Autores: alunos do 2º período de História da UNIFAN

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Caderno Discente do Instituto Superior de Educação – Ano 2, n. 2 – Aparecida de Goiânia – 2008
RAINHA CLEÓPATRA: HISTÓRIA E MITO PELA CINEMATOGRAFIA
CONTEMPORÂNEA
Apoliana Pereira da Silva,
Iracir Holanda de Freitas Roque,
Michelle Souza de Jesus Oliveira e
Rodrigo de Oliveira
O objetivo desse ensaio é analisar o modo como Cleópatra, a célebre rainha do Egito,
foi representada na superprodução cinematográfica que leva seu nome, produzido por
Hollywood em 1963, tendo Elizabeth Taylor como protagonista, a partir da problemática da
utilização do audiovisual no ensino de História. Para tanto, comparou-se alguns dados
estabelecidos pela historiografia com suas respectivas interpretações cênicas, presentes no
filme.
Estudar a forma como a imagem de Rainha Cleópatra foi construída por meio do
cinema, comparando-a com dados estabelecidos pela historiografia, significa conceber-se sua
história, sua trajetória pessoal e feitos políticos, e sua transformação em mito no mundo
moderno, a partir de sua imagem como símbolo de mulher forte e emancipada. Isso requer a
compreensão dos feitos heróicos de uma mulher que tentou conquistar aliados de grande
“força e poder”, ao pretender unificar Roma e Egito.
Cleópatra foi e continua sendo um dos maiores mitos femininos da História. Seus
relacionamentos amorosos e sua morte tornaram-se lendários e, ao longo dos tempos, inspirou
muitos artistas. Sua morte foi retratada em diversos quadros, com os de Reginald Arthur, John
Willian Waterhouse e outros. Na literatura, o destaque é Antônio e Cleópatra, de Willian
Shakespeare. No cinema, o filme mais conhecido sobre Cleópatra é, sem dúvida, a versão de
1963, realizado por Joseph L. Mankiewicz e protagonizado pela atriz Elizabeth Taylor. A
magnitude dos cenários e a própria protagonista, fizeram do filme o mais caro da época,
custando cerca de 44 milhões de dólares, vivificando o mito. Cleópatra uma rainha que usava
de sua capacidade intelectual e sua beleza para conseguir o que queria. É preciso compreender
sua trajetória para entender de quê o mito se alimenta.
Cleópatra VII era de descendência dos reis gregos que se estabeleceram no Egito, por
meio das conquistas do macedônio Alexandre Magno. No ano 323 a. C., com a morte de
Alexandre, um de seus generais, Ptolomeu, instaurou sua dinastia na terra dos faraós, fazendo
de Alexandria a mais importante cidade de sua época.

Acadêmicos do 2º período do curso de História da Faculdade Alfredo Nasser, no semestre letivo 2008/2, sob
orientação do Prof. Dr. Ademir Luiz da Silva.
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O historiador grego Plutarco definiu 69 a. C. como o ano de nascimento de Cleópatra.
Seu pai foi o faraó Ptolomeu XII e sua mãe Cleópatra VI. Eles, provavelmente, eram irmãos.
Sua irmã mais velha chamava-se Berenice IV e a mais nova Arsinoe. Tinha dois irmãos,
Ptolomeu XIII e Ptolomeu XVI. Cogita-se que Cleópatra seria uma filha bastarda. O nome
Cleópatra significa “glória do pai”. Cleópatra teve uma educação primorosa e falava um total
de nove línguas. Dentre elas o aramaico, hebreu, etíope e latim. Foi a única de sua dinastia a
dominar idioma egípcio antigo.
Fica evidente em relatos cronísticos o quanto a rainha era apaixonada pelo saber. Em
um conflito entre egípcios e romanos, ocorreu um incêndio na biblioteca de Alexandria, o que
a deixou profundamente magoada. Com sua excelente educação e inteligência não foi difícil
para que ela pudesse manipular personagens importantes da sua época, com o objetivo de
manter o Egito como um estado independente. Na política, Cleópatra tirava proveito do dia a
dia na corte, observando as decisões de seu pai. Testemunhou seu reinado atribulado.
