1 SÉRIE RELACIONAMENTOS SAUDÁVEIS Estudo 2: Amar e ser amado ESTUDO BÍBLICO 1 Introdução Amor é um assunto bastante batido no meio cristão. Entretanto, parece ser um tópico simples de entender, mas difícil de se por em prática! Não é possível vivermos em comunhão se não amarmos uns aos outros, isto é, se não praticarmos o amor de Deus entre nós. Por isso, hoje estudaremos algumas características deste amor de Deus. Ninguém foi mais claro e mais insistente neste assunto que o apóstolo João em suas epístolas. Vamos aprender com ele sobre o amor divino. 2 Análise do texto bíblico “7Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. 8Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. 9Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. 10Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. 11Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar uns aos outros. [...] 20Se alguém afirmar: “Eu amo a Deus”, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. 21Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.” (1 João 4:7-11, 20-21, NVI). 2.1 Contexto histórico A comunidade para quem João escreve está vivendo um momento difícil. Um grupo de participantes deixou a igreja para seguir o Gnosticismo.1 Valorizando o conhecimento especial obtido em sua seita, tal grupo entendia que não tinha mais pecados. Por isso eles não viam sentido na morte expiatória de Jesus por seus pecados. Também ridicularizavam a ética bíblica, entendendo que bastava conhecimento (gnosis) para alcançar a salvação. Defendiam que bastava amar a Deus, e isto nada tinha a ver com amar o próximo. O apóstolo João escreve para corrigir tais erros e alertar sua comunidade contra tal heresia. João generaliza bastante, colocando todos os assuntos em categorias bipolares, em preto e branco. Não há espaços para cinzas nesta epístola. Para entendermos esta passagem, é preciso antes definir o que é amor. Amor é, em sua essência, relacional. Há sempre duas partes envolvidas. Ninguém simplesmente ama; ama-se alguém ou algo. Contudo, há formas diferentes de amar os outros. Dos quatro verbos gregos diferentes para “amar” (amor sexual, filial, entre amigos, sacrificial), João está tratando aqui obviamente do amor sacrificial. Ele usa este verbo e seus derivados muitíssimas vezes nesta epístola! Que diferença há 1 O Gnosticismo é um termo difuso para designar várias crenças similares seguidas por grupos variados. Sua ênfase principal está na gnose, o conhecimento especial dado apenas aos iniciados e que leva à salvação da alma em detrimento do corpo, que é mau. No meio cristão, obteve grande penetração em algumas igrejas do período pós-apostólico. João lida aqui com uma forma inicial que se manifestou na cidade de Éfeso (onde se crê que João passou seus últimos anos). 2 entre este amor e o “amor comum” do mundo? Veja uma pista em Mt 5:43-48! Além disso, este amor não é mero sentimento.2 É fruto de nossa vontade e de nossa disposição em agir de certa forma para com o outro. O sentimento também existe, mas ele não comanda a situação. Não é uma paixão temporária, mas uma emoção estável que se submete ao nosso controle. Quando amamos, agimos com amor, mesmo quando ainda nada sentimos. Nestes casos, o sentimento vai surgindo aos poucos, vai sendo derramado por Deus em nossos corações. REFLEXÃO: Relembre uma experiência onde o amor sacrificial foi demonstrado por alguém a você. 2.2 A fonte do amor “Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.” (vv.7-8) Devemos nos amar uns aos outros porque o amor procede de Deus e Deus é amor. Esta frase “Deus é amor” indica que o amor é uma qualidade divina, parte essencial de sua natureza. João não está dizendo que “Deus = amor”, como se Deus fosse algo impessoal, um sentimento. O que o apóstolo afirma é que toda manifestação de amor sacrificial é um reflexo da pessoa de Deus. Se Deus não existisse, não haveria amor! Além disso, só aprendemos a amar quando conhecemos a Deus.3 Se só Deus é a fonte de todo o amor, só indo até ele podemos entender o que é amor, ser amados e depois transbordar