Projetos de colonização no Norte do Rio Grande do Sul – Século XIX Breno Antônio Sponchiado* (URI, Brasil) Projetos de Colonização por parte de Particulares. Entre outras tentativas e projetos levado a efeito (Luce Roca, ICA, Dhane, Conceição & Cia. Ltda,...), aqui vamos nos ater sobre o interesse que agentes e empresários alemães tiveram sobre a região. Por 1887, escrevia Evaristo Affonso de Castro, conhecedor da região missioneira: “Temos fundadas esperanças de que a colonização do Uruguai se realizará num futuro próximo; porque a Sociedade de Geografia Comercial de Berlim tem tomado interesse em que a idéia se traduza num fato. O incansável propugnador de nossos interesses e progresso, o Sr. Carlos von Koseritz, não se descuida um só momento de ativar os meios de que podem trazer-nos os melhoramentos materiais e intelectuais, e em Berlim, onde atualmente se acha, impulsiona e procura conseguir os meios para que a colonização alemã se estenda pelas margens do Uruguai e muito tem já conseguido para este 1 fim”. Outro apaixonado pela região do Alto Uruguai foi o nosso já citado Eng. Maximiliano 2 Beschoren – alemão naturalizado brasileiro. Em 1879 fechou contrato com a Câmara de Palmeira, para uma viagem de estudos pela selva até o Rio Uruguai, a fim de procurar um caminho que tornasse mais próxima a região com a Província vizinha do Paraná. Após 36 dias de internação no mato, prestou àquela Casa um resumo dos dados colhidos na exploração e abertura da Picada – que teve uma extensão de 38 km e 330m. No Relatório, apresenta seu ponto de vista de como tirar melhor proveito de seu trabalho. “O município de Santo Antônio da Palmeira precisa para a sua futura prosperidade de dois motores: desenvolvimento da agricultura e colonização do sertão do rio Uruguai e de estradas que facilitem a 3 comunicação com a Província do Paraná”. Para o engenheiro, a Câmara deveria requerer o patrimônio de toda a picada, tendo 1/4 de légua para cada lado, e, depois de dividida em lotes coloniais de 300 metros de frente distribuir a quem quiser estabelecer-se neles. * Doutorando em História pela PUCRS. Professor do Departamento de Ciências Humanas da URI-Campus de Frederico Westphalen. O presente texto é uma parte do Projeto de Pesquisa para o Doutorado. 1 CASTRO. Evaristo Affonso de. Notícia Descritiva da Região Missioneira. Cruz Alta, Tipografia do Comercial, 1887, p. 299. 2 Impressões de Viagem na Província do Rio Grande do Sul. Do original “Beiträge... (1875-1887) de Maximiliano Beschoren. Org. Júlia Schütz Teixeira. Martins Livreiro, Porto Alegre, 1989. Aqui p. 51. Este vulto singular - no dizer de A. Barreto - pode ser considerado um grande amigo da região Norte do RS, haja vista tê-lo palmilhado por diversas vezes, em medições e pesquisas. Foi um entusiasta propagandista da sua colonização, profetizando seu futuro promissor. Suas obras, ricas em observações sobre o RS, encontram-se em Bibliografia Sul-Riograndense, de BARRETO, Abeillard. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1975, vol. 1, p. 132-137. 3 CASTRO, op. cit. p. 323. Mas em se tratando de empreendimentos particulares de colonização merece menção a 4 atuação de Herrmann Meyer – ou melhor de sua equipe. Seus empenhos frutificaram - pelo menos - na colonização de Xingu, Boi Preto, Panambi, parte de Condor e Erval seco. Por ser uma experiência ainda não suficientemente tratada pela historiografia, cabe algumas considerações a respeito de colonização de Xingu, que fica dentro da área que nos propomos analisar. Cabe aqui perscrutar das reais motivações que estavam em jogo. A gleba da Colônia Xingu foi a primeira aquisição que Meyer fez no Estado, através de seu agente Carlos Dhein, sediado em Cruz Alta. O nome Xingu deve-se foi dada por este em homenagem a lembrança à região do Mato Grosso, para onde fizera três expedições. A compra se efetivou em novembro de 1897, sendo vendedora a viúva Maria Rita do Espírito Santo. A carta em que Dhein noticia seu chefe da aquisição nos é reveladora: (...) de Palmeira fui seguindo a