INSTITUTO DE PESQUISAS JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO ESCOLA NACIONAL DE BOTÂNICA TROPICAL Distribuição geográfica conhecida e potencial de Hennecartia omphalandra Poisson e Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins (Monimiaceae) Marcos Gonzalez 2007 INSTITUTO DE PESQUISAS JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO ESCOLA NACIONAL DE BOTÂNICA TROPICAL Distribuição geográfica conhecida e potencial de Hennecartia omphalandra Poisson e Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins (Monimiaceae) Marcos Gonzalez Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Botânica, Escola Nacional de Botânica Tropical, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Botânica. Orientadora: Dra. Ariane Luna Peixoto Rio de Janeiro, abril de 2007 ii Distribuição geográfica conhecida e potencial de Hennecartia omphalandra Poisson e Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins (Monimiaceae) Marcos Gonzalez Dissertação submetida ao corpo docente da Escola Nacional de Botânica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro - JBRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: Prof. _________________________________________, Orientadora (Dra. Ariane Luna Peixoto) Prof. _________________________________________ (Dr. Haroldo Cavalcante de Lima) Prof. _________________________________________ (Dra. Marinez Ferreira de Siqueira) Prof. _________________________________________, Suplente (Dr. Fábio Rúbio Scarano) Rio de Janeiro, abril de 2007 iii Para Antonia, filha querida iv Ficha Catalográfica S729d Gonzalez, Marcos Distribuição geográfica conhecida e potencial de Hennecartia omphalandra Poisson e Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins (Monimiaceae). ix, 100f. : il. Dissertação (mestrado) – Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro/Escola Nacional de Botânica Tropical, 2007. Orientadora: Ariane Luna Peixoto. Bibliografia. 1. Fitogeografia. 2. Modelagem de distribuição de espécies. 3. Coleções botânicas. 4. Monimiaceae. 5. Brasil. Título. II. Escola Nacional de Botânica Tropical. CDD 581.981 v Agradecimentos O desenvolvimento deste trabalho teve o apoio direto e indireto de muitas pessoas estimadas. Agradeço à professora Ariane Luna Peixoto, por ter me aceito como aluno, sempre demonstrando entusiasmo nas propostas, que muitas vezes surgiram com o processo em andamento. Sou grato, de modo geral, ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e aos amigos que lá tenho, pela compreensão dos momentos em que as demandas da pós-graduação relegaram a segundo plano outras atividades, ainda que todo esforço eu tenha feito para minimizá-los. Em especial, gostaria de agradecer aos Drs. Lizst Vieira e Paulo José, respectivamente presidente da instituição e diretor de Pesquisas. Agradeço também aos professores e colegas da Escola Nacional de Botânica Tropical, da Biblioteca Barbosa Rodrigues, que comigo compartilharam horas de alegria e ansiedade. Gostaria também de deixar registrado agradecimentos a alguns amigos e pesquisadores, com quem troquei idéias, me serviram de referência ou me deram suporte logístico: Alexandre Quinet, Claudia Vieira, Gustavo Martinelli, Haroldo Cavalcante de Lima, Inês Santos, Lucimar Silva dos Santos, Luiz Paganucci, Marlene Zannin, Marli Pires Morim, Miguel de Moraes. A dra. Claudia Barros também poderia estar nesta lista, mas prefiro manifestar a ela, minha esposa, especial gratidão. Além de ser uma colaboradora no trabalho, traduzindo trechos e revisando outros, foi companheira, estendeu os limites de sua paciência, renovou minhas forças e me deu broncas, sempre que necessário. Agradeço às instituições que forneceram dados para o trabalho e aos curadores das preciosas coleções botânicas. Bem sei o quão árdua é mantê-las, e que orgulho dá saber que estão acessíveis. Um agradecimento especial devo ao CRIA (Centro de Referência em Informática Ambiental), particularmente à Dra. Marinez de Siqueira, que supervisionou meu treinamento em modelagem de distribuição de espécies, pela atenção, carinho, contribuições diretas e pelas discussões conceituais. Também ao “povo do CRIA”, pelos agradáveis almoços que tivemos durante minha estada de uma semana em Campinas. vi Resumo Monimiaceae é uma família pantropical que engloba 25 a 30 gêneros e aproximadamente 200 espécies. Do ponto de vista fitogeográfico e evolutivo, é uma famíliachave para o entendimento de grupos que habitavam o supercontinente Gondwana. A distribuição ecológica da família é quase exclusivamente tropical, suas espécies habitando, predominantemente, florestas úmidas. As distribuições de duas de suas espécies com ocorrência no Brasil, Hennecartia omphalandra Poisson e Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins, são aqui analisadas à luz de recentes ferramentas disponíveis à Corologia, como os bancos de dados de espécimes, os sistemas de informações geográficas (SIG) e as técnicas de modelagem de distribuição. A pesquisa resultou na produção dos mapas de distribuição atual e, com o programa MaxEnt, de modelos de distribuição potencial para as espécies. O zoneamento destas distribuições permitiu associar H. omphalandra às Florestas Estacionais Semidecíduas da Mata Atlântica sulamericana, e M. ligustrinus a um paleo-padrão reconhecido na literatura para outros táxons. A aplicação do método na avaliação de identificações de espécimes obtidos em bancos de dados foi testada, mostrando-se promissora, embora muitos estudos sejam ainda necessários para sua aplicação mais intensiva. Palavras-chave Fitogeografia, modelagem de distribuição de espécies, distribuição potencial, coleções botânicas, MaxEnt. vii Abstract Monimiaceae is a pantropical family that includes 25 to 30 genus and approximately 200 species. Of the phytogeographic and evolutionary point of view, it is a key family for the understanding of groups that inhabited the Gondwana supercontinent. The ecological distribution of the family is almost exclusively tropical, their species inhabiting, predominantly, humid forests. The distributions of two of its species with occurrence in Brazil, Hennecartia omphalandra Poisson and Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins, are studied here under the light of recent available tools to chorology, as specimens databases, geographic information systems (GIS) and techniques of distribution modelling. The research resulted in the production of the maps of current distributions and, with the program MaxEnt, of models of potential distribution for the species. The zoning of this distribution allowed to associate H. omphalandra with the seasonal semideciduous forests of the Atlantic Forest of South America, and M. ligustrinus to a paleo-pattern recognized in the literature for other taxons. The application of the method in the evaluation of specimens identifications obtained in databases was tested, being shown promising, although many studies are still necessary. Keywords Phytogeography, species distribution modelling, potencial distribution, herbarium collections, Maxent viii Sumário Resumo vii Abstract viii Introdução geral Distribuição potencial de espécies Síntese bibliográfica sobre a origem, diversificação e aspectos biogeográficos de Monimiaceae 1 1 10 Objetivos 20 Artigo 1: Distribuição geográfica conhecida e potencial de Hennecartia omphalandra Poisson (Monimiaceae) 21 Introdução 23 Materiais e Métodos 25 Resultados e Discussão 34 Conclusões 50 Referências Bibliográficas 51 Artigo 2: Distribuição geográfica conhecida e potencial de Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins (Monimiaceae) 57 Introdução 59 Materiais e Métodos 61 Resultados e Discussão 72 Conclusões 86 Referências Bibliográficas 87 Conclusões gerais 94 Referências Bibliográficas (da introdução geral) 95 ix Introdução Geral Distribuição potencial de espécies Até pelo menos o século XVIII, a explicação para a diversidade faunística do mundo era mais ou menos pacífica entre os pensadores e filósofos naturalistas da Europa cristã: cessado o dilúvio e escancarada a porta da arca de Noé, os animais, por ordem de Deus, cresceram e se multiplicaram, tornando a povoar o mundo. Por esse tempo (e até muitos séculos depois) acreditava-se que as plantas eram originadas por geração espontânea. Prova é que, quando Noé soltou a pomba da arca, esta trouxe de volta um ramo de árvore. Em sua obra De Civitate Dei (A cidade de Deus), Santo Agostinho (313 - 430 d.C.) já identificava porém, no capítulo intitulado “Questão acerca das ilhas remotas, se elas receberam sua fauna a partir dos animais que foram preservados na arca durante o dilúvio”, o problema central do episódio criacionista da Arca, o das “barreiras à livre dispersão”: como podem animais que não conseguem atravessar grandes extensões de mares, por não serem capazes de voar ou nadar, povoar as ilhas oceânicas e talvez outros continentes distantes do Velho Mundo? (Papavero & Teixeira, 2001). A descoberta, pelos europeus, de animais e populações humanas no Novo Mundo, notadamente na América do Sul, foi o mais severo teste que a versão noelina teve que arrostar. Grandes cientistas clássicos se debruçaram sobre a questão (Lineu, De Candolle, Charles Darwin), e nos últimos 150 anos, a questão se tornou uma das disciplinas mais estudadas da biologia, produzindo marcantes contribuições para o avanço da teoria evolutiva e para a compreensão dos processos que definem o surgimento e a extinção das espécies (Figueiredo et al. 2006). A distribuição de espécies é a expressão dinâmica e complexa de uma história evolutiva. Seu estudo envolve uma gama de disciplinas científicas e uma variedade de abordagens metodológicas, pois muitos fatores estão interrelacionados, em diferentes intensidades, escalas e estratos (Soberón & Peterson, 2005). Por um lado, a ocorrência natural remonta a passado muitas vezes distante, envolvendo condições paleogênicas de seu desenvolvimento em conexão com o ambiente, como os movimentos continentais, alterações climáticas, modificações pedológicas, migrações e mudanças faunísticas. Por outro, depende de fenômenos intrínsecos ligados ao contingente genético, à própria capacidade de dispersão de seus propágulos, às necessidades ou exigências ecofisiológicas em relação aos meios de sobrevivência (Crisci, 2001; Bolzon & Marchiori, 2002). Delimitar tal ciência, e particularmente nomeá-la, tem sido uma tarefa áspera. 1 Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2001), a ciência que estuda a “distribuição geográfica das espécies de seres vivos” é a Corologia, um vocáculo da rubrica “ecologia”. O antepositivo Coro- vem do grego khôros, ou “espaço, lugar, localização (no espaço e no tempo); local determinado, país, região, terra, campo”. Já existiam no grego antigo vocáculos como “corografia”, “corográfico” ou “corógrafo”. Autores clássicos como Wallace e Haeckel usavam-no na acepção darwiniana da evolução, que era criacionista e dispersalista (Lomolino et al. 2004), o que talvez explique seu pouco uso atual. A Ecologia, que originalmente fora definida como a ciência capaz de compreender as relações “externas” (ou seja, excluindo-se as relações fisiológicas e estruturais) dos organismos entre si e com seus ambientes, incorporou, em sua trajetória, a questão da distribuição das espécies, tendo sido recentemente definida como “o estudo científico da distribuição e abundância de organismos e das interações que determinam a distribuição e abundância” (Townsend et al. 2006). A maior parte da literatura, no entanto, trata a ciência por Biogeografia. Crisci (2001), por exemplo, a define como “a ciência que estuda a distribuição geográfica dos organismos”; Pereira & Almeida (2004) incluem nesses estudos “os solos e aspectos particulares do homem, este considerado como animal, capaz de desenvolver importante papel na biosfera por meio de suas atividades que alteram o equilíbrio natural”. Por conta das dimensões do objeto de estudo, duas linhas de pesquisa em biogeografia se desenvolveram: a Biogeografia Histórica e a Biogeografia Ecológica. Os métodos em Biogeografia Histórica estão relacionados com as geociências e a Sistemática Filogenética, buscando interpretar a distribuição espacial e temporal dos organismos com base em eventos históricos que forçaram a modificação das paisagens e, eventualmente, impulsionaram eventos de diversificação. Conseqüentemente, métodos em Biogeografia Histórica são úteis para informar sobre processos que originaram a diversidade. Métodos em Biogeografia Ecológica relacionam as distribuições dos organismos com fatores bióticos e abióticos de seus habitats e são úteis para auxiliar no entendimento dos fatores que definem detalhes da distribuição e manutenção da biodiversidade. Obviamente, contingências ecológicas e eventos históricos são ambos determinantes das distribuições geográficas e não devem ser vistos de modo dicotômico (Wiens & Donoghue, 2004; Figueiredo et al. 2006). No âmbito deste trabalho, optou-se por tratar Corologia e Biogeografia Ecológica como sinônimos. De todas as variáveis que influem na distribuição dos seres vivos, a climática é uma das mais importantes, principalmente no que diz respeito à vegetação. Os grandes biomas, como 2 florestas tropicais e temperadas, a tundra, as savana e outros, estão diretamente subordinados ao clima (Townsend et al. 2006). Os limites superior e inferior de tolerância das plantas com relação à temperatura, luz, vento, umidade e pluviosidade, são bem definidos para cada espécie. Excesso ou ausência de qualquer um destes fatores resulta na incapacitação para o desenvolvimento do ciclo vital: não há por exemplo germinação, crescimento, floração ou frutificação satisfatórios (Pereira & Almeida, 2004). Os limites da distribuição, no entanto, não são fixos, mesmo entre as plantas. Ao contrário, flutuam bastante (MacArthur, 1972). De uma maneira geral, as espécies exploram os ambientes de forma peculiar, desenvolvendo algumas capacidades de explorar habitats bastante diversos, tolerando até mesmo condições extremas, tornando-se especialistas em aproveitar, da melhor maneira, os recursos ambientais, como espaço, alimento e luz (Pereira & Almeida, 2004). Ainda assim, presume-se a existência de um “pseudo-equilíbrio” entre a espécie e o ambiente em que vive (Guisan & Thuiller, 2005): sob condições normais de reprodução e dispersão, espera-se que uma espécie ocupe uma região geográfica que esteja diretamente relacionada com a distribuição do nicho médio que ocupa (Holt, 2003). O termo “nicho” começou a ganhar sua conotação científica atual quando Elton escreveu, em 1933, que o nicho de um organismo é seu modo de vida “no sentido em que falamos de ocupações ou empregos ou profissões em uma sociedade humana”. O nicho de um organismo começou a ser usado para descrever “como”, em vez de “onde” um organismo vive - este correspondendo ao habitat (apud Townsend et al. 2006). O conceito atual de nicho foi proposto por Hutchinson, em 1957, e se tornou um dos pilares do pensamento ecológico moderno. Refere-se às maneiras pelas quais tolerâncias e necessidades interagem na definição de condições e recursos necessários a um indivíduo (ou uma espécie) a fim de cumprir seu modo de vida. A temperatura, por exemplo, é uma condição que limita o crescimento e a reprodução de todos os organismos, mas espécies distintas toleram faixas diferentes de temperatura. Esta faixa seria uma das muitas dimensões de seu nicho, que envolve muitas outras dimensões. Hutchinson daria a esse “pseudo-equilíbrio” o nome de nicho fundamental, ou Grinnelliano, em homenagem a Grinnell, que entre 1917 e 1928 já enunciara o