deste amor para os outros. Mas na medida em que conhecemos a Deus, é inevitável que seu amor seja derramado em nossos corações (Rm 5:5). Então o seu amor se aperfeiçoa em nós por meio de nossa prática deste amor (1Jo 4:12), e passamos a conhecer a Deus ainda mais. Assim, aqueles que conhecem a Deus não podem deixar de amar continuamente.4 Veja o v.16: permanecer no amor é permanecer em Deus! Portanto, conclui-se que é a persistência no amor que revela aos outros que somos nascidos de Deus.5 Pois amar é refletir quem Deus é, de tal forma que ao amarmos nos tornamos semelhantes a Deus. Consequentemente, quem é continuamente incapaz de amar “nunca conheceu a Deus”!6 REFLEXÃO: Como você pode provar na sua vida que você já conhece a Deus? Exemplifique. 2.3 A revelação do amor “Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito7 ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e en- 2 Muitos confundem paixão com amor. Se seu grupo tiver dúvidas, explique a diferença! Na Bíblia, conhecer sempre tem o sentido de conhecimento experimental e não apenas teórico. Não é conhecer “sobre Deus”, como muitos hoje o fazem, mas conhecer “a Deus” entrando num relacionamento vivo com ele. João salienta bastante o amor sacrificial como consequência prática deste conhecimento, confrontando a busca gnóstica pelo conhecimento em si. 4 Tanto o primeiro verbo (“amemos”) como os dois posteriores (“ama”) indicam um ato contínuo e prolongado. 5 Cuidado aqui para não se concluir a partir deste verso isolado que todos os que amam são nascidos de Deus. João é bem enfático em toda a epístola na ordem correta: primeiro somos amados e nascemos de Deus, depois amamos. Há muitos que manifestam certos aspectos do amor divino devido à graça comum; outros porque entendem que “amando” outros obterão para si recompensas ou salvação. 6 O tempo verbal usado no original indica uma condição desde o princípio: não conhece e não conheceu. 7 O termo “Unigênito” não significa que Jesus é o único filho de Deus (pois nós também somos feitos filhos de Deus, Jo 1:12), mas sim que ele é o único de seu tipo. Veja, por exemplo, Hb 11:17, onde Isaque é descrito como “unigênito” por ser o único filho da promessa, mesmo embora não sendo o único filho de Abraão. 3 3 viou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar uns aos outros.” (vv.9-11) Nestes versos João explica como é o verdadeiro amor sacrificial. Já vimos que a única fonte deste amor é Deus. Por isso, somente ele poderia nos ensinar como viver este amor. E a forma máxima de expressão deste amor de Deus foi o envio de seu próprio Filho para sofrer a penalidade devida pelos nossos pecados.8 Sua morte, além de quitar nossa dívida com Deus, serve para outra finalidade: Jesus morreu “para que pudéssemos viver por meio dele”.9 E o amor sacrificial divino consiste nisto: em ter nos amado desta forma intensa sem exigir nada em troca. Ainda éramos seus inimigos (Rm 5:8) e não tínhamos vontade nem condições de amá-lo ou buscá-lo (Rm 3:11). Mesmo assim “ele nos amou primeiro” (1Jo 4:19). O amor sacrificial se expressa sem exigências (1Co 13) e vai se acumulando. Quando transborda em nossos corações, acaba nos transformando e gerando um amor recíproco. Isto é, nós amamos apenas porque Deus nos amou primeiro e o seu Espírito Santo transformou nossos duros corações em corações capazes de amar como Deus. Diante desta maravilhosa manifestação de amor, João exorta novamente: temos que nos amar uns aos outros! É estranho, não? João não nos exorta a amarmos a Deus, retribuindo seu amor. Antes, ele diz que o amor de Deus manifestado em Cristo Jesus é a perfeita motivação para amarmos os outros de forma sacrificial (veja também 1Jo 3:16). Se você reconhece que Deus o ama tanto assim, isto significa que Deus derramou do seu amor no seu coração. Como, então, você pode não amar os seus irmãos por quem também Jesus morreu? REFLEXÃO: Como você explica a crianças pequenas este amor de Deus e suas consequências? 