Genética cardiovascular Introdução à genética molecular. Mafalda

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GEnEtica
cardiovaScular
TEXTO_ Mafald
a Bourbon
Mafalda Borbon
INTRODUÇÃO À GENÉTICA MOLECULAR
Doutorada em Ciências Clínicas pelo Imperial College, School of Medicine, especialidade em Genética Cardiovascular. Coordenadora da Unidade
Investigação Cardiovascular, Centro de Biopatologia do Instituto Nacional de Saúde Dr Ricardo Jorge. Vogal do Grupo de Estudo de Biologia Celular e
Genética Cardiovascular da SPC. Coordenadora de Estudo Português de Hipercolesterolemia Familiar .
Resumo do artigo
Neste e nos próximos números serão abordados vários temas relacionados com a genética cardiovascular: os primeiros terão um carácter mais geral,
e serão sobre noções básicas de genética e, os seguintes, serão sobre temas específicos como a genética das miocardiopatias, genética da
hipercolesterolemia familiar, genética da hipertensão e genética das malformações congénitas.
70
Nas nossas células o DNA está localizado no
núcleo e está empacotado em 46
cromossomas, 23 herdados da mãe e 23
herdados do pai, dando origem a uma
combinação única, ou seja, um indivíduo único.
Cada cromossoma é constituído por DNA, que
por sua vez é dividido em diferentes regiões,
chamadas genes, e o conjunto de toda a
informação genética armazenada nos
cromossomas constitui o que chamamos o
genoma. A informação genética de uma célula
consiste em milhares de genes, e cada gene
codifica, na maioria dos casos, para uma só
proteína. As proteínas realizam importantes
funções celulares, ou servem como blocos de
construção. A informação contida nos genes
determina a composição das proteínas, e deste
modo as funções da célula. O genoma humano
contém 3x109 pares de bases de DNA, que
codificam para cerca de 105 proteínas
diferentes. Só cerca de 2-4% da capacidade
total de codificação do DNA humano é usada
para codificar os diferentes genes, a restante
tem provavelmente funções estruturais e
organizativas.
Para se poder entender como é que o DNA
(ácido desoxirribonucleico) dirige a síntese de
RNA (ácido ribonucleico), que por sua vez dirige
a formação das proteínas, é necessário
primeiramente conhecer a estrutura dos ácidos
nucleicos envolvidos, o DNA e o RNA (secção
1). O conceito de gene também é importante
(secção 2), para que depois possam ser
71
introduzidos os mecanismos que tornam todo
este processo possível (secção 3). Quando
ocorre um erro gerado por uma falha num
destes mecanismos, este erro ou mutação pode
dar origem a uma doença genética (secção 4).
1. Estrutura dos ácidos nucleicos
O DNA e o RNA têm grandes semelhanças
químicas. Na sua estrutura primária são ambos
polímeros lineares, compostos por monómeros,
denominados nucleótidos. Em termos de
tamanho, os RNAs celulares podem ser
constituídos por menos de 100 até milhares de
nucleótidos, os DNAs celulares podem ser muito
longos, podendo chegar a conter milhões de
nucleótidos.
Tanto o DNA como o RNA contêm somente 4
nucleótidos diferentes. Todos os nucleótidos
têm uma estrutura comum: um grupo fosfato
ligado por uma ligação fosfodiester a uma
pentose (uma molécula de açúcar de 5
carbonos), que por sua vez se liga a uma base
orgânica. No RNA a pentose é a ribose e no DNA
é a desoxirribose. Existe também uma diferença
numa das 4 bases orgânicas que compõem o
DNA e o RNA: as bases adenina (A), guanina
Fig 1
DNA. A dupla hélice de DNA é formada por duas cadeias complementares de nucleótidos, formados por um grupo fosfato ligado por uma ligação fosfodiester a uma
pentose e uma base orgânica, emparelhadas de forma antiparalela (uma no sentido 5'◊3', a outra no sentido 3'◊5'). O emparelhamento é mantido por duas ligações
de hidrogénio entre as bases A e T e três ligações de hidrogénio entre as bases G e C.
(G), citosina (C) são encontrados tanto no DNA
como no RNA, mas a Timina (T) só é encontrada
no DNA e o Uracilo (U) só é encontrado no RNA.
As bases G e A denominam-se purinas e as bases
C, T e U denominam-se pirimidinas (Figura 1).
