Mónica Santos, Marcelo Fragoso

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VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
Modelação espacial do índice de concentração diária de precipitação em
Portugal Continental
Santos, Mónica¹; Fragoso, Marcelo²
¹ Departamento de Geografia, Universidade do Porto
² Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa
Email : ¹[email protected]; ² [email protected]
Introdução
A análise da distribuição espacial da precipitação diária é uma tarefa difícil, devido à
sua descontinuidade e grande variabilidade no espaço (Carrera-Hernandez e Gaskin,
2007). Na representação cartográfica de quantitativos de precipitação torna-se
necessário utilizar técnicas adequadas de interpolação espacial de dados. O principal
problema na estimação de dados de precipitação relaciona-se com a disponibilidade
de estações meteorológicas e dispersão das mesmas pelo território. Isto acontece
principalmente em áreas montanhosas onde os valores são mais difíceis de estimar
devido à topografia (Moral, 2009).
O índice de concentração diária de precipitação (índice CI) visa quantificar a
irregularidade pluviométrica à escala diária e avaliar o carácter mais ou menos
torrencial das precipitações (Martín-Vide, 2004; Sánchez-Lorenzo e Martín-Vide, 2006).
A variabilidade da precipitação e a sua intensidade em poucos dias pode causar
problemas hidrológicos, mas não só. A concentração diária da precipitação pode
originar a erosão dos solos ou contribuir para o desencadeamento de situações de
risco como a ocorrência de inundações urbanas, cheias repentinas ou movimentos de
vertente (Martín-Vide, 2004; Sánchez-Lorenzo e Martín-Vide, 2006). No estudo, levado
a cabo por Martin-Vide, relativo ao cálculo do CI para a Península Ibérica, foram
utilizadas 9 estações portuguesas. Os valores obtidos do índice de concentração diária
da precipitação, para o período de 1951-90 variam entre 0,56 em Celorico da Beira e
0,62 em Lisboa (Martín-Vide, 2004).
Neste trabalho procedeu-se ao cálculo do índice de concentração diária através da
metodologia proposta por Martín-Vide (2004) e à modelação espacial dos resultados
através de técnicas de interpolação univariadas e multivariadas. Os modelos foram
avaliados através de parâmetros de avaliação dos erros estimados, da análise
comparativa das estatísticas descritivas dos valores observados e estimados. De referir
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Tema 2 - Expansão e democratização das novas tecnologias em Geografia Física:
aplicações emergentes
ainda que, nestes procedimentos de validação e avaliação dos resultados, também se
procedeu a uma apreciação crítica da lógica e coerência das representações obtidas,
baseada na observação visual dos modelos estimados.
Área de estudo e dados recolhidos
Neste trabalho foram utilizadas 116 estações meteorológicas com dados de
precipitação diários de 1960 – 2000, para Portugal Continental (Figura 1). Os dados
foram retirados do sítio da Internet do SNIRH (Sistema Nacional de Informação de
Recursos Hídricos) do INAG.
Foram realizados testes de homogeneidade e consistência em relação às séries de
dados de todas as estações utilizadas neste estudo. O ensaio da dupla acumulação é
um dos procedimentos frequentemente adoptados na validação dos registos
pluviométricos (Mora, 2006;
Nicolau, 2002). Utilizou-se o
método gráfico para as
precipitações anuais, que
possibilita
relacionar
os
registos acumulados de uma
estação com o registo médio
acumulado de várias estações.
Este
procedimento
é
frequentemente adoptado na
validação
dos
registos
(Nicolau, 2002). No presente
estudo,
optou-se
por
representar graficamente os
totais
acumulados
de
precipitação anual de cada
estação com os totais anuais
acumulados das 6 estações
com maior correlação. Assim,
foram, construídos os gráficos
de dupla acumulação para
todas as estações em análise, Figura 1 – Localização das estações meteorológicas.
no período de 1960/61 a 1999/00, ou seja, para cada uma das estações foi construída
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uma série de referência com a média das estações com maior correlação. Se não se
identificarem variações abruptas de declive para um período consecutivo superior a
cinco anos (> =10%), justifica-se o ajustamento do registo de precipitação (Nicolau,
2002; Chow, 1964). Os ensaios de dupla acumulação das 116 séries de precipitação
foram desenvolvidos sem preenchimento das falhas apresentadas por alguns registos
de precipitação.
Os gráficos resultantes mostram que as estações não apresentam falhas
significativas e por isso não se identificaram variações de declives superiores a 10%.