Ptolomeu XII só continuava no poder graças ao apoio de Roma. Apoio pelo qual teve de
pagar vastas somas de dinheiro. Em 58 a.C. Ptolomeu XII refugiou-se em Roma deixando sua
filha Berenice IV no poder. Porém, ela foi assassinada, provavelmente, por ordem do pai, que
ao regressar do Egito.
Cleópatra era muito interessada em manter o luxo da corte e com sua vaidade pessoal.
Enfeitava-se com jóias e pedras preciosas. Após a morte de seu pai, que deixou em seu
testamento a ordem de que ela e seu irmão Ptolomeu XIII assumiriam o poder conjuntamente;
o conflito dos herdeiros gerou uma forte instabilidade política e econômica. Diante disto,
Cleópatra acabou exilada.
Em nove de agosto de 48 a. C. Pompeu, um dos membros do Primeiro Triunvirato
romano, derrotado em combate, fugiu para o Egito. Com a morte de Crasso, Pompeu
disputava o poder com o general Júlio César, um dos maiores chefes militares da história e
responsável pelo estabelecimento das bases para a formação do Império em Roma. César
ganhou fama, fortuna e poder ao conquistar a Gália e a Bretanha. Pompeu não conseguiu
rivalizar com sua popularidade. Iniciaram uma Guerra Civil. César venceu Pompeu em
Farsália, na Tessália, forçando-o a procurar refúgio em Alexandria, onde é assassinado a
mando de Ptolomeu XIII. Sua cabeça foi entregue a Julio César. Acreditavam que dessa
forma agradariam o general romano. O que foi um erro. Mesmo sendo inimigos políticos,
César ficou chocado ao saber da morte de Pompeu. Uma morte bárbara para um patrício
romano.
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César decidiu ficar em Alexandria para resolver o conflito dos irmãos Ptolomeu e
Cleópatra. Sabendo que seu irmão jamais a deixaria entrar no palácio, Cleópatra pediu para
seu servo de confiança, Apolodoro, a enrola-lá em um tapete. Em seguida, deveria entregá-lo
ao general romano Julio César. Este, ao desenrolar o tapete, vê uma linda jovem aos seus pés.
Astuta e inteligente, ela usou de seus encantos para tê-lo como aliado. Por fim, tornam-se
amantes.
Cleópatra queria impressionar César com os grandes campos de trigo do Egito,
durante seu passeio a Tebas e Carnax. César adiou ainda mais sua volta para Roma. Numa
tentativa de solucionar a crise, César assegurou que o testamento de Ptolomeu XII fosse
respeitado. Para tanto, foi preciso que Cleópatra, com 17 anos, e Ptolomeu XIII, com 15 anos,
se casassem. Os irmãos mais novos de Cleópatra, Arsínoe e Ptolomeu XIV deixaram o Egito e
se tornassem soberanos de Chipre. Mais tarde, seus exércitos seriam derrotados por Júlio
César. Arsínoe seria feita prisioneira de Roma e Ptolomeu XIV morreria afogado no rio Nilo.
Assim, em 51 a.C., Cleópatra tornou-se rainha do Egito. Mais tarde, provavelmente, César a
ajudou a assassinar Ptolomeu XIII, consolidando seu poder.
Depois de um longo tempo, César decidiu voltar a Roma, mas deixou Cleópatra
esperando um filho seu. Em junho de 47 a.C., ela dá a luz a Ptolomeu XV César, conhecido
como “pequeno César” ou Cesário. A convite de César, Cleópatra decide partir para Roma,
onde é recebida como uma rainha, tendo ao lado o herdeiro de César. Porém, para o povo
romano, ela não era mais do que sua amante. Cleópatra permaneceu um ano e meio em Roma.
A rainha e seu filho estavam protegidos por César, então ditador. Parecia certo que seu filho
herdaria um império de grandeza similar ao conquistado por Alexandre Magno. Contudo, a
idéia de eliminar a República Romana não agradou o senado, e Júlio César foi assassinado por
inimigos políticos, dentre eles os aristocratas Bruto e Cássio.
