disco Elizete interpreta Vinicius, lançado em 1963. Pela gravadora
Elenco, fez os arranjos de Vinicius e Odete Lara (1963) e do disco Baden Powell swings with Jimmy
Pratt (1963), marco importante na história de Moacir, como veremos no subcapítulo 2.3, “Baden Powell, os estudos de Moacir e a questão negra”. Foi responsável, ainda, pelos arranjos do
disco Você ainda não ouviu nada, de Sérgio Mendes, também de 1963, marco importante do
samba jazz e de outros discos que serão mencionados posteriormente. A importância dessas
gravações, tanto na linguagem de Moacir Santos, como na consolidação dos gêneros da Bossa
Nova e do Samba jazz, será tratada em detalhes neste estudo. Gostaria, porém, de adiantar
desde já a relevância do fato de todos os discos mencionados acima datarem do mesmo ano.
Nesta mesma época, Moacir Santos escreveu trilhas para filmes ligados ao movimento
do Cinema Novo, como Gangazumba, de Cacá Diegues, e Os Fuzis, de Ruy Guerra.
De fato, os três anos anteriores a 1965 marcaram o período de mais intensa produção
musical na carreira de Moacir. Atuando como instrumentista, arranjador, regente, professor e
compositor, Moacir participou em “alguns dos melhores discos lançados no país”8 durante aquele
período. Ruy Castro considera todas estas atividades exercidas por Moacir neste período, especialmente as trilhas para cinema e seus arranjos, como “uma preparação para o Coisas propriamente dito.”9 Creio ser esta uma afirmação muito precisa, e julgo ser importante ressaltar que à
época do lançamento do disco, Moacir Santos já tinha 40 anos de idade, o que significa que já
era um compositor com maturidade musical considerável.
8
Ibid.
9
Idem, ibidem.
19
Coisas foi o único disco de Moacir Santos gravado e lançado originalmente no Brasil,
em 1965, pela pequena gravadora Forma. Esta gravadora ficou conhecida por sua atuação como divulgadora de artistas não inseridos no mainstream10 da música popular brasileira da época,
como Eumir Deodato e Victor Assis Brasil. Foi ainda responsável pelo lançamento dos “Afrosambas” de Baden Powell e Vinícius de Moraes, disco que parece ter relação íntima com Moacir Santos. Esta relação, e o papel da gravadora Forma no contexto musical brasileiro de então,
serão abordados no subcapítulo 2.6, “A Gravadora Forma”.
Contendo dez composições de Moacir Santos, entre elas algumas de suas trilhas originais para cinema, o LP Coisas é até hoje uma importante referência quando se fala da sonoridade do samba jazz11, afirmação que julgo problemática e que será abordada em maior profundidade no subcapítulo 2.4, “Moacir Santos e o samba jazz”.
Algumas das Coisas foram compostas originalmente para serem trilhas de filmes. “Coisa No4”, “Coisa No5” e “Coisa No9”, por exemplo, integraram a trilha de Gangazumba (1963),
de Cacá Diegues. Moacir também fez as trilhas de Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra, Seara Vermelha (1964), dirigido por Alberto D’Aversa, O santo módico (1964), de Robert Mazoyer, O beijo
(1965), de Flávio Tambellini e Amor no pacífico (1970), de Zygmunt Sulistrowski. Foi justamente
este último filme que levou Moacir Santos aos Estados Unidos pela primeira vez, para assistir
à sua pré-estréia.
1.1.3 Estados Unidos
(…) pensava que o músico americano era de um planeta mais elevado,
O termo Mainstream aqui representa conjunto de artistas ligados aos gêneros musicais mais populares no Brasil
no período de atuação da Forma, especialmente a Bossa Nova, a Jovem Guarda.
10
11 Entende-se aqui como samba-jazz o gênero musical representado por grupos como Zimbo Trio, Tamba Trio,
Rio 65, Os Cobras, e os grupos de J.T.Meirelles e Sérgio Mendes. O tema será abordado com mais detalhes no
decorrer da dissertação.
20
quando eu ouvi o jazz na Paraíba. Mas, quando eu cheguei lá eu notei, bem
mesmo, que o melhor músico do mundo está lá. Mas o pior do mundo está
lá também. E trabalhando! Então, eu pensei, tem lugar para mim.12
Mais uma vez buscando novos horizontes onde sua música pudesse se desenvolver,
em 1967, Moacir mudou-se definitivamente para os Estados Unidos. Creio que merece menção o fato de que nesta mesma época outros importantes músicos brasileiros, especialmente
ligados à Bossa Nova e ao Samba jazz, deixaram o Brasil em uma espécie de êxodo em busca
de campos mais férteis para a produção musical. No subcapítulo 2.6, “A Gravadora Forma”,
este assunto será retomado.
De acordo com o texto publicado na contracapa de seu disco Saudade (1974)13, Moacir
Santos a princípio estabeleceu-se em Newark, New Jersey, onde por oito meses dedicou-se ao
estudo do idioma inglês. Mudou-se para a Califórnia em 1968, chamado por Sérgio Mendes,
com quem gravou o disco Sérgio Mendes’ favourite things, como percussionista, ao lado do pianista
brasileiro João Donato14.
Por alguns anos, porém, a carreira solo do compositor no país não decolou. Duas de
suas atividades, porém, devem ser mencionadas. Segundo consta, desde que se estabeleceu nos
EUA, Moacir seguiu sua atividade como professor, que já realizava no Brasil, vindo inclusive,
posteriormente, a se associar a Music Teachers Association of Califórnia15, no ano de 197716.
12 FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na década
de 60. Rio de Janeiro. Gabriel Muniz Improta França, 2007. p.149.
13
Escrito por Leonard Feather, autor de The new encyclopedia of Jazz, Horizon Press, 1960.
Informação disponível no site DISCOGS, base de dados de informações musicais com referencias cruzadas
entre artistas e discos: <http://www.discogs.com/release/1172894>
14
15
Associação de professores de música da Califórnia (MTAC).
ADNET, Mário; NOGUEIRA, José. Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music,
2005. Pág. 10
16
16
Ibid.
21
A segunda atividade de Moacir neste primeiro momento, e sem dúvida a mais importante, foi como compositor de trilhas sonoras. Já no ano de 1968 Moacir participou da equipe
de Henry Mancini, atuando como “compositor fantasma” (ghost writer). Exercendo esta função, Moacir era responsável pela criação ou desenvolvimento de composições musicais, porém, não tinha seu nome nos créditos dos filmes, constando nestes apenas o nome de Mancini. Exerceu, no ano de 1970, a mesma função na equipe do compositor argentino Lalo Schifrin. Há, inclusive, o boato de que Moacir Santos teria sido o compositor do tema de Missão
Impossível, creditado a Schifrin. Isto é, porém, desmentido pelo próprio Moacir Santos, em
entrevista concedida ao website Radiola Urbana17, em que afirma ter sim trabalhado na equipe
do compositor, mas nega ter escrito o tema de Missão Impossível, afirmando inclusive, que no
momento em que ingressou na equipe do compositor, a trilha já estaria pronta. Moacir ainda
consta como compositor da trilha sonora de Africa Erótica (1970), ou Jungle Erotic, do mesmo
Zygmunt Sulistrowski, que havia levado o compositor para os Estados Unidos pela primeira
vez. O nome do compositor aparece uma última vez no filme Final Justice (1985), do diretor
norte americano Greydon Clark, pela composição de uma música, creditada como “carnival
music”, que efetivamente tem curta duração na película.
Merece menção ainda o fato de sua música “Nanã” ter sido gravada, no ano de 1971,
pelo renomado pianista e compositor Gil Evans, em seu disco Where flamingos fly, do qual ainda
participam os brasileiros Airto Moreira e Flora Purim, nos vocais e na percussão.
O estabelecimento definitivo de Moacir Santos nos EUA deve-se em grande parte à
influência do renomado jazzista norte-americano Horace Silver. É da seguinte forma que Moacir relata ter conhecido Silver:
O espírito de “Coisas”. Entrevista concedida a Filipe Luna. Disponível em:
<http://www.radiolaurbana.com.br/index.asp?Fuseaction=Conteudo&ParentID=4&Menu=4&Materia=754>
17
22
É uma história que tenho satisfação grande de contar. Eu estava morando
em Los Angeles e tinha um amigo, que era chefe do departamento de correio e adorava o Brasil (...) Ele queria ir num lugar chamado Lighthouse. E
quem ia tocar era o Horácio Silva (sic). (... ) Aí me apresentei, o autor de
“Nanã”.18
Moacir ficou então amigo de Horace Silver, que o convidou “para um jantar com o diretor
artístico da Blue Note, e aí aconteceu. Ele me pagou um adiantamento imediatamente só pela palavra do Horácio Silva (sic)”19. Moacir ainda relata que antes de firmar contrato com a Blue Note Records, havia a possibilidade de gravar um LP por outra companhia, disco que seria produzido por Henry Mancini, com quem já trabalhara, porém tal gravação não chegou a se concretizar.
Finalmente, em 1972, Moacir lança o primeiro dos três discos que viria a gravar pelo
selo Blue Note Records, a maior gravadora mundial de jazz da época, Maestro, disco que chegou
inclusive a ser indicado ao Grammy. É o primeiro disco de Moacir após Coisas, do qual possui
sonoridade diferente, porém, assim como seu antecessor, segue dialogando com o jazz. Se a
instrumentação notada em Coisas fazia referência direta à formação tradicional de big bands20,
Maestro apresenta diversificações instrumentais significativas, principalmente no uso do contrabaixo elétrico, piano elétrico e do órgão. O compositor toca saxofone barítono em apenas
duas das oito músicas do disco, mas assume os vocais em cinco delas, o que não havia acontecido em momento anterior, e pode ser compreendido como um passo dado pelo compositor
no sentido de se destacar do conjunto instrumental. A presença das vozes neste e nos discos
18
EVANGELISTA, Ronaldo. Bizz entrevista Moacir Santos. Revista Bizz, n. 197, Janeiro de 2006. São Paulo:
Editora Abril, p.27.
19
Ibid.
20 Em Coisas, Moacir utiliza o que poderia ser considerada uma formação reduzida da big-band clássica, mantendo
os instrumentos de base encontrados em big-bands: bateria, contrabaixo, piano e guitarra, e reduzindo o naipe de
metais a um saxofone barítono, um saxofone tenor (ao invés de dois), um saxofone alto (ao invés de dois), um
trompete (ao invés de quatro). Além disso, utiliza o vibrafone, a trompa e a flauta, não muito usuais nas big-bands
tradicionais.
23
seguintes é, inclusive, uma das maiores diferenças com relação ao disco Coisas, puramente instrumental.
Outra característica marcante notada em Maestro, assim como em Coisas, é a forte presença dos improvisos, em sete das oito músicas do disco. Moacir também permite aos improvisadores vôos mais altos, como por exemplo na música The mirror’s mirror. É a faixa que encerra o disco, na qual, sobre uma base percussiva, contrabaixo, piano elétrico e trombone improvisam intensamente. O único tema claramente identificável é o tema de “Coisa no 3”, que,
após breves citações, é desenvolvido apenas no quarto minuto de música.
O ano de 1972 já era o quinto ano em que Moacir Santos estava morando nos Estados
Unidos. Maestro deixa claro que nestes cinco anos o músico esteve em contato direto com o
jazz produzido naqueles anos, em especial o gênero fusion, pelo qual deixou-se influenciar ao
compor e instrumentar as músicas presentes em Maestro, dotadas de certa pitada de funk, característica que se intensificaria nos discos seguintes. Creio que este disco é um marco importante
na carreira do músico, como marco inaugural de uma nova etapa da qual outros três LPs ainda
viriam a fazer parte.
Dois anos após o lançamento de Maestro, sai, também pela Blue Note Records, o disco
Saudade, que segue a linha do anterior, com a presença de instrumentos amplificados e, principalmente, com o uso de vozes, que constam em sete das dez músicas do disco. Duas parcerias
deste disco se destacam se levarmos em conta o período da produção de Moacir nos Estados
Unidos. A primeira é a estabelecida com Jay Livingston e Raymond Evans, aqui presentes em
“Kathy” e “What’s my name”. Tal parceria já havia acontecido nas músicas “Luanne” e “April
child”, do disco anterior de Moacir, e reapareceria anos mais tarde no disco As canções de Moacir
Santos, de 2006, na música “Wake up and smile”, inédita até então. Livingston e Evans realizaram várias parcerias com inúmeros artistas nos Estados Unidos, como por exemplo com a
brasileira Flora Purim, que em seu disco Butterfly Dreams, de 1973, assina a música “Moon Dreams” com ambos. A dupla ainda participou de discos como Starportrait (1971), de Johnny Ca-
24
sh, com a música “Bonanza”, e assina as músicas “One hundred years from today” e “Golden
earrings”, em parceira com Frank Sinatra.
A segunda parceria, e talvez a mais significativa em todo o período norte-americano, é
a que se estabeleceu com Yanna Cotti, que já havia assinado a letra de “Nanã”, no disco de
estréia de Moacir pela Blue Note Records. Em Saudade, a dupla assina as letras de “Early morning
love”, “Off and on” e de “This life”. No disco seguinte, nenhuma das músicas seria assinada
por Moacir e Cotti, porém, no seu disco Opus 3 no 1, a parceria seria responsável por nada menos que cinco músicas.
Em Saudade, Moacir assina nove dos dez arranjos, deixando a música “The City of LA”
a cargo de seu compositor, Mark Levine, que inclusive é responsável pelos pianos elétrico e
acústico de todo o disco.
De 1975 é Carnival of the spirits, em que Moacir apresenta seis músicas inéditas, uma regravação de “Coisa no 2” e uma versão de “Sampaguita”, música de Graham Dee, Jack Keller
e Lora Kaine. Porém, ao contrário de Maestro, em que Moacir assinava o arranjo de 7 das 8
músicas, deixando apenas o arranjo de “Nanã” a cargo do também produtor Reggie Andrews,
e de Saudade, em que assinava nove dos dez arranjos do disco, em Carnival of the spirits, o compositor é responsável pelo arranjo de apenas duas músicas, “Quiet Carnival” e “Anon”, deixando o arranjo das outras seis músicas a cargo de Dale Oehler, arranjador de discos de artistas como Al Jarreau, Freddie Hubbard, Bobby Hutcherson, Joni Mitchel e Marvin Gaye, que,
em Carnival of the spirits, exerceu também a função de produtor do disco. Assim como em Maestro, Moacir dedica-se mais aos vocais, em três das oito músicas, do que ao saxofone, neste caso
o saxofone alto, tocado pelo compositor em apenas duas músicas do disco.
Em 1978, Moacir Santos lançou o LP Opus 3 no 1, quarto e último disco a ser lançado
pelo compositor nos Estados Unidos. Ao contrário dos outros três LPs, Opus 3 no 1 não saiu
pela Blue Note Records, e sim pelo selo Discovery Records.
25
O texto da contracapa do LP é assinado pelo próprio Moacir, e traz uma afirmação interessante, de que este seria seu quarto disco nos Estados Unidos, e, ao mesmo tempo, o primeiro. A afirmação é justificada por Moacir com o argumento de que suas músicas estariam
sendo finalmente compreendidas. O fato que o leva a apresentar tal argumentação, e que também está relatado na contracapa do disco, é que em 1969 Moacir Santos havia sido apresentado ao produtor musical Albert Marx pela pianista de jazz e amiga pessoal de Moacir, Clare
Fisher. Tendo Albert Marx gostado muito das composições de Moacir, levou-o a estúdio e
gravou algo entre oito e dez músicas do compositor, porém, Marx não obteve sucesso ao tentar lançar tais músicas em um álbum, e, segundo Moacir, “pelo que pude compreender, isto se deveu
aos ritmos muito estranhos que compõem a maioria de minhas músicas” 21.
Nove anos após a gravação destas músicas, e após os três álbuns lançados pela Blue
Note, sete destas músicas foram incluídas no disco Opus 3 no 1, que ainda apresentaria três novas gravações realizadas no ano de 1978, sob a produção de Albert Marx, dono da Discovery
Records. As gravações realizadas com nove anos de diferença misturam-se bem no disco, apesar
de terem sido realizadas em estúdios e com músicos distintos. Vale a menção da presença de
um certo percussionista “João Donat” (sic.), na formação musical de 68, mesmo ano em que
Moacir havia gravado as percussões de Sérgio Mendes’ favourite things, ao lado do pianista João
Donato.