tema (apud Holt, 2003). O nicho fundamental de Hutchinson seria então um “hipervolume n-dimensional”. Cada ponto neste hipervolume corresponderia a um estado do ambiente que permitiria a existência de uma espécie indefinidamente. Para MacArthur (1972), tratava-se do “conjunto de condições ecológicas nas quais as populações de uma espécie conseguem se manter”, isto é, manter taxas de crescimento de populações acima de 1, em contraposição ao termo “habitat”, 3 que denotaria a “variação espacial em um ou mais fatores ambientais que definem o nicho da espécie”. Townsend et al. (2006) definiu o conceito como “a combinação das condições e recursos que permitem uma espécie existir, crescer e reproduzir, quando considerada isoladamente de qualquer outra espécie que possa prejudicar sua existência”. A distribuição de uma espécie não está sujeita apenas a fatores climáticos. Mesmo em locais que satisfaçam às necessidades do nicho fundamental de uma espécie, esta pode estar ou ter sido excluída deles. As espécies do gênero Eucalyptus, por exemplo, ocorrem naturalmente na Austrália (duas ou três espécies na Indonésia e Malásia) porque lá elas evoluíram e não porque esses são os únicos lugares onde elas podem sobreviver e prosperar. Na verdade, muitas espécies de Eucalyptus cresceram com grande sucesso e espalharam-se rapidamente quando foram introduzidas na Califórnia, no Quênia e no Brasil (Townsend et al. 2006). A distribuição de uma espécie é também determinada, influenciada ou regulada por barreiras geográficas, ecológicas e outras barreiras ambientais (salinidade, insolação, stress hídrico, etc.), além das barreiras físicas, químicas e biológicas próprias de cada grupo (Bolzon & Marchiori, 2002; Fernandes, 2003). As barreiras não necessariamente inibem a dispersão ou migração de uma espécie. Um acidente geográfico, por exemplo, pode funcionar como veículo de dispersão para determinadas comunidades e como barreira intransponível para outras. O istmo do Panamá impediu o movimento de espécies marinhas entre os oceanos Pacífico e Atlântico, ao mesmo tempo que permitiu a movimentação da flora e da fauna entre as Américas do Norte e do Sul. Também os corpos d’água, notadamente mares e rios, funcionam como rota de migração (distribuição) para organismos aquáticos e obstáculos para os terrestres; as correntes marítimas são responsáveis ainda pelo povoamento de áreas remotas como ilhas e continentes (Pereira & Almeida, 2004). Assim, as barreiras são consideradas “positivas” quando favoráveis à espécie, ou “negativas”, caso contrário (Soberón & Peterson, 2005). O significado maior das barreiras (negativas) à dispersão é que elas fazem cessar o intercâmbio gênico (fluxo gênico) que havia entre os indivíduos das populações por ela separadas. Com o surgimento das barreiras, as novidades genéticas ficam restritas às populações isoladas. O isolamento geográfico pode provocar um isolamento reprodutivo que por sua vez poderia resultar no surgimento de espécies distintas. Aqueles grupos que apresentarem variabilidade genética ou morfológica, e transmitirem às suas proles tais características, implicarão em maior capacidade de tolerar as diferenças e alterações naturais. Estes estarão mais aptos a ocuparem novos ambientes, ampliando a área de distribuição. 4 Fracassos na adaptação a novas condições ambientais seriam fator chave no isolamento de populações e criação alopátrica de novas linhagens (Pereira & Almeida, 2004). Muitos organismos de um mesmo grupo (famílias, gêneros ou espécies), porém, apresentam pouca variabilidade genética ou morfológica, isto é, são genética ou morfologicamente homogêneos e deixam descendentes com as mesmas características, sendo a capacidade de tolerar as condições ambientais idênticas entre progenitores e proles (Pereira & Almeida, 2004). Este parece ser o caso das Monimiaceae. Os gêneros de Mollinedieae, senso Perkins et Gilg (1901) e mais o gênero Kairoa Philipson, apresentam muitos caracteres vegetativos e florais em comum e ocorrem predominantemente em ambientes semelhantes, apresentando formas de crescimento muito próximas. Mesmo dispersa em áreas hoje não conectadas (Mollinedia, Macropeplus e Macrotorus no novo mundo, Ephippiandra em Madagascar, Matthaea, Steganthera e Wilkiea, entre outros, na australásia), a tribo retrata, através da morfologia, um relacionamento filogenético estreito entre os seus membros, embora seja possível traçar um caminho de derivação de caracteres (Peixoto, 1987). A pouca variabilidade genética ou morfológica costuma fazer com que os descendentes necessitem de condições ecológicas semelhantes às de seus antecessores, ocupando ambientes com características idênticas ou muito próximas. A seleção natural atuaria assim como uma ponte entre a variabilidade ou constância do meio ambiente e a mudança ou estabilidade evolutiva. Com base nessa idéia, Prinzing et al. (2001), Holt (2003), Wiens (2004) e Soberón & Peterson (2005), entre outros, vêm postulando que as espécies tenderiam a preservar, por seleção natural, os nichos fundamentais ancestrais em sua evolução (ao que se chamou “Conservantismo Filogenético de Nicho”). Peterson et al. (1999), por exemplo, modelando os nichos de espécies irmãs de pássaros, mamíferos e borboletas, que foram separadas pelas terras baixas do istmo de Tehuantepec, no México, descobriu que, em ambos os lados, um número significativo de espécies conservou, entre 2,4 a 10 milhões de anos, o mesmo nicho da irmã. Com o passar do tempo ou pela ocorrência de algum fenômeno, as barreiras podem deixar de existir, restabelecendo novamente o intercâmbio entre as populações separadas, sendo que este intercâmbio dependerá do grau de diferenciação alcançado pelas populações no período em que estiveram isoladas (Pereira & Almeida, 2004). O resultado desse encontro poderia ser ou o estabelecimento de uma zona de hibridação, nos casos de diferenciação incompleta, ou a sobreposição de distribuições, no caso de a diferenciação ter progredido até o ponto de especiação completa (Vanzolini, 1992), contribuindo potencialmente assim para processos de diferenciação de nicho interespecífico. 5 Os sistemas biológicos menores sofrem ainda influências de fatores edáficos, geomorfológicos, radiação solar ou regime de ventos para estabelecerem-se. Para as plantas e outros organismos sésseis, a competição por nutrientes, espaço e luz, bem como a capacidade de secretarem substâncias que inibem o estabelecimento ou crescimento de outras, configuram a ausência de certas espécies em inúmeras áreas que normalmente lhes seriam favoráveis ao estabelecimento (Wiens & Donoghue, 2004). A fauna terrestre tem sua distribuição profundamente correlacionada com as formações vegetais. A procura por alimento e abrigo faz com que se estabeleça de forma definitiva ou temporária numa área em função, direta ou indiretamente, da cobertura vegetal. Por outro lado, a fauna também colabora no desenvolvimento de tais formações. Animais herbívoros ou nectívoros têm a capacidade de levar sementes e pólens a dezenas de quilômetros de distância, seja nos pêlos, bicos, cabeça ou intestino, caracterizando-se, assim, como vetor de dispersão e polinização, contribuindo para a distribuição de plantas por extensas áreas ou superfícies remotas como, por exemplo, as ilhas. Por conta disso, as formas, pesos e resistência às intempéries são algumas características de frutos e sementes que têm grande importância na distribuição dos vegetais (Pereira & Almeida, 2004). Deriva-se assim o conceito de nicho realizado, a combinação das condições e recursos que permitem a uma espécie existir, crescer e reproduzir na presença de outras espécies, que podem prejudicar sua existência — especialmente competidores (Townsend et al. 2006). Pullian (2000) e Guisan & Zimmermann (2000), compilando vários autores propuseram uma nova classificação para nichos ecológicos: haveria (i) o nicho “autoecofisiológico”, regulado por requisitos ambientais indiretos, de escala geográfica mais ampla, e (ii) o nicho “trófico”, regulados por impactos no ambiente diretos, de escala mais restrita. Variáveis climáticas, como temperatura e precipitação, seriam fatores preditores mais apropriados para análises de nichos autoecofisiológicos; as topográficas seriam fatores para escalas intermediárias, enquanto a micro-topografia e as fragmentações de habitat mais indicados para os casos de nichos tróficos. O nicho autoecofisiológico, por sua vez, seria de dois subtipos: o Fundamental e o Realizado. Com base nas modernas teorias de metapopulações, haveria ainda mais dois tipos de nicho possíveis, proporcionados pela (iii) dinâmica de populações source-sink (source são populações de alta densidade; sink as de baixa) que, por causa de limitações de recursos ou estratégia de colonização, uma espécie imigrante poderia ser encontrada fora de seu nicho Fundamental, e as (iv) Barreiras à Dispersão (dispersal limitation situation), em que, ao contrário, ausências da espécie (ou taxas de crescimento de populações menores que 1) em 6 porções adequadas do nicho Fundamental são explicadas por recorrentes eventos de extinção ou limitações na abilidade de dispersão que impediram uma plena recolonização. Soberón & Peterson (2005) propuseram uma representação gráfica para os diversos tipos de nichos que influenciam a distribuição de uma espécie (Figura 1). As “condições abióticas” representam a região geográfica com o conjunto de fatores abióticos apropriados para a espécie (nicho Fundamental, DP = Distribuição Potencial); as “condições bióticas” representam a região geográfica em que ocorrem as combinações ecológicas favoráveis para a espécie. O nicho realizado é a intercessão entre as duas regiões, sendo ainda limitado pelas barreiras geográficas negativas à sua dispersão para fora das regiões acessíveis à espécie. P é a distribuição da espécie, que tem fontes (pode ser mais de uma) em regiões onde as condições são favoráveis (populações source), embora populações possam ser encontradas em regiões acessíveis, ainda que pouco favoráveis (populações sink). Figura 1 - Os nichos que influenciam a distribuição de uma espécie. O nicho Fundamental reúne as “condições abióticas” apropriadas para a espécie, sendo a Distribuição Potencial (DP) sua expressão geográfica; as “condições bióticas” representam as combinações ecológicas favoráveis para a espécie. O nicho realizado é a intercessão entre as duas regiões, sendo ainda limitado pelas barreiras geográficas (“condições geográficas”) negativas à sua dispersão. P é a distribuição da espécie, com uma fonte na região onde todas as condições são favoráveis (populações source), além de populações nas demais regiões acessíveis, ainda que pouco ou não favoráveis (populações sink) (adaptado de Soberón & Peterson, 2005) 7 Reconhecem-se dois conceitos associados ao termo “distribuição geográfica”: área de ocupação (chamada, neste trabalho, de “distribuição conhecida”) e extensão de ocorrência (aqui chamada “distribuição potencial”). A área de ocupação de uma espécie é um conjunto de localidades onde ela foi registrada, seja mediante a coleta de espécimes ou de observações. Em contraste, a extensão de ocorrência é uma predição sobre a área potencial de distribuição da espécie. A área de ocupação tende a ser menor do que a extensão de ocorrência, uma vez que nenhuma espécie ocupa todos os habitats dentro dos limites geográficos de sua ocorrência (Figueiredo et al. 2006). O desenvolvimento tecnológico alcançado nos últimos 30 anos, incluindo os sistemas de informações geográficas (SIG), o sensoriamento remoto e os bancos de dados de táxons e espécimes, coincidiu com o crescente interesse na análise de distribuição de espécies. Parte deste interesse certamente reflete as recentes preocupações das sociedades quanto à degradação do meio ambiente em escala global (Holt, 2003). Várias técnicas de modelagem para estimar distribuição (species distribution models ou SDM, sensu Guisan & Thuiller, 2005) vêm sendo propostas, invariavelmente envolvendo predição baseada no conceito de nicho Fundamental. As mais comuns são os algoritmos genéticos (e.g. Genetic Algorithm for Ruleset Production, GARP) e algumas técnicas da estatística multivariada, tais como alguns métodos de regressão e a análise discriminante. Tais métodos se propõem a desenvolver uma projeção bidimensional do nicho, buscando encontrar relações não-aleatórias entre pontos onde uma espécie foi coletada (“pontos de presença” ou “distribuição conhecida”, obtida principalmente em acervos de coleções biológicas) com os dados ecológico/ambientais temperatura, precipitação, topografia, tipo de solo, geologia, entre outros relevantes para sua biologia - a fim de projetar mapas dos locais (dentro da área/domínio e da escala de análise) que mais se aproximam das condições em que uma espécie vive, ou seja, sua “distribuição potencial” (Peterson & Vieglais, 2001; Segurado & Araújo, 2004; Siqueira & Duringan, aceito para publicação). Os principais erros que os SDM devem evitar são a omissão (ou falso negativo), que deixa de fora da distribuição potencial um ponto de fato ocupado pela espécie, e a sobreprevisão (ou falso positivo), que inclui locais reconhecidamente não ocupados pela espécie (Anderson et al. 2003; Segurado & Araújo, 2004). O GARP, por exemplo, procurando minimizar tais erros, utiliza vários algoritmos distintos (incluindo BIOCLIM e regressão lógica), numa abordagem iterativa. À cada iteração, os algoritmos individuais são aplicados para produzir “regras”, que respondem parte da pergunta formulada - que locais são 8 adequados à sobrevivência de uma espécie - e que, uma vez compiladas, produzem uma representação matemática da distribuição potencial sob a forma de um conjunto de regras (Rule-set). Trata-se, portanto, de uma técnica heurística, não estatística, o que significa que não é determinística, e portanto, gera um mapa diferente toda vez que a experiência é feita. Neste trabalho, adotou-se o Maximum Entropy Species Distribution Modeling (MaxEnt), descrito por Phillips et al. (2004; 2006). Ao contrário de outros métodos, o MaxEnt é capaz de realizar inferências determinísticas a partir das mesmas informações incompletas, tendo como base uma técnica aplicada com bastante sucesso em outros domínios do conhecimento, a Máxima Entropia. Partindo do pressuposto de que a distribuição conhecida de uma espécie é a melhor representação de seu nicho, o método atribui valores (de 0 a 1) aos demais “pixels” de uma área geográfica, representando o quão “errados” estão em relação ao modelo ideal. Em comparação a outros métodos com os mesmos propósitos, o MaxEnt apresenta algumas vantagens, como basear a modelagem apenas em dados de presença (os dados de “ausência” da espécie, que são muito de difícil obtenção, são gerados pelo próprio sistema), e processar dados contínuos e discretos (ou categorizados), dentre outras. Testes realizados com SDMs demonstraram boa habilidade de previsão, requerendo um número relativamente baixo de pontos de ocorrência (Pereira & Peterson, 2001). Tais técnicas vêm sendo utilizadas na análise e solução de problemas distintos, subsidiando estratégias de contenção e erradicação de espécies invasoras (Peterson et al. 2003) e doenças endêmicas (Peterson et al. 2002), previsão de impacto de mudanças climáticas (Siqueira & Peterson, 2003) ou no conhecimento e conservação de aves (IBAMA/MMA, 2004), animais terrestres (Ganeshaiah et al. 2003; Grelle & Cerqueira, 2006), aquáticos (Kaschner, 2004) ou plantas (Siqueira & Duringan, aceito para publicação). A qualidade dos resultados da aplicação de técnicas de modelagem é altamente dependente, no entanto, da qualidade das informações biológicas e dos dados ambientais. Quanto melhor for a resolução, ou seja, quanto mais detalhada for a escala dos mapas e quanto mais precisos forem os registros dos pontos de ocorrência das espécies, melhor será o resultado final da modelagem (Guisan & Thuiller, 2005). Também é preciso ter em mente que os modelos apenas indicam regiões com combinações de variáveis abióticas similares aos conhecidos para uma espécie; daí por diante, o processo é puramente interpretativo (Soberón & Peterson, 2005). 