estrada que vai para o Paraná, nas margens do rio da Várzea, ali onde foi planejada para passar a estrada de ferro. (...) Ali comprei uma posse de uma senhora por 15.500 mil réis. (...) A escritura dessas Terras foi feita em seu nome. A área é de 18.182.812 m2. Conforme os preços das terras praticados por aí, a área comprada parece cara. Mas é que não podia esperar mais. Minha casa já está sendo assediada de interessados compradores. Se eu começar a vender os lotes coloniais, já haverá retorno do dinheiro. Prometi vender as primeiras colônias por 700 mil réis. E quando tiver vendido de 10 a 15 colônias, pretendo aumentar o preço para 1.000 mil réis, subindo depois gradativamente. (...) Pretendo mandar dividir as terras em lotes de 48 hectares. Vai dar umas 40 colônias. Em volta dessa área ainda existem terras particulares e para alguns já fiz proposta de compara. Mas aquela gente ainda não quer vender à primeira vista. Mas eu agora tenho tempo. Posso pressioná-los, tomar chimarrão com eles e fazer propostas. (...) Por enquanto nem vou divulgar tanto, até que eu disponha de algumas centenas de colônias. (...) Investi meu dinheiro todo em animais: mulas, cavalos e outras coisas necessárias para tocas os nossos negócios. Pretendo reaver 5 esse dinheiro e comprar terras”. Estas linhas são suficientes para revelar que as transações de terras tinham um objetivo precipuamente financeiro. Ou teria alguma filantropia? Ou um patriotismo germânico? Ou, ainda, um misticismo ou espírito exótico? Pois, se sabe, que ambos os empresários tinham um gosto acentuado por coisas “exóticas”. Na mesma carta em parte transcrita, Dhein, informa Meyer que depois da 4 Herrmann Meyer nasceu em 1871 em Hidburghausen, Alemanha. Seu avô fundara na cidade Gotha um periódico que evoluiu no Instituto Bibliográfico, onde destaca-se uma enciclopédia de projeção universal. Além do tino comercial, Herrmann detinha pendor a pesquisas sobre povos aborígenes primitivos. Daí sua vinda ao Brasil em 1896, passando por Porto Alegre, seguindo para Pinhal (próximo a Santa Maria) para contratar Carlos Dhein para seu capataz em sua planejada expedição às cabeceiras do Rio Xingu, com o objetivo de pesquisas geológicas, botânicas, zoológicas e etnográficas. Neste encontro nasceu o plano de montarem um empresa colonizadora no sul do Brasil. Esteve visitando suas posses em Panambi em 1898 e 1900. Interessante anotar que Meyer em 1900 rescindiu o contrato da Sociedade de Capital e Indústria que fizera em 1898 com Dhein. O prof. Lietzig – profundo conhecedor do assunto e responsável pelo arquivo histórico do município de Panambi - nos confidenciou que a motivação teria sido o mau gerenciamento do dinheiro por Dhein, o que o levou a apossar-se da casa da empresa na Colônia Xingu. 5 Carta de 17.11.1897, de Cruz Alta para Dr. Herrmann Meyer. Anais do Arquivo Histórico. Nº 152, tradução de Eugen Leitzke – diretor do Museu Municipal de Panambi, onde se encontra farta documentação derivada do Escritório de Meyer. A série de cartas em questão são muito elucidativas para entender os reais interesses em jogo nestas negociatas de terras. próxima viagem mandaria notícias dos “índios coroados” – Kaingáng – seus vizinhos na Colônia em fundação. Da mesma forma, informa que estava encaminhando um texto de seu diário na expedição 6 ao Xingu – MT. Seria publicado no Almanaque Kozeritz (novamente este nome) . No que se refere à Colônia Xingu, importa dizer que seu desenvolvimento foi um tanto moroso e sem muita expressão, “talvez porque em fins de 1897 e começo de 1898, Carlos Dhein ainda sonhava com núcleos de colonização na costa do Uruguai” e, também porque a partir deste ano os parceiros viriam a concentrar sua atenção na área da futura Neu-Wuerttemberg – Panambi. Cabe recordar, outrossim, que Dhein se equivoca ao achar que a estrada de ferro fosse passar próxima à sua gleba. 6 Trata-se do Koseritz Deutscher Volskalender, de Porto Alegre, o histórico foi publicado na edição de 1898. Leitzke traduziu-o e publicou em periódico de Panambi.