A nível da estrutura estas moléculas também
têm uma estrutura diferente. A molécula de
DNA tem uma estrutura de cadeia dupla. As
duas cadeias da hélice são complementares
uma à outra, o que quer dizer que cada cadeia
de DNA contém informação para a síntese de
uma nova cópia da cadeia complementar. A
dupla hélice de DNA é formada por açúcares desoxirribose de 5 carbonos - ligados por
ligações fosfodiester, formando duas cadeias de
um esqueleto açúcar-fosfato no exterior da
dupla hélice. A cadeia dupla é sustentada pelo
emparelhamento entre as duas cadeias: O G
emparelha sempre com um C, através de 3
ligações de hidrogénio e o A emparelha sempre
com o T, através de 2 ligações de hidrogénio
(Figura 1). A molécula de RNA apresenta uma
estrutura de cadeia simples.
Em todos os processos que envolvem moléculas
de DNA e RNA, a leitura das cadeias é feita no
sentido 5' (extremidade fosfato) 3' (extremidade hidroxil) (figura 1).
2 Gene
Um elemento funcional e transmissível do
genoma é denominado gene, e contém a
sequência de DNA que codifica para uma
proteína (ou mais que uma em alguns casos). A
sequência codificante das proteínas é na
maioria dos genes interrompida por blocos de
sequência não codificante, estes blocos
chamam-se intrões, enquanto que os blocos
codificantes são denominados exões. Os intrões
são removidos por um processo chamado
Fig 2
de modo a que as células filhas recebam uma
cópia de todo o genoma da célula mãe. Para
que isto seja possível, através de um
mecanismo complexo, o DNA das células é
copiado antes da célula se dividir. Assim cada
célula filha recebe uma cópia exacta do DNA da
célula que se dividiu. Esta duplicação do DNA é
chamada de replicação.
A hélice de DNA é formada por duas cadeias
complementares de DNA, sendo que cada
cadeia serve de molde para a síntese de uma
outra cadeia complementar (Figura 3). Em
condições normais o DNA é empacotado numa
estrutura compacta chamada cromatina. Para
que o DNA seja replicado as duas cadeias têm
Correspondência entre
a sequência de nucleótidos na cadeia de DNA, os
nucleótidos do RNA e os aminoácidos da cadeia polipeptídica.
splicing. O promotor é um importante elemento
funcional de um gene. É aqui que a RNA
polimerase se liga para iniciar a transcrição, ou
seja, a síntese de uma molécula de RNA, que é
uma cópia da sequência de DNA. A iniciação da
transcrição é um processo altamente regulado.
Só uma pequena percentagem dos genes em
cada célula é transcrita, sendo a maioria destes
transcritos numa frequência baixa. Somente um
pequeno grupo de genes que codificam para
proteínas altamente expressas são transcritos
com uma alta frequência.
células filhas, e de uma geração para outra.
Para que tal aconteça o DNA é duplicado antes
de uma célula se dividir (replicação). Quando
são necessárias proteínas, os genes
correspondentes são transcritos para RNA
(transcrição). Nas células eucariotas o RNA tem
de ser processado, para que as partes não
codificantes sejam removidas (processamento),
e depois é transportado para fora do núcleo
(transporte). Fora do núcleo, as proteínas são
formadas com base no código contido no RNA
(transdução) (Figura 2).
3 DNA RNA proteína
3.1 Replicação do DNA
Todas as células têm de conter DNA. Antes de
uma célula se dividir tem de replicar o seu DNA,
O DNA é transmitido de uma célula para as suas
Fig 3
Adaptado de P. Berg and M. Singer, 1992, Dealing with Genes, The Language of
Heredity, University Science Books
72
Adaptado de T. Strachan and A. P. Read, 1999, Human
Molecular Genetics 2, 2nd ed., Garland Science
A molécula de DNA, constituída por duas
cadeias complementares antiparalelas, é desenrolada pela acção de
proteínas do complexo de replicação e cada uma das cadeias serve de
molde para a síntese de novas cadeias complementares. Cada moléculafilha de DNA contém uma cadeia parental e uma nova cadeia de DNA,
resultando numa replicação semi-conservativa.