O testamento de César foi aberto, revelando que seu único herdeiro era Otávio, seu
sobrinho-neto. Percebendo o risco que corria se continuasse em Roma, Cleópatra volta para o
Egito com o seu filho. Contudo, a qualquer momento uma invasão romana poderia acontecer
e ela só poderia recorrer a Marco Antônio, um dos generais de Júlio César e seu lugar-tenente.
Motivada por esse interesse, convida-o para ir ao Egito e lhe prepara uma grande festa como
recepção. Durante os festejos ela o seduz.
Marco Antônio, que não resistiu aos encantos de Cleópatra, permaneceu em sua
companhia por um ano. Tendo alguns problemas para resolver, Marco Antônio é obrigado a
voltar para Roma, pois sua esposa, Fúlvia, conspirava contra Otávio. Partiu, deixando
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Cleópatra grávida de gêmeos. Com a morte de sua esposa, Marco Antônio firmou um acordo
com Otávio e, como prova de amizade, casa-se com a irmã deste, Otávia.
Cleópatra, que continuava a reinar no Egito, ao receber a notícia do casamento de
Marco Antônio, resolveu dedicar-se aos deuses, para que seu reino tivesse prosperidade e que
isso ocorresse de forma harmônica. Em Roma, Marco Antônio e sua esposa, Otávia, viviam
em harmonia. Marco Antônio, porém, tornava-se cada vez mais sofisticado, pela convivência
com duas mulheres refinadas, perdendo, assim os bruscos modos de general. Após quatro
anos, Marco Antônio deixa Otávia e volta para o Egito. Ao se reencontrarem, Cleópatra
propõe que Marco Antônio lhe doe as terras de Arnúbia, Chipre, Sinai, Armênia, Norte da
África e Fenícia para aceitá-lo novamente. É firmado esse acordo. Tais atitudes de Marco
Antônio provocaram a ira de Otávio que se declarou inimigo e traidor de Roma.
Otávio, em sua vingança, expõe ao Senado que territórios romanos foram dados a
rainha egípcia, tendo esses acontecimentos como uma grande “ofensa”. Tudo sugeria um
confronto, Marco Antônio versus Otávio. Os senadores temiam que Marco Antônio vencesse
a batalha e o senado fosse transferido para Alexandria, o que os faria deixar o cargo.
Enquanto isso, Marco Antônio tentou invadir os territórios dos persas, fracassando, perdendo
vários soldados. Este que não se dá por vencido recruta novos soldados para tentar a invasão.
O povo romano acreditava que Marco Antônio havia perdido a luta por estar enfeitiçado por
Cleópatra.
Otávio manda Otávia ao encontro de Marco Antônio, oficialmente com o objetivo de
evitar a guerra. Marco Antônio recusa-se a recebê-la e volta para o seu palácio, ao lado de
Cleópatra. Só e desiludida, Otávia volta pra Roma, provocando maior revolta no povo
romano. Marco Antônio nada percebeu. A sua obsessão de invadir os territórios persas era
maior. Mas, mudando de estratégia, decidiu invadir primeiro a Armênia para depois fazer o
ataque final aos persas.
Em campanha, Marco Antônio recebeu a notícia que foi decretado inimigo de Roma.
Resolveu retornar a Alexandria e é recebido com luxos e glórias. Cleópatra, em um ritual,
apresenta-o como o deus Dionísio e não mais como um general romano.
Não podemos duvidar de que um amor autêntico tenha unido Antônio e Cleópatra.
Ela encarna o Oriente. Ele era a força, o símbolo do poder romano. A rainha não
teve muitas aventuras nem foi uma mulher fácil. As ambições políticas dos dois
amantes são idênticas e alimentadas por sua paixão. Têm confiança um no outro,
Antônio ama a vida Alexandrina, o encanto um pouco desgastado da capital egípcia,
seu luxo, sua frivolidade e sua cultura. A licenciosidade dos costumes não o
incomoda e ele não procura defender os valores da moral romana, de modo que é
amado pela população, que aprecia a sua facilidade de adaptação.[...] Em
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Alexandria, Antônio é chamado “o grande”, “o inimitável”, “o benfeitor”. Sua
vaidade é satisfeita. (JACQ, 2007, p. 287).