9 Síntese bibliográfica sobre a origem, diversificação e aspectos biogeográficos de Monimiaceae Monimiaceae (strictu sensu) é uma família pantropical que engloba 25 a 30 gêneros e aproximadamente 200 espécies, habitando predominantemente florestas úmidas (Santos & Peixoto, 2001). A família é membro das Laurales, cuja filogenia está relativamente bem resolvida e as relações entre as seis famílias da ordem (Figura 2) são claras, com exceção de uma tricotomia entre Hernandiaceae, Lauraceae e Monimiaceae (Renner, 2005). Algumas características de sua anatomia, como xilema primitivo, células de óleo etéreo, nós unilacunares e pólens monocolpados ou derivados deste tipo, revelam sua antigüidade (Bremer et al. 2003). Do ponto de vista fitogeográfico, Monimiaceae é uma família chave, levando-se em conta que seus gêneros, com distribuição tricêntrica (isto é, com representantes nas três grandes áreas biogeográficas dos trópicos: América do Sul, África central e oeste da Oceania), se alinham a um reconhecido padrão envolvendo muitas outras famílias basais de angiospermas e gimnospermas, como Amborellaceae, Araucareaceae, Atherospermataceae, Nothofagaceae, Proteaceae, Siparunaceae e Trimeniaceae (Smith, 1973; Thorne, 1973; Stevens, 2005; Sanmartín & Ronquist, 2004; Schöning & Bandel, 2004). Philipson (1987) trata os gêneros neotropicais de Monimiaceae em duas das seis subfamílias por ele reconhecidas (Mollidioideae e Monimioideae) e em três tribos (Mollinedieae, Hennecartieae e Peumieae). A circunscrição filogenética da família vem sendo gradativamente esclarecida com base em dados moleculares (Renner, 1998; 2005), corroborando, muitas vezes, com os grupos propostos por aquele autor. No Neotrópico, a família está representada por cinco gêneros: Mollinedia Ruiz & Pavón, com aproximadamente 70 espécies, de distribuição ampla, ocorrendo do México ao sul do Brasil; Macropeplus Perkins, com quatro espécies, ocorre em cadeias montanhosas do Brasil, nos estados de Bahia, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo; Macrotorus Perkins, monotípico, restrito à costa atlântica brasileira, nos estados de Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo; Hennecartia Poisson com uma só espécie no sudeste e sul do Brasil, Paraguai e Argentina; Peumus Molina com uma só espécie do Chile central, ocorrendo em florestas esclerófilas. Todos os gêneros neotropicais, exceto Peumus, e mais da metade das espécies conhecidas (muitas das quais endêmicas de pequenas áreas) encontram-se no bioma floresta atlântica, principalmente sudeste brasileiro (Peixoto et al. 2002). 10 Figura 2 - Cladograma da ordem Laurales, segundo Renner (2005) Pelas datações apresentadas em Renner (2005, Figura 3), é possível inferir que os modernos táxons sulamericanos de Monimiaceae são descendentes de clados distintos da família em sua história evolutiva, aqui didaticamente nomeadas cretácicas, paleogênicas e neogênicas. Linhagens Cretácicas Lorence (1985), Philipson (1987) e Renner (1998) sugeriram que Hortonia, Peumus, Palmeria, e Monimia (ou seja, as tribos Hortonioideae e Monimioideae) são os gêneros mais basais de Monimiaceae (embora não necessariamente formando um clado), hipótese também sugerida pelas datações propostas por Renner (2005). Neste caso, a família teria iniciado sua expansão no transcorrer do Cretáceo (102,5 Ma AP), período geológico marcado pelo surgimento e expansão de todas as angiospermas (Poole & Cantrill, 2001; Dutra, 2004). Naquele momento, Madagascar já estava separada da África havia mais de 60 milhões de anos. Durante o mesmo período, os continentes africano e sulamericano foram se separando, embora ainda permanecessem unidos na altura do nordeste brasileiro. Surgia o Atlântico, de sul para norte, um fator de forte amenização climática do clima desértico que predominara na região equatorial do Jurássico. (Bigarella, 1991). A Antártica, por sua vez, era uma massa de terra que provia a maior conexão terrestre entre os atuais oeste (América do Sul e sul da África) e leste (Austrália, Nova Caledônia, Nova Zelândia) do Gondwana. Era coberta por florestas tropicais, que atingiam até baixas latitudes (73° S) (Schatz, 1996; 11 Menegat, 2002; Bolzon & Marchiori, 2002; Burnham & Johnson, 2004; Dutra, 2004; Sanmartín & Ronquist, 2004; Wilf et al. 2005). Figura 3 - Cronograma da família Monimiaceae (adaptado de Renner, 2005). Os números correspondem às idades das separações evolutivas, em milhões de anos antes do presente (Ma AP), obtidos por meio de Verosimilhança Penalizada (Penalized likelihood chronogram). MANC = Malásia, Nordeste da Austrália e Nova Caledônia; AS = América do Sul; Af = África, Md = Madagascar, SL = Sri Lanka. Pode-se supor, então, que no Cretácio as linhagens mais basais de Monimiaceae, tenham sido forjadas em torno da Malásia e se dispersado na direção da Antártica, seguindo um arco de florestas úmidas temperadas (Figura 4a). Palmeria, Hortonia, Monimia e Peumus seriam relictos destas linhagens, tendo sido extintos, na África/Madagascar, os ancestrais de Monimia (Thorne, 1973; Schatz, 1996; Renner, 1998). 12 (a) (b) (c) Figura 4 - Mapa esquemático da biogeografia histórica das Monimiaceae: (a) 100 Ma AP, com destaque (tracejado) para o possível centro de origem e dispersão das linhagens cretácicas da família; (b) 50 Ma AP: expansão máxima das linhagens cretácicas e paleogênicas de Monimiaceae e (c) 25 Ma AP: com o fim do corredor antártico e afastamento dos continentes, surgem as linhagens neogênicas. Projeção Mollweide, relativo ao Hotspot Ref. Frame 1, obtido em ODSN (Ocean Drilling Stratigraphic Network), 2002. Linhagens Paleogênicas O aumento de tamanho das folhas encontradas nas tafofloras da Antártica permitiram acompanhar a evolução e a resposta da vegetação às modificações climáticas ocorridas durante o Terciário, sugerindo que temperaturas amenas do Paleoceno Superior aqueceram até 13 atingir um pico no Eoceno Médio (~50 Ma AP). Com a chegada do calor e um incentivo à maior diversidade provocada pelo surgimento de áreas elevadas, encostas e regiões costeiras, revela-se ali um mosaico de vegetação taxonomicamente dominado pelas angiospermas (chegando a 90% da diversidade florística), bastante distinta daquelas encontradas no fim do Terciário (Burnham & Johnson, 2004; Dutra, 2004; Wilf et al. 2005; Hinojosa & Villagrán, 2005; Townsend et al. 2006). Em todos os continentes, começam a se delinear vegetações reconhecidas pelas faixas climáticas (equatorial, tropical, subtropical, temperada etc.) em desenvolvimento. Entre as Monimiáceas, novas linhagens expandiam seus territórios em todas as direções ao redor de Madagascar, chegando à África (gênero Xymalos), e também para o sul, na direção da Antártica, onde coabitaria com remanescentes de seus ancestrais. O processo de separações continentais explica as afinidades entre as paleofloras do continente polar e as das bacias austrais da Nova Zelândia e América do Sul - particularmente com as da Patagônia. São acentuadas as relações bióticas entre Austrália, Nova Zelândia, Antártica e os extremos sul da África e América, e suas floras e faunas são em geral muito antigas. A região australiana, por exemplo, apresenta formas biológicas arcaicas e pouco evoluídas. A Antártica, de acordo com seus fósseis, desempenhou papel de destaque na distribuição de espécies e apresenta hoje fauna marinha costeira bastante diversificada, bem mais que aquelas equivalentes dos mares do norte (Pereira & Almeida, 2004) (Figura 4b). Um fóssil de madeira do Campaniano (83 - 70 Ma AP), encontrado nos limites da Antártica com o sul da América, foi identificado como morfotipo de um gênero extinto, Hedycaryoxylon. Trata-se do testemunho de um momento ímpar para a região: aos 84 Ma AP, a Índia desconectava-se de Madagascar; aos 70 Ma AP, da Antártica (de quem estivera próxima desde o Cretácio Superior), girando na direção de sua posição atual (Schatz, 1996; Poole & Gottwald, 2001; Renner, 2005). Um fóssil de Mollinedia – uma folha encontrada nas ilhas Seymour, Antártica, datada do Eoceno (Berry, 1935) – mostra que este gênero de Monimiaceae, da mesma linhagem de Macropeplus e Macrotorus e atualmente endêmico do Neotrópico, já esteve mais amplamente distribuído no Gondwana (Renner, 1998). Até o Eoceno Médio, sabe-se que a parte sul do moderno continente sulamericano (abaixo de 30°) estivera revestida de uma flora mista, essencialmente arbórea e estratificada, semelhante às atuais florestas de galeria, composta de linhagens antárticas relictuais cretácicas e paleogênicas (incluindo Monimiaceae, mas principalmente Myrtaceae e Lauraceae), enriquecida por elementos neotropicais (Donato et al. 2003; Dutra, 2004; Hinojosa & Villagrán, 2005). As paleofloras do período revelam um cenário de temperaturas moderadas (15 a 20° c) com pequenas variações de amplitude termal durante o ano (2,7 a 3,7° c), meses 14 mais frios e mais quentes com temperaturas constantes e estações secas de durações semelhantes, embora convivessem com lenta tendência negativa na pluviosidade, constituindo uma “paleoestação” intermediária entre os Andes Austrais e o sudeste do Brasil (Bolzon & Marchiori, 2002). Townsend et al. (2006) descreve a vegetação do Oligoceno (32 Ma AP), nesta faixa climática, como “floresta subtropical/savana arbórea (perenifólia latifoliada)”. Tal clima possibilitou a formação de continuum de florestas úmidas, semidecíduas e estepes temperadas, principalmente de origem sul-andina e austral-antártica (entre elas as Monimiaceae, além de Acanthaceae, Caricaceae, Melastomataceae, Myrsinaceae, Piperaceae, Rubiaceae e Solanaceae) (Gentry, 1982; Oliveira-Filho & Ratter, 2002; Morrone, 2006). Análises fitossociológicas de diversos padrões de florestas desde a Argentina à Amazônia brasileira indicam que essa flora teria colonizado os litorais pacífico e atlântico, cobrindo regiões atualmente secas e desérticas como o Chaco e parte do Cerrado e da Caatinga (Pennington et al. 2000) Nas zonas tropicais, essa flora formaria ecótonos com uma segunda grande paleoflora, a amazônica autóctone (Daly & Mitchell, 2000) (Figura 5). No limite Eoceno-Oligoceno, porém, o clima da América se transformaria radicalmente, principalmente na metade sul do continente. A maioria das 90.000 espécies modernas de plantas neotropicais originar-se-iam após esse período (Pennington et al. 2004). Os eventos tectônicos foram importantes no desenvolvimento desta transformação, particularmente a abertura de passagens oceânicas e alterações na paleogeografia e na topografia, como a dissolução da Tasman Rise (80 Ma AP), que mantinha Nova Zelândia/Nova Caledônia contíguas a América do Sul/Austrália/Nova Guiné, e da South Tasman Rise (52-35 Ma AP), que mantinha a Antártica contígua à Austrália. Entre 28 e 23 Ma AP, abria-se a passagem Drake, que a unia a Antártica à Patagônia (Bolzon & Marchiori, 2002; Dutra, 2004; Sanmartín & Ronquist, 2004; Barnes et al. 2006). Cessava assim, o intercâmbio terrestre de animais entre a América do Sul e a Austrália, via Antártica (de marsupiais, por exemplo, v. Woodburne & Case, 1996; de aves sem vôo potente, Townsend et al. 2006). A flora, porém, ainda manteria o intercâmbio entre Nova Zelândia e Patagônia através de dispersão anemocórica a longa distância (Sanmartín & Ronquist, 2004). O movimento para o norte dos continentes integrantes do Gondwana eliminou a corrente Circum-equatorial, pelo fechamento do Caribe, do Tethis e do oceano entre a Austrália e a Indonésia. Estas correntes equatoriais, que tinham estabilizado várias outras correntes pequenas nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, mantinham o continente Antártico relativamente aquecido durante o Cretácio. Em conseqüência, aumentaram as capas 15 de gelo na Antártica durante o Neogeno e as temperaturas provavelmente continuaram em declínio, em todo o planeta (Bolzon & Marchiori, 2002). Figura 5 - Mapa esquemático da vegetação do continente sulamericano no Eoceno/Oligoceno. Espécies de Monimiaceae provavelmente já compunham as formações Temperadas/Subtropicais abaixo de 30° S (Peumus? Ancestrais de Hennecartia?); talvez compusessem as formações Subtropicais/Tropicais (Mollinedia?) acima de 30° S oligocênico (na altura do Rio de Janeiro, Figura 4b), mas provavelmente não compunham as Equatoriais (inferido a partir de Gentry, 1982; Pennington et al. 2000; Donato et al. 2003; Dutra, 2004; Hinojosa & Villagrán, 2005; Morrone, 2006). Segundo Renner (2005), Hennecartia, Macropeplus e Macrotorus são miocênicas. Linhagens Neogênicas, na América Latina No Oligoceno, as floras mistas paleogênicas teriam se restringido a regiões subtropicais do Chile-Argentina, possivelmente isoladas por novas transgressões que inundaram o sudeste da Patagônia e o sul dos Andes, além da reativação de atividades ígneas em áreas centrais da Argentina, Bolívia e Peru (Donato et al. 2003, Figura 6). No Mioceno inferior a médio, são encontradas apenas na costa do Chile central, entre 36 e 41° S (Hinojosa & Villagrán, 2005), habitando sob temperaturas entre 15 e 20° C, verões com 200-600 mm de precipitações e invernos também úmidos, acima de 600 mm, clima classificado por Schöning & Bandel 16 (2004) como “subtropical-tropical ombrófilo”. Em latitudes inferiores (~48° S), o clima já seria considerado “não-tropical”, com vegetação mais aberta (Wilf et al. 2005; Townsend et al. 2006). Um conjunto de fósseis petrificados de madeira, datados do Mioceno ou posterior, que foram encontrados na península Arauco (ca. 37°12’ S), no Chile central, representam uma típica flora mista deste período. Com exceção de Myristicaceae, que é tropical, todas as famílias ainda podem ser encontradas em ambientes tropicais do Pacífico e na flora viva do Chile e Argentina, representando a conexão gondwânica do Cretácio ao Terciário médio. Quatro fósseis foram atribuídos por Schöning & Bandel (2004) às Monimiaceae, sendo um deles classificado no gênero Hedycarya, atualmente só encontrado em Nova Caledônia, Nova Zelândia, Austrália e Fiji. Atualmente, apenas três regiões na América do Sul possuem regimes similares de clima do Chile Central miocênico, sendo um deles o sudeste do Brasil (Hinojosa & Villagrán, 2005), onde hoje ocorrem quatro dos cinco gêneros da família (sendo a única exceção, Peumus, restrita ao Chile Central moderno). Tal fato sugere que, há 5-20 milhões de anos, o Chile Central era um importante centro de distribuição de espécies de Monimiaceae na América do Sul, e que, talvez, as atuais espécies venham conservando, desde então, um mesmo nicho Fundamental, ao menos ao que se refere à temperatura e precipitação. Segundo Schöning & Bandel (2004), a presença exclusiva de placas de perfuração escalariformes nos fósseis da península Arauco indica um habitat não-sazonal ou, ao menos, de solos que nunca secam (o que pode ser explicado pela proximidade com o mar). Por outro lado, agrupamentos de vasos encontrados em vários dos fósseis estão diretamente relacionados a estresses de umidade. Sua porosidade em anéis e semi-anéis, em alguns casos anéis de crescimento distintos, em outros indistintos ou ausentes, sugere