A relevância da parceria estabelecida entre Moacir Santos e a letrista Yanna Cotti já
havia sido mencionada anteriormente, porém, vale ressaltá-la neste momento. Moacir conclui
seu texto publicado na contracapa de Opus 3 no 1 da seguinte maneira.
21 SANTOS, Moacir. Opus 3 no 1. Contracapa do LP. Los Angeles, 1978. “As I understood, it was due to the
very strange rhythms which are the components of most of my music.”
26
Como eu já afirmei anteriormente em entrevistas, concertos, etc. eu preciso
dizer aqui novamente que as letras da Srta. Yanna Cotti concederam à minha
música sua cidadania americana.22
Era o compositor afirmando a importância da parceria com Cotti, mas acima de tudo,
afirmando aos 52 anos a identidade musical de seu trabalho.
Foi apenas em 1985 que Moacir Santos retornou ao Brasil. Sua vinda ao país foi passageira, pois realmente não expressou em momento algum o desejo de morar novamente no
país. Veio ao Brasil convidado para abrir, ao lado de Radamés Gnattali, com quem havia trabalhado na época em que foi maestro e arranjador na Rádio Nacional, o 1o Free Jazz Festival, realizado no Rio de Janeiro, do qual ainda participaram importantes músicos como Chet Baker e
Joe Pass.
1.1.4 Redescobrimento
Em 2001, os produtores musicais e instrumentistas Zé Nogueira e Mario Adnet deram
início a uma série de eventos que foram em grande parte responsáveis por um reconhecimento
tardio da obra de Moacir Santos no Brasil. A primeira dessas iniciativas foi a regravação de
parte da obra do Maestro e a compilação da coletânea composta por dois CDs intitulada Ouro
Negro. Para que este lançamento fosse possível, foi necessário transcrever as dez faixas de Coisas, todas incluídas na compilação de 2001, pois as grades orquestrais dos arranjos escritos por
Moacir e gravados no disco de 1965 haviam sido perdidas após a venda do selo Forma, pelo
qual Coisas havia sido lançado.
Em 2004, a dupla de produtores foi responsável pelo relançamento em CD do disco
Coisas, ocasião em que Ruy Castro escreveu23:
22
Ibid.
27
Coisas só agora volta ao lugar de onde nunca deveria ter ficado ausente: as
prateleiras das lojas. E volta com uma força, uma originalidade e uma beleza
que, se se disser que foi gravado ontem, ninguém terá razão para duvidar.
Em 2005, Zé Nogueira e Mário Adnet produziram simultaneamente um CD com músicas inéditas de Moacir, intitulado Choros & Alegria, e três songbooks contendo as partituras das
obras incluídas nos discos Coisas, Ouro Negro e Choros & Alegria. É relevante mencionar ainda
que as grades orquestrais completas das dez músicas do disco Coisas foram publicadas integralmente no songbook deste disco. Ainda no ano de 2005, a dupla foi responsável pelo lançamento de um DVD gravado ao vivo, em concerto realizado em São Paulo, intitulado Ouro
Negro, contendo 16 das 28 músicas que constavam no CD homônimo.
Todas estas realizações, devidas em grande parte ao esforço de Mário Adnet e Zé Nogueira, serviram também como uma espécie de reconhecimento tardio da obra de Moacir Santos no Brasil. Não se fala aqui em reconhecimento pela grande massa, mas não há quaisquer
dúvidas de que devido a este esforço sua obra alcançou um número significativo de pessoas
que simplesmente a desconheciam até então.
Creio ser importante mencionar que durante este período recente em que sua obra foi
resgatada, Moacir Santos esteve diversas vezes no Brasil, acompanhando as gravações de Ouro
Negro, Choros & Alegria e, por último, As canções de Moacir Santos, interpretadas pela cantora
Muiza Adnet. Moacir chegou inclusive a cantar em algumas faixas destes discos. O compositor
também participou de alguns dos shows realizados e da gravação do DVD Ouro Negro, em que
é possível vê-lo visivelmente emocionado e satisfeito com o acolhimento que recebera. É como se a etapa tão esperada, de reconhecimento mais significativo de sua obra, houvesse final
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
23
28
mente chegado. Após as gravações com Muiza Adnet, Moacir voltou aos Estados Unidos,
onde veio a falecer em Agosto de 2006.
Após estas iniciativas, devidas em grande parte a Zé Nogueira e Mário Adnet, surgiram
algumas outras iniciativas locais, como o “Projeto Coisa Fina”, em São Paulo, e o projeto
“Bluishmen: Uma homenagem a Moacir Santos”, em Curitiba, e músicas de Moacir passaram a
ser mais facilmente ouvidas sendo executadas por novos artistas brasileiros, como o guitarrista
Chico Pinheiro. Porém, ainda são escassas as produções escritas que abordam criticamente a
obra do Maestro, dentro e fora do ambiente acadêmico.
1.2 Objetivos
1.2.1 Geral
O objetivo geral deste estudo é contribuir para uma melhor compreensão do papel exercido por Moacir Santos como arranjador, compositor, instrumentista e professor, ao relacionar o músico com seus pares e movimentos musicais da época em que viveu no Brasil, e
apontar em linhas gerais características relevantes do período norte-americano de sua produção.
1.2.2 Específicos
Ao tomar o disco Coisas como objeto principal, abordando especialmente o período
que abrange os anos de 1963, 1964 e 1965, em que o compositor teve grande volume de produção, e que culminou com o lançamento do referido disco.
O presente trabalho, pretende responder às seguintes questões básicas:
29
1. Sob que aspectos Coisas representaria uma síntese do pensamento musical de Moacir
Santos até o momento em que foi lançado?
2. Como os estudos de Moacir Santos em música erudita se refletem na música que
compôs?
3. De que modo o compositor pode ser relacionado com os movimentos da Bossa
Nova e do Samba jazz?
4. Com que artistas Moacir Santos manteve contato mais estreito e que frutos foram
gerados nessas parcerias?
5. Qual a relação das trilhas sonoras compostas por Moacir, em especial para os filmes
Ganga Zumba, Os Fuzis e Seara Vermelha com o disco Coisas?
6. Qual o papel das gravadoras “Forma”, “Festa”, “Elenco” e “Copacabana” na consolidação de determinados artistas e gêneros musicais brasileiros, e como estas gravadoras se
“inventaram” no cenário musical da década de 60?
Se todas as atividades que exerceu como professor, arranjador, compositor e instrumentista podem realmente ser compreendidas como uma espécie de preparação para o Coisas,
como afirmou Ruy Castro, o disco pode então ser tomado como uma obra na qual está sintetizado o pensamento musical de Moacir Santos no período que antecedeu a seu lançamento.
De fato, especialmente em relação ao Coisas, muito se fala a respeito da linguagem
harmônica particular do compositor, do uso da polirritmia de origens africanas em seus arranjos e da forte presença de elementos da música popular brasileira e latina em suas músicas,
além da habilidade com que Moacir constrói seus arranjos e resolve suas orquestrações. A
análise a ser desenvolvida no presente estudo buscará discutir e compreender algumas destas
características.
30
O disco Coisas justifica-se como objeto central deste estudo por ser entendido como a
síntese do pensamento musical de Moacir Santos. A partir dele, questões relativas à sua formação, à sua experiência profissional anterior e aos movimentos musicais de sua época podem
ser abordadas.
1.3 Revisão de literatura e fontes
No que toca ao campo da crítica musical e estudos musicais acadêmicos, poucos textos
foram escritos tendo Moacir Santos como objeto central. Na maior parte, o que se observa é a
inclusão passageira de seu nome em trabalhos generalistas sobre a música popular brasileira
dos anos 60, nos quais raramente o compositor e instrumentista é objeto central de discussão.
Esse quadro contrasta com o crescente reconhecimento da importância de sua obra, especialmente por parte de músicos e críticos musicais, embora ainda muito pouco estudada no Brasil.
Sem dúvida, o material acadêmico de maior relevância e conteúdo disponível atualmente é a dissertação de mestrado “Coisas: Moacir Santos e a composição para a seção rítmica
na década de 60”, escrita por Gabriel Improta e defendida em 2007 na UNI-RIO (RJ). A dissertação de Improta divide-se em três partes. Na primeira, é realizada a contextualização da
obra de Moacir Santos e da MPB, com foco na década de 60, ressaltando a valorização da cultura negra no período referido. Na segunda, define-se composição e arranjo para seção rítmica, fazendo-se inclusive menção a compositores de época anterior a Moacir com o intuito de
melhor demonstrar as inovações trazidas por ele. Por fim, há a análise de três das “Coisas”,
“Coisa no 1”, “Coisa no 2” e “Coisa no 5”, com enfoque na escrita de Moacir Santos para a
seção rítmica.
O resultado do estudo é conclusivo ao demonstrar o grau de interdependência existen-
31
te entre a composição e o arranjo de “levadas”24 rítmicas por parte de Moacir Santos e a composição e arranjo para as seções melódico-harmônicas nas obras escolhidas.
Em parte, a metodologia desenvolvida por Improta, constituída fundamentalmente
por contextualização histórica do compositor e análises musicais, servu de alguma inspiração
para o trabalho realizado na presente dissertação. Contudo, por não ser objeto central de seu
estudo, Improta não se concentrou em pesquisar a inserção de Moacir nos movimentos musicais da música popular brasileira durante o período estudado, nem procurou analisar as repercussões imediatas de sua obra em outros círculos, aspectos que foram abordados na presente
dissertação. Da mesma forma, a importância das análises musicais para o trabalho de Improta
é maior do que na presente dissertação.
Fora do universo acadêmico, algumas críticas musicais foram escolhidas para fundamentar a presente dissertação. A primeira delas foi originalmente publicada na contracapa do
LP Coisas, e é escrita por Roberto Quartin, produtor da gravadora Forma, pela qual o disco foi
lançado. Da mesma época, escolhi uma crítica do disco Coisas, reproduzida na página 25 do
songbook Coisas, de autor e origem desconhecidos. Considerei significativa a utilização deste
texto porque faz menções à indústria musical da época que são de grande valia para relacionar
o disco de Moacir Santos com o período em que foi lançado.
Outra critica reproduzida no songbook Coisas, intitulada”Música de Ritmo e Paixão” e
também de autor desconhecido, foi escolhida. Neste texto, é abordada a atividade de Moacir
Santos como professor, sua participação como arranjador e compositor de algumas faixas do
disco Elizete interpreta Vinícius, mas, em especial, analisa a trilha composta pelo compositor para
o filme de estréia de Cacá Diegues, Ganga Zumba.
Definida por Improta da seguinte maneira: “fórmula ritmo-harmônica com função de acompanhamento.
Batida é um sinônimo muito usado de levada.”
24
32
Já mais recentes, foram escolhidas quatro outras críticas. Um texto que Ruy Castro escreveu originalmente para o jornal O Globo, na época do relançamento de Coisas em CD, disponível no site da Agenda do Samba & Choro. Uma critica escrita por Tárik de Souza e intitulada
“De volta às melhores coisas da vida”, originalmente publicada no jornal O Globo, na mesma
época que a crítica de Ruy Castro. E, as críticas de Hugo Sukman e de Zuza Homem de Melo,
que foram escritas especialmente para a publicação do songbook Coisas.
A escolha destes textos deve-se a dois fatos: o primeiro, por serem estes alguns dos raros materiais que enfocam o objeto de estudo dessa dissertação; e, o segundo, pela afinidade
de grande parte das idéias destes textos com as minhas.
Gostaria de assinalar a existência de pontos divergentes entre os textos escolhidos e
entre eles e o que se desenvolve na presente dissertação. Essas divergências foram levantadas e
discutidas em vários momentos do estudo em que considerei sua pertinência. Espero que, ao
selecionar e trabalhar justamente com os trechos com os quais mais me identifiquei, o posicionamento da presente dissertação revele-se claramente.
Em sua crítica, Ruy Castro afirma que “Moacir era e é um músico completo, que se abeberou de
toda a tradição clássica européia, apenas fazendo-a curvar-se à sua orgulhosa negritude.”25 O texto de Ruy
Castro ainda menciona alguns fatos importantes, como o de que “Moacir Santos não era um músico ‘de direita’ ou ‘de esquerda’, mas apenas um músico (...) Pois aconteceu que Moacir Santos, despolitizado
como era, também teve de marchar para uma espécie de auto-exílio nos Estados Unidos.”26 Essa falta de
interesse pela política, que parece ter influído para que Moacir saísse do país, pode também
ajudar a explicar a razão pela qual Moacir não conseguiu maior projeção com seu trabalho
realizado no Brasil.
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
25
26
Ibid.
33
Além desses textos, é importante mencionar a entrevista de Moacir Santos contida na
revista Bizz n.197, pelo jornalista Ronaldo Evangelista. Nesta entrevista há algumas informações importantes, com caráter de revelações, como a de que "algumas coisas viraram Coisas depois
de feitas" 27, o que deixa claro que o disco é, pelo menos em parte, uma compilação de composições pré-existentes de Moacir Santos.
Em todos esses textos, embora existam afirmações semelhantes a respeito da qualidade
da música de Moacir Santos, não ocorrem análises mais aprofundadas de sua obra. São todos
textos curtos, que contêm por vezes uma considerável concentração de informações, porém
não se alongam sobre nenhum aspecto da obra de Moacir.
Vale destacar que ao longo do processo de pesquisa deste trabalho, tomei contato com
“A Coleção Rádio Nacional”, que abriga parte do acervo histórico da emissora que durante
mais de vinte anos, nas décadas de 40 e 50, foi líder absoluta de audiência, durante a "Época
de Ouro" do rádio brasileiro. O texto institucional do Museu da Imagem e do Som, que abriga
a coleção, a descreve da seguinte maneira:
O acervo é constituído de discos, roteiros de programas escritos por importantes nomes do Rádio Brasileiro, como Almirante, Renato Murce, Paulo
Tapajós, Fernando Lobo e Max Nunes, além de partituras de grandes orquestras assinadas por maestros e arranjadores famosos como Radamés
Gnattali, Guerra Peixe, Lírio Panicali, Léo Peracchi e Moacyr Santos (sic.).28
Este acervo contém os quase quatrocentos arranjos de Moacir feitos no período em
que ele foi um dos regentes da orquestra. Através do site do Museu da Imagem e do Som, é
27
EVANGELISTA, Ronaldo. Bizz entrevista Moacir Santos. Revista Bizz, n. 197, Janeiro de 2006. São Paulo:
Editora Abril, p.27.
28
Site do MUSEU DA IMAGEM E DO SOM. Disponível em: <http://www.mis.rj.gov.br/>
34
possível ter acesso às primeiras páginas digitalizadas de vários desses arranjos.
Levando-se em conta a importância que a Rádio Nacional teve, podemos supor que
esses arranjos estivessem em consonância com as tendências musicais da época, sobre as quais
é provável que tenham exercido considerável influência, visto o alcance e influência desta rádio no período mencionado.
Contudo, a análise desta produção não foi objetivo do presente trabalho, que se propõe lidar com o material musical contido no disco Coisas, apenas. Creio ser importante, contudo, ressaltar a importância e o volume da produção de Moacir como arranjador da Rádio Nacional, e julgo ser incontestável a afirmação de que esta produção deve ter sido a que mais
contribuiu no sentido de consolidar o estilo musical de Moacir antes da composição de Coisas.
No que toca à análise musical desenvolvida no terceiro capítulo deste trabalho, foram
consideradas algumas abordagens analíticas possíveis. Devido ao fato do disco Coisas ter caráter de música popular, foi considerada a possibilidade do uso da análise musemática, proposta
por Philipp Tagg em sua conferência Para que serve um musema? Antidepressivos e a gestão musical da
angústia. Esta abordagem analítica propõe:
(...) identificação de significantes e significados com base nos dois tipos de
consistência demonstrável. [1] interobjetiva ou intertextual, isto é, a mesma
ou similar estrutura (designada neste estágio de pesquisa em termos construcionais) usados em diferentes trabalhos por diferentes músicos pertencendo
à mesma cultura musical básica; [2] o mesmo ou similar fenômeno paramusical conectado por diferentes indivíduos, pertencendo à mesma cultura musical básica, e às mesmas ou semelhantes estruturas musicais.29
Como estas análises objetivam identificar alguns dos processos composicionais de Moacir Santos através de suas músicas, e não exatamente identificar aspectos que pudessem relacioná-lo diretamente a determinada corrente musical, a abordagem proposta por Tagg não foi
TAGG, Philip. Para que serve um musema. Conferência apresentada ao V Congresso da IASPM-LA. Rio de
Janeiro, 2004.