Metodologia
Para o cálculo do índice CI é necessário dispor de séries longas e contínuas de
observação. Por este facto, neste trabalho foi estabelecida uma duração de 40 anos de
registos contínuos com vista ao cálculo do índice CI nas 116 estações utilizadas, no
sentido de assegurar que os resultados tenham significado estatístico. A frequência de
dias muito chuvosos é reduzida comparativamente à frequência de dias com mais
baixos quantitativos de precipitação. No entanto, estes dias podem ser decisivos para
o balanço hídrico (Martín-Vide, 2004). Para determinar o impacto das diferentes
classes de precipitação diária e, sobretudo, para avaliar o contributo relativo dos dias
mais chuvosos para os totais de precipitação, é necessário relacionar as percentagens
acumuladas de precipitação Y e as percentagens acumuladas dos dias X, em que as
mesmas ocorreram (Martín-Vide, 2004):
Y
aX exp( bX )
As constantes a e b podem calcular-se pelo método dos mínimos quadrados
(Martín-Vide, 2004):
Uma vez determinada as constantes, a integral definida da curva exponencial ente 0
e 100 dá a superfície compreendida entre a curva, o eixo das abcissas e ordenada a
100 o que equivale a (Martín-Vide, 2004):
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aplicações emergentes
Assim, quanto maior o afastamento à linha de equi-distribuição, maior a
irregularidade e a concentração diária da precipitação. A concentração diária é a
proporcional área compreendida entre a curva teórica e a recta de equi-distribuição
(Martín-Vide, 2004):
As técnicas de interpolação espacial avaliadas incluem métodos univariados e multivariados: cokrigagem, com recurso à variável auxiliar: altitude, kriggagem e IDW
(Interpolação em função do inverso da distância). O método de krigagem é um dos
métodos de interpolação mais utilizados por investigadores das mais diversas áreas do
conhecimento (Monteiro e Fernandes, 1996). Esta técnica atribui pesos para minimizar
a variância das estimativas (Reis et al, 2005). Ao utilizar-se a krigagem parte-se do
princípio que pontos próximos no espaço tendem a ter valores mais parecidos do que
os pontos mais afastados. A interpolação krigagem engloba diferentes métodos que
originarão resultados diferentes (Carrera-Hernandez e Gaskin, 2007). É possível
distinguir três técnicas no âmbito da geoestatística: a krigagem simples, a krigagem
ordinária e a krigagem universal.
Outro método utilizado para a estimação de precipitação é o Inverso em função da
distância (IDW). Este método estima o fenómeno em estudo, atribuindo maior peso
aos pontos mais próximos (Reis et al, 2005). O método do inverso da distância de uma
potência ou método da média ponderada pode ser exacto ou aproximado,
dependendo da configuração dada pelo autor. Utiliza-se uma potência de peso que
controla a maneira como os factores de ponderação vão diminuir à medida que a
distância ao ponto aumenta. Quanto maior a potência de peso, menor o efeito que os
pontos têm na malha de pontos durante a interpolação. Este método tem a tendência
a gerar padrões de contornos concêntricos ao redor dos pontos dados. Este efeito
pode ser minimizado pela adopção de um parâmetro de suavização (Soares, 2006). A
fórmula de cálculo é a seguinte (Jakob e Young, 2006):
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Em que:
é o valor a ser estimado para o local so ;
N é o número de pontos observados a serem usados ao redor do valor a ser
estimado;
λ i são os pesos colocados para cada ponto observado a ser utilizado;
Z (si) é o valor observado no local si.
A cokrigagem permite integrar variáveis auxiliares na interpolação. Para tal, é
necessário que as variáveis a integrar estejam relacionadas com a variável a estimar e
que amostragem da variável auxiliar seja superior à da variável de interesse (Nicolau,
2002). A formulação da cokrigagem é a seguinte (Soares, 2006):
Em que:
- É a estimativa do fenómeno Z para a localização 0;
Z ₁(xi) - É a observação do fenómeno Z na localização i;
Z ₂(xj) - Expressa o valor da variável auxiliar para a localização j;
n₁, n₂ – Número de observações das variáveis Z₁ e Z₂ utilizadas na estimação.
Os modelos foram avaliados através de parâmetros de avaliação dos erros
estimados, da análise das estatísticas descritivas e na observação visual dos modelos
estimados (Nicolau, 2002; Portalés et al; 2009, Prudhomme e Reed, 1999). A
modelação do índice CI procedeu-se com recurso à extensão Geoestatistical Analyst do
programa Arcgis 9.2.