Marco Antônio manda uma carta de rompimento com Otávia. Mesmo contra a sua
vontade, prepara-se, juntamente com Cleópatra para a guerra. Marco Antônio tinha um
exercito com 70 mil soldados, 500 navios e, aproximadamente, 12 mil cavaleiros, contando
com a apóio do Egito, da Ásia continental, da Grécia, da Macedônia, de partes da Trácia, de
Cirenaica, de todas as ilhas ao leste e da maior parte dos reinos que faziam fronteira com a
porção oriental de Roma. Já, Otávio contava com 80 mil homens e 400 navios, contando com
o apoio da Gália, da Espanha, da Sardenha, do norte da África e das ilhas no oeste do
Mediterrâneo, entre outros aliados. Ambos encontraram-se na costa oeste de Épiro, ao norte
da Grécia, montando acampamento em Ácio, onde ficaram por quatro meses.
O primeiro sinal de ataque aconteceu quando Agripa, general de Otávio, fora com
grande experiência em guerras navais, conquistou as ilhas próximas. Com isso o exército de
Marco Antônio ficou isolado. Para agravar ainda mais a situação, uma epidemia de malária
atacou o seu acampamento. Mas isso ainda não era o pior. Frequentemente seus soldados o
abandonavam e aliavam-se ao exército de Otávio. Titius e Planco, os melhores generais de
Marco Antônio, foram os primeiros a protestarem contra a influência de Cleópatra e a se
aliarem a Otávio. Logo em seguida, foram Ahenbarbus, os reis Amyntas e o Deiotarus, e dos
soberanos de Trácia e Paphlagonia. Por último, Délio, um oficial da coalizão, que levou com
ele os planos de guerra de Marco Antônio, entregando-os para Otávio.
Marco Antônio insistiu que a batalha fosse travada no mar e sua esquadra moveu-se
em direção á esquadra de Otávio. Sua estratégia era tirar proveito da maior tonelagem de seus
navios. Porém, isso o atrapalhou, pois os navios de Agripa, por estarem leves, eram ágeis e
conseguiam se esquivar rapidamente. Agripa, estrategicamente, faz uma manobra, colocando
o seu navio ao lado da embarcação de Marco Antônio, tornando a luta homem a homem.
Otávio, que observava tudo de longe, enviou incendiários para dar o golpe final.
Embora a guerra ainda não estivesse decidida, Cleópatra aproveitou toda a confusão
para fugir, partindo com 60 navios para o Egito. Marco Antônio, em desespero, pegou um
barco menor e também fugiu, abandonando seu exército. O fim da batalha marcou a derrota
de Marco Antônio. Foram capturados quase 05 mil de seus homens e 300 navios. Ao chegar a
Alexandria, Marco Antônio afundou-se em depressão.
Cleópatra, que acreditava ainda não ter perdido a guerra, organiza suas embarcações
de forma que fossem levadas por terra até o Mar Vermelho; o seu plano era fugir para Índia
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com os seus tesouros e lá formar um novo reino. Seus planos foram barrados por algumas
tribos do deserto que queimaram-na.
Ao saber que Otávio estava rumando para Alexandria, Cleópatra mandou Cesário para
outra cidade com seu tutor, Coptos. Cleópatra e Marco Antônio uniram suas cavalarias e, a
princípio, conseguiram conter as forças de Otávio. Porém, surgiram alguns rumores que
Cleópatra estava morta. Desesperado, Marco Antônio decidiu se suicidar.
Cleópatra, finalmente, percebendo que estava tudo perdido, tentando evitar a sua
humilhação perante Roma, tentou seduzir Otávio. Ele resiste. Não tendo opções dignas,
Cleópatra decidiu suicidar-se. Planeja sua morte de forma que suas escravas a ajudassem
entregando-lhe, dentro de um vaso, uma serpente venenosa. Cleópatra se deixa picar e morre.