uma adaptação a climas sazonais, indicando um desenvolvimento sob aumento de sazonalidade climática. Não faltam motivos que expliquem tal tendência anatômica. Por um lado, como se viu, a Antártica começava a gelar. Por outro, a modificação da direção de convergência entre as placas Nazca e Sulamericana - que coincide com fase “Quechua” de diastrofismo dos Andes (Donato et al. 2003) - induz importantes modificações no arco andino a partir do Neogeno, principalmente no centro-sul da cordilheira, reativando o principal cinturão magmático (Gentry, 1982). Após um Paleoceno de pouca atividade tectônica, os Andes da Patagônia, já com metade de suas elevações atuais (Gregory-Wodzicki, 2000), recomeçaram a erguer, um evento que se extenderia aos sistemas orográficos do leste da Argentina e à região entre os rios Paraguai e Paraná, embarreirando progressivamente os ventos úmidos do Pacífico sul. O 17 resultado é um novo padrão climático na região subtropical da América do Sul, com médias anuais acima de 20° C, substancialmente mais altas que as dos períodos precedentes especialmente as do inverno - e estações secas de durações variadas (Encinas et al. 2005). O centro do continente (Argentina, sul do Brasil), ao contrário, ficaria mais frio e mais seco - se comparado com o Paleoceno, quente e húmido, chegando a contrastes entre 30 a 40% nas médias encontradas entre os dois períodos (Safford, 1999; Hinojosa & Villagrán, 2005). Tal aridez teve dramáticas implicações evolutivas e biogeográficas na biota de toda América do Sul, com grandes contribuições para sua diversidade atual. Começa a desertificação da Patagônia e do Atacama; formam-se as florestas secas e os precursores dos pampas (Smith, 1962; Bolzon & Marchiori, 2002). O Chile central perderia 60% dos seus gêneros tropicais, enquanto elementos de origem antártica deslocavam-se gradualmente, empurrando para o norte seu limite. No Brasil, surgem os primeiros desenvolvimentos de esclerofilia; pólens de gramíneas e compostas tornam-se proporcionalmente dominantes, sugerindo expansão de vegetações estépicas, e para compensar a falta de umidade, as florestas semidecíduas ocupam zonas submontanas e montanas (Rizzini, 1979; Gentry, 1982; Safford, 1999; Smith-Ramírez, 2004). Mas o soerguimento dos Andes teve ainda outras conseqüências dramáticas para a biota então existente. Dobramentos sinclinais no interior do continente mudaram o padrão do paleorio Paraná (muito menor do que hoje) e criaram o rio Paraguai (Leite, 2002a; 2002b). O surgimento das bacias contribuiu para que, em meados do Mioceno (~15 Ma AP), as águas marinhas alagassem subindo 100 metros. A partir de três pontos diferentes - Mar de Thetys, ao norte, Mar Amazônico, na planície de mesmo nome, e Mar Paranaense ou Entrerriense, ao sul - ocupassem boa parte das terras baixas do continente, perdurando ali por 5 milhões de anos e constrangindo ou limitando a biota terrestre aos trechos de maior elevação (Leite, 2002a; Martínez & Rio, 2002; Donato et al. 2003; Spichiger et al. 2004) (Figura 6). Ao fim do Mioceno, a regressão do mar Paranaense deixou uma vasta porção de terras baixas, porém salinizadas. Do oceano surgiu primeiro um ambiente insular de prados rupestres e encostas úmidas, que produziu espécies próprias. A medida que o arquipélago se tornava habitável, constituíam-se típicas floras nos novos espaços, em que troncos andinos e brasileiros antigos se desdobraram. Alguns padrões de distribuição apontam o novo espaço como uma ponte florística entre a bacia do Paraná, os Andes e a Colômbia, através de um possível arco de florestas que atravessava a região - corredor de florestas submontanas úmidas “Tucumano-Boliviano”, Puna e Sierra Chiquitos, na Bolivia, Cerros León e Cabrera, no 18 Paraguai, cadeias de montanhas pampeanas, região mesopotâmia (Daly & Mitchell, 2000; Fernandes, 2003; Spichiger et al. 2004). Figura 6 - Mapa esquemático, mostrando possíveis influências de eventos vicariantes do Mioceno (sorguimento dos Andes, sazonalidade, aridez e transgressões marítimas) na fitogeografia dos gêneros neotropicais de Monimiaceae (inferido a partir de Leite, 2002a; Martínez & Rio, 2002; Donato et al. 2003; Spichiger et al. 2004). Os limites biogeográficos advêm de Morrone (2006). O continente deslocou-se, em 40 Ma, 10° para o norte. No fim do Plioceno, uma nova fase de diastrofismo dos Andes elevou as cordilheiras centrais do Chile e da Argentina, além de outros sitemas orográficos mais a leste, tornaram-se barreiras que contribuíram para diminuir o fluxo de umidade e tornar ainda mais áridas as regiões entre elas, formando a região biogegráfica do Chaco. Essas terras, bastante salinizadas, acabaram se transformando numa barreira edáfica para a maioria das espécies semi-decíduas, que só podia ser atravessada pelas redes leste-oeste de florestas de galerias ou pelas colinas e serras existentes, onde as condições eram diferentes (Leite, 2002a; Donato et al. 2003; Spichiger et al. 2004). Sendo o Mioceno particularmente importante para a formação de táxons da linhagem neogênica de Monimiaceae na América do Sul, a começar por Macropeplus (19,5 Ma AP) e, em seguida, por Hennecartia (17,2 Ma AP) (datações segundo Renner, 2005), é factível supor que o cenário de oscilações geoclimáticas do período tenha sido fator preponderante para a biogeografia desses táxons. De fato, as regiões xéricas atuais parecem dividir a distribuição de 19 suas espécies em três grandes regiões fitogeográficas: uma no noroeste do continente (Mollinedia), outra no sudeste, atlântica (Macropeplus, Macrotorus, Hennecartia, além de Mollinedia) e a terceira, no sul dos Andes (Peumus) (Figura 6). A baixa representatividade da família no Chaco, Cerrado e na Caatinga não é exclusividade da família; Gentry (1982) revela que apenas 7% das espécies arbustivas, originárias das floras basais extra-amazônicas (além de Monimiaceae, são citadas Acanthaceae, Caricaceae, Melastomataceae, Myrsinaceae, Piperaceae, Rubiaceae e Solanaceae), ocorrem nesses biomas. Objetivos Com o presente trabalho, pretende-se analisar a distribuição geográfica conhecida e potencial em espécies neotropicais de Monimiaceae, além de avaliar o papel da modelagem de nicho fundamental nos estudos biogeográficos sobre a família. Para tal, foram estabelecidas as seguintes perguntas sobre a distribuição de duas espécies neotropicais miocênicas de Monimiaceae, H. omphalandra e M. ligustrinus: (1) Quais são os limites de suas distribuições? (2) O que as impede de colonizar outras áreas? (3) Elas possuem um centro de origem? (4) Quais são suas áreas de expansão e retração? (5) Sua distribuição está associada a algum padrão fitogeográfico? (6) Que eventos históricos ajudaram a delinear a distribuição da espécie? (7) Há disjunções na distribuição? 20 Distribuição geográfica conhecida e potencial de Hennecartia omphalandra Poisson (Monimiaceae) Resumo Hennecartia Poisson é um dos cinco gêneros neotropicais de Monimiaceae. Sua ocorrência está restrita ao Brasil, Paraguai e Argentina. H. omphalandra Poisson, a única espécie do gênero, é aqui estudada à luz de recentes ferramentas disponíveis à Corologia, como os bancos de dados de espécimes depositados em coleções científicas, os sistemas de informações geográficas (SIG) e as técnicas de modelagem de distribuição. A relação entre a espécie e fatores climáticos como temperatura e precipitação pôde ser examinada tanto qualitativamente, contrapondo 91 localidades de ocorrência da espécie a camadas de mapas de fatores ambientais e ecorregiões, como também quantitativamente, via correlações espaciais estatísticas. O estudo possibilitou caracterizar H. omphalandra como espécie indicadora da porção sul da Floresta Estacional Semidecídua no bioma Mata Atlântica, além de sugerir, graficamente, a dinâmica de sua distribuição, com um centro de origem no sudeste do Paraguai, três rotas migratórias na direção do litoral atlântico e as áreas de expansão da distribuição na direção do sudeste brasileiro, via serra do Mar. Palavras-chave Fitogeografia, modelagem de distribuição de espécies, Maxent, Floresta Estacional Semidecídua, Mata Atlântica 21 Known and potencial distribution of Hennecartia omphalandra Poisson (Monimiaceae) Abstract The monotypic genus Hennecartia Poisson is one of the five neotropic genus of Monimiaceae, with a range restrict to Brazil, Paraguay and Argentina. H. omphalandra Poisson, the only species of the genus, is studied here under the light of recent available tools to chorology, as specimens databases, geographic information systems (GIS) and techniques of distribution modelling. The relationship between H. omphalandra and climatic factors as temperature or precipitation was examined qualitatively, disposing 91 collection points of the species and layers of maps of environmental factors, and quantitatively, through statistical correlations. The study made possible to characterize H. omphalandra as exemplary of the southern seasonal semideciduous vegetation of the Atlantic Forest biome, besides suggesting, graphically, the dynamics of its distribution, with an origin center in the southeast of Paraguay, three broken migratory in the direction of the Atlantic coast and the areas of expansion of the distribution in the direction of the brazilian southeast, through the “serra do Mar”. Keywords Phytogeography, species distribution modelling, Maxent, seasonal semideciduous forests, Atlantic Forest 22 Introdução Monimiaceae é uma família pantropical que engloba 25 a 30 gêneros e aproximadamente 200 espécies que habitam, predominantemente, florestas úmidas (Smith, 1973; Santos & Peixoto, 2001). Do ponto de vista fitogeográfico e evolutivo, é uma famíliachave para o entendimento de grupos que, no Cretácio, habitavam o supercontinente Gondwana. A família é membro das Laurales, cuja filogenia está relativamente bem resolvida, e as relações entre as seis famílias da ordem são claras, com exceção de uma tricotomia entre Hernandiaceae, Lauraceae e Monimiaceae (Renner, 2005; Stevens, 2005). Hennecartia Poisson foi classificado por Perkins & Gilg (1901, apud. Peixoto, 1976), na subfamília Mollinedioideae, juntamente com todos os gêneros neotropicais de Monimiaceae. Philipson (1987) tratou, porém, os gêneros neotropicais de Monimiaceae em duas das seis subfamílias por ele reconhecidas (Mollinedioideae e Monimioideae) e em três tribos (Mollinedieae, Hennecartieae e Peumieae). Para este autor, a tribo Hennecartieae engloba apenas o gênero Hennecartia. A circunscrição filogenética da família vem sendo gradativamente esclarecida com base em dados moleculares (Renner 1998; 2005), corroborando, muitas vezes, com os grupos propostos por Philipson. O gênero monotípico Hennecartia tem ocorrência restrita ao Brasil, Paraguai e Argentina. H. omphalandra, conhecida popularmente como “arreganha”, “canemeira” (sendo “canema” o fruto), “cangorosa-grande”, “cardo-santo”, “gema-de-ovo” e “pimentão-domato”, ocorre em sub-bosques de florestas íntegras ou alteradas, habitando principalmente a Floresta Estacional Semidecídua. Em Santa Catarina, Floresce na primavera (Peixoto et al. 2001. É uma árvore dióica, com folhas opostas, raro 3-verticiladas. As flores são pequenas, organizadas em racemos axilares ou extra-axilares que podem ter crescimento vegetativo, após a floração. As flores masculinas têm receptáculo discóide, com até 1,2 cm de diâmetro, com lobos marginais diminutos; estames 52-62, anteras amarelas com ponto central brúneo, deiscente por fenda transversal contínua, conectivo central, colunar. Flores femininas apresentam receptáculo urceolado, cerca de 0,7 cm de diâmetro, carnoso-coriáceo, quase fechado em pequeno ostíolo, lobos espessos carnosos, papilosos, cavidade interna também papilosa na parte superior constituindo, junto com os lobos, um hiperestigma. Carpelos 1-2, raro 3, inseridos na base do receptáculo, estilete subnulo, com pequeno estigma. Receptáculo frutífero globoso, piriforme, cerca de 2 cm de diâmetro, marrom-avermelhado externamente e vermelho-alaranjado internamente, rompendo-se na maturação em 4-5 segmentos irregulares, 23 reflexos. Drupas comprimidas, negras, com pericarpo fino, carnoso e endocarpo endurecido (Peixoto et al. 2002). As ocorrências mais a norte de H. ompalandra (~22° S), e também mais a leste (~44° W), estão próximas ao encontro dos estados de Minas Gerais (Caldas), São Paulo (Campos do Jordão e Monte Alegre do Sul) e Rio de Janeiro (Visconde de Mauá), uma região de altitudes elevadas. Está representada em pelo menos oito municípios do Paraná (Cerro Azul, Céu Azul, Curitiba, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Lindoeste, Londrina, Pitanga), em Santa Catarina em dez municípios (Anita Garibaldi, Florianópolis, Lauro Müller, Monte Castelo, Nova Teutônia, Paulo Lopes, Rio do Sul, São José do Cedro, São Miguel do Oeste e Tapera) e no Rio Grande do Sul em nove municípios (Camaquã, Pedro de Alcântara, Fontoura Xavier, Garibaldi, Santa Cruz do Sul, São Leopoldo, São Lourenço do Sul, São Luiz e Vale do Sol). Em São Lourenço do Sul (31°21’ S), encontra-se sua ocorrência mais ao sul. Na Argentina, a espécie é encontrada no extremo nordeste, principalmente em Missiones (Cainguás, Cadelaria, Eldorado, General Manuel Belgrano, Guaraní, Iguazú, Libertador General San Martín, Oberá, San Ignacio), e foi localizada também em Corrientes (Ituzaingó, Santo Tomé). No Paraguai, está bem distribuída na margem oriental do rio que dá nome ao país, ocorrendo em pelo menos 10 províncias: Alto Parana, Amambay, Caaguazú, Caazapá, Canindeyú, Guairá, Itapua, Misiones, Paraguarí (ocorrência mais a oeste, ~57° W) e San Pedro. Um volume crescente de evidências vem demonstrando que os processos ecológicos e evolutivos que criam e mantêm a diversidade biológica devem ser preservados, possibilitando assim a continuidade da sobrevivência dos organismos. Conseqüentemente, conhecer os padrões históricos de separação entre espécies/áreas e os processos que geraram estes padrões torna-se necessário. Através do estudo das distribuições geográficas dos organismos, a coriologia auxilia a entender a história das espécies e seus ambientes e os processos evolutivos que resultaram na diversificação das espécies e de suas distribuições, abrindo portas para novas análises biológicas, com aplicações em ecologia, conservação, estimativas de biodiversidade, centros de endemismo, estudos de comunidades e ecossistemas (Peterson, 2001; Fernandes, 2003; Guisan & Thuiller, 2005; Figueiredo et al. 2006; Phillips et al. 2006). Testes realizados com modelagem de distribuição de espécies, envolvendo predição baseada no conceito de nicho fundamental (gerando assim uma “distribuição potencial”) demonstraram boa habilidade de previsão, requerendo um número relativamente baixo de pontos de ocorrência (Pereira & Peterson, 2001). Tais técnicas vêm sendo utilizadas na análise e solução de problemas distintos, subsidiando estratégias de contenção e erradicação 24 de espécies invasoras (Peterson et al. 2003) e doenças endêmicas (Peterson et al. 2002), previsão de impacto de mudanças climáticas (Siqueira & Peterson, 2003) ou no conhecimento e conservação de aves (IBAMA/MMA, 2004), animais terrestres (Ganeshaiah et al. 2003; Grelle & Cerqueira, 2006), aquáticos (Kaschner, 2004) ou plantas (Siqueira & Duringan, no prelo). No presente estudo, a relação entre a espécie e fatores climáticos como temperatura ou precipitação foi examinada tanto qualitativamente, dispondo simultaneamente pontos de coleta e camadas de mapas de fatores ambientais, como também quantitativamente, via correlações espaciais estatísticas sobre a distribuição da espécie