29
35
escolhida.
Outro método de análise considerado foi o estudo das tópicas em música brasileira
praticado por Acácio Piedade. Este estudo dedica-se, de modo semelhante ao proposto por
Tagg em sua análise musemática, a encontrar “unidades musicais do discurso (motivos ou frases melódicas e/ou rítmicas, seqüências harmônicas, etc.)”
30
semelhantes, em determinados gêneros musicais.
Piedade propõe os seguintes conjuntos de tópicas: 1Brejeiro – relacionado “a figura do malandro
na cultura carioca e brasileira em geral”31, e encontrada comumente no Choro; 2Época de ouro;
“onde reinam maneirismos das antigas valsas e serestas brasileiras”32, também encontradas, em parte,
em choros; e, 3Nordestino, em que identifica características musicais daquela região, como o
ritmo do baião e o uso da escala mixolídia.
Foram lidos dois textos de Acácio, Análise musical e música popular brasileira: em busca de
tópicas, e Análise de improvisações na música instrumental: em busca da retórica do jazz brasileiro, escrito
por Acácio em parceria com a orientanda Marina Beraldo, texto que dedica-se à análise de
trechos de improvisações de jazz brasileiro. Muito embora em algumas das composições de
Moacir Santos esta abordagem pudesse identificar elementos musicais dentro das classificações
propostas em ambos os artigos, por motivo semelhante ao apresentado com relação a nãoescolha de Philip Tagg como suporte teórico, o uso da análise de tópicas foi descartado neste
trabalho.
A análise estilística proposta no livro Guidelines to Style Analysis, de Jean la Rue foi também considerada, porém, mostrou-se insuficiente para o aprofundamento de questões relativas
a estruturação musical de “Coisa no 3”, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento de
motivos e a construção de frases. Por este motivo, seu uso foi descartado neste trabalho.
O livro Fundamentos da composição musical, de Arnold Schoenberg, foi usado como supor
PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo. Análise musical e música popular brasileira: em busca de tópicas. Disponível em: <http://www.ceart.udesc.br/pesquisa/Musica/Acacio%20-%20MU.pdf>
30
31
Ibid.
32
Ibid, ibidem.
36
te Teórico no que se refere à análise formal, à construção de frases e desenvolvimento de motivos por parte do compositor. Trata-se de uma abordagem extensamente aplicada à música
erudita. Porém, acredito que devido ao nível de detalhamento e definição apresentado nas
partituras escritas por Moacir Santos, que apresenta suas obras em forma “definitiva”, deixando poucos e bem definidos espaços para improvisos, tal abordagem era a mais adequada ao
presente trabalho.
Tendo esta obra como suporte teórico, a música “Coisa no 3” foi analisada, buscando
demonstrar como o rigor composicional de Moacir Santos pode ser notado nesta composição, e, dialogando com os capítulos anteriores, procurando investigar de que modo os estudos em música erudita se evidenciam na obra do compositor.
Ainda no que toca às análises, é fundamental mencionar a importância do trabalho
de Gabriel Improta, cuja análise de “Coisa no 1”, “Coisa no 2” e “Coisa no 5”, foi uma constante referência e fonte de consulta.
37
CAPÍTULO 2
CONTEXTUALIZANDO Coisas
2.1 Introdução
É deste modo que Zuza Homem de Melo, no songbook Coisas¸ define o disco:
A obra musical do Maestro tem uma personalidade tão forte, um perfil tão
original que, rigorosamente, não se encaixa em nenhum período da música
popular brasileira de sua época. Nem de qualquer outra. (...) Enquanto nos
anos 1960 a música brasileira que atraía o mundo era a Bossa Nova, o Maestro se dedicava a trilhas de cinema com sotaque afro que culminaram em 10
temas instrumentais dos mais intrigantes do cenário musical de então. (...)
Os 10 enigmas estabeleceram a marca registrada do Maestro (...) As orquestrações na Rádio Nacional (...) os ensinamentos transmitidos a seus alunos
(...) as inusitadas combinações de timbres (...) as andanças atrás e dentro dos
sons de bandas, circos e rádios do nordeste de sua origem, eram peças que
pela primeira vez se juntavam num quebra-cabeça que se resolvia. (...) “Coisas Afro-Brasileiras” foi o mais desconcertante disco instrumental brasileiro
dos anos 1960.33
33
MELO, Zuza de Homem. In: Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005.
p.13.
38
Esse texto traz considerações precisas a respeito do disco de estréia de Moacir Santos,
de seu autor e da época em que foi feito. Lançado no Rio de Janeiro, no ano de 1965, pelo selo
Forma, do produtor carioca Roberto Quartin, Coisas foi o único disco que Moacir Santos lançou originalmente no Brasil.
Na cidade do Rio de Janeiro consolidaram-se dois dos mais importantes gêneros musicais brasileiros atuais, o Choro, em fins do século XIX, e o Samba, no princípio do século XX.
Notadamente, há muito tempo a cidade já havia se constituído num dos mais importantes
pontos de encontro de culturas originárias de diversas regiões do Brasil. Por conseqüência,
tornou-se um local em que comumente se observou a mescla de gêneros distintos, o que viria
a dar origem a novos gêneros e movimentos musicais de nosso país.
2.2 A relação de Moacir Santos com a Bossa Nova
Na primeira metade da década de 60, quando Moacir Santos compunha as músicas que
viriam a integrar o LP Coisas, a produção musical da cidade do Rio de Janeiro era intensa, e as
atenções se voltavam em especial para o movimento que surgira em fins da década anterior, a
Bossa Nova.
A ligação de Moacir Santos com este movimento merece atenção especial. Como afirma Gabriel Improta, fazendo referência à expressão perpetuada por Ricardo Cravo Albin,
“desde o início da década de 1960 Moacir Santos ministrou aulas particulares a numerosos músicos, muitos
deles ligados à bossa nova, a ponto de ter sido considerado ‘o patrono da bossa nova’”.34 Entre os alunos
FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na década
de 60. Rio de Janeiro. Gabriel Muniz Improta França, 2007. p.29.
34
39
que Moacir teve sob sua tutela, nota-se alguns músicos de importância incontestável para a
música popular brasileira desde então, como:
Baden Powell, Sergio Mendes, Nelson Gonçalves, Pery Ribeiro, Nara leão,
Dori Caymmi, Darcy da Cruz, Carlos Lyra, Paulo Moura, Roberto Menescal,
Maurício Einhorn, Oscar Castro Neves, Geraldo Vespar, Chiquito Braga,
Marçal, Bola Sete, Dom Um Romão, João Donato, Airto Moreira, Flora Purim, Raul de Souza e Chico Batera.35
Para termos uma melhor idéia da função que Moacir exerceu ao lecionar para tais músicos, é fundamental enfatizar que no início da década de 60 o compositor já havia estudado
música erudita por considerável período de tempo e certamente retransmitia ao menos parte
dos conhecimentos adquiridos em seus estudos a seus alunos.
É possível também aceitar que Moacir Santos foi, especialmente devido à abrangência
de sua atividade como professor, junto com o próprio Koellreutter, um dos que contribuíram
para que a bossa nova fosse tida como um movimento popular com toques de erudição. Ainda
sobre a relação que se estabeleceu entre Moacir e Koellreutter, cito declaração do próprio Moacir:
Tive aulas e depois fui até assistente do Koellreutter. Quando ele viajava para Salvador ou para São Paulo, eu, que era seu assistente, ficava no lugar, o
substituía. Depois tomei grande parte dos alunos dele, quando me tornei
professor.36
35
Apud IMPROTA. p.29.
EVANGELISTA, Ronaldo. Bizz entrevista Moacir Santos. Revista Bizz, n. 197, Janeiro de 2006. São Paulo:
Editora Abril, p.27.
36
40
Além de ter sido assistente de Koellreutter, na década de 50, Moacir havia sido também assistente do compositor Ary Barroso. Portanto, sendo um dos professores que os músicos acima mencionados tiveram, músicos de inegável valor para a consolidação do gênero da
Bossa Nova como um dos principais movimentos musicais brasileiros da época, não é difícil
crer que Moacir deve ter exercido influência considerável sobre alguns destes artistas a ponto
de vir a merecer a alcunha de “Patrono” do movimento. Contudo, considero esta expressão
um tanto problemática, pois em geral não é deixado claro o motivo pelo qual Moacir é assim
chamado. Creio ser possível, com o uso constante desta expressão, gerar a falsa impressão de
Moacir Santos ter sido um participante ativo ou compositor ligado ideológica e esteticamente à
Bossa-Nova, ou ainda, um dos idealizadores do movimento. Me parece claro que nenhuma
destas relações entre Moacir e a Bossa Nova é verdadeira, e não transparece de modo algum
em sua história pessoal, ou mesmo em suas composições, especialmente nas presentes no disco Coisas, que possui composições dotadas de um caráter muito particular. A esse respeito,
vale mencionar a opinião de Roberto Quartin, produtor do disco e dono da gravadora Forma,
que na contracapa de Coisas, escreveu:
Ao reunir suas composições, Moacir Santos criou, mais do que um disco,
um documento histórico autêntico dentro do mapa da música popular brasileira. Autêntico, pois trata-se de um músico negro escrevendo música negra e não de um garoto de Ipanema contando as tristezas da favela ou de um
carioca que nunca foi além de Petrópolis a enriquecer o cancioneiro nordestino.37
37
QUARTIN, Roberto. Coisas. Encarte do LP. Rio de Janeiro. 1965.
41
2.3 Baden Powell, os estudos de Moacir e a questão negra
Dentre todos os alunos que teve, foi justamente com outro músico negro que também
viria a encontrar um caminho particular na música, que Moacir Santos desenvolveu uma relação mais intensa. Sobre a relação que se estabeleceu entre Moacir Santos e Baden Powell, o
seguinte trecho, escrito por Tárik de Souza, traz informações interessantes:
As Coisas de números 1 e 2 (...) foram inicialmente gravadas no primeiro LP
de um de seus alunos, o violonista Baden Powell (Swings with Jimmy Pratt),
em 1962, para outro selo de estirpe, a Elenco, de Aloysio de Oliveira.38
A gravação destas músicas no referido LP de Baden Powell é um importante marco na
relação entre os músicos. Estas foram as duas primeiras “Coisas” a serem registradas em gravações sendo que o próprio Moacir assina os arranjos de ambas, além de tocar sax barítono e
cantar na gravação de “Coisa no1”. Outro fato importantíssimo é que Moacir, “Durante a gravação, teve o insight de nomear as músicas e o futuro disco a partir da numeração dos 'opus' eruditos que sempre o
fascinaram.” 39
Novamente aparece referência aos estudos realizados por Moacir Santos. Adentrar na
discussão sobre o quanto de erudição há realmente em sua obra não é objetivo central desta
dissertação, porém, esta questão será abordada na análise contida no final do trabalho. De
qualquer modo, no momento, pode-se adiantar que o desejo e esforço do autor de se aproximar do universo da música erudita foram muito fortes, e creio ser possível vê-los refletidos
primeiramente no volume dos estudos em música erudita que realizou, e de forma mais evidente na nomenclatura com que designa suas Coisas, o correspondente brasileiro, popular e
38
SOUZA, Tárik de. De volta às melhores coisas da vida. Rio de Janeiro: O Globo. 2004
39
Ibid.
42
negro encontrado por Moacir às “Opus” de origens eruditas, européias e caucasianas. Vale
ainda mencionar a observação de Gabriel Improta a este respeito:
As Coisas, assim como diversas outras obras de Moacir, têm, intencionalmente, a julgar por declarações do próprio, certa identificação com o universo da música erudita, pelo tratamento autoral, pelo status de obra acabada,
notada em partitura, conferida à composição e pelo fato de terem sido numeradas de 1 a 10, assim como se faz com o opus de compositores deste
campo.40
Voltando à relação de Moacir e Baden Powell, apenas os fatos até agora mencionados
já seriam suficientes para evidenciar que os músicos possuem suas trajetórias intimamente
associadas. É importante ainda ressaltar que por todo período que abrange composição, gravação e lançamento dos dois discos (1962-1966) Moacir foi professor de Powell.41 Além disso, o
lançamento de Os afro-sambas, de Baden e Vinícius de Moraes, em 1966, um ano após o lançamento de Coisas, veio a afirmar de forma definitiva a ligação existente entre os dois compositores. O próprio Baden Powell faz o seguinte comentário, definitivo a meu ver:
Moacir me passava os exercícios de composição em cima dos sete modos
gregos, os modos litúrgicos do canto gregoriano. Foram esses exercícios que
viriam a se tornar, mais tarde, os afro-sambas (Baden Powell em depoimento ao jornal O Globo, Segundo caderno, de 24 de março de 2000).42
É freqüente também vermos ambos os discos, Coisas e Os afro-sambas, relacionados
como pertencentes a um nicho de produção musical ligado à valorização da cultura negra, que
40 FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na década
de 60. Rio de Janeiro. Gabriel Muniz Improta França, 2007. p.11.
41 Fonte: Verbete – Baden Powell. Em Dicionário MPB. Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/detalhe.asp?nome=Baden+Powell&tabela=T_FORM_A&qdetalhe=bio>
42
Apud IMPROTA
43
marcam forte presença nas composições de ambos os discos. Laércio de Freitas, reconhecido
arranjador brasileiro, expressa sua opinião acerca da relação de Moacir com os afro-sambas da
seguinte maneira:
Acho que o Moacir Santos foi a grande cabeça na história dos afro-sambas,
a tentativa de estabelecer um link entre a música africana, dos escravos, e a
música popular brasileira.43
A esta valorização do elemento negro na cultura brasileira, Gabriel Improta dedicou
parte de seu trabalho, do qual um trecho em especial merece destaque, por ligar Moacir a uma
certa tradição já existente.
Na verdade essa valorização não era nova. Em 1926, trinta anos antes, portanto, Gilberto Freyre já apontava, em artigo para o Diário de Pernambuco, que
o poeta francês Blaise Cendrars, era um dos principais motivadores de um
“movimento de valorização do negro” no Rio de Janeiro (Freyre apud Vianna, 2002, p.95). Desse movimento se beneficiariam, e também contribuíram
a seu favor, alguns músicos ligados às comunidades afro-brasileiras cariocas
como Pixinguinha e Donga e, futuramente, o pernambucano Moacir Santos.44
Ainda sobre esta valorização da cultura negra, tendo como referência 1965, o ano do
lançamento de Coisas, Hugo Sukman escreveu:
CLIQUE MUSIC, site. Arranjadores comentam a obra do Maestro. Disponível em:
<http://cliquemusic.uol.com.br/br/Acontecendo/Acontecendo.asp?Status=MATERIA&Nu_Materia=1308>
43
Apud. FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na
década de 60. Rio de Janeiro. Gabriel Muniz Improta França, 2007. p.15.
44
44
Naquele ano, Elizeth Cardoso lançava “Elizeth sobe o morro”, disco em
que cantava, comme il faut, os chamados sambas de morro. No mesmo disco,
Nelson Cavaquinho registrava pela primeira vez seu violão agalopado, bruto
e genial. Um ano antes, Herminio Bello de Carvalho começava a trabalhar o
manancial Clementina de Jesus – cantora que descobrira numa roda de samba na Taberna da Glória, histórico bar carioca – fazendo a ponte entre a
moderna música brasileira e suas mais recônditas raízes africanas: a música
dos escravos, os batuques e pontos de candomblé. Um ano depois, Baden
Powell e Vinicius de Moraes lançariam os afro-sambas. Nara Leão trocava
os colegas da bossa nova por Cartola e Zé Keti. Cartola, por sua vez, é redescoberto lavando carros numa oficina mecânica. Retorna à música depois
de mais de vinte anos ausente e no seu bar, o Zicartola, rearticula o contexto
cultural do samba.45
A análise de Sukman prossegue dando outros exemplos importantes, mas para o presente trabalho este trecho já é suficientemente revelador. Além da relação de Moacir com Baden Powell, explicitada no trecho através da menção da distância entre o lançamento dos Afrosambas e de Coisas, vemos citados Vinícius de Moraes e Elizeth Cardoso, artistas com os quais
Moacir Santos esteve também intimamente ligado.