73
Fig 4
.Mecanismo de transcrição para a síntese de RNA. O RNA é transcrito como
uma molécula de cadeia simples, com uma sequência de bases
complementar à cadeia molde do DNA de um gene, com substituição das
bases de timina por uracilo. Para o reconhecimento da região de início da
transcrição, o promotor, é necessária a ligação de vários factores de
transcrição que posteriormente vão permitir a ligação da RNA polimerase
e o início da transcrição.
de ser separadas. As células possuem uma
complexa maquinaria para desenvolverem este
processo. Quando é chegada a altura de replicar,
proteínas de iniciação ligam-se ao DNA, em
regiões denominadas origem de replicação.
Estas regiões são caracterizadas por terem uma
ligação fraca entre as duas cadeias de DNA. Há
cerca de 10 000 origens de replicação no DNA
de uma célula, aumentando deste modo a taxa
de replicação. As proteínas de iniciação
separam as duas cadeias e deixam um pequeno
espaço onde é criada a origem da replicação.
Quando as cadeias estão separadas outro grupo
de proteínas liga-se a cada cadeia e começam a
replicação.
Para completar este processo de replicação as
células têm mecanismos para corrigir erros que
por vezes ocorrem durante a replicação do DNA,
a este mecanismo chama-se sistema de
reparação do DNA. Problemas nestes processos,
de cópia e reparação, resultam numa falha de
replicação e manutenção da integridade do
DNA. Esta falha pode ter consequências
desastrosas, como o desenvolvimento de
cancro, ou se esta mutação ocorrer nas células
germinais, pode dar origem a uma mutação em
determinado gene, que será depois transmitida
de geração em geração. (Ver secção 4).
Desta maneira a replicação constitui a condição
fundamental para o crescimento biológico
(através da divisão celular) e transmissão da
informação genética, do DNA, de geração para
geração.
3.2 Transcrição (RNA)
Em todas as células eucariotas o DNA nunca sai
do núcleo, o código genético (os genes) são
copiados para RNA no núcleo, que é depois
descodificado (traduzido) em proteínas no
citoplasma. No processo de transcrição, a
informação armazenada no DNA é copiada para
o RNA, que tem 3 papeis distintos na síntese
proteica. O RNA mensageiro (mRNA) contém as
instruções do DNA que especificam a ordem
correcta de aminoácidos durante a síntese
proteica, o RNA de transferência (tRNA) que
transporta os aminoácidos até aos ribossomas
onde se realiza a síntese proteica e o RNA
ribossomal (rRNA) que é um constituinte do
ribossoma.
No processo da transcrição normalmente só
uma das duas cadeias de DNA é que serve de
molde para a síntese de RNA. Durante a
transcrição a cadeia dupla de DNA é aberta e a
cadeia de DNA que servirá de molde para a
síntese de RNA forma uma cadeia dupla
transitória, um híbrido DNA-RNA, com a cadeia
crescente de RNA (Figura 4).
3.3 Processamento
Os passos iniciais no processamento de todos os
transcritos primários de RNA (pré-mRNA)
ocorrem nas duas extremidades da molécula e
estas modificações são essenciais para a
obtenção de um mRNA estável. Uma nova cópia
de mRNA de um determinado gene,
denominado de pré-mRNA, antes de sofrer o
processamento deve passar por 3 modificações
(ainda antes de sair do núcleo e ser traduzido
numa proteína):
1 Capping - este processo ocorre antes da
transcrição estar concluída. Um nucleósido
metilado (7-metilguanosina) liga-se à
extremidade 5' do RNA. Pensa-se que esta
modificação facilite o transporte do RNA do
núcleo para o citoplasma, sendo importante
para o início da síntese proteica e servindo
como estabilizador, protegendo o mRNA de
da identificação das zonas de splicing, nas
fronteiras intrão/exão. Em particular este
mecanismo é dependente da regra chamada de
GT-AG: os intrões quase sempre começam com
GT (ou GU a nível do pré mRNA) e terminam em
AG. Embora os nucleótidos GT (GU) e AG sejam
cruciais para o splicing, por si só não são
suficientes para sinalizar a presença de um
intrão. A comparação de variadas sequências
revela que as sequências adjacentes aos
dinucleótidos GT e AG mostram um elevado
grau de conservação. Existe também uma
terceira
região
intrónica
conservada,
funcionalmente importante no splicing,
denominada branch site, que é normalmente
localizada muito perto do fim do intrão, a cerca
de 40 nucleótidos antes do dinucleótido
terminal AG.
A maioria dos mRNAs eucarióticos contém
também regiões não codificadas nas duas
extremidades; estas são referidas como 5' e 3'
regiões não codificantes (UTRs - untranslated
regions).
degradação enzimática.
