Borburema

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MÚSICA INDEPENDENTE: ORGANIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO DE ENTIDADES
MUSICAIS NO CENÁRIO CULTURAL DA CIDADE DE BELO HORIZONTE
Débora Gonçalves Borburema
RESUMO: No Brasil, o setor musical que se encontra fora do mercado comercial
tradicional tem se organizado em grupos, coletivos, redes sociais e associações na busca
de espaço para produção e propagação de sua música, classificando-se como “música
independente”. O presente trabalho apresenta o estudo do setor musical independente na
cidade de Belo Horizonte, situada no estado de Minas Gerais, enfocando
especificamente duas entidades que promovem a música independente na cidade
estudada, sendo elas o “Coletivo Pegada” e a “SIM – Sociedade Independente da
Música”, objetivando identificar através de uma análise etnomusicológica, os aspectos
que atuam na constituição identitária do cenário musical independente de Belo
Horizonte, a partir da compreensão e caracterização da organização e articulação desse
setor.
ABSTRACT: In Brazil, the music industry which is outside the traditional commercial
market has been organized into groups, collectives, social networks and associations in
the search space for production and propagation of his music, being classified as
"independent music". This paper presents the study's independent music sector of the
city of Belo Horizonte, located in the state of Minas Gerais, focusing specifically on
two entities that promote independent music in the city studied, and they "Collective
Pegada" and "SIM - Society of Independent Music "in order to identify through an
ethnomusicological analysis, the aspects that work in the identity construction of the
independent music scene in Belo Horizonte, from the understanding and
characterization of the organization and articulation of this sector.
O mercado cultural brasileiro encontra-se em constante movimento, onde
diversas manifestações artísticas buscam diferentes formas de se inserir e de se
reafirmar nesse setor, muitas vezes desenvolvendo meios próprios para isso.
No que se refere à musica, o mercado comercial das grandes gravadoras que
circula pelo Brasil é geralmente restrito a determinados estilos e artistas propagados
pela mídia, onde não há espaço para a diversidade musical presente no país.
O setor musical tem se organizado em grupos, coletivos, redes sociais e
associações na busca pelo espaço para a produção musical que se encontra fora do
mercado comercial tradicional, classificando-se como “música independente”. Dentro
desse contexto, ações alternativas como trabalho colaborativo e o trabalho em rede se
destacam, no qual entidades como o “Coletivo Pegada” e a “SIM – Sociedade
Independente da Música” vem ganhando espaço no cenário musical da cidade de Belo
Horizonte, estado de Minas Gerais, através da abrangência e criatividade na articulação
na produção e propagação da música independente por meio da organização desse setor
musical (PINHEIRO, 2010).
O presente trabalho apresenta o estudo do setor musical independente de Belo
Horizonte enfocando especificamente duas entidades que promovem a música
independente na cidade estudada, sendo elas o “Coletivo Pegada” e a “SIM – Sociedade
Independente
da
Música”,
objetivando
identificar
através
de
uma
análise
etnomusicológica, os aspectos que atuam na constituição identitária do cenário musical
independente de Belo Horizonte, a partir da compreensão e caracterização da
organização e articulação desse setor.
A criação musical brasileira foi marcada no final da década de 1970 e início da
década de 1980 por uma grande quantidade de produção fonográfica realizada fora das
grandes gravadoras, que até então dominavam o mercado da produção fonográfica
brasileira (LOPES, 2005, MARCHI, 2006).
A produção musical independente estabeleceu um novo cenário atuando na
reestruturação da indústria fonográfica no Brasil nos anos 90, onde começaram a
efetivamente ganhar um pequeno espaço no mercado e influenciando as escolhas das
grandes gravadoras quando estas queriam investir em novos nomes (LOPES, 2005,
MARCHI, 2006; 2007). Para Leonardo de Marchi (2006, p. 121) estudioso da música
independente brasileira, a trajetória do cenário musical independente permite dizer que
este setor musical vai “do marginal ao emprendedor”, onde primeiramente essa
produção musical ficava marginalizada do mercado massivo, mas com o
desenvolvimento e articulação desse setor, o cenário musical independente foi ganhando
um caráter empreendedor onde os atores envolvidos neste setor vem se especializando e
buscando meios de se encaixar no sistema, tornando-se “harmônico à indústria
fonográfica”.
