O tempo das galáxias

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crónica Máximo Ferreira
É quase certo que a galáxia de Andrómeda — a única
galáxia espiral observável à vista desarmada — terá
despertado a curiosidade de observadores mais de mil
anos antes do início da nossa era.
O tempo das galáxias
As atuais convicções de astrónomos e astrofísicos
sugerem que as primeiras galáxias se formaram
— simultaneamente com as estrelas — a partir
de cerca de 100 milhões de anos após o big bang,
fenómeno que marca o início do Universo que
conhecemos e o princípio do tempo que contamos
desde tal instante.
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Assim, o Universo, observável pelos diversos
meios atualmente disponíveis, está povoado por
um número de galáxias que se estima em 140 mil
milhões, cada uma constituída por mais de 100
mil milhões de estrelas (em média), distribuídas
de modo a conduzirem os astrónomos a
classificações de que resultam designações de
elíticas, espirais, espirais com barra, irregulares e,
em alguns casos, subgrupos para incluir aquelas
que consideram não serem claramente integráveis
nos grupos referidos.
Perante o indubitável facto de o Universo se
encontrar em expansão, aumenta o espaço
entre as galáxias, sendo, no entanto, possível a
determinação dos seus movimentos e estimar as
direções em que, a partir da Terra, poderão ser
observadas num futuro algo distante. Na verdade,
apesar de serem grandes as suas velocidades
pelo espaço, as distâncias a que se encontram
são de tal forma elevadas que só daqui a alguns
milhões de anos serão percetíveis posições
consideravelmente diferentes daquelas em que
atualmente se encontram. Na sua ininterrupta
velocidade espacial, cada galáxia vê-se, em
geral, mais isolada das suas vizinhas, a menos
que as interações gravitacionais alterem —
ainda que muito ligeiramente — a trajetória de
alguma das mais distantes e venha a ocorrer
uma colisão de galáxias, acontecimento previsto
durante a consolidação da teoria da expansão
do Universo e confirmado, nas últimas décadas,
por imagens obtidas em direções diversas do
espaço observado. Por elas, e por simulações que
os modernos computadores proporcionam, se
percebe o resultado de tais colisões, dependendo
o aspeto — ao fim dos milhões de anos que durar
o encontro — de fatores como o ângulo entre as
direções dos seus deslocamentos e a respetiva
velocidade relativa.
No entanto, admite-se como muito pouco
provável a colisão entre estrelas, dado que as
grandes distâncias entre as que constituem
uma das galáxias são suficientemente grandes
para permitirem a ‘passagem’ de outras, da
galáxia visitante, sem que que se verifiquem
choques físicos.
Tem-se como certa a consequência de galáxias
irregulares, a recuperação de galáxias elíticas
e até a formação de uma única supergaláxia,
circunstância que, em astrofísica, é comummente
denominada «canibalismo galáctico».
A nossa vizinha espiral de Andrómeda
É quase certo que a galáxia de Andrómeda — a
única galáxia espiral observável à vista desarmada
— terá despertado a curiosidade de observadores
mais de mil anos antes do início da nossa era.
No entanto, a primeira referência científica é do
astrónomo persa Al Sufi (903-986), que ficou
famoso pelo rigor e pela qualidade do catálogo
estelar que compilou e que ainda hoje é tomado
como referência na investigação de eventuais
variações de brilhos das estrelas.
A ténue mancha foi, durante muito tempo,
designada «pequena nuvem», e aparece nas
cartas estelares muito antes do aparecimento
do telescópio, em 1609. Mesmo depois, os
primeiros observadores acreditavam que a
‘nebulosa’ era composta de gases luminosos,
outros viram-na como um sistema solar em
formação, supondo uma semelhança com o
‘nascimento’ do nosso próprio Sol, no interior
de uma nuvem de poeira e gases.
Com a acumulação de conhecimentos, o
crescente número de astrónomos e um conjunto
de recursos tecnológicos cada vez mais sofisticados, as ‘nebulosas’ (designação atribuída a
todos os objetos celestes com aparência difusa)
crónica Máximo Ferreira
A menos que ocorra uma circunstância muito especial,
excetuando algum efeito de interações gravitacionais,
os nossos descendentes — se existirem — continuarão
a participar, lentamente, do rodopio galáctico, assistindo
apenas ao enorme aumento do número de estrelas.