Vinícius de Moraes, também parceiro de Baden, ao lado de Elizeth Cardoso, firmou
parceria com Moacir Santos no disco Elizeth interpreta Vinícius, de 1963. Sobre esta parceria,
destacando sua importância para a carreira de Moacir, há comentários interessantes em matéria
jornalística denominada Música de Ritmo e de Paixão, reproduzida no songbook Coisas:
(...) o grande momento de Moacir é quando Vinícius o procura para que façam, com Elizete, um disco que seria assim como o lançamento da BossaNova. Moacir trabalha avidamente nas orquestrações e realiza êste (sic.) disco
notável com músicas suas, de Vinícius e de Baden, disco êste (sic.) que teria a
mesma importância que o famoso “Canção do Amor de Mais”, (sic) que lan
45
SUKMAN, Hugo. In: Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005. p.17.
45
çara, cinco anos antes, com músicas de Vinícius e Tom, com orquestrações
do último, e pela voz da mesma Elizete, a Bossa-Nova.46
O disco não teve, ao contrário do que afirma o autor do texto, a mesma importância
de Canção do amor demais, tido até hoje como marco inicial da Bossa Nova, porém, Elizeth interpreta Vinícius tem grande importância para a carreira de Moacir Santos. Neste LP, lançado pela
Copacabana Discos, o Maestro foi responsável pelos arranjos das 11 faixas gravadas. Moacir
também assina a composição de quatro músicas, em parceria com Vinícius de Moraes, Mulher
carioca, Menino travesso, Triste de quem e Se você disser que sim. Vinícius, por sua vez, divide com
Baden Powell a autoria de outras quatro músicas presentes no LP.
Se, como afirma Hugo Sukman, o ano de 1965 é representativo para a valorização da
cultura negra, e o disco Coisas está ligado a este movimento, os anos anteriores merecem atenção no que diz respeito à produção de Moacir Santos, que atingiu sua maior intensidade no
princípio da década de 60, como já foi afirmado por Ruy Castro.
Em 1963, além das já mencionadas participações de Moacir nos discos Baden Powell
Swings with Jimmy Pratt e Elizete Interpreta Vinícius, o músico assinou os arranjos do LP Vinícius
& Odette Lara. Este disco é significativo se levarmos em conta que foi o primeiro produzido
por Aloysio de Oliveira através de sua recém criada gravadora Elenco, cuja importância é
incontestável, e que será discutida em momento posterior.
Mas talvez o ano de 1964 tenha sido o de maior produção de Moacir Santos. Foi o ano
em que, por exemplo, compõe as trilhas sonoras de nada menos que quatro filmes: O santo
módico, Os fuzis, O Beijo e Ganga Zumba. No campo do arranjo instrumental, vemos o nome de
Moacir figurar no disco da cantora estreante Luiza, sobre quem o compositor declarou ser “a
cantora-revelação de 64 – digna de figurar na galeria dos expoentes da música popular brasileira contemporâ
46
SUKMAN, Hugo. In: Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005. p.06.
46
nea” 47, em texto reproduzido na contracapa do LP. A carreira da cantora não deslanchou, e
chegou ao fim com apenas este disco lançado. À ocasião do relançamento do disco em CD,
Luiza deu a seguinte declaração, esclarecedora em relação ao motivo pelo qual não havia gravado novamente:
O Milton Miranda disse que eu tinha talento e a gravadora iria investir uma
nota preta em mim. Mas eu não seria mais minha própria dona. Teria de fazer show onde eles mandassem. Hoje no Amazonas, amanhã no Chuí. Eu
tenho um ouvido desgraçado, tocava acordeom, piano, fiz teoria musical em
Conservatório. Mas como nunca me senti um produto, não assinei o contrato.48
2.4 Moacir Santos e o Samba jazz
Em 1964, Moacir assinou arranjos de Você Ainda Não Ouviu Nada – pelo
menos, os de Nanã e Coisa n.º 2 –, o disco de Sérgio Mendes & Bossa Rio
na Philips que muitos, então, consideraram o melhor do gênero feito no
Brasil. Mas, no mesmo ano, esse disco seria superado pelo sensacional Edison Machado É Samba Novo, na CBS, com quatro de seus temas.49
O primeiro dos discos mencionados por Ruy Castro, do grupo Sérgio Mendes & Bossa
Rio, na realidade foi lançado no ano de 1963, pela Philips. Além do pianista Sérgio Mendes,
integravam o grupo Bossa Rio os músicos Tião Neto (contrabaixo), Édison Machado (bateria),
Edson Maciel (trombone), Raul de Souza (trombone) e Hector Costita (saxofone). No disco
47
FONSECA, Luiza Silveira da. Luiza. Rio de Janeiro: RCA Victor, 1964. 1 LP (ca. 32 min).
A redescoberta de Luiza. Site JB ONLINE. Disponível em:
<http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2004/12/07/jorcab20041207006.html>
48
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
49
47
estão registradas algumas músicas ligadas à Bossa Nova como “Desafinado”, “Corcovado” e
“Garota de Ipanema”, cujos arranjos foram feitos por Antônio Carlos Jobim, que assina ainda
outros cinco arranjos do disco. Moacir Santos tem duas de suas músicas gravadas em Você
ainda não ouviu nada, “Coisa no 2” e “Coisa no 5”, para as quais também fez os arranjos.
No ano seguinte, o baterista Édison Machado, que havia tocado no disco de Sérgio
Mendes, lança pela CBS seu LP intitulado Édison Machado é samba novo. No grupo ainda tocavam os músicos Sebastião Neto (contrabaixo), Tenório Jr. (piano), Pedro Paulo (trompete), Ed
Maciel (trombone), J.T. Meirelles (saxofone tenor), Raul de Souza (trombone), Paulo Moura
(saxofone alto), tendo, os dois últimos sido alunos de Moacir. O próprio Moacir Santos toca
saxofone barítono no disco, em que foram gravados quatro temas seus, “Se Você Disser Que
Sim, Coisa n.º 1, Menino Travesso e o já onipresente Nanã.” 50 Os arranjos destes temas são do próprio Moacir.
Não só este disco é fundamental para o Samba jazz, como a importância de Édison
“Maluco” Machado deve ser ressaltada. O baterista, ou “As baquetas explosivas da bossa”51,
como Tárik de Souza e Nana Vaz de Castro se referem ao músico, participou de dois grupos
importantíssimos para o desenvolvimento do Samba jazz. O Rio 65, ao lado do pianista Dom
Salvador e do contrabaixista Sérgio Barroso, grupo com o qual lançou os LPs Rio 65 e A hora e
a vez da Música popular moderna e o Bossa três, com Luiz Carlos Vinhas (piano) e Sebastião Neto
(contrabaixo), com quem lançou Os Bossa três, Bossa três em forma e Os reis do ritmo, além de acompanhar cantores, como Pery Ribeiro. Posteriormente, o baterista ainda faria sonoros solos
de bateria para a trilha do longa-metragem Terra em transe, de Glauber Rocha, que segundo
consta, andava insatisfeito com o teor da banda sonora anterior do filme.
50 CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
51 SOUZA, Tarik de, CASTRO, Nana Vaz de. As baquetas explosivas da Bossa. Disponível em:
<http://www.clubedejazz.com.br/jazzb/jazzista_exibir.php?jazzista_id=268>
48
Os grupos Rio 65 e Bossa três se desenvolveram, da mesma maneira que muitos outros
grupos instrumentais, como o Tamba trio, o Copa trio, o já mencionado grupo de Sérgio Mendes, o Bossa Rio, e o grupo do saxofonista J.T.Meirelles, J.T. Meirelles e os Copa 5 no “Beco das
garrafas”, originalmente chamado de “Beco das garrafadas”. O local era, na realidade, “o conjunto de casas noturnas, localizadas entre os edifícios de números 21 e 37 da rua Duvivier, em Copacabana
(RJ)”52 e seu nome decorreu da seguida prática dos moradores dos edifícios em torno, de jogar garrafas nos
freqüentadores das boates53 localizadas nesta rua, como “Little Club”, “Bottle's Bar”, “Ma Griffe”
e “Baccara”. Para se ter uma dimensão da importância do “Beco das garrafas” cito verbete do
Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira sobre o local:
Ali se apresentavam Sergio Mendes, Luiz Eça, Luís Carlos Vinhas, Salvador
e Tenório Jr., Raul de Souza, J.T. Meireles, Cipó, Paulo Moura, Maurício Einhorn, Rildo Hora, Baden Powell, Durval Ferreira, Tião Neto, Manuel
Gusmão, Bebeto Castilho, Dom Um Romão, Édison Machado, Airto Moreira, Wilson das Neves, Chico Batera, Vítor Manga e Hélcio Milito, entre
outros músicos. Entre os cantores, Sylvinha Telles e Marisa Gata Mansa,
Dóris Monteiro, Claudette Soares, Alaíde Costa, Leny Andrade, Flora Purim, Nara Leão, Sérgio Ricardo, Johnny Alf, Sílvio César, Agostinho dos
Santos, Jorge Ben, Wilson Simonal, Pery Ribeiro e Elis Regina.
Moacir Santos não aparece relacionado na extensa lista acima, porém, Ruy Castro, ao
comentar o lançamento de Coisas em CD afirma claramente sua opinião de que o disco era a
África, sem dúvida, mas filtrada pelo Beco das Garrafas, em Copacabana54. O fato de Moacir ser um
dos freqüentadores do “Beco”, e ainda mais, de ser professor de vários dos músicos mencio
52
DICIONÁRIO DA MPB, site. Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_C&nome=Beco+das+Garrafas>
53
COPACABANA, site. O Beco das garrafas. Disponível em:
<http://www.copacabana.com/becodasg.shtml>
49
nados como freqüentadores assíduos do local, além de haver tocado, arranjado e de algumas
de suas músicas terem sido executadas em discos fundamentais do movimento o torna, sim,
um importante membro articulador do Samba jazz. Acredito, porém, que é em grande parte
devido a estas relações de Moacir com músicos e o ambiente musical do Samba jazz que uma
certa confusão se estabelece.
Como já mencionado, o disco Coisas é freqüentemente referido como sendo um disco
de Samba jazz. Segundo Ruy Castro, o “último e o melhor disco de ‘Samba jazz’ feito no Brasil daquela
época” 55 (década de 60). Não creio que seja possível sustentar tal afirmação; mesmo a “Coisa no
5”, gravada nos discos Você ainda não ouviu nada, Édison Machado é samba novo e ainda no excelente disco O LP, do grupo Os cobras, não me parece pertencer ao gênero, ao menos não na gravação que consta no disco Coisas.
Em geral, se observada a forma de grande parte dos “temas” de Samba jazz, percebese a apresentação de um ou mais temas, seguida por improvisos, e ao fim, a reapresentação
dos mesmos temas concluindo a música. De fato, das músicas presentes em Coisas, “Coisa no
1”, “Coisa no 4”, “Coisa no 6”, “Coisa no 7” e “Coisa no9” se enquadram neste padrão.
Porém, uma diferença é fundamental para que a classificação imediata de Coisas como
um disco de Samba jazz não me pareça possível, e, neste sentido, o trabalho de Gabriel Improta é de grande valia ao desenvolver seu estudo sobre a composição de Moacir para a seção
rítmica. Improta reafirma por várias vezes a importância do fato de Moacir escrever levadas
originais para a seção rítmica, que dão status de obra acabada, notada em partitura56 para suas composições, em especial para esta seção. Nos temas de Samba jazz, este fato não acontece, pois a
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
54
55
Ibid.
56 FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na década
de 60. Rio de Janeiro. Gabriel Muniz Improta França, 2007. p. 149.
50
liberdade de execução e a margem para o improviso são muito grandes. Ocorre sim, neste
gênero, a escrita de “convenções rítmicas”, ou seja, determinados momentos da música em
que os instrumentistas executam simultaneamente a mesma figura rítmica ou ainda um conjunto de figuras rítmicas pré-definidas. Mas dificilmente um compositor escreveria
minuciosamente as partes a serem executadas por instrumentos como bateria, contrabaixo,
guitarra e piano.
Deste modo, me parece que dentre todas as “Coisas”, considerando-se o arranjo sob o
qual estas foram gravadas para o disco homônimo de 1965, apenas “Coisa no 7” poderia ser
realmente classificada como Samba jazz, levando-se em consideração, em primeiro lugar, que
possui forma com apresentação dos temas, seguida por abertura para improvisos e concluída
pela reapresentação final dos temas; e, em segundo lugar, a existência de grande liberdade de
execução instrumental, especialmente em relação aos instrumentos da seção rítmica, ou seção
de base, em determinados trechos da música nos quais apenas uma indicação rítmica como
samba é notada em partitura.
Na verdade, e me apropriando das palavras de Zuza Homem de Melo, penso que Coisas é “o mais desconcertante disco instrumental brasileiro dos anos 1960” 57, um disco que, assim como o
resto da “(...) obra musical do Maestro (...) não se encaixa em nenhum período da música popular brasileira
de sua época” 58, mas que dialoga com vários deles e funde-os a cada música de modo extremamente orgânico e singular.
57 MELO, Zuza de Homem. In: Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005.
p.13.
58
Ibid.
51
2.5 O cinema
Ruy Castro, ao falar das inúmeras atividades desenvolvidas por Moacir nos anos
imediatamente anteriores a 1965, aponta para a relação que Moacir teve com o cinema, ao
mencionar as trilhas que compôs:
Nos intervalos, Moacir compôs também a música para filmes com que o cinema brasileiro (“novo” ou não) tentava atingir a maioridade: Seara Vermelha, do italiano Alberto D’Aversa (1963), e Ganga Zumba, de Carlos Diegues, Os Fuzis, de Ruy Guerra, e O Beijo, de Flavio (sic.) Tambellini, todos
de 1964, nos quais nasceram várias Coisas.59
Castro aponta quatro dos filmes para os quais Moacir compôs trilhas sonoras ainda
quando morava no Brasil. As músicas dos filmes O Santo Módico, “uma co-produção francobrasileira, de Sacha Gordine, dirigido por Robert Mazoyer” 60, e de Amor no Pacífico, de Zygmunt Sulistrowski, que, como já mencionado em capítulo anterior, foi o filme responsável pela primeira
ida de Moacir Santos aos Estados Unidos.
O critico menciona neste trecho acima reproduzido um fato importante, de que algumas das “Coisas” nasceram como trilhas para cinema. Na verdade, não só algumas das Coisas
nasceram como trilhas, mas também outras músicas que viriam a ser gravadas posteriormente
por Moacir, já nos Estados Unidos, aparecem em alguns dos filmes mencionados acima, como
veremos a seguir.
59
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
52
Infelizmente, estes filmes são de difícil acesso, sendo que não há re-edições oficiais de
nenhum deles em DVD. Foi possível conseguir, no entanto, cópia de três destes filmes: Ganga
Zumba, Os fuzis e Seara Vermelha. É importante deixar claro, portanto, que há ainda outros três
filmes em que músicas que podem ter sido gravadas posteriormente por Moacir tenham surgido, mas, devido à escassez de material sobre os mesmos, e a impossibilidade de conseguir uma
cópia destes filmes, não poderei apontar no momento quais seriam estas músicas.
O primeiro filme no qual Moacir exerceu a função de compositor, foi Seara vermelha,
adaptação de romance homônimo de Jorge Amado, roteirizado e dirigido pelo italiano Alberto
D’Aversa, que havia chegado ao Brasil na década anterior, e teve forte atuação principalmente
como diretor e professor de teatro, tendo sido também parceiro de Ruth Escobar e Antônio
Abujamra.