Reza uma tradição célebre (que parece próxima da verdade) que, depois de tomar
um banho e de escrever uma carta a Otávio, pedindo para repousar junto a Antônio,
Cleópatra, manda vir um cesto com frutas. O cesto trazia uma serpente escondida,
que a rainha agarra. Mordida no seio, sucumbe dignamente. É possível que
Cleópatra tenha escolhido esta maneira de morrer por motivos religiosos. Os faraós
eram protegidos por uma serpente sagrada que aniquilava seus inimigos. A
desesperada rainha fez deste poder vital uma força destrutiva. A serpente criadora
transforma-se numa serpente de morte. (JACQ, 2007, p. 293).
Em linhas gerais, essa é a história que serve de pano de fundo para o filme Cleópatra,
com Elizabeth Taylor.
A produção teve várias dificuldades. Logo no início, a atriz principal ficou doente e,
como sua presença era imprescindível as filmagens ficaram paradas por seis meses, causando
inúmeros contratempos, desde a saída do diretor Rouben Momoulian e também do ator
Stephen Boyd, que interpretaria Marco Antônio. Nesse período foram roubados equipamentos
da produção em Roma, totalizando milhões de dólares em prejuízo.
O filme começou a ser rodado em 1960, sendo lançado somente em 1963. Nesta
época, o cinema americano passava por uma terrível crise, iniciada com a criação da televisão
no começo dos anos de 1950. A difusão do novo tipo de entretenimento tirou grande parte de
seu público.
A atmosfera política interna, marcada pela desconfiança e pela delação quase não se
modifica. A partir do primeiro mandato de Eisenhower, a comissão MacCarthy
assiste ao declínio de sua influência, mas o mal está feito: um grande número de
criadores e atores estão afastados por muito tempo. Os outros preferem ser
prudentes. A essa crise moral acrescenta-se a da adaptação ao cinemascope e a cor,
maciçamente desenvolvidos para recuperar terreno diante da televisão que nasce.
(PARAIRE, 1994, p. 24).
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O grande público preferia ficar confortavelmente em suas casas a se deslocarem para
as salas de cinemas. Para evitar debates políticos, os grandes estúdios de Hollywood
decidiram investir em filmes históricos. Geralmente, obras gigantescas, que servem como
espetáculos, em que são usados milhares de figurantes, enormes cenários, grandes astros no
elenco e milhares de dólares gastos na produção. Nesse período, Cecil B. De Mille, pai das
epopéias, refilmou Os Dez Mandamentos; foi feita uma nova versão de Ben-Hur, ganhador de
11 Oscars; com Charlton Heston, Stanley Kubrick filmou Spartacus, com Kirk Douglas no
papel principal, e Anthony Mann, El Cid. E também Cleópatra.
Esse filme tem uma particularidade em relação aos demais. Ele foi produzido no final
da chamada Era dos Grandes Épicos, num momento em que o público estava cansado desse
gênero. Além de uma produção conturbada, o filme foi um fracasso nas bilheterias norteamericanas, tendo um orçamento de 44 milhões de dólares e arrecadando apenas 26 milhões
na época, quase causando a falência da Fox, que demitiu mais de dois mil funcionários,
fechou as portas por quatro meses e foi forçada a vender parte de seu estúdio.
Mesmo com todos esses problemas a obra conseguiu produzir uma figura emblemática
para a história do cinema. Elizabeth Taylor se funde à figura de Cleópatra. O cinema feito
para as massas muitas vezes transforma astros e estrelas em ícones, em que a sua figura
obscurece as histórias narradas. Pode-se dizer que isso acontece, em grande parte, pela falta e
informação do grande público, que prefere focar atenção na beleza e atuação do astro, no
vestuário, nos efeitos especiais etc. Assim, no imaginário coletivo, o personagem histórico
real fica obscurecido e El Cid torna-se Charlton Heston, Spartacus torna-se Douglas e, claro,
Liz Taylor torna-se Cleópatra.