2 Cauda poli-A - uma enzima especial (poli-A
polimerase) liga uma cadeia de 150-200
nucleótidos de adenina à extremidade 3' do
pré-mRNA, imediatamente depois da
transcrição. Pensa-se que a cauda poli (A)
tenha várias funções: facilite o transporte para
o citoplasma, aumente a estabilidade do
mRNA, e deste modo prolongue o tempo de
vida da molécula de RNA e talvez facilite a
tradução,
permitindo
um
melhor
reconhecimento do mRNA pela maquinaria do
ribossoma.
3 Splicing - o processo final do processamento
do pré-mRNA é a remoção de sequências não
codificantes, os intrões, seguido da ligação dos
exões, para criar o mRNA, contendo somente as
sequências que codificam para a proteína. Este
processo é realizado pelo spliceossoma. O
spliceossoma é um complexo especial formado
por proteínas e por moléculas catalíticas, os
snRNAs (RNAs pequenos e nucleares). O
mecanismo de splicing do RNA é dependente
Quadro I
GCA
GCC
GCG
GCU
AGA
AGG
GGA
CGA
GGC
AUA
CGC
CGG GAC AAC UGC GAA CAA GGG CAC AUC
CGU GAU AAU UGU GAG CAG GGU CAU AUU
UUA
UUG
CCA
CUA
CCC
CUC
UUC CCG
CUG AAA
CUU AAG AUG UUU CCU
AGC
AGU
UCA
UCC
UCG
UCU
GUA
ACA
GUC UAA
ACC
ACG
UAC GUG UAG
ACU UGG UAU GUU UGA
Ala
Arg
Asp Asn
Cys
Glu
Gin
Gly
His
IIe
Leu
Lys
Ser
Thr
Trp
Tyr
A
R
D
C
E
Q
G
H
I
L
K
S
T
W
Y
N
Met Phe Pro
M
F
P
Val stop
V
Código genético. A informação contida na sequência
de nucleótidos dos genes traduz-se, numa fase final, em aminoácidos através da leitura de codões
(conjunto de 3 nucleótidos) no mRNA. Apesar de existirem todas as combinações possíveis entre os 4 nucleótidos
(A, C, G, T/U), existe redundância do código genético fazendo com que apenas se codifiquem 20 aminoácidos diferentes, para além dos codões stop.
74
3.4 Transporte
Uma vez que o DNA é transcrito em mRNA no
núcleo e a síntese proteica ocorre no
citoplasma, o mRNA tem de sair do núcleo e ir
para o citoplasma. O ambiente do núcleo é
diferente do ambiente do citoplasma. Para
separar estes dois ambientes diferentes o
núcleo está rodeado por uma membrana dupla,
e a única ligação com o citoplasma circundante
é através de canais chamados complexo poronuclear (NPC, nuclear pore complex). Quando
chega a altura do mRNA sair do núcleo, pensa-se que o mRNA é etiquetado por proteínas que
servem como sinais de exportação, dirigindo o
mRNA para o complexo poro-nuclear pelo qual
o mRNA sairá. O mRNA e estas proteínas de
exportação ligam-se a receptores de exportação
e
e o complexo total (RNA, proteínas
receptores de exportação) é translocado através
do complexo poro-nuclear. O mRNA é libertado
para o citoplasma e fica imediatamente
disponível para a próxima fase: a tradução.
3.5 Tradução da proteína
A tradução é a síntese de proteínas dirigida por
um molde de mRNA e é também o passo final
de todo este processo complexo. A tradução é
dependente de uma série de componentes, dos
quais dois são extremamente importantes. O
primeiro é o ribossoma, a fábrica celular
responsável pela síntese proteica, e que
consiste em duas subunidades diferentes, uma
pequena e outra grande, e é constituído por
rRNA e proteínas. O segundo componente é o
RNA de transferência, tRNA, uma molécula de
75
RNA especializada que transporta um
aminoácido numa extremidade e tem um
tripleto de nucleótidos, chamado de anti-codão,
na outra extremidade. O processo da tradução
pode então ser dividido em 3 fases: iniciação,
alongamento e terminação. A informação
contida na sequência de nucleótidos de uma
molécula de mRNA é lida em sequências de 3
nucleótidos, denominados codões. A cada
codão corresponde um aminoácido, apesar de
um determinado aminoácido poder ser
codificado por diferentes codões como resultado
da redundância do código genético (Quadro 1).