Galáxia de Andrómeda © NASA/JPL-Caltech
começariam a revelar a sua verdadeira natureza
e diversidade. Em 1814, Fraunhofer repetiu
experiências de Newton com a luz e, ao ‘ampliar’
o arco-íris obtido, descobriu centenas de riscas
na luz do Sol. Em 1857, Bunsen desenvolveu
uma técnica que lhe permitia estudar espetros
de substâncias sem a contaminação da fonte
de energia. Dois anos depois, com Kirchhoff, cria
o espetroscópio. Em 1858, por ocasião de um
eclipse total do Sol, alguns astrónomos decidiram
fazer a análise espetral da luz proveniente da
periferia do Sol, aquela que não estava ocultada
pela Lua; surgiu-lhes a evidência de um ‘estranho’
elemento químico que (ainda) não era conhecido
na Terra e atribuíram-lhe um nome associado
ao Sol: hélio. Alguns anos depois, telescópios
equipados com espetroscópios tentavam
encontrar novos elementos nas nuvens de gás
e poeira entre estrelas da nossa Galáxia, e
acabariam por detetar diferenças notáveis entre
objetos (nebulosas) com aspetos semelhantes.
Nuns casos, existia praticamente apenas um
elemento químico, enquanto, noutros, eram
evidentes todos os que se encontravam nos
espetros estelares, evidenciando, assim, que
algumas dessas nebulosas eram constituídas
por muitas estrelas.
Em 1912, Henrietta Leavitt determinou uma
relação entre a luminosidade de certas estrelas
variáveis e o seu período. Em 1923, Edwin Hubble,
analisando a variação de uma estrela que, na
nebulosa de Andrómeda, variava de brilho como
as que Leavitt havia estudado, calculou a distância
a que a mesma — e, consequentemente, a
nebulosa em que estava incluída — se encontrava,
obtendo uma distância (900.000 anos-luz) muito
além dos limites da nossa galáxia. Assim se
descobria que a ‘Grande Nebulosa de Andrómeda’
era uma galáxia, tal como todas as ‘nebulosas’
cujos espetros revelavam a existência de estrelas.
Os métodos atuais indicam que a galáxia de
Andrómeda — a que Charles Messier atribuiu o
número 31 do seu catálogo (M31) — se encontra
a 2,2 milhões de anos-luz da Terra. O mesmo se
pode dizer ‘do Sol’ ou da região da nossa galáxia
em que nos situamos.
A aplicação da análise espetral à determinação
de distâncias a objetos longínquos — especificamente, galáxias — baseia-se numa relação
estabelecida por Hubble, segundo a qual
a velocidade (de afastamento, em geral) está
relacionada com a distância a que se encontra.
De facto, tomando como referência riscas espetrais
de elementos químicos analisados em laboratório
e comparando com riscas correspondentes,
do mesmo elemento, mas de uma fonte em
movimento, elas apresentar-se-ão deslocadas
— relativamente à referência — para o lado
do vermelho se a fonte se afasta (ou, se aumenta
a distância entre a fonte luminosa e o observador),
ou para o lado do azul, se a distância diminui.
Completou-se, assim, um número notável de
curiosidades sobre a nossa vizinha Andrómeda:
nascida, tal como a generalidade das suas
congéneres, há quase 14 mil milhões de anos,
situa-se a uma distância tal que a luz que as suas
estrelas, globalmente, emitem demora 2,2 milhões
de anos a chegar à Terra, significando isso que a
luz que permitiu aos astrónomos desvendar alguns
dos seus segredos saiu de lá quando no nosso
planeta ainda não existiam seres humanos. No
entanto, é a espiral nossa vizinha mais próxima.
Apesar da vizinhança, parece querer estar
ainda mais perto. A análise espetral revela que
Andrómeda e a nossa galáxia se movem no
espaço de tal modo que a distância entre elas
encurta 400 mil quilómetros a cada hora, de
modo que, daqui a uns quatro mil milhões de
anos, ocorrerá o ‘choque’. Não é possível imaginar
o que pensarão eventuais habitantes — se
existirem — de um qualquer planeta do nosso
sistema solar, mas tem-se como certo que é
praticamente nula a probabilidade de algumas das
estrelas da nossa vizinha colidirem com o Sol: a
distância entre a nossa estrela e a mais próxima
(alfa da constelação do Centauro) é de tal forma
grande (4,3 anos-luz) — quando comparada com
o tamanho de uma estrela média — que, entre
elas, caberão mais de 20 milhões de estrelas.
Significa isto que, a menos que ocorra uma
circunstância muito especial, excetuando algum
efeito de interações gravitacionais, os nossos
descendentes — se existirem — continuarão
a participar, lentamente, do rodopio galáctico,
assistindo apenas ao enorme aumento do número
de estrelas. Estrelas estas que constituirão,
após alguns milhões de anos de estabilização, a
supergaláxia resultante da fusão entre as duas
que agora se contemplam ao fim de mais de dois
milhões de anos depois de trocarem sinais.
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