E na mente coletiva, que, pela preguiça e pela falta de imaginação, diferencia muito
pouco as coisas. Marco Antônio vai ter as feições de Marlon Brando, seguindo-se a
surpresa de outro filme em que as mesmas feições são dadas a Napoleão, de forma
que alguns se maravilharão com a semelhança entre os dois grandes homens.
(CARRIERE, 2006, p. 119).
Apesar dos limites, produção audiovisual, seja cinematográfica ou televisiva, é um
importante elemento de difusão da história. É por meio dessas imagens que o público leigo
constrói sua visão de como era a Roma de Julio César, o Egito dos faraós ou uma cidade
medieval. Contudo, é preciso admitir, dificilmente essas imagens chegarão próximas das
verdadeiras. Mesmo com um trabalho de consultoria mais cuidadoso, não chegará. É
impossível a reprodução do passado, principalmente, se for um longínquo. Contudo, podemos
recriar as suas partes por meio de documentos, vestígios ou pinturas. E o cinema é um
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importante veículo nesta representação, seja ela verdadeira ou não, e por isso tem um forte
apelo de fixação em nossas mentes. O audiovisual facilita a compreensão do conteúdo
histórico.
Pode constituir um objeto a ser privilegiado neste âmbito de pesquisas, seja pelo
relevo que a instituição cinematográfica teve na produção das grandes configurações
do imaginário coletivo, seja pela duração, pela capacidade de penetração e
complexidade de relações com outros setores da produção do imaginário. (COSTA,
1989, p. 33).
O cinema também serve como ferramenta para a disseminação de uma determinada
idéia pessoal ou política, propagação ideológica ou doutrinaria. Um claro exemplo deste
trabalho é a obra-prima Encouraçado Potemkin, dirigida por Sergey Eisenstein em 1925, em
que, a despeito do brilhantismo técnico, a ideologia comunista é propagandeada. O filme foi
produzido em comemoração aos vinte anos da Revolta de Odessa, o levante embrionário da
Revolução Russa.
Os filmes podem assumir um papel importante no campo da propaganda política, na
difusão da ideologia, frequentemente se estabelecem relações muito íntimas entre o
cinema e o contexto sócio-político em que se afirma e sobre o qual pode exercer
uma influência importante. (COSTA, 1989, p. 30).
Cleópatra foi um filme produzido especialmente para Liz Taylor brilhar. O que
levanta alguns questionamentos. Certamente, Taylor foi escalada em função de sua beleza
fulgurante. A questão beleza, um debate recorrente no tocante ao mito Cleópatra. Não há uma
certeza absoluta se a rainha egípcia era bonita ou não, considerando os padrões da
antiguidade, mas por alguns vestígios, moedas cunhadas com seu rosto que foram
encontradas, sua fisionomia é pouco agradável, levando-se em conta os princípios da chamada
beleza clássica. Obviamente, temos que compreender que o significado de beleza da época
não é o mesmo dos dias atuais, mas certamente ela não era feia para os seus conterrâneos e
contemporâneos. Em todo caso, os relatos mais interessantes sobre a personagem indicam que
suas armas de sedução se centravam mais em seu carisma e inteligência do que
necessariamente na aparência.
No filme, alguns aspectos da vida de Cleópatra foram modificados ou exacerbados.
Quando vem a lembrança o seu nome, logo o ligamos ao mito sexual, à sua sedução e beleza.
Certamente ela usou do domínio sexual para atingir seus propósitos políticos, algo muito bem
explorado no filme, mas, aparentemente, Cleópatra, realmente, envolveu-se emocionalmente
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com Marco Antônio, com quem teve três filhos. Ao mesmo tempo, tudo sugere que sua
relação com Julio César tenha sido um jogo político.
Uma cena marcante do filme é da sua morte. Ela, com certeza, em grande parte devido
ao impacto da peça de Shakespeare, está firmemente presente no imaginário ocidental. O
filme a reconstrói de modo espetacular e espetaculoso. O simbolismo fragrante do suicídio
por meio de picadas de cobra rendeu belas imagens cinematográficas. Contudo, a despeito da
competência de Mankiewicz e Taylor, não se tem certeza absoluta de que Cleópatra realmente
se matou dessa forma. Pode ter sido com um pente ou um alfinete envenenado, previamente
preparado por ela, após a audiência com Otávio.