O codão AUG que codifica para a metionina,
funciona como o codão de iniciação para a
maioria dos mRNAs. Um aspecto crítico para a
iniciação deste processo, é começar a síntese
proteica no codão de iniciação, estabelecendo
assim a grelha de leitura correcta (in frame)
para a tradução do mRNA. O reconhecimento do
local de início da transcrição pela subunidade
pequena do ribossoma (30S) requer diferentes
factores. A maioria dos mRNA tem um sítio
único de iniciação perto da extremidade 5'cap.
A interacção do ribossoma com esta
Fig 5
Ribossoma
Cadeia aa 1 aa 2 aa
(rRNA+proteína)
3
polipetidica
aa 4
aa
crescente
6
aa 5
aa
7
tRNA
mRNA
5‘
tRNA4 a
abandonar
C
o ribossoma C C
aa7-tRNA7
C A G a entrar no
ribossoma
U U U A G C
G G G A A A A U C G G UC
3‘
codão codão codão codão codão codão codão
aa2
aa3
aa5
aa6
aa7
aa1
aa4
Fase de alongamento da tradução.
Estão representados os três papeis do RNA na síntese proteica. O RNA mensageiro
(mRNA) é traduzido em proteína pela acção conjunta do RNA de transferência (tRNA)
e do ribossoma, que é composto por numerosas proteínas e RNAs ribossomais.
Adaptado de A. J. F. Griffiths et al., 1993, An Introduction to Genetics
Analysis, 5th ed., W. H. Freeman
extremidade metilada 5´cap, que será
removida, inicia este processo. Quando a
unidade pequena ribossomal ligada ao MettRNAiMet está correctamente posicionada no
codão de iniciação, a sua união com a grande
subunidade ribossomal (60S) completa a
formação do complexo ribossomal 80S de
iniciação. Este complexo está agora pronto para
começar a fase de alongamento, ou seja a
adição de aminoácidos pela tradução in frame
do mRNA (Figura 5).
Os passos principais do processo de
alongamento são: a entrada de sucessivos
tRNAs associados a aminoácidos, a formação de
uma ligação peptídica entre aminoácidos
adjacentes e o movimento ou translocação do
ribossoma ao longo mRNA. O anti-codão de um
Fig 6
DNA Cromossomal
Transcrição
Transcrito primário
(pré-mRNA)
Processamento do RNA
Núcleo
5‘
3‘ mRNA
Citoplasma
rRNA
RNA´S Citoplasmaticos
Ribossoma
mRNA
tRNA
Tradução
N
C
N
Processamento
pós-traducional
C
Proteínas Intracelulares
(citoplasmáticas, nucleares, outros organelos)
Proteínas Secretadas
.Expressão génica nas células eucarioticas. A expressão da informação genética em
todas as células é, maioritariamente, um sistema unidireccional: o DNA especifica a
síntese de RNA e este, por sua vez, dirige a síntese de polipéptidos para a formação
de proteínas. Na maioria das vezes estas proteínas têm ainda de uma série de
processos para serem depois direccionadas para o seu local especifico na célula.
Devido a esta universalidade, o fluxo de informação genética em DNA◊ RNA◊
proteína é descrito como o dogma central da biologia molecular.
tRNA emparelha e forma ligações químicas,
com o codão de 3 nucleótidos do mRNA. Deste
modo o tRNA actua como o tradutor entre o
mRNA e a proteína, trazendo o aminoácido
específico codificado pelo codão de mRNA.
Durante esta fase da tradução os aminoácidos
são ligados entre si, dentro do ribossoma, e
formam uma cadeia polipeptídica através de
reacções bioquímicas múltiplas, que assumirá
posteriormente a forma de uma proteína
(Figura 5). O fim da tradução de uma proteína
chega quando o ribossoma encontra um dos 3
codões de terminação (stop) representados na
Tabela 1.
Apesar da síntese proteica ser o passo final da
expressão génica (Figura 6), a tradução do
mRNA é só o primeiro passo para a formação de
uma proteína funcional. A cadeia polipeptídica
formada tem depois de adoptar a estrutura
tridimensional apropriada e, na maioria das
vezes, ainda tem de sofrer uma série de
processos até ser convertida na sua forma
activa. Estes processos, particularmente nos
eucariotas, estão intimamente ligados à
determinação da localização e transporte das
diferentes proteínas para o seu destino final.