sobre estes mesmos fatores. Com uso de dados geográficos e climáticos atuais, elaborou-se um modelo de distribuição potencial, utilizando-se o programa MaxEnt (Phillips et al. 2006). O objetivo é conhecer e descrever a distribuição geográfica de H. omphalandra, com base em dados de presença da espécie. Em particular, buscaram-se respostas para as seguintes perguntas: (1) Quais são os limites de sua distribuição? (2) O que a impede de colonizar outras áreas? (3) Há um centro de origem? (4) Quais são suas áreas de expansão e retração? (5) Sua distribuição está associada a algum padrão fitogeográfico? (6) Que eventos históricos ajudaram a delinear a distribuição da espécie? (7) Há disjunções na distribuição? Como justificativa para o trabalho, espera-se que os resultados forneçam subsídios para programas de conservação da espécie e da vegetação onde ela ocorre. Mas conhecer a distribuição de H. omphalandra é particularmente necessário, pois a espécie foi registrada pelo Centro de Informações Toxicológicas de Santa Catarina como tóxica (Adji et al. 2002; Schenkel et al. 2004) por ter causado grave intoxicação em duas crianças que ingeriram acidentalmente seus frutos, levando uma delas à morte. Materiais e Métodos Foram utilizados dados de etiquetas de herbário de 142 espécimes de H. ompalandra, com identificação precisa (Tabela 1). Tais dados advêm de bancos de dados, obtidos diretamente com curadores de herbários, ou disponíveis na internet, em literatura taxonômica ou ainda de inventários florísticos (Peixoto, 1976; Martinez-Laborde, 1983; Jarenkow & Waechter, 2001; Rosário 2001; Peixoto et al. 2001 e 2002; Jurinitz & Jarenkow, 2003; Melo, 2005; Bonnet, 2006; Pereira, 2006). Obtiveram-se dados nas seguintes coleções (em ordem alfabética de suas siglas designativas, segundo os Index Herbariorum e Index Xilariorum): 25 AS, BCTw, CTES, ESA, ESAL, FACEN, FCQ, FLOR, HBR, MO, NY, PY, RB, RBR, RBw, SI, SPFw, UPCB. Os bancos de dados de espécimes consultados ou obtidos estão listados a seguir, em ordem alfabética de suas siglas, com as datas em que foram acessadas (as bases de espécimes disponíveis na internet contém ainda seu endereço na web): GBIF - Global Biodiversity Information Facility: http://www.gbif.org, 17-05-2006 e 08-12-2006; SI - Instituto de Botánico Darwinion, San Isidro, Buenos Aires, Argentina: http://www.darwin.edu.ar/Principal.asp, 10-12-2006; RB - Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, disponível no banco de dados JABOT: http://www.jbrj.gov.br/jabot, acessado em 01-09-2006 e 12-12-2006; RBR - Herbário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; REMIB - Red Mundial de Información sobre Biodiversidad: http://www.conabio.gob.mx/remib/doctos/remib_esp.html, 27-05-2006 e 08-122006 speciesLink/CRIA - Centro de Referência em Informática Ambiental: http://splink.cria.org.br, acessado em 11-12-2006; w3Tropicos - Missouri Botanical Garden: http://mobot.mobot.org/, acessado em 1012-2006. Dos 142 espécimes, 133 estavam ou puderam ser georreferenciados. No caso de ausência de coordenadas geográficas, foram consideradas a latitude e a longitude dos vales, picos, serras, cidades ou vilas mais próximas à localidade de ocorrência do exemplar, obtidas nos seguintes bancos de localidades: geoloc/CRIA (http://splink.cria.org.br, acessado em 1812-2006), EMBRAPA - Mapeamento e Estimativa da Área Urbanizada do Brasil (http://www.urbanizacao.cnpm.embrapa.br/, acessado em 18-12-2006), Falling Rain Genomics, Inc. - World Index (http://www.fallingrain.com/, acessado em 17-12-2006), Atlas Mondial des Longitudes et Latitudes (http://www.astromedia.org/atlas/, acessado em 16-122006) e IBGE Cidades@ (http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php, acessado em 15-122006). Os espécimes para os quais se buscaram latitude/longitude nos bancos de localidades citados acima estão marcados com asterisco (*) na Tabela 1. Tal atividade resultou em 91 pontos de coleta distintos (localidades, conjuntos latitude/longitude, tendo como unidade um pixel de ~9km² de área), ou seja, 42 espécimes tinham coordenadas geográficas coincidentes com outro ponto. Uma vez plotados no mapa da 26 América do Sul, estes 91 pontos, representando a distribuição conhecida de H. omphalandra, foram aleatoriamente divididos em dois conjuntos: um para “treinamento” (45 pontos), usados na geração da distribuição potencial, e outro para “teste externo” (46 pontos), usado na validação do modelo gerado, conforme recomendações de Anderson et al. (2003) e Siqueira & Duringan (no prelo), entre outros. Para produção da distribuição potencial, submeteu-se o conjunto de treinamento ao programa MaxEnt, versão 2.3 (Phillips et al. 2006). Trata-se de uma técnica modelagem de nicho fundamental que vem apresentando bons resultados na predição de distribuição de espécies (Elith et al. 2006; Márquez, 2006). Em comparação a outros métodos com os mesmos propósitos, o MaxEnt apresenta algumas vantagens, como ser capaz de basear a modelagem apenas em dados de presença (ou seja, não requerendo dados de “ausência” da espécie, que são muito de difícil obtenção), e processar dados contínuos (p. ex. arquivos do tipo grid) e discretos (p. ex. tipo shape), dentre outras (Phillips et al. 2006). Utilizaram-se os seguintes valores de configuração do MaxEnt (padrões do programa): Convergence Threshold: 0,00001; Maximum Iterations: 500; Auto-features: sim; Regularization multiplier: 1. As variáveis ambientais foram processadas (padronizadas, cortadas para a área de estudo e organizadas) através do uso do sistema de informações geográficas ArcView (ESRI, Environmental Systems Research Institute), resultando em um conjunto de dados abióticos (datasets) abrangendo as Américas Central e do Sul, além do México: Variáveis climáticas: Fonte Worldclim (http://www.worldclim.org; Hijmans, 2005), condições atuais (interpolação de dados observados para os anos ~1950 a 2000), ESRI grids, resolução de 5 arco-minutos (equivalente a pixels de ~9 km2): isotermalidade (variação diária média de temperatura/média da temperatura anual), temperatura mínima (12 camadas, uma para cada mês), temperatura máxima (12 camadas) e precipitação (12 camadas); Dados topográficos: Fonte U.S. Geological Surveys 11. Resolução generalizada para de 5 arco-minutos, a partir de dados com resolução de 0,01 grau: altitude (1 camada), face de exposição (1 camada), aspecto do terreno/declividade (1 camada), fluxo hídrico (1 camada) e capacidade de retenção de água no solo (1 camada). A seleção das variáveis segue recomendação geral da literatura (p. ex. Guisan & Zimmermann, 2000; Pereira & Almeida, 2004; Townsend et al. 2006), que aponta as variáveis climáticas, principalmente temperatura e precipitação, como os fatores preditores 27 mais apropriados para análises de nichos em escala geográfica mais ampla (regional), como é o caso deste trabalho. A distribuição potencial, baseada no modelo gerado pelo MaxEnt, foi processada com o sistema de informações geográficas ArcView (ESRI, Environmental Systems Research Institute), com a extensão Grid Tools Jenness Enterprises v. 1.7 (Jenness, 2006). O nicho fundamental para a espécie foi zoneado, aplicando-se à distribuição potencial a estatística de vizinhança (Neighbohood Statistics) do Grid Tools Jenness Enterprises, obtendo-se, para cada pixel, a mediana dos vizinhos, num raio circular de até 3 pixels. Ao resultado, aplicou-se o método de classificação por quebras naturais (Natural breaks) para se obterem 5 classes. Para avaliar a acurácia do modelo, realizou-se, com o Statistica 6.0, teste medindo a diferença entre as proporções dos números de pixels do modelo obtido (18.293) em relação ao número total de pixels da área em estudo (184.869) e o total de sucessos (46 sucessos em 46 pontos de teste). Outros mapas temáticos foram utilizados para análises e ilustrações: Americas Base Map (Bletter et al. 2004), uma compilação de mapas das Américas provenientes de diversas fontes e em diversos formatos; o mapa de ecorregiões do WWF (Olson & Dinerstein, 2002); mapas do IBGE (http://www.ibge.gov.br), incluindo o Mapa de Vegetação do Brasil (IBGE, 1993, baseado em Veloso et al., 1991); mapa digital baseado no sistema de classificação climática de Köppen-Geiger (Kottek et al. 2006). 28 Tabela 1 - Espécimes de Hennecartia omphalandra utilizados (142). Fonte = referência bibliográfica e ano ou banco de dados onde o dado está disponível; Coletor = coletor e número de coleta; Coleções = coleções nas quais o exemplar está depositado; Localidade = Município; Georef. = Latitude e longitude. Os espécimes marcados com * continham, em suas etiquetas, informações sobre latitude e longitude. Fonte Coletor Coleções País Localidade Georref. Rosário, 2001 GBIF ? ? Brasil São Francisco de Paula 29°25´ S, 50°24´ W ? MO 44617 Paraguai Parque Guayaqui GBIF ? MO 45010 GBIF ? MO 884268 GBIF ? MO 958275 spLink/CRIA ? UPCB 47301 spLink/CRIA ? UPCB 47302 Pereira, 2006 ? spLink/CRIA ? ESAL SPFw 170.0 spLink/CRIA ? BCTw 6127 spLink/CRIA ? SPFw 349.0 spLink/CRIA ? SPFw 1066.0 w3Tropicos Arbo, M.M. 2800 w3Tropicos Arbo, M.M. 6005 JABOT Barbosa, E. & Costa, E.F. 977 JABOT Basualdo, I. 2444 JABOT Bellodi, S.M. et al. SI Biganzoli, F. 573 JABOT Borges, R. 1 MO MO RB JABOT Borges, R. 2 RB JABOT Borges, R. 3 RB JABOT Borges, R. 4 RB REMIB Brunner, D.R. et al. MO 46290, PY JABOT Brunner, D.R. & Buck, W. 847 Brunner, D.R. et al. 886 Brunner, D.R. et al. 890 RB 25°28´58´´ S, * 56°10´58´´ W Paraguai Cantera Jhú 25°48´ S, 56°19´58´´ * W Paraguai Monumento Científico 25°39´ S, 54°36´ W * Moisés Bertoni Paraguai Estancia Río Bonito 25°37´55´´ S, 54°48´17´´ W Brasil Curitiba 25°25´0´´ S, 49°15´ * W Brasil Foz do Iguaçu 25°32´45´´ S, * 54°35´7´´ W Brasil Visconde de Mauá 22°20´ S, 44°36´ W * Brasil Monte Alegre do Sul 22°40´0´´ S, * 46°40´59´´ W Brasil Monte Alegre do Sul 22°40´54´´ S, * 46°40´50´´ W Brasil Monte Alegre do Sul 22°40´0´´ S, * 46°40´59´´ W Brasil Lauro Müller 26°26´40´´ S, * 52°50´1´´ W Paraguai Caazapá 26°9´ S, 56°24´ W * Argentina Candelaria 27°28´ S, 55°44´ W * Brasil Lindoeste 25°15´36´´ S, * 53°34´33´´ W Paraguai Guairá Brasil Salto Santa Rosa Argentina Cainguás Brasil Londrina 23°18´37´´ S, * 51°9´46´´ W Brasil Londrina 23°18´37´´ S, * 51°9´46´´ W Brasil Londrina 23°18´37´´ S, * 51°9´46´´ W Brasil Londrina 23°18´37´´ S, * 51°9´46´´ W Paraguai Centro Desarollo 26°49´58´´ S, * Forestal 55°31´58´´ W Paraguai Pirapo 26°50´ S, 55°32´ W * RB Paraguai Yatytey 26°38´ S, 54°57´ W * RB, MO, PY Paraguai Yatytey 26°37´59´´ S, 54°57´ * W JABOT JABOT RBR RBR 7426 SI, MO RB 29 Fonte Coletor Coleções País SI Cabrera, A.L. 28794 JABOT Chagas, F. 1780 Peixoto et Coura Neto, A.B. & al., 2001 Moreno, J.A. 42 Peixoto et Coura Neto, A.B. & al., 2001 Moreno, J.A. 42 spLink/CRIA Destefani, A.C.C. s.n. SI, MO RBR HBR Argentina San Ignacio Brasil Salto Santa Rosa Brasil Fontoura Xavier HBR Brasil Fontoura Xavier ESA 93700 Brasil Eldorado w3Tropicos Eskuche, U.G. 230323a w3Tropicos Eskuche, U.G. 230323b JABOT Estevan, D.A. et al. 155 JABOT Estevan, D.A. et al. 156 w3Tropicos Gentry, A. 59296 w3Tropicos Gentry, A. et al. 59402 JABOT Hahn, W. 2587 SI Argentina San Ignacio 28°58´58´´ S, 52°20´45´´ W 28°58´58´´ S, 52°20´45´´ W 24°31´19´´ S, 48°6´27´´ W 27°16´ S, 55°32´ W SI Argentina San Ignacio 27°16´ S, 55°32´ W * RB Brasil Londrina RB Brasil Londrina MO MO Paraguai Villa Ygatimi Paraguai Villa Ygatimi 23°18´37´´ S, 51°9´46´´ W 23°18´37´´ S, 51°9´46´´ W 24°8´ S, 55°32´ W 24°8´ S, 55°32´ W RB Paraguai Centro Forestal Alto Parana Paraguai Centro Desarollo Forestal Brasil Pitanga w3Tropicos Hahn, W. & Pérez de RB, MO, PY Molas, L. 2739 JABOT Hatschbach, G. 32879 MBM, RBR Localidade w3Tropicos Hatschbach, G. 49797 JABOT Hatschbach, G. et al. 65311 spLink/CRIA Jarenkow, J.A. 2140 spLink/CRIA Jarenkow, J.A. 3656 MO RB Paraguai Paraguarí Brasil Foz do Iguaçu ESA ESA Brasil Brasil REMIB SI 2441599 Argentina General Manuel Belgrano Argentina General Manuel Belgrano Paraguai Villarrica Argentina Eldorado Johnson, A.E. Vale do Sol Céu Azul w3Tropicos Johnson, A.E. 918 MO, SI w3Tropicos Jörgensen, P. 4337 w3Tropicos Keller, H.A. 2250 MO, AS CTES spLink/CRIA Keller, H.A. 271 JABOT Klein, R.M. 11200 ESA RBR Peixoto et al., 2001 Peixoto et al., 2001 Peixoto et al., 2001 Peixoto et al., 2001 JABOT Klein, R.M. et al. 11897 Klein, R.M. 2970 HBR Argentina San Pedro Paraguai Puerto Presidentes Stroessner Brasil São Lourenço do Sul HBR Brasil Monte Castelo Klein, R.M. 5716 HBR Brasil São Miguel do Oeste Klein, R.M. 5752 HBR Brasil Rio do Sul Klein, R.M. 7798 FLOR, HBR Brasil São José do Cedro JABOT Klein, R.M. & Bresolin, R. 8350 FLOR, HBR, RBR Brasil Florianópolis Georref. 27°16´ S, 55°32´ W * * * * * * * 25°5´ S, 54°40´ W 26°30´ S, 56°50´ W * 24°45´25´´ S, 51°45´41´´ W 25°55´ S, 57°9´ W 25°32´52´´ S, 54°35´17´´ W 29°34´ S, 52°40´ W 25°8´48´´ S, 53°50´55´´ W 25°58´ S, 54°7´ W * * * * * 25°58´ S, 54°7´ W 25°45´ S, 56°26´ W 26°23´30´´ S, 54°39´ * W 26°38´ S, 54°8´ W * 31°21´55´´ S, 51°58´42´´ W 26°27´44´´ S, 50°13´52´´ W 26°45´ S, 53°34´0´´ W 27°13´0´´ S, 49°39´ W 26°26´30´´ S, 53°35´53´´ W 27°35´58´´ S, 48°30´40´´ W * * * * * * 30 Fonte Coletor Coleções País Localidade JABOT JABOT Klein, R.M. 8720 Klein, R.M. 9616 RBR RB, RBR Brasil Brasil Tapera Paulo Lopes JABOT Krapovickas, A. et al. RB 26249 Peixoto et al. Kuhlmann, J.G. 1921 HBR 2002 JABOT Leite, J.E. 212 NY Argentina Santo Tomé JABOT Georref. 