O filme acompanha a viagem de onze retirantes nordestinos recém expulsos de fazenda onde trabalhavam, e que rumam a São Paulo, enfrentando sérias dificuldades ao longo do
trajeto, ao fim do qual restam poucos deles. A única música que viria a ser gravada por Moacir
posteriormente e que aparece ao longo do filme é Jequié, tocada em cena do baile dos trabalhadores que ocorre imediatamente antes deles receberem a notícia de que não mais trabalhariam
na fazenda, motivo pelo qual viriam a rumar para São Paulo.
Em matéria reproduzida na página 6 do songbook Coisas, já mencionada anteriormente,
há algumas informações importantes a respeito da carreira cinematográfica do compositor. A
trilha de Ganga Zumba já estava pronta à época da publicação desta matéria, e constata-se que
as trilhas compostas por Moacir para os filmes Os Fuzis, de Ruy Guerra, e O Beijo, de Flávio
Tambellini estavam sendo feitas nesta época, pois na mesma matéria se afirma que Moacir
“compôs e arranjou para ‘Ganga Zumba’ e hoje faz o mesmo para ‘Os Fuzis’ e ‘O beijo’, ambos ainda em
60
Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005. p.06.
53
montagem” 61. Está ainda reproduzida a seguinte declaração do compositor: “Acredito que a música
de ‘Ganga Zumba’ seja o melhor trabalho que até hoje realizei (...) também pela identificação que senti com o
tema e o espírito do filme”62.
Ganga Zumba, primeiro longa-metragem do diretor Cacá Diegues, cujo roteiro é uma
adaptação de romance homônimo de João Felício dos Santos, trata da busca pela liberdade de
um grupo de escravos que fogem em direção ao Quilombo dos Palmares. Ambientado entre
os séculos XVI e XVII, tem como protagonista no papel-título do filme, futuro líder do
Quilombo dos Palmares, o ator Antônio Pitanga. São notáveis ainda, as presenças das atuações
de Dona Zica e Cartola neste filme. Percebe-se, novamente, a forte presença, em Ganga Zumba,
da questão da valorização da cultura negra já mencionada anteriormente.
A matéria é, em boa parte, dedicada a apontar algumas questões relativas às composições de Moacir Santos presentes em Ganga Zumba, e nela estão enumerados os temas que aparecem no filme da seguinte maneira:
A sinfonia divide-se em quatro movimentos distintos. O primeiro, tema central do filme (“Nanan”) (sic.), tem a forma de um lamento e é instrumentalizado (sic.) quase sempre de maneira muito simples, com solos vocais femininos (Nara) e três trombones. O andamento é o de um lamento negro, simples e sem grande reverberação.63
O tema referido acima, cantado por Nara Leão, é a melodia das partes A e B de “Coisa
no 5”, que seria popularmente conhecida como “Nanã”, e é o tema que mais aparece ao longo
do filme. No mesmo ano de 1964, a versão a capella da música seria incluída no disco Nara, de
61
Ibid. p.06.
62
Idem, ibidem.
63
Idem, ibidem.
54
Nara Leão, e seria gravada nos discos Você ainda não ouviu nada, de Sérgio Mendes, e Édison
Machado é samba novo, do baterista Édison Machado.
No filme Ganga Zumba, porém, a música aparece em arranjos já mais próximos aos que
seriam gravados no disco Coisas, no ano seguinte, ao ser executada por trombones e saxofones,
sobre base percussiva semelhante a do arranjo posterior. Há, contudo, alguns arranjos executados como trilha do filme que não têm relação com o arranjo do disco, que, por exemplo, não
possui voz em “Coisa no 5”, nem em qualquer outra música. No filme, também, a melodia
desta “Coisa” é executada em certo momento por flauta solo, o que não viria a acontecer no
disco. Fica claro, porém, que em Ganga Zumba, o arranjo de “Nanã” que viria a ser gravado em
Coisas começou a se delinear para Moacir Santos.
O autor da matéria segue enumerando os temas presentes em Ganga Zumba:
O segundo, tema de fuga, é ágil e vibrante. Possui todo o espírito negro da
violência e do ritmo e sua forma é um misto de variações de fuga com o
ritmo ágil de atabaques e bongôs.64
Há aqui certa confusão entre o que está descrito e os temas presentes em Ganga Zumba.
O segundo tema a aparecer no filme, é na realidade a música “Coisa no 4”, em arranjo muito
semelhante ao de Coisas, com a diferença principal de que a frase grave, aqui executada por
vozes, viria a ser tocada por saxofone-barítono, trombone-baixo e contrabaixo no LP. O tema
reaparece posteriormente no filme sob diferentes instrumentações, executado apenas por
trompete e percussão, por exemplo.
Porém, ao que tudo indica, o tema “ágil e vibrante (...) misto de variações de fuga com o ritmo
ágil de atabaques e bongôs” a qual o trecho acima se refere é o terceiro tema a aparecer no filme.
64
Ibid, ibidem.
55
Trata-se, na verdade, da introdução da música “Mãe Iracema”, que não viria a ser uma das
“Coisas”, de Moacir Santos, mas que seria escolhida pelo compositor para abrir o lado B de
seu primeiro álbum americano, Maestro, no ano de 1972. É interessante mencionar que este
tema é utilizado realmente em momentos de fuga dos escravos, porém, quase ao fim de Ganga
Zumba, o tema ora vigoroso, aparece em longo trecho, em andamento muito mais lento, desde
o momento em que o personagem “Aroroba”, escravo que também fugira da fazenda em direção ao quilombo é ferido, e morre. É um tema utilizado poucas vezes, portanto, mas em momentos muito marcantes dentro do filme.
O terceiro, de caráter épico, é o único que exigiu grande orquestra e côro
(sic.). Está todo baseado nos sons africanos característicos: os sons da mata,
os das festas nas aldeias, os da guerra, tôda (sic.) uma gama de vibração que é
esfuziante.65
Na realidade, a instrumentação deste tema não difere muito da dos outros, porém, talvez por ser executado em dinâmica mais forte do que eles, e por não possuir uma melodia,
mas sim acordes e frases curtas rítmicamente muito bem definidas e relacionadas, a impressão
passada por este tema é de grandiosidade. Posteriormente, seria escolhido por Moacir como a
introdução de “Coisa no 5”, a ser gravada em Coisas.
Um fato interessante é que este tema apresenta, no filme Ganga Zumba, uma modulação, em momento crucial no filme, quando Ganga Zumba se opõe à opinião do guia que os
estava levando ao quilombo, e o tema é tocado um semitom acima. No arranjo de “Coisa no
5” esta modulação também está presente, porém, ocorre em outro momento da música.
65
Ibid, ibidem.
56
Por fim, o tema romântico do filme é o que poderíamos chamar de “um
prelúdio negro”. Seu principal solista é uma flauta que, em determinados
momentos, surge apenas com uma pequena percussão lhe acompanhando.66
O tema, utilizado em Ganga Zumba, em momentos em que o relacionamento afetivo é
enfocado, é o da melodia de “Coisa no 9”, que aparece tocada por diferentes formações, porém, como os outros temas, apresenta características semelhantes às do arranjo sob o qual
seria gravada posteriormente. A maior diferença entre a versão constante em Ganga Zumba e a
que seria gravada em Coisas, é a ausência da percussão no primeiro, que seria tão marcante no
segundo.
Outros temas são apresentados por Moacir neste filme, porém, nenhum que tenha sido
regravado em qualquer um dos seus discos posteriores. Há, também, trechos puramente percussivos ao longo de Ganga Zumba, além de canções que provavelmente foram executadas pelo
“grupo folclórico Filhos de Gandhi”, constante nos créditos iniciais do filme.
A matéria segue sem se referir às trilhas de Os fuzis ou de O beijo, o que leva a crer que
Moacir ainda trabalhava nestas composições. Porém, foi possível ter acesso ao primeiro filme
e alguns comentários me parecem importantes.
Dentre os filmes para os quais Moacir compôs trilhas, Os fuzis é o que mais se enquadra estética e ideologicamente nos padrões do Cinema Novo. O filme trata da seca no nordeste, e tem na fé de um povo o fio condutor de sua história, que leva a um conflito final trágico
em uma cidade interiorana.
Nos créditos iniciais do filme Os Fuzis, consta o crédito “Coordenação musical e temaMoacir Santos (benditos, sentinelas e canções nordestinas)”. De fato, apenas um tema original
é identificado ao longo do filme. É a melodia de Bluishmen, executada por uma saxofone, e que
66
Ibid, ibidem.
57
aparece poucas vezes ao longo do filme, em especial se comparado às aparições dos temas de
Moacir em Ganga Zumba, em que a presença de sua música era massiva. O tema não apresenta
acompanhamento ou mesmo variações ao longo do filme. A música, assim como “Mãe Iracema”, composta para Ganga Zumba, viria a ser gravada por Moacir no disco Maestro, em 1972.
Em Os fuzis, porém, há várias canções, que, se observados os créditos iniciais, foram
provavelmente escolhidas pelo próprio Moacir, Coordenador Musical do filme. Moacir ainda é
creditado como Diretor Musical de A Grande Cidade (1966), do diretor Carlos Diegues.
2.6 A Gravadora Forma
Vimos, até o presente momento, várias realizações de Moacir Santos nos anos que antecederam o lançamento de Coisas. Os estudos que o compositor realizou com importantes
músicos estabelecidos no Rio de Janeiro nas décadas de 50 e 60, sua atividade como professor
de importantes músicos, sendo quase a totalidade deles ligada à Bossa Nova, a atividade de
Moacir como instrumentista, arranjador e regente, ora atuando pela Rádio Nacional, ora em
importantes discos lançados na década de 60, e, por fim, sua atividade como compositor de
trilhas sonoras, quando algumas das futuras “Coisas” surgiram e foram ganhando forma.
Neste momento, visando completar a contextualização deste disco e de seu autor, é
fundamental considerar alguns aspectos a respeito do contexto musical de então, e a gravadora
responsável pelo lançamento de Coisas, a Forma, e sobre o produtor e dono desta gravadora,
Roberto Quartin.
A Forma lançou 18 discos entre 1963 e 1968, entre eles Inútil paisagem (1964), disco de
estréia de Eumir Deodato; Desenhos (1966), primeiro disco de Victor Assis Brasil; e o já mencionado Os afro-sambas, de Baden Powell e Vinicius de Moraes (1966). Segundo Ronaldo Evangelista, a gravadora surgiu com a proposta de ser a maior, melhor, mais chique, mais caprichosa e mais
58
elegante gravadora de sua época. E ninguém pode duvidar que conseguiu.67 Com esta proposta, os discos
da Forma eram lançados com capas de luxo ilustradas por pinturas a óleo. O próprio disco Coisas
tem reproduzida em sua capa pintura do rosto de Moacir Santos feita pela artista Patrícia Tattersfield.
Os lançamentos acima mencionados aproximam a Forma, o pequeno e corajoso selo que o
produtor carioca Roberto Quartin conseguiu sustentar durante três anos na década de 60,68 de gravadoras
como Festa, Copacabana Records e Elenco, do produtor Aloysio de Oliveira. Para estas duas últimas gravadoras, inclusive, Moacir Santos trabalhou como arranjador.
Outra semelhança notável entre Forma e Elenco, foi a preocupação por parte de seus
produtores em ter uma identidade visual entre as capas dos discos lançados por ambos os selos. No caso da Elenco, em que era o conceito gráfico das capas, desenvolvido pelo designer Cesar Villela
com o fotógrafo Chico Pereira69, esta estratégia funcionou extremamente bem, tanto que, de acordo
com Ruy Castro:
(…) era possível reconhecer uma capa da Elenco mesmo que se estivesse do outro lado da rua. Eram sempre em preto-e-branco, com
uma foto (nota: o fotógrafo da Elenco era Chico Pereira) ou desenho em alto
contraste e um único e discreto elemento em vermelho. Não é preciso
dizer que seu criador, César Villela, chegou a essa solução por motivos econômicos - a Elenco não tinha dinheiro para capas em quatro
cores. Mas, o que lhe faltou em dinheiro, Villela compensou em criatividade.70
EVANGELISTA, Ronaldo. Capas deram imagem à revolução da Bossa Nova. Disponível em:
<http://musica.uol.com.br/ultnot/2008/06/10/ult5955u14.jhtm>
67
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: <www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html>
68
BIZARRE MUSIC, site. ELENCO, de Aloysio de Oliveira. Disponível em:
<http://www.bizarremusic.com.br/elenco/sobre.htm>
69
70
Ibid.
59
As capas são hoje, e cada vez mais, objeto de culto e desejo entre colecionadores. Mas
se as capas foram criadas por Villela, a atitude de apostar em uma nova estética e um novo
perfil para uma gravadora foi tomada por Aloysio de Oliveira, produtor e dono da gravadora
Elenco, que merece mais atenção e estudos pelo papel que desempenhou como produtor fonográfico. Segundo artigo publicado no site Cliquemusic71, Aloysio iniciou-se na música como cantor, tendo integrado o Bando da Lua, participando de gravações e acompanhando Carmen
Miranda em viagem aos Estados Unidos no ano de 1939. Dez anos depois, dirigiria o grupo
até a morte de Carmen Miranda, em 1955. Teria ainda trabalhado com Walt Disney, a quem
teria ajudado na criação do personagem Zé Carioca. Em fins da década de 50 começou a se
dedicar à produção de discos, lançando, em 1963, seu selo próprio, a Elenco, cujo primeiro
disco seria Vinícius & Odete Lara, do qual Moacir Santos foi o arranjador.
A Elenco, a Forma, a Festa e a Copacabana Records, de certo modo, faziam frente às maiores gravadoras da época, como a Philips, e buscavam lançar artistas ainda não conhecidos do
público ou simplesmente com menos visibilidade no mercado musical.
Sobre a inserção dessas gravadoras no mercado fonográfico da época, análises mais recentes não conseguem fugir de um certo saudosismo, como se em épocas passadas houvesse
mais espaço para a produção cultural menos comprometida com o mercado. O texto que se
encontra na página 25 do songbook Coisas, porém, levanta algumas questões interessantíssimas.
Retirado de jornal, sem referência de autoria, o texto parece ter sido publicado imediatamente
após o lançamento de Coisas, em 1965, e inicia de forma contundente.
A atual situação da fonografia brasileira chega a ser engraçada, com tanta
omissão, tanta falta de orientação, de equilíbrio. O panorama é mais ou menos este: as gravadoras financeiramente estáveis, que são, como é de conhe
71
Verbete Aloyio de Oliveira. Site CLIQEMUSIC. Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/>
60
cimento geral, as representantes dos grandes consórcios internacionais Odeon, Philips, RCA e CBS - só lançam praticamente os chamados discos
"comerciais". Só editam LPs ou compactos cujo sucesso comercial esteja assegurado de antemão. Tudo que represente evolução artística, contribuição
para a cultura do nosso público, é liminarmente vetado.72
Deste modo, gostaria de ressaltar que a menção à gravadora Forma é feita não tanto
com referência a um momento passado, em que as condições para se produzir e veicular música pudessem ser melhores ou mais fáceis, mas sim visando contribuir para a contextualização
de um determinado segmento musical em que estava inserida esta gravadora e seus artistas,
entre eles, Moacir Santos. É também fundamental destacar que tal segmento, se não homogêneo em estilo musical, existia e se movimentava em sentido contrário ao da indústria musical
da época, em que se via LPs e compactos de rock, twist, hully-gully, surf, sambolero, guarania, versão de
tango argentino (...) lançados aos borbotões na praça.73
O mesmo texto segue questionando:
(...) o que é melhor, ir à falência depois de deixar um legado artístico inestimável ou faturar tantos milhões a mais mensalmente e contribuir decisivamente para que continuemos eternamente subdesenvolvidos no plano cultural? 74
Pelo que se pode observar, o produtor e dono da Forma, Roberto Quartin optou pela
primeira alternativa. Empenhou-se em lançar artistas pouco conhecidos por acreditar no valor
artístico de suas obras, sem concentrar seus esforços em produzir discos de estilos cujo sucesso pudesse ser previsto, como os mencionados acima. Do mesmo modo agiu o produtor A
72
Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005. p.25.
73
Ibid
74
Idem, ibidem.