4 Tipos e mecanismos de mutação
Alterações na sequência de DNA durante alguns
dos processos aqui apresentados, por exemplo
na replicação e splicing, podem levar ao
aparecimento de mutações que causem
doenças, como acontece na Hipercolesterolemia
Familiar, já abordada do ponto de vista clínico,
no primeiro número desta revista e de que
ainda voltaremos a falar. Existem vários tipos de
mutações: 1. mutações missense ou pontuais,
alteração de um nucleótido que leva à alteração
de um aminoácido; 2. mutações nonsense ou
stop, alteração de um nucleótido que leva ao
76
aparecimento prematuro de um dos 3 codões
stop, levando à terminação precoce da síntese
da proteína; 3. pequenas deleções (del) e/ou
inserções (ins), deleção ou inserção de um
pequeno número de nucleótidos que poderão
ou não alterar a grelha de leitura da sequência
do mRNA. Quando a deleção ou inserção é de 3
ou múltiplos de 3 nucleótidos, diz-se que é uma
del/ins in frame pois não altera a grelha de
leitura. Outras combinações de deleção e/ou
inserção de nucleótidos levam à alteração da
grelha de leitura resultando na maioria dos
casos no aparecimento precoce de um codão
stop, ou seja, a terminação precoce da síntese
da proteína. Estas mutações que não ocorrem in
frame podem ser são também denominadas de
mutações frameshift pois alteram a grelha de
leitura do mRNA. 4. grandes deleções e
inserções - deleção ou inserção de grandes
sequências de nucleótidos, que ocorrem
normalmente em regiões repetitivas do gene,
muitas vezes devido a recombinação entre
sequências repetitivas Alu, comuns no nosso
genoma; 5. mutações de splicing - alteração de
um dos nucleótidos nas regiões conservadas de
splicing, ou locais críticos nos exões que vão
levar ao splicing incorrecto do mRNA, levando
na maioria das vezes à deleção de um exão
completo, processo também denominado de
skipping, ou então à retenção de parte de um
intrão que também poderá levar ao
aparecimento precoce de um codão stop, ou
seja a terminação precoce da síntese da
proteína. As mutações missense são as mais
comuns na maioria das doenças genéticas, mas
77
também as mais difíceis de identificar como
causadoras de doença, sendo necessário
recorrer a estudos funcionais in vitro, para
atestar que são patogénicas. Para que se possa
provar que as mutações de splicing alteram na
realidade o splicing do mRNA, também é
necessário a realização de estudos de RNA do
doente, ou em sistemas heterologos. Todas as
outras mutações que levam ao aparecimento
precoce de um codão stop ou à deleção e/ou
inserção de um pequeno ou grande número de
nucleótidos numa região que codifica para uma
parte importante da proteína, não necessitam
da realização de estudos funcionais, uma vez
que a proteína produzida nunca terá a função
completa e na maioria dos casos este tipo de
mutações leva mesmo à instabilidade do RNA,
que acaba por ser degradado na célula.
Todos estes processos aqui descritos são
complexos, mas tão bem codificados que
raramente ocorrem erros na transcrição da
informação genética nas células. Se ocorre
um erro num gene (ou seja uma mutação),
esse erro vai condicionar o funcionamento de
uma determinada proteína, podendo ser
mais ou menos grave. Mas estes processos
são de tal maneira regulados que, a
ocorrência de um erro genético de novo é
raro.
Habitualmente
as
alterações
encontradas num indivíduo são herdadas de
um dos progenitores e depois transmitidas
aos descendentes. É por isso que se fala em
doenças familiares ou genéticas.
Mafalda Bourbon
Bibliografia
• Lodish H, Berk A, Zipursky SL, Matsudaira P, Baltimore D, Darnell JE.
1999. Nucleic Acids, the Genetic Code, and the Synthesis of
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•Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, Lewontin RC, Gelbart WM. 1999.
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•Strachan T, Strachan R, Andrew P. 1999. DNA structure and gene
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•Alberts B, Johnson A, Lewis J, Raff M, Roberts K, Walter P. 2002. Basic
Genetic Mechanisms. In: Molecular Biology of the Cell Fourth Edition.
New York, Garland Science
•Berg P and Singer M. 1992. In: Dealing with Genes, The Language
of Heredity. University Science Books, Mill Valley, CA.
Agradecimentos
Agradece-se à Dra. Sonia Silva (Unidade de
Investigação Cardiocascular, CBP, INSA) a criação
e adaptação das figuras que acompanham este
artigo.
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