27°57´42´´ S, * 48°41´0´´ W 28°31´0´´ S, 56°3´ W * Brasil Monte Alegre do Sul Brasil São Leopoldo MBM, NY Brasil Cerro Azul NY Brasil Guarapuava Lindeman, J.C. & Haas, J.H. 921 w3Tropicos Montes, J.E. 3392 RB Brasil Paraná SI * w3Tropicos Montes, J.E. 7067 SI SI SI HBR Argentina Libertador General San 26°48´ S, 55°2´ W Martín Argentina General Manuel 25°58´ S, 54°7´ W Belgrano Argentina General Manuel 25°58´ S, 54°7´ W Belgrano Argentina Libertador General San 27°5´ S, 54°54´ W Martín Argentina Oberá 27°27´7´´ S, 55°3´3´´ W Argentina Libertador General San 27°5´ S, 54°54´ W Martín Argentina Oberá 27°27´7´´ S, 55°3´3´´ W Brasil Campos de Jordão 22°44´21´´ S, 45°35´29´´ W Brasil Nova Teutônia 27°3´ S, 52°24´ W * JABOT Lindeman, J.C. & Haas, J.H. 2304 Lindeman, J.C. 4711 JABOT Morrone, O. 1484 REMIB Múlgura de Romero, M.E et al. REMIB Múlgura de Romero, M.E. w3Tropicos Múlgura de Romero, M.E. 1767 w3Tropicos Múlgura de Romero, M.E. 2270 Peixoto et Peixoto. A.L. 618 al., 2002 Peixoto et Plaumann, F. 132 al., 2001 JABOT Plaumann, F. 132 SI 2233133 HBR, RB Brasil Nova Teutônia Peixoto et al., 2001 JABOT Rambo, B. 53153 HBR Brasil São Luiz Regnel, 1721 RB Brasil Caldas Peixoto et al. Reitz, R. & Klein, 2001 R.M. 14436 JABOT Reitz, R. & Klein, R.M. 7002 JABOT Reitz, R. 7072 HBR Brasil Anita Garibaldi JABOT Reitz, R. & Klein, R.M. 7113 w3Tropicos Rodríguez, F.M. 364 GBIF Rojas, T. 12862 w3Tropicos Rojas, T. 4007 GBIF Rojas, T. 5860 GBIF Rojas, T. 6995 SI 2254400 MO, SI MO, SI RBR HBR, NY, RBw Brasil Lauro Müller NY, HBR Brasil Rio do Sul NY, HBR Brasil Rio do Sul SI MO AS, MO MO, MO Argentina Iguazú Paraguai Encarnación Paraguai Amambay Paraguai Estancia Primera Paraguai Santiago 22°40´54´´ S, 46°40´50´´ W 29°45´37´´ S, 51°8´49´´ W 24°49´24´´ S, 49°15´39´´ W 25°23´43´´ S, 51°27´29´´ W 27°9´48´´ S, 52°25´27´´ W 28°24´ S, 54°58´0´´ W 21°55´24´´ S, 46°23´9´´ W 27°41´21´´ S, 51°7´48´´ W 26°26´40´´ S, 52°50´1´´ W 27°12´51´´ S, 49°38´35´´ W 27°12´51´´ S, 49°38´35´´ W 25°34´ S, 54°34´ W 27°20´ S, 55°54´ W 23°32´ S, 55°33´ W 26°2´ S, 55°56´ W 27°9´ S, 56°47´ W * * * * * * * * * * * * * * * 31 Fonte Coletor Coleções País Localidade Georref. w3Tropicos Schinini, A. & CTES, MO Mármori, G.C. 26978 REMIB Schinini, A. 26982 CTES, MO JABOT Sobral, M. 2403 RB Paraguai Alto Parana 26°2´ S, 55°6´ W Paraguai Alto Parana Brasil Camaquã w3Tropicos Soria, N. 2598 spLink/CRIA Souza, V.C. 30584 Paraguai Guairá Brasil Dom Pedro de Alcântara Paraguai Alto Parana 26°2´ S, 55°6´ W 30°51´3´´ S, * 51°48´43´´ W 25°34´ S, 56°17´ W * 29°22´9´´ S, * 49°50´58´´ W 25°35´ S, 54°45´ W MO ESA w3Tropicos Stutz de Ortega, L.C. MO 1786 REMIB Tressens, S.G. et al. CTES w3Tropicos Tressens, S.G. 3895 w3Tropicos Tressens, S.G. 5644 w3Tropicos Vanni, R.O. 3484 w3Tropicos Vanni, R.O. 939 JABOT REMIB Waechter & Sobral, M. 1342 Wasum, R.A. et al. 3511 Zardini, E. & Guerrero, L. Zardini, E. & Velásquez, C. Zardini, E. & Velásquez, S. Zardini, E. & Chaparro, I. Zardini, E. GBIF Zardini, E. REMIB Zardini, E. & Velásquez, C. Zardini, E. JABOT REMIB REMIB REMIB REMIB REMIB REMIB REMIB Zardini, E. & Velásquez, R. Zardini, E. REMIB Zardini, E. REMIB Zardini, E. & Chaparro, I. Zardini, E. & Velásquez, C. Zardini, E. & Guerrero, L. Zardini, E. & Guerrero, L. REMIB REMIB GBIF Argentina Guaraní 26°54´59´´ S, 54°12´18´´ W CTES Argentina Ituzaingó 27°36´ S, 56°41´ W CTES Argentina Guaraní 26°54´59´´ S, 54°12´18´´ W CTES Argentina Iguazú 25°34´ S, 54°34´ W MO Argentina Libertador General San 26°48´ S, 55°2´ W Martín RB Brasil Santa Cruz do Sul 29°43´3´´ S, 52°25´32´´ W HBR, NY Brasil Garibaldi 29°15´21´´ S, 51°32´0´´ W MO 954504, PY Paraguai Estancia Río Bonito 25°37´1´´ S, 54°48´ W FCQ 45052, MO Paraguai Antena 24°15´ S, 55°45´ W FCQ 45082, MO Paraguai Guairá AS 1392639, MO FCQ 710843, MO MO 1263628 Paraguai Mbaracayu Natural Reserve Paraguai Melgarejo Paraguai National Park Caaguazú Paraguai Melgarejo FCQ 710751, MO FCQ 710377, Paraguai Melgarejo MO FCQ 45028, MO Paraguai Guairá FCQ 45070, MO Paraguai Polilla FCQ 801718, Paraguai Melgarejo MO FACEN Paraguai Canendiyú 1938260, MO FCQ 45115, MO Paraguai Guairá FACEN 1477958, MO MO 884274 Paraguai Parque Guayaqui * * * * * * 24°4´59´´ S, * 55°49´59´´ W 24°7´59´´ S, 55°31´41´´ W 25°48´ S, 56°15´ W * 26°30´ S, 55°15´36´´ W 25°49´58´´ S, 56°10´1´´ W 25°55´1´´ S, 56°15´ W 24°4´59´´ S, 55°45´ W 24°4´59´´ S, 55°49´59´´ W 25°55´1´´ S, 56°15´ W 23°51´57´´ S, 54°28´21´´ W 24°12´ S, 55°40´0´´ W 25°29´ S, 56°11´ W * * * * * * * * Paraguai Monumento Científico 25°39´ S, 54°36´ W * Moisés Bertoni 32 Fonte Coletor Coleções País REMIB Zardini, E. Paraguai Jejui-Mí REMIB Zardini, E. REMIB Zardini, E. REMIB Zardini, E. FACEN 1504237, MO FACEN 1513746, MO FACEN 1513748, MO FCQ, MO w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos JABOT Zardini, E. 11067 Zardini, E. 11099 Zardini, E. 11364 Zardini, E. 12321 Zardini, E. 13315 Zardini, E. 13776 Zardini, E. 13932 Zardini, E. 14046 Zardini, E. & Velásquez, C. 14685 Zardini, E. 14998 Zardini, E. 15140 Zardini, E. et al. 2438 Zardini, E. 3024 Zardini, E. 3428 Zardini, E., 37009 Zardini, E. 40032 Zardini, E. 40742 FCQ, MO FCQ, MO FCQ, MO FCQ, MO FCQ, MO FCQ, MO FCQ, MO FCQ, MO RB, FCQ, MO Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Guairá Guairá Guairá Guairá Guairá Guairá Guairá Guairá Guairá FCQ, MO FCQ, MO RB, MO, FCQ MO, FCQ MO, PY AS, MO MO, PY MO, PY Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Paraguai Guairá Guairá Guayaquí Caazapá San Pedro Coronel Oviedo Alto Parana Alto Parana w3Tropicos Zardini, E. 41746 MO, PY Paraguai Alto Parana w3Tropicos Zardini, E. & Guerrero, L. 42644 w3Tropicos Zardini, E. 48548 MO, PY Paraguai Estancia Río Bonito AS, MO w3Tropicos Zardini, E. & Chaparro, I. 48556 w3Tropicos Zardini, E. & Hellman, G. 48962 REMIB Zardini, E. 54764 REMIB Zardini, E. 7810 AS, MO AS, MO Paraguai Mbaracayu Natural Reserve Paraguai Mbaracayu Natural Reserve Paraguai Estancia Golondrina FACEN, MO FCQ, MO Paraguai Parque Guayaquí Paraguai Destacamento w3Tropicos w3Tropicos JABOT w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos w3Tropicos REMIB Localidade Paraguai Jejui-Mí Paraguai Jejui-Mí Paraguai Melgarejo Georref. 24°42´ S, 55°18´36´´ W 24°42´ S, 55°18´36´´ W 24°42´ S, 55°18´36´´ W 25°55´1´´ S, 56°15´ W 25°55´ S, 56°15´ W 25°55´ S, 56°15´ W 25°55´ S, 56°15´ W 25°55´ S, 56°15´ W 25°45´ S, 56°15´ W 25°55´ S, 56°10´ W 25°50´ S, 56°10´ W 25°48´ S, 56°15´ W 25°48´ S, 56°20´ W * * * * 25°48´ S, 56°20´ W 25°48´ S, 56°20´ W 26°9´ S, 56°24´ W * 24°12´ S, 56°34´ W * 25°29´ S, 56°11´ W 25°39´ S, 54°36´ W 25°37´55´´ S, 54°48´17´´ W 25°37´49´´ S, 54°48´50´´ W 25°37´55´´ S, 54°48´17´´ W 24°7´59´´ S, 55°31´41´´ W 24°7´59´´ S, 55°31´41´´ W 25°32´20´´ S, 55°29´1´´ W 25°29´ S, 56°11´ W 26°10´ S, 55°27´ W 33 Resultados e Discussão Os 142 espécimes aqui reunidos foram coletados entre os anos 1874 e 2005 por 45 coletores (e seus colaboradores), e identificados entre 1958 e 2006, tendo como medianas os anos de 1991 e 1996, respectivamente. A coleta mais antiga foi realizada por Regnel, na cidade alto-montana de Caldas/MG, acima dos 1.600 m de altitude. H. omphalandra foi descrita por Poisson (1885), a partir de uma coleta de Balansa (nº 2342) no Paraguai, numa floresta situada à leste da “Cordilheira de Villa-Rica” (Poisson, 1885), em região portanto de altitude submontana. A mais recente, em 2006 (Pereira, 2006), em Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro, 1.250 m de altitude. Entre esses extremos altitudinais e cronológicos, coletas e observações da espécie foram realizadas no Paraguai (68, ~48%), Brasil (50, ~35,5%) e Argentina (23, ~16,5%). Trata-se, portanto, de uma coleção de espécimes e dados que parece bem representar a distribuição de H. omphalandra. Setenta espécimes contêm dados sobre a altura dos indivíduos observados, que variaram de 1,5 a 12,5 m, com mediana em 5 m. As medianas divergem de país para país (3 m para Argentina, 6 m para o Brasil e 5 m para o Paraguai), sendo este um bom exemplo do quão importante é reunir dados armazenados não só em coleções diversas, mas também dos diversos países onde se distribui a espécie. Em relação às altitudes dos pontos de ocorrência, 23 espécimes contêm tal informação, e variaram de 150 e 1.000 m de altitude., com mediana em 550 m. Ao contrário da altura dos indivíduos, no entanto, que só pode ser obtida a partir das observações constantes nas etiquetas de coleta, a mediana das altitudes pode ser calculada também com a ajuda do sistema de informações geográficas (SIG): cruzando-se as localidades com o mapa de relevo do continente, obtêm-se uma mediana geral (dos três países) mais baixa (216 m). Levando-se em conta apenas as coletas realizadas em território brasileiro, o quadro muda significativamente (máximo 1.688, mediana 597 m de altitude.), mostrando que a espécie é capaz de se estabelecer e manter-se em largo gradiente altitudinal (Figura 1). Em outras palavras, a altitude, por si, não é um fator limitante para H. omphalandra. Sob o ponto de vista do sistema de classificação climática de Köppen-Geiger, 86 (~94,5%) dos 91 pontos de coleta de H. omphalandra estão na região classificada como Cfa, enquanto 4 em Cfb e 1 em Am (Figura 2). Os dados indicam que a espécie está bem adaptada a um “clima mesotérmico, com temperatura média do mês mais frio inferior a 18ºC e superior a -3ºC, ao menos um mês com média igual ou superior a 10ºC, sempre úmido (mês menos 34 chuvoso com precipitação superior a 60 mm) e verões quentes (mês mais quente com média igual ou superior a 22ºC)”, definição da classe (Kottek et al. 2006). Figura 1 - Gráfico comparativo das altitudes máximas, mínimas, quartis e medianas das localidades de ocorrência de Hennecartia omphalandra, na Argentina, Brasil e Paraguai. A classe climática Cfa não é suficiente, entretanto, para delimitar a distribuição da espécie, pois há um vasto espaço geográfico a oeste (Argentina) e ao sul (Uruguai) sob esta mesma classe climática onde H. omphalandra não mantém populações. Precipitações máximas inferiores a 1.400 mm anuais (Figura 3) fornecem evidências mais fortes de barreira para a espécie. Essa faixa de menores precipitações contribui para a formação da vegetação aberta que limita a distribuição da espécie à oeste (Chaco Úmido), e mesmo onde não há savana, como é o caso do norte do Paraná, a espécie é pouco encontrada. Dos 78 espécimes que contêm, entre as observações anotadas na etiqueta, informação sobre o habitat do indivíduo, a maioria (57) ocorria em formações florestais maduras, sendo particularmente citadas florestas de galeria e inundadas (15), além de formações abertas ou degradadas (8) e capões de mata (2). Levando-se em consideração todos os 91 pontos de coleta e cruzando-os com o mapa de vegetação - segundo as classificações propostas por Veloso et al. (1991), para o Brasil, e as ecorregiões do WWF para a América do Sul (Olson & Dinerstein, 2002) - confirma-se uma preferência pelas Florestas Estacionais Semidecíduas, 35 com 52 dos pontos (~57%), mas a espécie também está registrada na Floresta Ombrófila Mista (Floresta com Araucária), 14 pontos, Floresta Ombrófila Densa (Serra do Mar), 9, Chaco Úmido, 7, e outras savanas, incluindo Cerrado e capões em Campos Rupestres, 9 (Figura 4). Figura 2 - Distribuição conhecida de Hennecartia omphalandra (pontos pretos), sobre mapa do sistema de classificação climática de Köppen-Geiger A Figura 5 mostra a distribuição de H. omphalandra, conhecida, dividida em pontos de treino e teste (pontos pretos e brancos, respectivamente), e a distribuição potencial, demarcadas por 18.293 pixels de ~9 Km2, em gradientes de cinza no mapa de escala menor, 36 sendo os pixels mais claros aqueles com menor probabilidade de ocorrência da espécie, os mais escuros os com maior (variando de 1% a 100%). Esta se alastra não só pelo Paraguai, Argentina e Brasil, como a conhecida; inclui também o Uruguai e uma fatia maior do nordeste argentino, ou seja, o sudeste do continente. Observam-se, porém, no mapa de maior escala, algumas disjunções, sendo a principal uma faixa que começa no centro da Bolívia e se estende até o centro do Peru. Trata-se de região ambientalmente favorável para o desenvolvimento da espécie, porém onde ela não foi documentada. Nessa faixa ocorrem espécies de outro gênero de Monimiaceae, Mollinedia - um indício de que os gêneros têm nicho fundamental similar. Figura 3 - Distribuição conhecida de Hennecartia omphalandra (pontos pretos), sobre mapa de precipitações máximas anuais (Americas Base Map). 37 Figura 4 - Distribuição conhecida de Hennecartia omphalandra (pontos pretos), sobre mapa de tipos de vegetação (adaptado de ecorregiões do WWF e mapa de vegetação do IBGE, 1993). Não se deve esquecer que o Maxent modela o nicho fundamental da espécie relativo às variáveis climáticas fornecidas, portanto não leva em consideração barreiras ecológicas ou geofísicas, que poderiam explicar sua ausência nessas regiões potencialmente disjuntas. O caso do Uruguai é diferente: não há disjunção na distribuição potencial de H. omphalandra naquela direção, e no entanto não há registro de sua ocorrência lá. O fato será discutido adiante. 38 Figura 5 - Distribuição de Hennecartia omphalandra, conhecida (pontos cheios, conjunto de treinamento, e vazados, conjunto de teste) e potencial (em gradientes de cinza, de menor a maior probabilidade de ocorrência, de 1 a 100%). Todos os pontos de teste foram previstos pelo modelo gerado, com no mínimo 4% de probabilidade de ocorrência, máximo de 99% e mediana em 49%. O valor de 0,994 de AUC (Area under curve) para a curva ROC (Receiver operating characteristic), produzida pelo MaxEnt, (Figura 6a), indica que o modelo está baseado em informação, se comparado a um modelo aleatório, sem informação, cujo valor de AUC seria 0,50. O jackknife, também gerado pelo MaxEnt (Figura 6b), permite duas análises de influência das variáveis no modelo gerado. Na primeira análise (as barras mais escuras na figura), o sistema gera um modelo baseado em cada uma das variáveis isoladamente; quanto maior o valor obtido para uma variável, mais a informação que ela carrega é útil para a composição do modelo, o que contribui para aumentar o valor de AUC (Márquez, 2006). No caso de H. omphalandra, foram em geral as temperaturas médias de junho a setembro (tmin-6 a tmin-9 e tmax_6 a tmax_9) que 39 contribuíram com os maiores “ganhos”, particularmente a temperatura máxima em junho (tmax-6), sugerindo que a espécie está bem adaptada a uma faixa de temperaturas (máxima e/ou mínima) nos meses mais frios. Para saber que limites são esses, tomaram-se os 2.815 pixels com probabilidade de ocorrência igual ou superior a 50% na distribuição potencial da espécie (doravante chamado “DP≥50%”), obtendo-se, entre junho e setembro, uma faixa de 15,45 a 18,65 °C, em média. A mediana das temperaturas máximas em junho é 21,1 °C (Tabela 2). Confirmando as expectativa, diante do dilatado gradiente altitudinal, as variáveis relacionadas ao relevo (h_slope, h_flordir, h_dem e h_aspect) contribuíram com pouca informação para o modelo. Na segunda análise (barras mais claras), o sistema gera modelos retirando variáveis, uma por vez. Neste caso, o valor de ganho para AUC é baseado no impacto da ausência de uma variável: quanto menor o valor, maior o impacto. Em outras palavras, variáveis com valores baixos nesta análise carregam uma informação importante no refinamento do modelo que não está presente nas demais. Para H. omphalandra, conforme o jackknife, a precipitação no mês de janeiro (prec_1) é essa informação. Em DP≥50%, a mediana das precipitações em janeiro, seu mês mais chuvoso, é 163 mm, com mínimas de 113 e máximas de 353 mm. As faixas climáticas confirmam a ocorrência preferencial da espécie em clima Cfa. Comparando-se então DP≥50% com outras quatro ecorregiões que o circundam (Figura 7) Chaco Úmido, seu limite ocidental; Pampas e Savanas Uruguaias, seu limite sul; a Floresta Ombrófila Mista e todo o trecho da Floresta Estacional Semidecídua acima de 25° S, faixa de mais baixa precipitação - observam-se semelhanças e diferenças que sugerem barreiras à dispersão de H. omphalandra. A Floresta Ombrófila Mista e Pampas/Savanas Uruguaias têm precipitações bem distribuídas ao longo do ano, mas não são estacionais como DP≥50%. Em média, a Floresta Ombrófila Mista é cerca de 10% mais úmida que DP≥50%, e os Pampas/Savanas Uruguaias, cerca de 10% mais secos. Já o Chaco Seco e a faixa de mais baixa precipitação da Floresta Estacional Semidecídua diferenciam-se dos primeiros, em relação à precipitação, pela queda acentuada de chuvas entre abril e outubro (Figura 8a). 40 (a) (b) Figura 6 - (a) AUC (Area under curve) para a curva ROC (Receiver operating characteristic) e (b) Jackknife, gerados pelo MaxEnt (Phillips et al. 2006) ao produzir a distribuição potencial de Hennecartia omphalandra, com base em ~50% dos seus pontos de presença conhecidos. 41 Tabela 2 - Temperaturas mínima e máxima absolutas, medianas das temperaturas mínima e máxima (em °C) e precipitações mínima, mediana e máxima (mm.), mês a mês, dos 2.815 pixels com probabilidade de ocorrência igual ou superior a 50% (DP≥50%) da distribuição potencial de Hennecartia omphalandra, com base nas médias entre 1950 - 2000 Jan Fev 11,8 11,9 Temp. mínima absoluta 19 18,7 Mediana das Temps. mínimas 24,8 24,45 Temp. média Mediana das Temps. máximas Temp. máxima absoluta Precipitação mínima Precipitação mediana Precipitação máxima Mar Abr Mai 10,7 8,0 5,2 17,1 14,1 11,2 Jun Jul Ago 3,8 3,6 5,1 9,8 9,7 10,7 22,8 19,8 16,9 15,45 15,6 17 30,6 30,2 28,5 25,5 22,6 21,1 21,5 23,3 34,5 33,6 31,8 28,6 25,8 24,8 25,3 27,5 113 87 163 353 96 63 41 28 18 26 147 137 139 128 111 92 92 317 301 255 199 215 160 184 Set Out Nov Dez Média 7,6 9,5 10,9 10,5 8,22 °C 12,5 14,7 16,4 17,1 14,25 °C 18,65 20,9 22,65 23,3 20,19 °C 24,8 27,1 28,9 29,5 26,13 °C 27,4 30,0 31,3 33,6 29,52 °C 62 100 92 74 66,67 mm 124 163 144 148 132,33 mm 209 238 231 309 247,58 mm Figura 7 - Regiões selecionadas para comparação com os 2.815 pixels com probabilidade de ocorrência igual ou superior a 50% (DP≥50%) da distribuição potencial de Hennecartia omphalandra: Chaco Úmido, Floresta Estacional Semidecídua “Seca”, isto é, em faixa de precipitação mais baixa, Floresta Ombrófila Mista e Pampas/Savanas Uruguaias. 