61
loysio de Oliveira, que, através da Elenco, conseguiu lançar um número maior de discos do que
Quartin, porém, também teve que encerrar as atividades de sua gravadora, dois anos após o
fim da Forma, no ano de 1968.
O próprio Quartin, no texto da contracapa do LP Coisas, ao mesmo tempo defende
suas convicções e problematiza a condição de Moacir Santos de modo muito interessante:
Não sei até hoje se Moacir Santos é de extrema direita ou de extrema esquerda, mas sei que ele é de extrema musicalidade, de extrema honestidade
para consigo mesmo. Moacir Santos é, antes de tudo, um músico. Este seu
disco pode ser um grito de desespero contra tudo isso que está errado, contra tudo que impediu que ele fosse reconhecido mais cedo. Posso, porém,
assegurar: Moacir Santos deu um grito de desespero afinado . 75
Ao efetuar esta problematização e concluir seu texto desse modo, Roberto Quartin reafirma posição que havia tomado anteriormente no mesmo texto:
Infelizmente, ultimamente o ambiente musical brasileiro se subdividiu mais
do que nunca. De um lado os músicos chamados de extrema direita, ou seja,
que passam a vida inteira fazendo “amor” rimar com “flor” e fingindo que
desprezam “a outra corrente musical” que gasta o tempo falando em “autenticidade”, “música do povo” e mal dos que vão para o estrangeiro divulgar a
nossa música (até que eles próprios viajem, levando como bagagem um catálogo de desculpas).76
A mensagem de Quartin é clara. Em um momento extremamente polarizado entre o
“engajamento” das canções de protesto e a “alienação” dos movimentos da Bossa Nova e da
Tropicália, o produtor posiciona-se ao lado de músicos que, acredita, prezam pela música de
75
QUARTIN, Roberto. Coisas. Encarte do LP. Rio de Janeiro. 1965.
62
boa qualidade, independente de rótulos e que, justamente por esta “independência”, acabam
ficando à margem da indústria musical estabelecida, classificável e com lugar garantido na prateleira das lojas. Porém, o problema maior que inviabilizou o crescimento de gravadoras dedicadas a uma produção, digamos, mais “artística”, parece ser um pouco mais profundo. Ruy
Castro comenta a existência da Elenco, de Aloysio de Oliveira do seguinte modo:
Em 1962, Aloysio de Oliveira, convertido de corpo e alma à bossa nova,
deixara a Philips e fundara o seu minúsculo selo Elenco, lançando Tom Jobim, Nara Leão, Roberto Menescal, Vinícius de Morais, Edu Lobo, Baden
Powell, o Quarteto em Cy e todos os bossa-novistas possíveis. Em 1967,
Aloysio vendeu para a Philips o seu miraculoso acervo de quase 50 LPs gravados. E esse acervo - até hoje, mais de 30 anos depois - continua sendo canibalizado pelos sucedâneos da Philips (a Polygram e, agora, a Universal) em
antologias, coletâneas e "especiais", em toda espécie de formato, no Brasil e
no exterior.77
Pois bem, mesmo Aloysio de Oliveira, “convertido de corpo à alma a Bossa Nova” 78, gênero
bem estabelecido e supostamente rentável na década de 60, viu-se obrigado a abdicar de seu
selo por não conseguir mais sustentá-lo no mercado brasileiro de então. E a Elenco acabou
sendo vendida para a Philips, mesma gravadora que havia comprado a Forma, de Roberto
Quartin. Quanto ao acervo da Elenco, “canibalizado”, virou matéria prima para a produção de
sucessivas coletâneas do gênero da Bossa Nova, que periodicamente buscam com certo apelo
vender sub-produtos sem muito cuidado artístico, por vezes em lugares infelizmente já não tão
inusitados, como postos de gasolina e supermercados.
76
Ibid.
77
BIZARRE MUSIC, site. ELENCO, de Aloysio de Oliveira. Disponível em:
<http://www.bizarremusic.com.br/elenco/sobre.htm>
78
Ibid.
63
Me parece que o fenômeno que fez tombar as gravadoras de Quartin e Aloysio de Oliveira não deve estar tão distante do que promoveu o já referido êxodo de músicos brasileiros,
especialmente na segunda metade da década de 60. Como já dito, Moacir Santos deixou o Brasil em direção aos Estados Unidos em 1967, mesma época em que Sérgio Mendes, Luís Bonfá,
Airto Moreira, Flora Purim, Eumir Deodato, Astrud Gilberto, Dom Um Romão, Leni Andrade, Raul de Souza, Dom Salvador, tomaram o mesmo rumo, o que inclusive já havia acontecido com o violonista Laurindo Almeida e o pianista João Donato, na década de 50 e seguiria
ocorrendo com outros importantes músicos brasileiros, já nos anos 70, como Paulinho da
Costa, Márcio Montarroyos e Romero Lumbambo, este último radicado nos EUA desde 1985.
Um caso em especial me parece digno de menção. Em 1972, após um breve período
nos Estados Unidos, Édison Machado encontrava-se no Brasil e encarou a dura condição musical local não sem uma grande dose de bom humor, como vemos em trecho de artigo disponível no site Clube do jazz:
Uma entrevista em março de 1972 ao jornal O Globo era aberta por uma espécie de anúncio classificado: "O melhor baterista do Brasil aceita emprego
em espetáculo de qualquer natureza. Ligar para 224-1151 ou procurar Édison Machado na Rua Benjamim Constant 10, quarto 107". Ao jornalista Luis
Carlos Maciel na Revista Rock (a história e a Glória), ele confessaria quatro
anos depois ter vendido a bateria para viajar para os Estados Unidos, onde o
ambiente era mais favorável aos músicos.79
Machado, um dos mais importantes músicos do Samba jazz, como já visto, viu-se novamente obrigado a voltar aos Estados Unidos em 1976, onde ficaria até 1990. Ao voltar para
o Brasil, porém, teria um infarto fulminante apenas três meses depois.
79
SOUZA, Tarik de, CASTRO, Nana Vaz de. As baquetas explosivas da Bossa. Disponível em:
<http://www.clubedejazz.com.br/jazzb/jazzista_exibir.php?jazzista_id=268>
64
A falta de melhores condições para a produção musical no Brasil, especialmente a produção de menor porte, e não direcionada exclusivamente ao mercado, associada à força esmagadora dos denominados “grandes consórcios internacionais”, parecem ter sido fatores determinantes tanto para a queda dos selos independentes, como para o êxodo dos músicos mencionados anteriormente.
Não há dúvidas de que Moacir Santos foi também um desses músicos obrigados a
procurar campos mais férteis para sua produção, talvez por não ter associado essa produção a
um discurso político corrente, por ter se preocupado em produzir música da maneira mais
natural e pessoal possível. Não afirmo, deste modo, que as músicas produzidas por movimentos como a Bossa Nova, a tropicália, pelas canções de protesto ou quaisquer outros movimentos musicais não sejam legítimas. Creio, porém, ser válido pensar que movimentos culturais
com grande repercussão pública, ao fazer girar as engrenagens da indústria cultural, acabam
por financiar uma quantidade considerável de artistas, que têm, acima de tudo, de cumprir
determinados prazos estabelecidos para o lançamento de seus discos, sendo a preocupação
com a qualidade artística desses produtos, em muitos momentos, relegada a um segundo plano, em favor dos prazos para que este produto seja lançado, e, em alguns casos, ao próprio
prazo de validade do movimento cultural em questão.
Moacir Santos, ao não se submeter a padrões estéticos e ideológicos correntes, escolheu não produzir uma obra datada, e com prazo de validade, mas sim uma obra singular, extremamente pessoal, que se refere a diversos estilos musicais presentes em algum momento
anterior da vida do compositor. Infelizmente, talvez justamente por esta escolha, o disco Coisas
tenha levado tanto tempo para encontrar seu espaço na prateleira, e pior, encontrou-o somente após quase 40 anos sem ter sido reeditado uma única vez.
65
Após o esgotamento da tiragem inicial, o disco só podia ser comprado de segunda
mão, e tornou-se cada vez mais raro e disputado por colecionadores. Com a venda da gravadora Forma para a Philips, os 18 títulos produzidos por Roberto Quartin acabaram engavetados.
A poderosa compradora contentou-se em ser apenas a dona da Forma: sentou-se em cima, não fez nada com os discos e, até outro dia, não deixou que
ninguém fizesse.80
Para agravar a situação, as grades originais das 10 “Coisas” foram perdidas após a
venda. Para o lançamento do disco Ouro Negro, em que as dez “Coisas” foram regravadas, as
músicas tiveram que ser transcritas a partir da gravação original, por Mário Adnet e Zé Nogueira, com acompanhamento de Moacir Santos.
Baseado nestes dados, e concluindo esta contextualização, me parece importante afirmar o fato de que a história do disco Coisas confunde-se com a de Moacir Santos, sendo ambas pontuadas por descobertas, que, infelizmente, só foram possíveis devido aos longos períodos de esquecimento que as precederam. Ambas estas histórias evidenciam sinais de que há
muito tempo a produção de música em nosso país vem trilhando caminhos tortuosos sobre
bases não muito firmes.
Infelizmente, não creio ser possível ter a esperança de que, no caso de Moacir Santos,
este atual período de valorização de sua obra seja um sinal positivo de alguma espécie de tempo de mudança. Creio sim, que representem iniciativas corajosas e isoladas de pessoas que
insistem em escrever a história da música brasileira remando contra a maré, assim como fizeram Moacir Santos, Roberto Quartin, Aloysio de Oliveira, Laurindo Almeida, Eumir Deodato,
Airto Moreira, Raul de Souza e tantos outros.
CASTRO, Ruy. Moacir Santos e Durval Ferreira lançam dois discos que retomam o samba-jazz dos
anos 60. Disponível em: www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0481.html
80
66
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DE “COISA NO 3”
3.1 Introdução
A análise musical neste trabalho pretende, ao abordar os processos composicionais
empregados por Moacir Santos na criação de uma de suas músicas, ampliar o estudo desenvolvido até o presente momento nesta dissertação e, sempre que possível, dialogar com o que
já foi exposto até o momento para contribuir na compreensão da personalidade musical do
compositor.
A música escolhida foi “Coisa no 3”, e tal análise não se pretende definitiva, e nem se
pode acreditar que a música escolhida possa representar a totalidade das “Coisas”. A escolha
desta música deve-se ao fato de que ela pode representar determinadas características marcantes na composição de Moacir Santos.
“Coisa no 3” é uma das composições menos conhecidas de Moacir. Até onde sei, não
há registro de uma regravação sequer desta música que não seja a encontrada no CD Ouro
Negro, o contrário do que acontece com algumas outras músicas de Moacir, como “Coisa no
67
2”, regravada em alguns discos de Samba jazz, mas especialmente com “Coisa no 5”, o ‘afrosamba Nanã (parceria com Mário Telles), um sucesso com mais de 150 gravações’81.
A despeito de ser pouco conhecida e executada, a escolha de “Coisa no 3” justifica-se
por ser evidente nesta música o domínio técnico de determinados procedimentos composicionais de que dispunha Moacir Santos, especialmente relativos ao desenvolvimento de temas, à
estruturação formal, e à orquestração.
Visando relacionar “Coisa no 3” com outras músicas do disco Coisas, pontos de semelhança e divergências entre esta e outras músicas do LP são apontados ao longo da análise.
Pretende-se que isto contribua para que seja possível situar esta música dentro do universo das
Coisas, perceber a diversidade musical presente no disco, e por fim, como afirmado anteriormente, auxiliar a responder a questão a respeito de ser ou não possível se compreender o LP
como uma síntese dos recursos dominados pelo compositor ao momento de sua gravação.
Não é a intenção deste trabalho, porém, abordar a vasta gama dos recursos composicionais
empregados por Moacir Santos em sua obra. Para que isto fosse atingido, um trabalho de
grandes dimensões seria necessário, em que obras não só do disco Coisas fossem analisadas,
mas que fosse realizada análise de obras de período anterior e posterior a composição das
“Coisas”.
A música analisada baseia-se na gravação presente no LP Coisas (1965), e na partitura
publicada no Cancioneiro Moacir Santos Coisas (2005). Em anexo ao presente trabalho consta CD
com a gravação e está reproduzida sua partitura.
Por fim, antes de iniciar a análise, creio ser válido apontar proximidades e diferenças
existentes entre a presente dissertação com a dissertação de Gabriel Improta, Coisas: Moacir
Santos e a composição para seção rítmica na década de 1960. O trabalho de Improta apresenta contextualização inicial e definição de termos em seu primeiro capítulo, após o qual parte para a defi
Moacir Santos diz que agora é mais amigo do RAP. Site CLIQUEMUSIC. Disponível em:
<http://cliquemusic.uol.com.br/br/Acontecendo/Acontecendo.asp?Nu_materia=1309>
81
68
nição de seção rítmica e sua contextualização dentro da produção de Música Popular Brasileira, através de obras de Pixinguinha, Radamés Gnattali e Antônio Carlos Jobim. No terceiro
capítulo de sua dissertação, Gabriel Improta dedica-se às análises musicais, com ênfase na seção rítmica no disco Coisas, através das análises de “Coisa no 1”, “Coisa no 2” e “Coisa no 5”.
Percebe-se no trabalho de Improta, portanto, um direcionamento para as análises musicais, em que estas são um fim no qual as questões apontadas ao longo de sua dissertação são
respondidas através da música.
Diferentemente, aqui, a análise apresenta-se como mais um meio através do qual Moacir possa vir a ser compreendido, estabelecendo-se, sempre que possível, relações com o que já
foi apresentado anteriormente. A escolha da música analisada neste trabalho também levou em
conta a escolha de Improta, para que o leque dos ainda escassos estudos sobre Moacir pudesse
ser um pouco mais aberto.
3.2 Análise Musical
3.2.1 A forma musical
Esta música apresenta-se dividida em duas grandes seções, a saber; Seção 1 – ABAC,
Seção 2 - ABACA, sendo que os temas encontram-se distribuídos da seguinte maneira:
Seção 1
Tema A
c. 1 a 6
0’00” - 22”
Tema B
c. 6.4 a 14
0’22” - 42”
Tema A
c. 14.4 a 22
0’42” - 1’03”
Tema C
c. 22.4 a 28
1’03” - 1’18”
69
Seção 2
Tema A
c. 28.4 a 35
1’18” - 1’41”
Tema B
c. 35.4 a 43
1’41” - 2’02”
Tema A
c. 43.4 a 51
2’02” – 2’21”
Tema C
c. 51.4 a 58
2’21” – 2’40”
Tema A
c. 58.4 a 66
2’40” – 3’02”
3.2.2 Características gerais das seções
Seção 1 – c. 1 a 28
Esta seção apresenta três características básicas. A primeira delas, responsável por
grande parte da manutenção do interesse musical durante estes 28 compassos é a apresentação
dos três temas (A, B, C) que compõem esta música, na ordem “ABAC”.
A segunda característica deste trecho, e em parte responsável pela possibilidade de dividir esta música em duas grandes seções, como já exposto acima, é a instrumentação, composta aqui apenas por piano e percussão. Toda a segunda seção lança mão de diferentes formações instrumentais para executar os temas já apresentados. A sucessiva alternância de diferentes instrumentações, empregada claramente como um recurso composicional, que objetiva
manter o interesse nos temas já conhecidos pelo ouvinte, é notada também em outra música
do LP, a “Coisa no 2”. Esta possui apenas dois temas, muito semelhantes entre si, e mantém
grande parte de seu interesse através da sucessão de diferentes recombinações instrumentais
ao longo de seus quase cinco minutos de duração.
70
Por fim, harmonicamente, esta seção é desenvolvida em Dó Maior, e apresenta modulação entre esta tonalidade e a tonalidade de Mi bemol Maior, desenvolvida entre os compassos 24 e 28, no qual a segunda tonalidade é estabelecida definitivamente, tonalidade que será
utilizada até o final da música. Esta é outra característica que contribui para a divisão da música em duas grandes seções. É válido mencionar que em “Coisa no 5” o mesmo recurso é empregado e, de certa forma, também gera uma divisão estrutural na música. Nesta outra “Coisa”, porém, o efeito obtido pela modulação é de maior impacto do que na música aqui analisada, pois, ao contrário da transição harmônica realizada por Moacir em “Coisa no 3”, em “Coisa
no 5” a modulação entre as tonalidades de Ré e Mib é feita de forma abrupta.