A Etnomusicologia, base investigatória deste trabalho, tem como princípio o
estudo e compreensão da música na cultura e como cultura (MERRIAM, 1964). As
diferentes formas com que a música é produzida, propagada e organizada em seu meio
refletem uma variedade de símbolos e significados dos quais podem ser utilizadas como
fonte de estudo para compreensão da música em seu contexto cultural onde numa visão
holística, música não se dissocia de cultura (BLAKING, 1973; MERRIAM, 1964;
NETTL, 1983, 1997).
O etnomusicólogo John Blaking (1973, p. 20) dentro de uma perspectiva
etnomusicológica, afirma “sendo a música a organização humana do som, há de haver
uma correlação entre os padrões de correlação humana e os padrões sonoros que se
produz enquanto fruto da interação humana”, assim, para compreender a música
independente há de se considerar o fazer musical também como resultante de meio
sócio-cultural na qual esta se insere.
Nesse sentido, a música independente pode ser analisada através dos aspectos
sócio-culturais que influenciam a constituição desse setor, suas articulações para a
propagação e difusão da música, como o apoio de políticas públicas e os atuais meios
alternativos de propagação da música, como a internet, os símbolos e significados
agregados ao fazer musical e ao trabalho colaborativo e em rede.
Na música independente, os coletivos musicais são grupos constituídos por
indivíduos que de maneira colaborativa vem articulado ações que buscam viabilizar a
produção e sustentabilidade da música independente, como por trocas pela internet e
economia solidária, tendo comumente como uma de suas catacterísticas “agregar estilos
e tendências comuns dos mais variados profissionais, e atuar como um facilitador das
ações de promoção e produção” (PINHEIRO, 2010, p. 63).
A ação de coletivos tem revolucionado as possibilidades de produção e difusão
da música. A organização de ações alternativas e criativas, como formação de coletivos,
trocas pela internet e a economia solidária influenciaram a criação do Circuito Fora do
Eixo (CFE), uma rede nacional de coletivos culturais, constituídos por bandas,
produtores, jornalistas interconectadas através das novas formas de comunicação.
Atualmente integram o Circuito 47 Pontos Fora do Eixo, sendo 17 no Sudeste – dos
quais 8 estão no Estado de Minas Gerais (Minas; Música, 2010, p. 5).
O Coletivo Pegada, integrante do CFE é responsável por integrar a cidade de
Belo Horizonte neste cenário nacional, o qual trabalha pautado em ações em rede, na
cooperação, na descentralização e na economia solidária. Assim o Coletivo Pegada
contribui efetivamente na cena independente da cidade, desenvolvendo ações
estruturantes em “quatro pilares”, visando o desenvolvimento, a sustentabilidade e uma
nova lógica de produção cultural pautada em princípios de “auto-gestão, protagonismo,
empoderamento e autonomia” (COLETIVO PEGADA, 2011).
O Coletivo Pegada tem grande destaque na cena musical independente de Belo
Horizonte (PINHEIRO, 2010, p. 63). Atualmente o grupo agrega sete bandas,
produtores, músicos, editores, designers, poetas, DJs, jornalistas, cineastas, e outros
profissionais. Na declaração de Lucas Mortimer, coordenador do Coletivo Pegada, no
estudo realizado pela Fundação João Pinheiro em 2010 sobre a cadeia produtiva da
música da cidade de Belo Horizonte, é possível observar a importância do caráter
colaborativo e do trabalho em rede nas ações do coletivo:
Nas palavras desse coordenador do Coletivo, “essa cadeia vem não só da
parte da música, vem de toda a produção mesmo, desde o início: planejar o
show, fazer a divulgação(...). A gente produz camisas, nós mesmos vamos lá
pintar as camisas, um fazendo a camisa do outro, trocando esse trabalho, um
ajuda o outro de forma que todo mundo consegue chegar àquele objetivo
final que é a estruturação de uma cena. Juntam-se, por exemplo, as bandas
que têm afinidade, pessoas que tenham alguma afinidade, porque o coletivo
hoje é formado também por pessoas que não são músicos, nós temos dois
cineastas, um designer, relações públicas. A cena é feita de várias outras
ações e essa cadeia vai se expandindo. Então, ele vai buscando parcerias com
outros coletivos, com outras ações, com outras pessoas, e a tendência é que
isso cresça e que todos possam fazer essa troca de forma diferente, mas a
gente quer que as coisas sejam da forma que a gente acredita. A gente não
quer se voltar para o mercado, a gente gostaria que o mercado se voltasse pra
gente – às vezes não é o fato de ser comercial que vai deixar de ser
independente.” (PINHEIRO, 2010, p. 61)
Assim, é possível perceber que no coletivo, a produção dessa música é
influenciada pela forma como é produzida e articulada. Segundo Tiago de Oliveira
Pinto (2001, p. 223), numa visão etnomusicológica “música não é entendida apenas a
partir dos seus elementos estéticos mas, em primeiro lugar, como uma forma de
comunicação que possui, semelhante a qualquer tipo de linguagem, seus próprios
códigos”. Nesse sentido podemos entender os valores fazer musical gerados através
desse grupo, onde o processo e o produto vem agregado à significados inerentes à
aspectos como o trabalho em grupo, a cooperação e o trabalho em rede.