42 Segundo o jackknife, a precipitação em janeiro é a variável mais importante na especificação do modelo gerado; de fato, em janeiro as curvas de precipitação das cinco regiões comparadas estão separadas em níveis bem distintos. É possível que, em janeiro, a Floresta Estacional Semidecídua acima de 25° S e a Floresta Ombrófila Mista sejam úmidas demais, e Chaco Úmido e os Pampas/Savanas Uruguaias secos demais, para os padrões tolerados pela espécie. (a) (b) Figura 8 - (a) Precipitações mensais medianas, ao longo do ano e (b) temperaturas medianas mínimas e máximas, ao longo do ano, dos 2.815 pixels com probabilidade de ocorrência igual ou superior a 50% (DP≥50%) da distribuição potencial de Hennecartia omphalandra, em comparação a quatro regiões selecionadas: Chaco Úmido, Floresta Estacional Semidecídua “Seca”, isto é, em faixa de precipitação mais baixa, Floresta Ombrófila Mista e Pampas/Savanas Uruguaias. 43 À leste, as condições climáticas do Planalto Meridional Brasileiro, como já apontaram Jarenkow & Waechter (2001), obstruem a transposição de espécies da Floresta Estacional Semidecidual para a Floresta Ombrófila Densa atlântica, ambas suscetíveis ao frio. H. omphalandra parece ser uma dessas espécies. Sua distribuição potencial evita a Floresta com Araucária, principalmente seu core classificado como Cfb; a ausência de H. omphalandra neste tipo florestal foi apontada por Castella & Britez (2004). A diferença deste para o clima tipo Cfa são seus verões mais brandos, ou seja, mês mais quente com média inferior a 22ºC. O gráfico das temperaturas (Figura 8b) confirma que, aqui, a barreira se deve ao fator temperatura - é bem mais frio na Floresta com Araucária - e não à precipitação, que é semelhante em Cfa e Cfb. Ao apontar a temperatura máxima do mês de junho como a variável que mais contribuiu para o valor AUC, o jackknife sugere que a espécie está pouco adaptada também aos invernos quentes demais, como os da Floresta Estacional Semidecídua “seca” (isto é, sob faixa de mais baixa precipitação), com temperaturas máximas em junho beirando os 25° C. A ausência de H. omphalandra no Uruguai, embora sua distribuição potencial afirme ser o oeste do país uma região favorável à ocorrência da espécie, talvez possa ser explicado pela baixa precipitação média em relação a DP≥50%, ou mesmo às baixas temperaturas, mas é possível que barreiras não-climáticas - ecológicas e/ou geofísicas - possam estar limitando a dispersão da espécie. A distribuição potencial obtida para H. omphalandra foi zoneada em 5 níveis, produzindo regiões contínuas de probabilidades de ocorrências. O nível 1 (Na Figura 9, as regiões brancas). corresponde às regiões onde é improvável a ocorrência da espécies, o 5 representa as regiões com os medianas de condições abióticas mais favoráveis. O zoneamento aponta pelo menos duas importantes regiões de nível 5, uma no sudeste do Paraguai e outro no litoral brasileiro (em torno de Florianópolis), e sugere algumas rotas de migração da espécie, da Floresta Estacional do interior do continente para a Ombrófila Densa e vice-versa. Para melhor compreender o significado biológico desse zoneamento, recorreu-se novamente à literatura e às observações das etiquetas de alguns espécimes (Figura 10). Bonnet (2006) encontrou a espécie no extremo oeste do Parque Nacional do Iguaçu, Paraná, na confluência trinacional, uma das regiões com mais alto nível do zoneamento. O autor descreve o clima como “Cfa, com temperatura média no mês mais frio inferior a 18º C e temperatura média no mês mais quente acima de 22º C, com verões quentes e geadas pouco freqüentes, uma tendência de concentração das chuvas no verão, contudo sem estação seca definida (umidade relativa do ar entre 70 e 75%)”. 44 No extremo leste da mesma unidade de conservação, em Lindoeste e outras localidades (zona de nível 3), Melo (2005) também observou H. omphalandra. O autor relata que o “regime de chuvas reflete o comportamento de um clima de transição, apresentando índices pluviométricos elevados, entre 1.100 mm a 2.000 mm anuais. Os meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro são os mais chuvosos, sendo que o mês de novembro é o que apresenta historicamente a menor pluviosidade do período de chuvas. As médias de precipitação pluviométrica anual é de 1.604 mm, de temperatura mínima mensal é 17,7°C e máxima, 27,9, com média em 22,3”. É, portanto, mais quente que as médias obtidas para DP≥50%. Figura 9 - Zoneamento do nicho fundamental de Hennecartia omphalandra, a partir do resultado do modelo gerado pelo MaxEnt: quanto mais escura a região, maior a mediana das probabilidades de uma vizinhança de 3 pixels, classificado em 5 níveis de medianas. Pontos pretos são as ocorrências conhecidas da espécie. 45 A 20 km dali, no Alto Parana, Paraguai (nível 5), Stutz de Ortega (nº 1786, MO) coletou H. omphalandra, descrevendo-a como “rara” na região. Em Misiones, na Argentina, J.E. Montes (nos 3392 e 7067, SI) também a encontrou, tanto em Libertador General San Martín quanto em General Manuel Belgrano (ambas nível 5), considerando-a, porém, “escassa” em ambas localidades. Os fatos mostram que as probabilidades do Maxent não estão relacionadas à abundância ou freqüência da espécie no local, mas à sua presença ou não. Ainda no Paraguai, na Reserva de Mbaracayú (nível 4), a espécie ocorre em altitudes que variam de 140 a 450 m., em “ecótono que provavelmente serviu de refúgio para espécies subtropicais durante flutuações climáticas do passado” (Keel, S. & Herrera-Macbryde, s.d.) O fato de tratar-se de um ecótono sugere a proximidade de um limite ecológico para a distribuição da espécie, tornando compreensível a queda dos níveis de probabilidades no zoneamento mais a noroeste. A região tem médias anuais de precipitação entre 1.600 e 1.800 mm, com uma estação chuvosa entre outubro a março e outra mais seca entre julho e agosto. A média anual de temperatura está entre 20° e 25° C, com extremos em 40° e cerca de 0°, embora geadas sejam pouco freqüentes e limitadas às manhãs” (Keel & Herrera-Macbryde, s/d). Em relação à DP≥50%, o clima descrito é mais úmido e mais quente. A 400 km sudeste da foz do Iguaçu, Jarenkow & Waechter (2001) observaram, em 1 ha, 87 indivíduos de H. omphalandra no município de Vale do Sol, Rio Grande do Sul (uma região de nível 4 no zoneamento). A floresta estudada, descrita como “Estacional Decidual, cobre uma encosta da serra Geral com exposição sul, local de encontro e interpenetração de dois contingentes tropicais, o oeste, caracteristicamente mesófilo ou estacional (interior) e o leste, higrófilo ou pluvial (atlântico), com predominância do primeiro”. H. omphalandra está entre as espécies mais comuns da rota oeste. As altitudes da área de estudo variam de 100 a 140 m; o clima é subtropical úmido (Cfa) pela classificação de Köppen, com chuvas bem distribuídas, média anual de 1.367 mm (mais seco que DP≥50%), com dois períodos onde ocorrem médias inferiores a 100 mm (abril/maio e novembro), porém sem deficiência hídrica (como DP≥50%). A temperatura média anual, no período considerado, foi de 19,1 °C. A máxima registrada foi de 41,2 °C e a mínima de -3,8°C, com uma média de 12 geadas anuais. Jurinitz & Jarenkow (2003) relatam a presença de H. omphalandra dentro da estrutura arbórea de uma floresta estacional em Camaquã/RS (nível 2), em uma das mais baixas latitudes para a espécie (30°40’ S). A floresta é dita por estes autores como muito similar às florestas deciduais da região central do Rio Grande do Sul, como a do Vale do Sol; o 46 diferencial, em termos de diversidade, é “a presença de espécies do contingente atlântico (higrófilas), uma vez que as espécies de ampla distribuição diferem pouco, e que as leguminosas, principais representantes do contingente mesófilo ou estacional, têm uma participação ínfima”. A participação de espécies atlânticas na composição florística local pode ser uma conseqüência da maior proximidade ao corredor para leste, na direção da “Porta de Torres” (Leite, 2002). Nesta mesma rota, Rosário (2001) encontrou H. omphalandra na Floresta Nacional de São Francisco de Paula/RS, borda da Floresta Ombrófila Mista, clima Cfb, o que deve justificar seu baixo nível (2) no zoneamento. Outra reconhecida rota migratória da floresta decidual, ao longo dos vales dos rios Iguaçu-Timbó-Itajaí do Oeste, em Santa Catarina, que trespassa duas áreas core (Cfb) da Floresta com Araucária (Peixoto et al. 2001; Jarenkow & Waechter, 2001), também é apontada pelo zoneamento. Fazem parte desta as ocorrências em Nova Teotônia, Anita Garibaldi, Monte Castelo e Rio do Sul, em Santa Catarina. Uma terceira rota conhecida, que ocorre no ecótono da Floresta de Araucária com a Estacional, também é sugerida pela distribuição potencial. Trata-se de um ecótono florístico, fitofisionômico, estrutural, climático e geomorfológico que atravessa o estado do Paraná. É característica a influência dos grandes rios, Iguaçu, Tibagi, Ivaí e Piragi, que, através de seus vales, adentram tanto a Floresta Estacional quanto a Ombrófila Mista (Castella & Britez, 2004). Entre as ocorrências de H. omphalandra, estão nesta rota os municípios de Pitanga, Guarapuava, Cerro Azul e Curitiba. Visconde de Mauá/RJ (22°20’ S/44°36’ W, nível 2 no zoneamento) estabelece o limite nordeste da distribuição, conhecida e potencial, de H. omphalandra. Acima dessa latitude, o clima Cwa, caracterizado pelo mês menos chuvoso com precipitação inferior a 60 mm, parece ser seco demais e capaz de impedir seu avanço. Os remanescentes estudados estão situados no interior do Parque Nacional de Itatiaia, em altitudes que variam de 1.150 e 1.350m. O perfil florístico é típico de Florestas Atlânticas Alto-Montanas, tanto Ombrófilas como Semidecíduas (Pereira, 2006). Os resultados concordam com Waechter (2002), segundo o qual H. omphalandra se enquadra no perfil de “elemento Atlântico”. Para este autor, quando trata de padrões geográficos da flora do Rio Grande do Sul, estão contidos nesta classificação os gêneros florestais que se distribuem sobretudo para o norte do estado, formando uma vegetação que abrange diversas formações relacionadas ao domínio da Mata Atlântica, incluindo florestas pluviais costeiras, florestas sazonais interiores e florestas montanas com araucária. A área 47 como um todo limita-se a oeste pelo eixo Chaco-Cerrado-Caatinga, uma das principais diagonais de clima mais seco na América do Sul. Figura 10 - Hennecartia omphalandra: distribuição conhecida (pontos pretos), sobre mapa de tipos de vegetação e o zoneamento da distribuição potencial da espécie (em tons de cinza). As linhas contínuas e tracejadas representam prováveis as rotas de migração entre o Paraguai e o litoral atlântico (FOM = Floresta Ombrófica Mista; FED = Floresta Estacional Semidecídua). Pode-se observar ainda que a espécie é característica e preferencial das Florestas Estacionais Semideciduais da bacia do Paraná (Peixoto et al. 2001; 2002; Rodrigues & Jarenkow, 2002). Os limites geográficos desta ecorregião correspondem ao “Alto Paraná” do WWF, “Paraná” de Daly & Mitchell (2000). Abrange a porção oeste do Terceiro Planalto paranaense, principalmente áreas da bacia hidrográfica do rio Paraná, estendendo-se no sentido leste através dos vales dos rios Iguaçu, Piquiri e Ivaí. Possui curva ombrotérmica 48 sempre positiva, com precipitação média anual em torno de 1.647 mm. No período de novembro a março são observadas as maiores chuvas, sendo registrada média mensal de 200 mm. Os menores índices pluviométricos ocorrem nos meses de julho e agosto, nos quais a média fica em torno dos 77 mm. O período mais frio se faz presente de julho a agosto, quando a média compensada, mensal, fica em 16°C. Nesta área registram-se duas isócronas: uma, com 6 a 7 meses de temperaturas médias iguais ou acima dos 20°C; outra, com até 3 meses de temperatura média, acima dos 25°C (Leite, 2002). Segundo Morrone (2006), durante o Terciário essa subregião biogeográfica tinha clima temperado, o que permitiu a expansão de uma floresta úmida contínua, originalmente dominada por Araucaria angustifolia, além de florestas semidecíduas e estepes temperadas, de origem austral-antártica e andina. H. omphalandra se enquadra bem neste perfil. Análises de diversas tipologias de florestas desde a Argentina à Amazônia brasileira indicam que tais florestas formava uma unidade florística que incluia a Floresta Estacional Semidecídua, as florestas de galeria do Cerrado e partes da Caatinga (Daly & Mitchell, 2000; Oliveira-Filho & Fontes, 2000; Pennington et al. 2000). Com o esfriamento e aridificação do Mioceno, e conseqüente expansão da biota chaquenha, essas florestas foram fragmentadas. A Floresta Estacional Semidecídua deixou de ser uma área contínua, comparável às florestas Amazônica ou Atlântica, e se tornou uma coleção de florestas de galeria, dentre as quais o “mato branco”, de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Tais formações expandiram-se em climas mais frios e também nos úmidos, e ficaram refugiadas nas florestas de galeria nos períodos secos, favoráveis à expansão das savanas e estepes (Spichiger et al. 2004). Conclui-se pois que H. omphalandra expandiu sua distribuição nos períodos glaciais do Quaternário (mais frios), e também nos interglaciais (mais úmidos), ou seja, esteve durante todo o quaternário em expansão, e parece ainda estar, um fato registrado por Castella & Britez (2004), segundo o qual a Floresta Estacional Semidecídua está se ampliando na direção da Floresta Ombrófila Mista. Cruzando-se os 1.275 pixels brasileiros de DP≥50% com o mapa de vegetação do IBGE (IBGE, 1993), descobre-se que 931 deles (73%) estão em “área antropizada”. Este quadro de avanço antrópico sobre a Floresta Estacional Semidecídua nos três países, analisado em detalhes em Galindo-Leal & Câmara (2005), revela que embora H. omphalandra seja uma espécie bem conhecida e taxonomicamente bem delimitada, bem distribuída e com populações em unidades de conservação, a degradação de vastos espaços em sua área de ocorrência pode estar levando à erosão genética da espécie. A perda de grandes espaços 49 florestados nesta tipologia florestal, certamente é um impeditivo para que a espécie continue no seu curso de expansão de sua distribuição geográfica. Conclusões Dentro do quadro de alterações climáticas previsto para o futuro, especialmente no que tange ao aquecimento global, o conhecimento que se tem hoje sobre H. omphalandra pode ser uma ferramenta importante para monitoramento local da tipologia florestal de que a espécie é indicadora. Além de contribuir para a conservação da própria espécie, estudos envolvendo a distribuição potencial de espécies tóxicas como H. omphalandra podem também prestar importante serviço à Saúde Pública. Os métodos aplicados, incluindo a opção pelo MaxEnt, a escala e as generalizações realizadas a partir de um corte de 50% na distribuição potencial (DP≥50%), mostraram-se compatíveis com a escala de distribuição geográfica de H. omphalandra, uma espécie de larga e contínua distribuição, bem representada nas coleções científicas e cuja identificação taxonômica não é contestada. Pode-se concluir, em resposta às perguntas formuladas na pesquisa, que: (1. Quais os limites da