2.4 A prática do amor “Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.” (vv.20-21). João fecha seu discurso sobre amor neste capítulo com uma argumentação lógica. Se alguém permanece odiando seu irmão, que é visível e palpável, certamente não consegue continuar amando a Deus, que é invisível e intangível. É muito fácil afirmar que amamos a Deus, pois ele não costuma revelar de forma audível aos outros o que se passa em nosso interior. Mas João revela aqui um teste bem prático: a única maneira de provarmos que amamos a Deus é amando ao nosso próximo a quem Deus ama. O único modo de provarmos que Deus permanece em nós (v.12) é mostrando continuamente o seu amor pelos outros em nossas vidas. Isto fica bem claro e prático em 1Jo 3:16-18! Se nosso irmão padece necessidades e nada fazemos para ajudá-lo, como pode permanecer o amor de Deus em nós? Em resumo, João procura indicar nestes versículos três motivos pelos quais devemos amar os outros. Primeiro, porque amar o outro reflete quem Deus é e nos aproxima dele. Segundo, porque amar o outro é mera reação ao amor que Deus demonstrou por nós em Jesus. Terceiro, porque amar o outro é uma prova concreta do nosso amor a Deus. 8 João está refutando aqui a afirmação gnóstica de que a morte de Jesus não tinha valor para remover nossos pecados (tal como já fizera em 1Jo 2:2; 3:5). Por isso ele afirma que o importante não é dizermos que amamos a Deus, como afirmavam os gnósticos, e sim que Deus nos amou de tal forma que enviou seu Filho para nos salvar (cf. Jo 3:16) e fazer expiação pelos nossos pecados. 9 Para pessoas novas na fé ou não participantes de igreja, este conceito de viver a vida de alguém que morreu pode parecer estranho. Procure explicar a troca que Jesus fez conosco: morreu a nossa morte para vivermos a sua vida (2Co 5:15; cf. Rm 6:8; 2Co 4:10-11; Cl 2:13). 4 REFLEXÃO: Você consegue passar no teste prático de João e provar que ama a Deus? 3 Exemplos práticos 3.1 Amando “demais da conta” Em Mt 26:6-13, lemos sobre uma mulher que ungiu a Jesus com um precioso bálsamo. A devoção a Jesus foi tanta que esta mulher não mediu o preço do perfume que usou para ungi-lo (valia um ano de trabalho!). Amar é ... não se importar com o tamanho da conta! 3.2 Amando mais do que a si próprio Em Rt 1 (especialmente versos 15 a 18), vemos Rute se apegar a Noemi e se recusar a deixá-la sofrer sozinha. É nos tempos difíceis que conhecemos quem são os verdadeiros amigos. Rute exemplifica o amor sacrificial que se manifesta ficando perto, servindo o outro. Amar é ... estar presente a todo tempo! 3.3 Amando e perdoando O profeta Oséias recebe a ordem de se casar com uma mulher de prostituição (Os 1:1-2). Ela o abandona e o trai. Mas ele continua a amando e a resgata de seu gigolô para que volte a ser sua esposa (Os 3:1-5). Amar é ... perdoar o impensável! REFLEXÃO: Complete com uma definição sua bem prática: “Amar é ...” 4 Pesquisa adicional Se desejar estender o estudo para além do amor ao próximo no grupo, você pode investigar também os seguintes assuntos: A importância de se sentir amado e aceito por Deus em Jesus O que significa na prática amar ao Senhor de todo o coração (Dt 6:5)? É conhecer as Escrituras? É cumprir com exatidão os rituais religiosos? Como o amor ao próximo se relaciona com o amor a si mesmo (Mc 12:28-34)? O que evitar fazer para não escandalizar um irmão fraco (Rm 14-15; 1Co 8)? De que forma o amor de Deus em nós deve se estender à sua criação? Para pesquisar mais sobre o amor cristão, examine estes textos correlatos: Devemos amar uns aos outros: Rm 12:10; 1Ts 4:9; 1Pe 1:22; 1Jo 3:11,23; 2Jo 5 Andar em amor implica em perdoar: Ef 4:32-5:1 O amor ao próximo cumpre a lei: Rm 13:8-10 O amor cobre multidão de pecados: 1Pe 4:8 Para estudar mais sobre diferentes formas de expressar o amor, sugerimos o livro “As cinco linguagens do amor”, de Gary Chapman, editora Mundo Cristão, 1997. 5 Bibliografia DE BOOR, Werner. Cartas de João. Comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 2008. ROBERTSON, A. T. Word Pictures in the NT. Nashville: Broadman, 1930. SMALLEY, Stephen S. 1, 2, 3 John. Word Biblical Commentary 51. Dallas: Word, 2002.