Dentre as ações do Coletivo Pegada está o site “www.coletivopegada.org” que
divulga e propaga a música independente de Belo Horizonte com notas sobre produção
musical, mercado de música independente, agenda de shows, festivais, eventos de
formação musical e movimentação da cadeia produtiva da cultura alternativa de Belo
Horizonte, o qual recebeu o “Prêmio de Mídias Livres” do Ministério da Cultura 2010
(COLETIVO PEGADA, 2011).
Para promover circulação da música o Coletivo recebe artistas de fora e envia
artistas de Belo Horizonte para se apresentarem em diferentes regiões do Brasil,
promovendo shows e festivais. O Coletivo Pegada promove também ações de Formação
e Capacitação de novos agentes da cultura, realizando oficinas, seminários, colunas e
lançando material didático (COLETIVO PEGADA, 2011).
A “Sociedade Independente da Música – SIM”, segunda entidade a ser focada
nesta pesquisa, é uma associação criada por músicos, compositores, produtores,
jornalistas culturais e outros militantes do cenário independente da música. Constitui-se
uma associação sob a forma de uma instituição privada, de caráter sócio-cultural,
apartidária, sem fins lucrativos com sede em Belo Horizonte (SIM, 2011).
Dentre os objetivos dessa entidade estão: formar representação nos conselhos e
instâncias que tratem da atividade musical; defender a pluralidade de expressões
musicais nos meios de comunicação; buscar canais alternativos de financiamento para a
área musical; favorecer a colaboração e cooperação entre os profissionais dos diversos
setores da música, contribuindo para a organização independente das atividades destes
profissionais e promover debates, palestras, seminários, congressos, cursos, concursos e
eventos de toda a natureza cujo tema seja a música (SIM, 2011).
De acordo com a Fundação João Pinheiro, a Sociedade Independente da Música
tem tido uma participação efetiva no cenário musical independente da cidade de Belo
Horizonte (PINHEIRO, 2010, p. 14). A Sociedade Independente da Música busca
realizar ações que abrangem a música feita em Minas Gerais. Este projeto foca
especificamente as ações realizadas com a música produzida em Belo Horizonte, cidade
onde acontecem as reuniões e seminários promovidos pela entidade.
O Projeto “Música Independente” criado em 2005 numa parceria entre a
Sociedade Independente da Música, Fundação Clóvis Salgado, a Rede Minas, a Rádio
Inconfidência, buscou difundir trabalhos inéditos de intérpretes, compositores e
instrumentistas mineiros (PINHEIRO, 2010, p. 163).
A SIM, participou em 2009 juntamente com outras entidades em parceria com o
a Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais da elaboração e realização do projeto
“Música Minas”, política sustentável que visa mecanismos e ações que promovam a
diversidade musical de Minas Gerais promovendo a circulação de seus produtos e
formando público para seus artistas (PINHEIRO, 2010, p. 14).
A Sociedade Independente da Música promove seminários e debates sobre
música independente e participa de Comissões de Avaliação de Projetos das Leis
Municipal e Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais (SIM, 2011).
Dentre as ações que são realizadas é possível perceber o caráter empreendedor e
político dos integrantes do cenário musical independente, aspecto citado por Leonardo
de Marchi (2006) como característico do cenário musical independente. Os artistas
participam de seminários, políticas culturais, capacitações e debates sobre música
independente. Tais aspectos são constituintes da identidade de membros envolvidos
nesse cenário musical, os quais influenciam também o seu fazer musical.
Na constante evolução da Música Independente percebemos na consolidação do
fazer musical a adaptação aos meios de comunicação contemporâneos, buscando
sempre se atualizar e se reafirmar, e valorizando aspectos como a cooperação, o diálogo
e o trabalho em grupo, efetivamente agregados na produção, articulação e veiculação de
sua música e de sua identidade cultural.
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Pinheiro, Fundação João. Diagnóstico da cadeia produtiva da música em Belo
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SIM - Sociedade Independente da Música. “Sociedade Independente da música: Quem
somos”. Modificada em 11 de maio de 2012. Acesso em 11 de maio de 2012.
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