Mas, sendo um filme que se pretende “histórico”, até que ponto é possível usar o filme
enquanto elemento didático considerando as modificações e mitificação do personagem?
Há um exagero em quase tudo no filme, desde o forte colorido das imagens, que era
moda da época, à exuberância dos cenários e dos figurinos. Assistindo ao filme pode-se muito
bem fazer uma comparação aos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro,
principalmente a cena de sua chegada triunfal, com seu filho Cesário a Roma, onde tudo é
grandioso. Excetuando o seu exagero, o filme pode e deve ser usado como elemento didático.
Essa obra por si só é um marco na história do cinema. Não se pode comentar sobre
cinema com profundidade, sem citar este filme. Apesar de seus reveses, o longa serve como
auxílio, juntamente com outras fontes de estudo, para trabalhos e pesquisas de nível
fundamental ou médio. Um filme, que por sua natureza lúdica, é sempre um estímulo para o
estudante.
Como entretenimento o filme funciona muito bem, apesar de ser longo e, em certos
momentos, cansativo; aprofunda-se muito em detalhes dos personagens. Relata os
acontecimentos de forma simples e clara, mas sem perder sua essência. Nele enfocam-se
algumas cenas brilhantes como: “A visita de Cleópatra a Júlio César enrolado em um tapete”,
“A chegada de Cleópatra em Roma” e a “Sua morte por meio de uma picada de serpente
venenosa”. Trata de modo interessante o comércio egípcio, a grande movimentação de trigo e
a expectativa de Júlio César ao testemunhar a grandeza do Egito. “[...] Espantado, a capital do
Egito. Falam-se muitas línguas, as ruas estão animadas, o comercio é intenso. Percebe que o
país é um imenso produtor de trigo.” (JACQ, 2007, pg. 282). Por outro lado, não consegue
abordar a sua origem familiar. Essa discussão passa despercebida para o espectador.
Ao mesmo tempo, de forma pomposa os personagens são elevados à categoria de
deuses. Um leigo, que só veria o filme como lazer, tende a assimilar o mito de Cleópatra
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como sendo algo próximo do real. Somente poderia ter sua visão modificada caso tomasse
contato com análises históricas de construção mais leve, com caráter de divulgação científica,
como as do egiptólogo e escritor Christian Jacq, principal fonte desse trabalho. Esses textos
tendem e humanizam as figuras históricas, conseguindo transmitir, com maior propriedade,
uma trajetória repleta de episódios peculiares como a da rainha Cleópatra.
Em suma, o filme Cleópatra, quando trabalhado em sala de aula, deve ser analisado
em conjunto com obras históricas mais sólidas. Juntos o filme e livros como referência,
podem formar um ótimo conjunto de elementos, didático, onde o ministrante da aula deve
sempre apontar um norte desmistificador para as interpretações dos alunos, evitando
equívocos. A escolha desse filme para se trabalhar o discurso histórico em sala requer alguns
cuidados, por que o filme não fala por si só. Cleópatra trabalha ás conquistas, seduções,
derrotas, casos amorosos e astúcia da protagonista que, em sua busca pelo poder se fez
presente na história. Uma narrativa fascinante que, ainda mantêm seu interesse. O mito vivo.
Só é preciso tomar cuidado para que ele não substitua a história.
REFERÊNCIAS
CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
CLEÓPATRA (Idem, EUA, 1963). Direção: Joseph L. Mankiewicz. Produção: Walter
Wanger. Roteiro: Joseph L. Mankiewicz, Ranald MacDougall, Sidney Buchman. Elenco:
Elizabeth Taylor, Richard Burton, Rex Harrison. Produzido pelo estúdio Twentieth Century
Fox. Drama, cor, som, 248 min.
COSTA, Antonio. Compreender o cinema. 2. ed. São Paulo: Globo, 1989.
JACQ, Christian. O Egito dos grandes faraós: história e lenda. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2007.
PAPAIRE, Philippe. O cinema de Hollywood. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
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