Seção 2 – c. 28.4 a 66
Como já mencionado, as duas grandes diferenças entre esta seção e a anterior são a tonalidade, agora estabelecida em Mi bemol Maior, e principalmente a instrumentação. Se a seção anterior havia sido inteiramente executada por piano e percussão apenas, na Seção 2 o
piano deixa de tocar, e à percussão, Moacir Santos acrescenta contrabaixo, guitarra, vibrafone,
trombone-baixo, trompa, saxofones barítono, tenor e alto, trompete e flauta. O grupo instrumental é utilizado em diferentes combinações ao longo desta Seção 2 para reapresentar os três
temas da música, agora já conhecidos pelo ouvinte, na ordem “ABACA”.
3.2.3 Desenvolvimento melódico dos temas
No encarte do Cd Ouro Negro, há a reprodução de um comentário de Moacir Santos
para cada música que integra a coletânea. É assim que Moacir Santos comenta a música "Coisa
no 3":
71
Fui assistir a um filme francês e ouvi, pela primeira vez, o som das ambulâncias de lá. Voltei para casa compondo...82
A menção a este comentário do compositor não é gratuita. Mesmo que não seja possível saber a que filme Moacir Santos se referia, ou mesmo qual exatamente o som das ambulâncias por ele ouvidas, é realmente possível estabelecer certas analogias entre as melodias de
“Coisa no 3” e o som de sirenes, como veremos a seguir.
De modo geral, os três temas têm muitas semelhanças melódicas entre si, além de serem organizados sobre exatamente a mesma estrutura rítmica, como veremos ao analisar a
métrica desta música.
Para a análise do desenvolvimento melódico dos temas, foi tomada como objeto a parte escrita para piano. Esta opção foi feita após comparação entre os mesmos temas não orquestrados e orquestrados, em que ficou claro que as orquestrações realizadas por Moacir Santos não alteravam a estrutura melódica e harmônica dos temas se comparados aos mesmos
temas executados apenas ao piano. Esta opção foi feita também no sentido de simplificar a
visualização da partitura analisada.
Motivo melódico A
O motivo exposto abaixo, aqui denominado “Motivo melódico A” pode ser tomado
como o motivo gerador de praticamente todo o material melódico existente na obra, sendo
ele composto pelo intervalo de 4a Justa descendente, originalmente entre as notas Lá natural
e Mi natural. A estrutura rítmica do motivo é composta por colcheia pontuada e semicolcheia. Nas construções melódicas dos temas que compõem “Coisa no 3”, é invariavelmente
precedido por uma pausa de semínima.
82
SANTOS, Moacir. Ouro Negro. Encarte do CD. Rio de Janeiro. MP,B. 2001.
72
Figura 1 - Motivo melódico A
Tema A (c. 1 - 6)
Este tema possui duas frases, que se repetem por ritornello ao fim do quarto compasso. A primeira das frases é claramente composta por três repetições do “Motivo melódico
A”, sem qualquer alteração, sucedidas por uma inversão do sentido melódico do motivo,
porém, mantendo o intervalo de quarta justa.
A segunda frase é composta por três elementos. Primeiramente, é tocado o próprio
“Motivo melódico A” (Lá-Mi), que em seguida reaparece transposto um semitom abaixo (Lá
bemol-Mi bemol), e por fim, é reduzido ao intervalo de uma terça menor (Mi-Dó sustenido).
O quarto elemento da segunda frase, constituído por dois acordes de oitava, já não apresenta
o “Motivo melódico A”. Apesar deste fato, pouco do caráter da frase é alterado em relação à
frase anterior, podendo inclusive o acorde de oitava ser considerado uma aumentação do
intervalo original presente no “motivo ‘A’”.
É importante mencionar que neste Tema A, junto à melodia, nas vozes graves, são
executados acordes de dominante (V7), organizados em progressão cromática descendente:
Dó-Sib-Mi, Si-Lá-Ré#, Sib-Láb-Ré, Lá-Sol-Dó#, Láb-Solb-Dó, Sol-Fá-Si.
O uso destes acordes tornam a tonalidade do Tema A instável, por não estabelecer claramente o tom de Dó Maior, que será afirmado de forma mais incisiva no Tema B, no qual o
caminho harmônico desenvolvido por Moacir conduz com maior clareza ao acorde de Dó
Maior.
73
Figura 2 – Tema A
----------------------------Frase 1---------------------------Motivo melódico A
inversão
Mot. A
\/
\/
---------
1
Prog. de acordes de V7
Dó7 Si7
Sib7 Lá7
Láb7 Sol7
----------------------------Frase 2 ---------------------------Mot. A
Mot. A
transposto
reduzido
Com relação ao comentário de Moacir Santos reproduzido no início do capítulo sobre esta música, creio ser válida a seguinte colocação: se a inspiração inicial de Moacir foi o
som de uma ambulância que havia escutado, é realmente possível crer que este som tenha
sido traduzido pelo compositor no “Motivo melódico A”. O intervalo de quarta justa, sobretudo repetido três vezes como na “Frase 1”, me parece sim poder ser relacionado com o
som de uma sirene.
Na “Frase 2”, nota-se outro fato interessante. O “Motivo ‘A’”, como já dito, é primeiro apresentado em sua forma inicial, e logo após, transposto um semitom abaixo, e, finalmente, novamente transposto, mas agora seis semitons abaixo da altura original e reduzido ao intervalo de uma terça menor. Esta construção me parece ser claramente uma analogia
musical de Moacir Santos ao “efeito Doppler”, em que se percebe uma alteração descendente
na freqüência sonora de determinada fonte que, após aproximação inicial, se afaste do observador, fato que ocorreria caso esta fonte fosse a sirene de uma ambulância passando em
certa velocidade por um observador.
74
Contribui ainda para que este efeito seja enfatizado, o encadeamento de acordes composto por Moacir neste tema. Ao encadear acordes maiores com sétima menor (V7) por semitons descendentes e exatamente com a mesma relação intervalar entre as três vozes que os
compõem, me parece claro que Moacir buscou outra analogia musical ao “efeito Doppler”, já
encontrado na voz superior, como exposto acima.
Esta colocação sobre a analogia entre o som de uma sirene e elementos musicais
presentes em “Coisa no 3” é válida exclusivamente se levarmos em conta o modo como o
motivo A é desenvolvido no Tema A. Os outros temas, como veremos, são desenvolvidos a
partir deste tema inicial, porém não creio ser possível encontrar outros elementos musicais
que sigam desenvolvendo esta idéia que, segundo o próprio compositor, foi a inspiração
inicial para a composição desta música.
Tema B (c. 6 - 14)
Possui quatro frases, sendo que a primeira e a terceira delas assemelham-se em grande parte com as frases do Tema A. Ambas são compostas exclusivamente com o uso do
“Motivo melódico A”, mantendo inclusive seu intervalo original. Neste tema, porém, a variação ascendente do “Motivo melódico A” não está presente como estava no tema anterior.
A segunda e quarta frases deste Tema B, ambas conclusivas, retrabalham o material
presente no “Motivo melódico A”, alterando seu intervalo original, uma quarta justa, a intervalos de terça e segunda e variando o sentido do movimento melódico, ora ascendentemente, ora descendentemente.
75
Figura 3 – Tema B
--------------Frase 1--------------
-------------------Frase 2----
------
7
-----------Frase 3------------
----------------Frase 4-----------------
Tema C (c. 22 - 28)
Neste tema, Moacir toma as quatro primeiras notas das frases 2 e 4 do Tema B como
material para variação. Intervalos ascendentes e descendentes alternam-se continuamente, e
é totalmente abandonada a repetição do intervalo de quarta justa do “Motivo melódico A”.
Este tema não é dividido em frases como os temas anteriores, sendo que sua única frase é
concluída apenas ao final de seus 6 compassos.
Figura 4 – Material para variação
76
Figura 5 – Tema C
23
Os três temas presentes em “Coisa no 3” têm claramente forte ligação entre si, sendo
resultado de um desenvolvimento temático feito por Moacir. Desenvolvimento semelhante
pode ser percebido em várias outras “Coisas”. “Coisa no 1", “Coisa no 6” e “Coisa no 8” são
músicas que claramente retrabalham elementos melódicos básicos. Mas talvez seja “Coisa no
7” que guarde maior semelhança com a música aqui analisada. A melodia desta obra apresenta, como a de “Coisa no 3”, uma estrutura rítmica recorrente, neste caso baseada em célula
composta pela alternância de uma colcheia e uma semicolcheia, e basicamente por intervalos
de terças menores e segundas menores. Como em “Coisa no 3”, o desenvolvimento temático
de “Coisa no 7” é rigoroso, porém, esta é uma das músicas do LP Coisas que pode se classificar
como sendo um samba jazz, devido a sua estrutura e grande liberdade de execução instrumental, como já dito no subcapítulo 2.4, “Moacir Santos e o samba jazz”, fato que a distancia de
“Coisa no 3”.
3.2.4 O ritmo
A construção rítmica desta obra é realizada com impressionante rigidez composicional,
ao manipular uma variedade mínima de elementos para o desenvolvimento das estruturas rít-
77
micas constituintes desta música. Isto fica claro ao observarmos as estruturas rítmicas compostas para as melodias e para a percussão, que apresentam material muito similar entre si e
pouquíssimas alterações ao longo da música. Esta é, de fato, a característica mais recorrente no
universo das “Coisas”, presentes no LP homônimo, especialmente no que toca a composição
de Moacir para a seção rítmica. Como bem observado por Gabriel Improta em seu estudo, as
“levadas rítmicas” são detalhadamente notadas em partitura por Moacir. Em todas as músicas
do disco, os únicos momentos em que há uma indicação rítmica que deixa o instrumentista
livre para executar a música de acordo com as convenções de gêneros musicais ocorrem em
trechos da “Coisa no 7”, em que há a indicação samba para o baterista.
Há ainda outra característica fundamental no que toca a percepção que se tem ao escutar “Coisa no 3”, e que é também recorrente no universo das “Coisas” de Moacir Santos. Essa
característica diz respeito ao uso, por parte do compositor, de estruturas rítmicas cíclicas que,
sobrepostas, geram certa dubiedade, resultando em um ritmo complexo que pode ser compreendido de múltiplas maneiras. Ao se escutar “Coisa no 3”, por exemplo, podemos percebê-la
como sendo quaternária ou ternária, por mais que tenha sido escrita em 4/4. A sobreposição
de múltiplas estruturas rítmicas, ou “timelines” rítmicas, escritas sobre diferentes métricas, é
responsável por gerar este efeito e é empregada com frequência por Moacir, especialmente em
“Coisa no 4”, “Coisa no 5” e “Coisa no 9”.
A estrutura rítmica da melodia
Ao analisar as estruturas rítmicas que compõem as melodias de “Coisa no 3”, nota-se
de imediato a presença massiva da célula rítmica composta por colcheia pontuada seguida
por semi-colcheia, aqui denominada "Célula rítmica A".
Figura 6 – Célula rítmica A
78
Esta opção pelo uso constante de uma variedade mínima de elementos na estrutura
rítmica não é exclusiva da melodia, como veremos em seguida, e, dentro de um contexto geral
da obra, tem dois resultados imediatos. O primeiro é a unidade aferida a música, gerada pela
constante repetição de padrões rítmicos. Nesse sentido, o "padrão rítmico A", diretamente
derivado da "Célula rítmica A" e usado para a constituição das melodias é o mais utilizado, e o
primeiro a ser apresentado, na introdução.
Figura 7 – Padrão rítmico A
Este padrão é construído sobre dois compassos. Ao longo dos oito tempos notamos a
presença de quatro "Células rítmicas A" intercaladas por intervalos de semínima. O deslocamento deste padrão em uma semínima resulta em anacruse ao primeiro tempo do compasso.
Este fato é significativo, pois todos os temas e frases da música acabam deslocados e iniciam
em anacruse.
Paralelamente à estrutura percebida nas melodias, nota-se outro padrão rítmico importante, executado pelos instrumentos de percussão. Porém, para ser analisado, este padrão precisa ser desmembrado em duas estruturas. A primeira é executada pelo tambor, e denominada
"padrão rítmico B1".
Figura 8 – Padrão rítmico B1
A segunda é executada pelo reco-reco, e denominada "padrão rítmico B2".
79
Figura 9 – Padrão rítmico B2
Do agrupamento destes dois padrões rítmicos, constitui-se a figura musical executada
pela percussão.
Figura 10 – Padrão rítmico da percussão
Esta figura executada pela percussão, sobreposta à melodia, tal como ouvimos assim
que o primeiro compasso da música é executado, repete-se por toda a música, e a acentuação
presente na “Célula rítmica ‘A’”, na primeira e quarta semicolcheias do segundo e quarto tempos, acaba por ser enfatizada quando as diferentes linhas são executadas pelos instrumentos.
Figura 11 – Padrão rítmico da percussão com melodia e acompanhamento (Tema A)
Outro fato importante deve ser mencionado neste momento. Estas acentuações rítmicas impostas por Moacir Santos evitam constantemente os tempos "fortes" do compasso
80
(primeiro e terceiro tempos), que em pouquíssimos momentos são tocados. Para exemplificar
isto, segue trecho extraído dos compassos 45 - 46:
Figura 12
45
Associado a esta ausência de acentuações nos tempo fortes, as frases musicais iniciamse todas em anacruse, no quarto tempo do compasso anterior. Em última análise, esta combinação de fatores leva à certa ambigüidade a respeito da métrica utilizada por Moacir nesta música e leva-nos a ouvir a última semicolcheia de cada compasso, que é acentuada, como o tempo forte da música.
81
A conclusão das frases dá-se em geral na última semicolcheia do compasso, e gera a
impressão de ser esta semicolcheia, na verdade, o primeiro tempo do compasso seguinte. As
colcheias pontuadas que se encontram nos tempos 2 e 4 acabam por soar como anacruses para
as semicolcheias, portanto. A figura a seguir busca exemplificar este fato. O trecho é extraído
propositalmente do final da música, e a conclusão ocorre, como descrito acima, na última semicolcheia do compasso.
Figura 13
64
3.2.5 Instrumentação
Seção 1
Temas A, B, A, C – c. 1 ao c. 28.3
Piano e percussão (reco-reco e tambor)
82
A percussão aqui, e por toda a música, executa exatamente a mesma célula musical. O
piano é responsável pela execução, nos três temas, das vozes que serão posteriormente distribuídas aos outros instrumentos na Seção 2, quando o próprio piano sairá de cena, basicamente
mantendo-se as relações rítmico-harmônicas estabelecidas na Seção 1.
Seção 2
Tema A – c. 28.4 a 35
Trompete, Sax Alto, Sax Tenor, Sax Barítono, Trompa, Vibrafone, Guitarra,
Contrabaixo, Percussão e Trombone Baixo (c. 32 a 35)
Neste ponto a música já está quase em sua metade, e a surpresa pela presença da massa
instrumental que surge sem que se espere é de grande impacto, e a primeira característica marcante que merece menção com relação à Seção 2. Ritmicamente, o tema A é executado, exatamente como havia sido apresentado ao piano anteriormente. Harmonicamente difere na
tonalidade, de Mi Bemol Maior, como já dito. Porém, as relações harmônicas permanecem as
mesmas com relação aos momentos anteriores em que este tema foi executado. A instrumentação é, portanto, realizada em bloco uniforme composto por Trompete, Sax Alto, Sax Tenor,
Sax Barítono, Trompa e Contrabaixo tocam em bloco no tema A, sendo que ao trompete cabe
a voz superior e aos outros instrumentos as vozes que completam a condução harmônica. Figura 14 – Tema A
29
83
Ao vibrafone cabe a execução da conclusão da frase, em que o “Motivo melódico A”
aparece invertido. À guitarra cabe a afirmação do acorde de dominante ao fim de cada frase.
Figura 15
29
Nos compassos 34 e 35, é executada transição ao tema B, de modo semelhante ao que
havia ocorrido na exposição do tema ao piano, nos compassos 5 e 6.
