IMBRICAMENTOS ENTRE O FILME “LARANJA MECÂNICA” E A TEORIA DO BEHAVIORISMO Tell me and I forget, Teach me and I remember Involve me and I learn. Chinese Poverb Analisando o percurso vital do protagonista de “A laranja Mecânica”, Alex, é possível estabelecer uma analogia entre as raízes do tratamento o qual foi submetido e os pressupostos da teoria behaviorista. Por meio de imagens extremamente fortes e violentas, em “A laranja Mecânica” é traçado o perfil de uma personagem conturbada, corrompida e decadente na pessoa do protagonista Alex. Vivendo num ambiente caótico e sombrio, Alex e seu bando saem pelas madrugadas usando alucinógenos, espancando mendigos idosos e violentado mulheres, entre outros desatinos. Ocorre que numa de suas investidas, o bando comete um homicídio, o que leva o líder ,Alex, para uma casa de detenção e, dali, para um programa de reeducação manipulado por um político astuto. O programa visava afastar o jovem de tudo aquilo que até então o excitava - sexo e violência - e obrigava-o a assistir a cenas em que esses conteúdos estão presentes. A reação de Alex, ao invés de ser de alegria, é de profundo mal-estar, uma vez que os reeducadores o mantém sob o efeito de drogas que provocam náuseas e vômitos. O fundamento desse programa é a teoria do condicionamento, elaborada pelo fisiologista russo I. Pavlov no início do século XX e desenvolvida mais tarde por J. B. Watson e B. F. Skinner, psicólogos norte-americanos que criaram o paradigma comportamentalista na Psicologia, rotineiramente conhecida como teoria behaviorista. Dentre seus críticos, Thordike postulou que “pelo condicionamento, respostas específicas venham a se ligar com estímulos específicos”. Estímulos agradáveis - no caso de Alex, sexo e violência - são associados a respostas desagradáveis, como as que são induzidas no organismo do rapaz pelos fármacos. As imagens e a reação física se associam de tal maneira que mais tarde, mesmo sem a ação das drogas, Alex irá sentir-se mal sempre que presenciar atos de conotação violenta e/ou sexual. Destarte, apreende-se do filme que os fármacos especialistas submeteram Alex a uma análise experimental que corresponde ao método de trabalho de pesquisa do teórico behaviorista Honing.Nota-se que aqueles utilizaram-se dos seguintes aspectos da análise experimental horningiana: estudo intensivo do comportamento do indivíduo; controle escrito do ambiente experimental; uso de uma resposta repetitiva que produz um efeito imediato no ambiente; meios eficazes de controle do comportamento do sujeito; observação e registro contínuo do comportamento e, por fim, programação de estímulos e registro de eventos automáticos. Em “A Laranja Mecânica” temos um excelente exemplo de como utilizar certos conhecimentos da Psicologia para o exercício do controle social. No filme, os cientistas reeducadores aplicam a punição que o espectador almeja desde os momentos iniciais do espetáculo. Talvez pudéssemos fazer o mesmo com todos os delinqüentes que assombram as noites das nossas cidades. Destruiríamos seu ímpeto agressivo e garantiríamos a tranqüilidade das famílias e dos mais fracos, preservando a ordem social. Compartilhando da análise experimental behaviorista, Mosterin tece uma metáfora na qual compara pescadores à cientistas reeducadores, e as redes daqueles com as teorias destes, enfatizando o trabalho de tentativa de ambos para o aprisionamento do objeto que no caso de um pescador é um peixe; de um cientista reeducador é o paciente e em “A laranja Mecânica é Alex. Parece-me, contudo, que o desfecho de “A laranja Mecânica” e o resultado final do tratamento de Alex sugerem uma crítica negativa à validade da ligação S-R behaviorista. Uma vez que, no momento em que Alex, em recuperação no hospital, recebe a visita do político astucioso que comandou a experiência de condicionamento com o intuito de utilizá-la para fins eleitorais, como se fosse a solução para a violência imperante na sociedade. Dada a repercussão negativa do caso diante da opinião pública, o político propõe então que Alex aceite se tornar seu garoto-propaganda. Abraçado ao político, o rapaz acena para os jornalistas, sorri de modo sarcástico enquanto tem um devaneio: imagina-se fazendo sexo com uma mulher em um cenário paradisíaco, cercado de nuvens tênues, emoldurado por gentlemen e ladies que o admiram. Ora o ex-líder de gang se tornou, também, um político astucioso, um homem que sabe domesticar sua sexualidade e agressividade, fato que comprova a validade do behaviorismo. Contudo, seu sorriso hipócrita nos diz que no fundo ele continua o mesmo, capaz de cometer as mesmas atrocidades, apenas que agora o fará de modo a ser aceito nos ambientes mais sofisticados da sociedade. Eis, então a laranja mecânica! Um jovem aparentemente reeducado, mas que interiormente está condicionado à responder mecanicamente aos estímulos externos. Destarte, o Alex condicionado não corresponde à figura de um cidadão hipotetizado pelo astuto político, pois ainda no seu interior residia a podridão mundana passada.Eis a laranja, mas, apodrecida nos recônditos de seus gomos. _______________ 1 “Diga-me e eu me esqueço Ensina-me e eu me lembro, Envolva-me e eu aprendo.” Provérbio chinês