Resultados
Os modelos de interpolação espacial em função do inverso da distância quando
aplicados, apresentam menores erros percentuais médios e uma melhor
representação visual. O modelo em função do inverso da distância com 1 potência
apresenta um erro absoluto médio e erro percentual absoluto médio mais baixos
(Quadro 1).
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Tema 2 - Expansão e democratização das novas tecnologias em Geografia Física:
aplicações emergentes
Modelo
Cok_Ord_Esf_Altitude
Erro percentual
Erro Médio Erro Absoluto
absoluto médio (%) - EM
Médio - EAM
EAM%
0,000
0,025
4,478
Erro Quadrático
Médio - EQM
0,001
IDW, 1, 15v
0,000
0,024
4,432
0,001
IDW, 2, 15v
0,000
0,025
4,630
0,001
Kri_Ord_Esf_
0,000
0,025
4,487
0,001
Kri_Ord_Gauss
0,000
0,025
4,506
0,001
Quadro 1 - Medidas de avaliação das estimativas do índice de concentração diária da
precipitação produzidas por alguns dos modelos testados.
A análise da estatística descritiva entre os valores observados e os valores
estimados pelas técnicas de interpolação, permite verificar que a interpolação
realizada através da função do inverso da distância com 2 potências é a mais próxima
do valor mediano, desvio padrão, mínimo e máximo dos valores observados (Quadro
2).
Média
Mediana
Desvio Padrão Minimo Máximo
Modelo
Valores Observados
0,55
0,55
0,032
0,45
0,64
Cok_Ord_Esf_Altitude
0,549
0,549
0,008
0,527
0,570
IDW, 1, 15v
0,549
0,549
0,010
0,520
0,571
IDW, 2, 15v
0,549
0,550
0,015
0,484
0,590
Kri_Ord_Esf_
0,549
0,548
0,009
0,527
0,570
Kri_Ord_Gauss
0,549
0,548
0,009
0,527
0,571
Quadro 2 - Estatística descritiva dos valores observados e dos estimados do índice de
concentração diária da precipitação.
O modelo escolhido para a representação visual do índice CI foi a interpolação
realizada em função do inverso da distância com 1 potência, uma vez que, para além
de apresentar um erro absoluto mais baixo, é o modelo com melhor representação
visual. É de realçar que não existe um modelo ideal para a modelação espacial do
parâmetro em estudo. Este facto deve-se à variabilidade espacial do índice, bem como,
à deficiente cobertura espacial do território pelas estações meteorológicas com séries
de duração adequada disponíveis.
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Os
resultados
mostram que as
serras Algarvias e a
região do Douro
apresentam
os
valores
mais
elevados. Os valores
mais baixos do índice
CI,
em
Portugal
Continental, situamse
no
interior
Transmontano e na
Beira (Figura 2). O
valor de índice CI
mais baixo, regista-se
na
estação
de
Codeceiro (0,449), no
concelho da Guarda e
o valor mais elevado
em São Brás de
Alportel, na região do
Algarve (0,638).
Figura 2 - Índice de concentração diária da precipitação em
Portugal Continental.
Conclusão
O índice de CI permite avaliar o carácter mais ou menos torrencial das
precipitações. O cálculo deste índice, com recurso às séries diárias de 116 estações
meteorológicas permitiu verificar que são as estações que se situam nas serras
algarvias e na região do Douro que apresentam valores mais elevados de concentração
diária da precipitação. Em oposição, as estações situadas no interior Centro e no
interior Alentejano, são as que apresentam um índice de concentração diária mais
baixo. Neste trabalho analisou‐se também o desempenho de modelos de interpolação
com o objectivo de cartografar o índice de concentração diária da precipitação. A
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aplicações emergentes
avaliação dos diversos modelos baseou‐se na comparação das medidas de avaliação
dos erros da estimação, na comparação das estatísticas descritivas das estimativas
com os valores observados e na observação visual dos modelos seleccionados. Os
resultados indicam que não existe um modelo ideal para a modelação do parâmetro
em estudo. Este facto dever‐se-á provavelmente à variabilidade espacial da
precipitação, bem como, à imperfeita cobertura espacial do território pelas estações
meteorológicas existentes. O modelo de interpolação em função do inverso da
distância apresenta um menor erro percentual médio e uma melhor representação
visual.
No futuro, este trabalho poderá ser alargado, recorrendo também à utilização de
séries de precipitação de Espanha, e os resultados poderão ser melhorados se
aumentar o número de estações com séries de dados adequadas e, sobretudo, se a
sua repartição pelo território se tornar mais equitativa.
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