Figura 16 – Transição entre Tema A e Tema B
34
84
Figura 17 – Transição entre Tema A e Tema B na Seção 1
5
Tema B – c. 35.4 a 43
Trompete, Sax Alto, Sax Tenor, Sax Barítono, Trompa, Trombone Baixo,
Contrabaixo e Percussão.
O tema B é executado de forma significativamente diferente do que havia sido tocado
ao piano. A melodia fica a cargo do Trompete, e nas duas primeiras frases do tema, o bloco
formado por Sax Alto, Sax Tenor, Sax Barítono, Trompa, Trombone Baixo e Contrabaixo ora
responde à melodia, ora pontua ou reforça a harmonia executada. A construção de diferentes
linhas musicais que, executadas simultaneamente funcionam de forma complementar, como
em estrutura de “pergunta” e “resposta”, é outra das características marcantes de boa parte das
“Coisas”, especialmente “Coisa no 1”, “Coisa no 6” e “Coisa no 8”.
Figura 18 – Tema B na Seção 2 de “Coisa no 3”
Melodia executada ao trompete
36
Respostas à melodia
Reforço à textura
85
Nas duas últimas frases do tema B, a Trompa ganha destaque ao executar um contracanto na terceira frase, e enfatizar a quarta e última frase.
Sax Alto, Sax Tenor, Sax Barítono, Trombone Baixo e Contrabaixo concluem o tema
de forma pontual após o fim da última frase.
Figura 19 –Tema B – Frases 3 e 4
40
Contracanto
Contraponto
Para melhor exemplificar a discussão acerca das modificações aplicadas ao Tema B,
segue abaixo o mesmo tema como executado na Seção 1 da música. Note-se a diferença entre
o acompanhamento apresentado neste trecho e o acompanhamento executado na Seção 2 da
música, exposto acima:
Figura 20 – Tema B na Seção 1 de “Coisa no 3”
7
86
Tema A – c. 43.4 a 51
Trompete, Sax Alto, Sax Tenor, Sax Barítono, Trompa, Vibrafone, Guitarra,
Contrabaixo, Percussão e Trombone Baixo (c. 50 e 51)
A única diferença existente na execução deste tema com relação à sua execução anterior, é relativa a sua quarta frase, que apresentava anteriormente ponte ao tema B e agora apenas
tem seu sentido melódico alterado.
Figura 21 – Mudança de sentido melódico no fim do Tema A
50
Tema C – c. 51.4 a 58
Flauta, Vibrafone, Guitarra e Percussão. *Sax Barítono, Trompa, Vibrafone,
Guitarra e Contrabaixo (c. 57/58)
Este tema é o que possui a menor instrumentação nesta segunda seção da música. Pela
primeira vez a flauta toca nesta música, executando a melodia em uníssono com o vibrafone.
A guitarra acompanha a ambos executando frases que remetem ao baixo do tema C executado
pelo piano na primeira seção da música. Porém, executa-as de forma livre rítmica e “melodicamente”, quase como em um improviso, seguindo apenas a indicação dos acordes a serem
tocados, notados na partitura.
87
Figura 22 – Indicações harmônicas para a guitarra no Tema C
53
A execução da guitarra neste trecho acima, que se pode ouvir em Coisas, faz menção ao
baixo escrito e executado ao piano no mesmo Tema C, da Seção 1 de “Coisa no 3”.
Figura 23 – Tema C na Seção 1
23
* Note-se o baixo, semelhante a execução da guitarra na Seção 2
Tema A – c. 58.4 a 66
Flauta, Trompete, Sax Alto, Sax Tenor, Sax Barítono, Trompa, Vibrafone, Guitarra, Contrabaixo, Percussão e Trombone Baixo (c. 65 e 66)
Novamente, o tema A é executado sem maiores alterações com relação ao que havia
ocorrido anteriormente. E mais uma vez, a diferença entre esta execução do tema e as outras
está em seu final, que ganha pela primeira vez contorno melódico descendente, conclusivo.
88
Figura 24 – Mudança no sentido melódico do Tema A final
Sentido melódico final descendente
63
\/
3.3 Conclusão
A análise de “Coisa no 3” deixa claro o controle composicional que Moacir Santos dispensou a esta música. Chama atenção, sobretudo, a maneira como os temas foram desenvolvidos a partir de um pequeno elemento musical, composto pela associação dos aqui denominados “Motivo melódico A” e “Célula rítmica A”.
A possibilidade de se identificar os processos através dos quais o compositor chegou a
estruturação definitiva desta música, tendo como material básico estes elementos, é uma característica que certamente possibilita aproximar o compositor do universo erudito. Neste sentido, vale mencionar o trabalho de Gabriel Improta, que ressalta a importância, nesta série de
“Coisas” da notação em partitura, que afere a estas músicas o “status de obra acabada”, e que
associada ao “fato de serem numeradas de 1 a 10” as aproxima do universo erudito.
89
Não se trata aqui de tentar classificar esta obra ou mesmo o trabalho de Moacir como
eruditos, porém, parece clara a presença de elementos que advém de seus estudos formais
realizados no Rio de Janeiro.
É importante também deixar claro que a análise de uma música apenas não pretende e
nem poderia esgotar as possibilidades de análise do disco Coisas, muito menos da obra de Moacir Santos. Espera-se apenas que esta análise tenha tocado em aspectos importantes presentes
nesta obra, e que possa ser tomada como objeto para compreensão de parte da musicalidade
de Moacir Santos, em especial ao ser relacionada com outras das obras que compõem o universo musical das dez “Coisas”.
Para que se possa, ainda, afirmar com convicção que Coisas seria mesmo uma síntese
do pensamento musical de Moacir Santos, seria fundamental a análise de alguns de seus arranjos feitos para a Orquestra da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em que procedimentos de
escrita musical presentes em Coisas fossem identificados nestas obras. Porém, com a presente
análise, associada a leitura das três análises desenvolvidas por Gabriel Improta em seu estudo,
é possível ter uma idéia da variedade dos recursos já dominados por Moacir e empregados nas
músicas em questão.
90
CAPÍTULO 4
CONCLUSÃO
A escolha de Coisas como objeto de estudo, deu-se, como já dito, em especial pela possibilidade de poder entender o disco como obra-síntese em que características fundamentais da
composição de Moacir Santos estariam expressas. Esta crença é reforçada pelo fato de Coisas
ter sido o primeiro disco lançado por Moacir. Alguns fatos se apresentaram e contribuíram
para a sustentação desta afirmação.
Talvez o fato mais relevante tenha sido a identificação de algumas das “Coisas” em
filmes para os quais Moacir Santos compôs trilhas musicais. A atividade do compositor ligada
ao cinema se mostrou importante também devido ao fato de ter sido a composição da trilha de
Amor no Pacífico, que levou Moacir pela primeira vez aos Estados Unidos, onde viria a morar
até seu falecimento. Neste país, inclusive, Moacir seguiu trabalhando como compositor de
trilhas sonoras.
Outra atividade que se mostrou extremamente intensa, e que certamente serviu para
que Moacir demonstrasse tamanha maturidade e caráter autoral em seu disco de estréia, foi a
exercida por 14 anos como maestro e arranjador da Orquestra da Rádio Nacional. O número
expressivo de quase quatrocentos arranjos escritos por Moacir, constantes no catálogo do acervo da rádio, dão uma pequena idéia do volume de trabalho por ele realizado. Da mesma
forma, o volume dos estudos que realizou, posteriormente, associado à transmissão de seu
91
conhecimento a inúmeros alunos, parecem ter contribuído para que o LP Coisas demonstrasse
tamanha riqueza e personalidade musical.
Definitivamente, o LP Coisas se afirma como um marco, que por um lado diversas atividades exercidas anteriormente pelo compositor colaboraram para construir, mas por outro,
parece afirmar as dificuldades enfrentadas por um músico que, apesar de tamanho conhecimento, de se relacionar com tantos artistas relativamente influentes e com considerável maturidade musical, lançou seu primeiro disco apenas aos 39 anos de idade.
Foi o primeiro e único disco lançado por Moacir Santos no Brasil. E é um marco, assim como o ano de 1967, dois anos após o lançamento de Coisas, é outro marco, em que estão
gravados os nomes de tantos que, assim como Moacir Santos, escolheram os Estados Unidos
como um campo de trabalho em que pudessem ter as condições mínimas para se estabelecer.
Neste sentido, faz-se importante ressaltar mais uma vez o valor daqueles que optaram
naquele momento pelo direito de produzir suas obras sem abdicar de suas personalidades.
Músicos que, se não obtiveram um retumbante sucesso comercial, e não conseguiram se sustentar em um mercado musical massacrante, certamente buscaram sempre a maior qualidade
artística possível, e uma expressão pessoal em seus trabalhos. Certamente, apesar dos “insucessos” enfrentados por eles, produziram obras que merecem ser lembradas e receber seu
devido valor, mesmo que de forma tardia.
Por fim, afirmo que o estudo de Coisas não pretendeu em momento algum, e nem poderia, esgotar a análise a respeito da obra de Moacir Santos. Há ainda muitos aspectos relativos
à produção de Moacir que podem ser aprofundados em estudos futuros como, por exemplo:
sua atuação como maestro e arranjador da Orquestra da Rádio Nacional em que, ao longo de
dezesseis anos, produziu cerca de 400 arranjos; sua atividade de professor, que iniciou-se no
Rio de Janeiro, onde deu aula a inúmeros músicos que viriam a ser renomados nacionalmente,
atividade que continuou exercendo até o fim de sua vida; a diversidade de sua produção realizada nos Estados Unidos, seus quatro discos lançados, os arranjos que fez para outros artistas,
92
as regravações de suas músicas, sua atuação como compositor de trilhas sonoras, creditado ou
como “compositor-fantasma”; e, por fim, o próprio disco Coisas ainda oferece múltiplas e ricas
possibilidades de análise histórica e musical, através das quais questões relativas à produção do
compositor e a própria produção musical brasileira da época podem ser discutidas.
93
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SOUZA, Tárik de. De volta às melhores coisas da vida. Rio de Janeiro : O Globo. 2004
SUKMAN, Hugo. In: Cancioneiro Moacir Santos, COISAS. Rio de Janeiro: Jobim Music,
2005. p.17.
TAGG, Philip. Analysing popular music: theory, method and practice. 1982, In Philip
Tagg Home Page. Disponível em: <http://tagg.org/articles/pm2anal.html Acesso em 16 jan.
2007>
_________. Para que serve um musema. Conferência apresentada ao V Congresso da IASPM-LA. Rio de Janeiro, 2004.
96
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. São Paulo: Companhia das Letras 1989.
<Recordplant.com>
2. Discográficas
ADNET, Muiza. As canções de Moacir Santos. Rio de Janeiro: Adnet Música, 200. 1 CD.
(ca. 58 min).
CARDOSO, Elizete. Elizete interpreta Vinícius. Rio de Janeiro: Festa, 1958. 2 LP (ca. 32
min).
________. Elizete sobe o morro. Rio de Janeiro: Copacabana, 1965. 1 LP (ca.15 min).
LEÃO, Nara. Nara. Rio de Janeiro: Elenco, 1964. 1 LP (ca. 35 min).
MACHADO, Édison. É samba novo. Rio de Janeiro: Columbia, 1963. 1 LP (ca. 29 min).
MENDES, Sérgio. Você ainda não ouviu nada! Rio de Janeiro: Philips, 1964. 1 LP (ca. 30
min).
MOACIR SANTOS. Coisas. Rio de Janeiro: Forma, 1965. 1 LP (ca. 32 min).
________. The Maestro. EUA: Blue Note, 1972. 1 LP (ca. 37 min).
________. Saudade. EUA: Blue Note, 1974. 1 LP (ca. 36 min).
________. Carnival of Spirits. EUA: Blue Note, 1975. 1 LP (ca. 32 min).
________. Nanã. (ca. 2 min) in: Escrava Isaura. Rio de Janeiro: Rede Globo, 1976. 1 LP (ca.
18 min).
________. Opus 3, nº1. EUA: Discovery, 1979. 1 LP (ca. 34 min).
________. Ouro negro. São Paulo: MP,B, 2001. 2 CDs
________. Coisas. Rio de Janeiro: Universal, 2004. 1 CD (ca. 32 min).
________. Choros e alegria. Rio de Janeiro: MP,B, 2005. 1 CD. (ca. 58 min).
________. Ouro negro. Rio de Janeiro: Universal, 2005. 1 DVD
97
POWELL, Baden. Baden Powell swings with Jimmy Pratt. Rio de Janeiro: Elenco, 1962. 1
LP (ca. 25 min).
POWELL, Baden; MORAES, Vinícius de. Os afro-sambas. Rio de Janeiro: Elenco, 1962. 1
LP (ca. 32 min).
3. Filmográficas
A GRANDE CIDADE. Direção: Carlos Diegues. Produção: Carlos Diegues. Roteiro: Carlos
Diegues, Leopoldo Serran, Rubem Rocha Filho. Direção Musical: Moacir Santos. Intérpretes:
Leonardo Villar, Anecy Rocha, Antônio Pitanga e outros. 85 min. Brasil, 1966.
ÁFRICA ERÓTICA (JUNGLE EROTIC, HAPPENING IN AFRICA). Direção: Zygmunt
Sulistrowski. Produção: Zygmunt Sulistrowski. Roteiro: Jordan Arthur Deutsch, Zygmunt
Sulistrowski. Música: Moacir Santos, Enrico Simonetti, Zygmunt Sulistrowski. Intérpretes:
Darr Poran, Carrie Rochelle, Alice Marie, Pierre Chapel e outros. EUA, 1970.
AMOR NO PACÍFICO. Direção: Zygmunt Sulistrowski. Produção: Zygmunt Sulistrowski.
Roteiro: Zygmunt Sulistrowski. Música: Moacir Santos. Intérpretes: Olivia Pineschi e outros.
90 min. EUA, 1970.
FINAL JUSTICE. Direção: Gleydon Clark. Produção: Arista Films. Roteiro: Gleydon Clark..
Música: David Bell, Bill Scott, Moacir Santos (Carnival Music). Intérpretes: Joe Don Baker,
Rossano Brazzi, Venantino Venantini, Joe Quattromani e outros. 90 min. EUA, 1964.
GANGA ZUMBA. Direção: Carlos Diegues. Produção: Carlos Diegues. Roteiro: Carlos Diegues, Leopoldo Serran, Rubem Rocha Filho. Música: Moacir Santos. Intérpretes: Jorge Coutinho, Léa Garcia, Cartola, Teresa Rachel, Luíza Maranhão, Antônio Pitanga, Eliezer Gomes e
outros. 100 min. Brasil, 1964.
O BEIJO. Direção: Flávio Tambellini. Produção: Flávio Tambellini. Roteiro: Glauco Couto,
Nelson Rodrigues (Peça de teatro). Música: Moacir Santos. Intérpretes: Xandó Batista, Norma
Blum, Jorge Dória, Eliezer Gomes e outros. 78 min. Brasil, 1964.
O SANTO MÓDICO. Direção: Robert Mazoyer. Roteiro: José Ferreira, Jacques Viot. Música:
Antônio Carlos Jobim, Luís Bonfá, Moacir Santos. Intérpretes: Irene Borinski, Edgard Carvalho, Heitor Dias, Jorge dos Santos e outros. Brasil, 1964.
98
OS FUZIS. Direção: Ruy Guerra. Produção: Jarbas Barbosa. Roteiro: Ruy Guerra, Pierre Pelegri. Música: Moacir Santos. Intérpretes: Nelson Xavier, Paulo César Peréio, Hugo Carvana e
outros. 80 min. Brasil, 1964.
SEARA VERMELHA. Direção: Alberto D’Aversa. Produção: Proa Filmes. Roteiro: Jorge
Amado (Romance). Música: Moacir Santos. Intérpretes: Nelson Xavier, Sadi Cabral, Marilda
Alves e outros. Brasil, 1964.
SOUZA, Raul de. Entrevista. Curitiba, 2007. Concedida a João Marcelo Gomes em
30/01/2007 durante a XXV Oficina de Música de Curitiba. Áudio e vídeo.
99
ANEXOS
1. Partitura de “Coisa no 3”
2. CD Anexo: Índice de faixas
1.
Coisa no 3
100
Partitura de “Coisa no 3”
Livros Grátis
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