distribuição de H. ompalandra?) A espécie é encontrada entre as latitudes 22° e 32° S e as longitudes 44° e 57° W. Ocorre desde as zonas de altitudes submontana até alto-montanas. Quanto ao sistema de classificação climática de KöppenGeiger, a espécie está associada à classe mesotérmica Cfa. Uma faixa de temperaturas médias entre 15,45 a 18,65 °C nos meses de junho a setembro parece reguladora de sua distribuição, sendo a temperatura máxima em junho (em torno de 21,1 °C) particularmente importante nesse aspecto. As precipitações máximas de janeiro (em torno de 353 mm) mostraram ser a melhor chave para diferenciação suas áreas de ocorrência. (2. O que a impede de colonizar outras áreas?) Com os dados disponíveis pode-se inferir que uma barreira à dispersão de H. ompalandra é um regime de menores precipitações, como o Chaco Úmido e um trecho da Floresta Estacional Semidecídua acima de 25° S, com máximas inferiores a 1.400 mm anuais e invernos notadamente secos. Os invernos deste último parecem ser quentes demais para H. omphalandra. Ao contrário, a melhor explicação que se pode inferir para a ausência da espécie nas regiões core da Floresta com Araucária são seus invernos frios. É possível supor ainda que, para os padrões tolerados pela espécie, a Floresta Estacional Semidecídua acima de 25° S e a Floresta Ombrófila Mista sejam úmidas 50 demais em janeiro, ou que, neste mesmo mês, o Chaco Úmido e os Pampas/Savanas Uruguaias sejam secos demais. (3. Há um centro de origem?) A analise do conjunto de dados disponível sugere que o sudeste do Paraguai seja não só um centro de dispersão histórico para a H. omphalandra, mas também seu centro de origem. (4. Quais são suas áreas de expansão e retração?) O litoral e as montanhas do sudeste brasileiros parecem ser áreas de expansão para a espécie, enquanto as florestas de galeria de rios que banham a Floresta Estacional Semidecídua parecem ser áreas de retração (ou refúgio). A dispersão da espécie provavelmente ocorre através de três rotas distintas, cada uma delas atravessando um estado da região do sul do Brasil. Os dados indicam que H. omphalandra esteve em expansão durante todo o quaternário, e ainda continua neste processo. (5. Sua distribuição está associada a algum padrão fitogeográfico?) A espécie pode ser considerada indicadora da Florestas Estacionais Semidecíduas no trecho sul da Mata Atlântica. (6. Que eventos históricos ajudaram a delinear a distribuição da espécie?) Embora vários eventos geológicos, geomorfológicos e climáticos já possam ser apontados como eventos históricos ajudaram a delinear a distribuição atual da espécie, ainda é cedo para tecerem-se afirmações sobre a história biogeográfica da espécie. (7. Há disjunções na distribuição?) Na distribuição atual da espécie não se notaram disjunções. A distribuição preditiva, porém, mostra áreas disjuntas. Referências Bibliográficas Adji, S.S.E., Peixoto, A.L., Kranz, W. & Leitão, G.G. 2002. Detecção de glicosídios cianogênicos em Hennecartia omphalandra (Monimiaceae): uma planta tóxica. 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Sua distribuição é aqui estudada à luz de recentes ferramentas disponíveis à Corologia, como os bancos de dados de espécimes, os sistemas de informações geográficas (SIG) e as técnicas de modelagem de distribuição. A relação entre M. ligustrinus, sua espécie de mais ampla distribuição, e fatores climáticos pôde ser examinada tanto qualitativamente, dispondo simultaneamente pontos de coleta e camadas de mapas de fatores ambientais e ecorregiões, como também quantitativamente, via correlações espaciais estatísticas. A pesquisa resultou na produção do mapa de distribuição atual da espécie. Sua distribuição preditiva, utilizando o programa MaxEnt permitiu associar M. ligustrinus a um paleo-padrão reconhecido na literatura para outros táxons. A aplicação do método na avaliação de identificações de espécimes obtidos em bancos de dados foi testada, mostrando-se promissora, embora muitos estudos sejam ainda necessários para sua aplicação mais intensiva. Palavras-chave Fitogeografia, modelagem de distribuição de espécies, Maxent, espécies relictuais, coleções botânicas 57 Known and potencial distribution of Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins (Monimiaceae) Abstract Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins is one of the five neotropic genus of Monimiaceae, being Macropeplus the only exclusively brazilian. Its distribution is studied here under the light of recent available tools to Chorology, as specimens databases, geographic information systems (GIS) and techniques of distribution modelling. The relationship among M. ligustrinus, its species of wider distribution, and climatic factors could be examined qualitatively, disposing collection points and layers of maps of environmental factors, as well as quantitatively, through statistics correlations. The research resulted in the production of the map of current distribution and, with the program MaxEnt, of a model of potential distribution for the species. The zoning of this distribution allowed to associate M. ligustrinus to a paleo-pattern recognized in the literature for other taxons. The application of the method in the evaluation of specimens identifications obtained in databases was tested, being shown promising, although many studies are still necessary. Keywords Phytogeography, species distribution modelling, Maxent, relictual species, herbarium collections 58 Introdução Macropeplus é um dos seis gêneros neotropicais de Monimiaceae, uma família pantropical que engloba 25 a 30 gêneros e aproximadamente 200 espécies que habitam, predominantemente, florestas úmidas (Smith, 1973; Santos & Peixoto, 2001). Do ponto de vista fitogeográfico e evolutivo, é uma família-chave para o entendimento de grupos que, no Cretácio, habitavam o supercontinente Gondwana e hoje encontram-se em áreas geograficamente separadas, no paleotrópico e no neotrópico. A família é membro das Laurales, cuja filogenia está relativamente bem resolvida, e as relações entre as seis famílias da ordem são claras, com exceção de uma tricotomia entre Hernandiaceae, Lauraceae e Monimiaceae (Renner, 2005; Stevens, 2005). Monimiaceae é usualmente subdividida em Hortonioideae, Monimioideae e Mollinedioideae, sendo esta última a maior subfamília, incluindo, aproximadamente, 21 gêneros e 180 espécies. Philipson (1987) trata os gêneros neotropicais de Monimiaceae em duas das seis subfamílias por ele reconhecidas (Mollinedioideae e Monimioideae) e em três tribos (Mollinedieae, Hennecartieae e Peumieae), posicionando Macropeplus, além de Mollinedia e Macrotorus, na primeira. A circunscrição filogenética da família vem sendo gradativamente esclarecida com base em dados moleculares (Renner, 1998; 2005), corroborando, muitas vezes, com os grupos propostos por Philipson. Macropeplus foi descrito por Perkins, em 1898, contendo uma só espécie – Macropeplus ligustrinus (Tul.) Perkins – englobando, entretanto, oito variedades. Santos & Peixoto, em 2001, dão uma nova circunscrição ao gênero, reconhecendo-o com quatro espécies: M. dentatus (Perkins) I.Santos & Peixoto, M. friburgensis (Perkins) I.Santos & Peixoto, M. ligustrinus (Tul.) Perkins e M. schwackeanus (Perkins) I.Santos & Peixoto. O gênero engloba arbustos ou árvores dióicos, de 3 a 7 m de altura, diâmetro do fuste de até 10 cm, casca lisa, acinzentada, ramos glabros, os jovens vináceos, com folhas opostas, lanceoladas, oblongas, rombóides, ovadas a obovadas, inteiras ou dentadas, glabras, cartáceas a coriáceas, discolores. Inflorescências em cimeiras trifloras ou organizadas em tirsos frequentemente folhosos, com até 24 flores, as femininas geralmente reduzidas a monocásios raro pleiocásios, brácteas e bractéolas diminutas, caducas. As flores são brancas a amareloesverdeadas, perfumadas, com 5-8mm, apresentam receptáculo campanulado, 4-lobado, lobos imbricados dois a dois, desiguais entre si. Flores masculinas com os lobos mais longos do que o receptáculo, com 6-26 estames, anteras com deiscência longitudinal, 1-2 estaminóides às 59 vezes presente junto aos lobos. Flores femininas com 6-24 carpelos, congestos no fundo do receptáculo, livres, pilosos, receptáculo internamente piloso, perianto com deiscência circuncisa, em forma de caliptra, após a antese. Fruto múltiplo livre, frutíolos drupas globosas, vináceas a nigrescentes na maturação, receptáculo cedo reflexo (Santos & Peixoto, 2001). A distribuição conhecida de Macropeplus alcança, com suas quatro espécies, seis Estados do Brasil: Bahia, Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ocorre apenas em altitudes acima de 1.000 m, estando distribuído em cinco importantes maciços do Nordeste e Sudeste brasileiros, e na Serra dos Pirineus e Distrito Federal, no Planalto Central. É um gênero que habita florestas ou capões de mata em campos rupestres, cerrados, mata atlântica alto-montana e transição para os campos de altitude (Santos & Peixoto, 2001). Um volume crescente de evidências vem demonstrando que os processos ecológicos e evolutivos que criam e mantêm a diversidade biológica devem ser preservados, possibilitando assim a continuidade da sobrevivência dos organismos. Conseqüentemente, conhecer os padrões históricos de separação entre espécies/áreas e os processos que geraram estes padrões torna-se necessário. Através do estudo das distribuições geográficas dos organismos, a coriologia auxilia a entender a história das espécies e seus ambientes e os processos evolutivos que resultaram na diversificação das espécies e de suas distribuições, abrindo portas para novas análises biológicas, com aplicações em ecologia, conservação, estimativas de biodiversidade, centros de endemismo, estudos de comunidades e ecossistemas (Peterson, 2001; Fernandes, 2003; Guisan & Thuiller, 2005; Figueiredo et al. 2006; Phillips et al. 2006). Testes realizados com modelagem de distribuição de espécies, envolvendo predição baseada no conceito de nicho fundamental (gerando assim uma “distribuição potencial”) demonstraram boa habilidade de previsão, requerendo um número relativamente baixo de pontos de ocorrência (Pereira & Peterson, 2001). Tais técnicas vêm sendo utilizadas na análise e solução de problemas distintos, subsidiando estratégias de contenção e erradicação de espécies invasoras (Peterson et al. 2003) e doenças endêmicas (Peterson et al. 2002), previsão de impacto de mudanças climáticas (Siqueira & Peterson, 2003) ou no conhecimento e conservação de aves (IBAMA/MMA, 2004), animais terrestres (Ganeshaiah et al. 2003; Grelle & Cerqueira, 2006), aquáticos (Kaschner, 2004) ou plantas (Siqueira & Duringan, no prelo). A relação entre a M. ligustrinus e fatores climáticos foi aqui examinada, tanto qualitativamente, dispondo simultaneamente pontos de coleta e camadas de mapas de fatores 60 ambientais, como também quantitativamente, via correlações espaciais estatísticas. O objetivo desta fase do estudo foi conhecer e descrever a distribuição atual da espécie, e inferir sua distribuição potencial, utilizando-se o programa MaxEnt (Phillips et al. 2006). O objetivo é conhecer e descrever sua distribuição geográfica com base em dados de presença da espécie. Em particular, buscaram-se respostas para as seguintes perguntas: (1) Quais são os limites de sua distribuição? (2) O que a impede de colonizar outras áreas? (3) Há um centro de origem? (4) Quais são suas áreas de expansão e retração? (5) Sua distribuição está associada a algum padrão fitogeográfico? (6) Que eventos históricos ajudaram a delinear a distribuição da espécie? (7) Há disjunções na distribuição? Estabelecido o estudo sobre sua distribuição, submeteram-se, a título de experiência, algumas localidades não citadas em recente revisão do gênero (Santos & Peixoto, 2001), mas obtidas nos bancos de dados de coleções de M. ligustrinus, aos limites obtidos nos resultados. O objetivo dessa atividade foi discutir o uso de modelagem de distribuição como ferramenta de data-cleaning, em apoio à curadoria de coleções botânicas e à própria taxonomia. Materiais e Métodos Foram compilados dados de 127 espécimes indentificados como Macropeplus. Desses, 36 estavam identificados como M. dentatus, 9 como M. friburgensis, 76 como M. ligustrinus e 9 como M. schwackeanus (Tabela 1). Tais dados são provenientes de bancos de dados, obtidos diretamente com curadores de herbários, ou disponíveis na internet, e literatura (Harley, 2005; Santos & Peixoto, 2001; Pirani et al. 2003). Obtiveram-se dados nas seguintes coleções (em ordem alfabética de suas siglas designativas, segundo o Index Herbariorum): ALCB, BHCB, BR, C, CEN, CEPEC, ESA, FCAB, GUA, HEPH, HRB, HUEFS, IBGE, K, MO, NY, P, R, RB, RBR, SPF, SPT, UB, UEC, VIC, Z - além de PNSO, herbário não indexado do Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Os bancos de dados de espécimes consultados ou obtidos estão listados a seguir, em ordem alfabética de suas siglas (as bases de dados de espécimes disponíveis na internet contém ainda seu endereço na web): 1. GBIF - Global Biodiversity Information Facility: http://www.gbif.org, 17-05-2006 e 08-12-2006; 2. HUEFS - Herbário da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil; 61 3. RB - Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, disponível no banco de dados JABOT: http://www.jbrj.gov.br/jabot, acessado em 01-09-2006 e 12-12-2006; 4. RBR - Herbário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; 5. REMIB - Red Mundial de Información sobre Biodiversidad: http://www.conabio.gob.mx/remib/doctos/remib_esp.html, 27-05-2006 e 08-122006 6. speciesLink/CRIA - Centro de Referência em Informática Ambiental: http://splink.cria.org.br, acessado em 11-12-2006; 7. w3Tropicos - Missouri Botanical Garden: http://mobot.mobot.org/, acessado em 1012-2006. Dos 127 espécimes, 27 estavam e 91 puderam ser georreferenciados (não tendo sido possível fazê-lo para 9 espécimes). No caso de ausência de coordenadas geográficas, foram consideradas a latitude e longitude dos vales, picos, serras, cidades ou vilas mais próximas à localidade de ocorrência do exemplar, obtidas nos seguintes bancos de localidades: geoloc/CRIA (http://splink.cria.org.br, acessado em 18-12-2006), EMBRAPA - Mapeamento e Estimativa da Área Urbanizada do Brasil (http://www.urbanizacao.cnpm.embrapa.br/, acessado em 18-12-2006), Falling Rain Genomics, Inc. - World Index (http://www.fallingrain.com/, acessado em 17-12-2006), Atlas Mondial des Longitudes et Latitudes (http://www.astromedia.org/atlas/, acessado em 16-12-2006) e IBGE Cidades@ (http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php, acessado em 15-12-2006). Os espécimes para os quais se buscaram latitude/longitude nos bancos de localidades citados acima estão marcados com asterisco (*) na Tabela 1. Do conjunto de espécimes assim organizado, obtiveram-se 49 localidades de ocorrência (tendo como unidade de área um pixel de ~9 km²) para Macropeplus: 33 localidades de ocorrência para M. ligustrinus, 11 para M. dentatus, três para M. friburgensis e duas para M. schwackeanus. Macaé de Cima (Nova Friburgo/RJ) e a serra do Órgãos (Teresópolis/RJ) são as únicas localidades onde duas espécies (M. dentatus e M. friburgensis) ocorrem concomitantemente. Das 33 localidades de M. ligustrinus, 19 foram citados em Santos & Peixoto (2001), revisão do gênero, sendo a espécie a única do gênero com o número mínimo de localidades necessário para modelagem de distribuição potencial (Stockwell & Peterson, 2002, para o algoritmo GARP; não há estudos para MaxEnt). Na Tabela 1, estes espécimes encontram-se 62 marcados com na coluna “Local. Citada”). Este conjunto foi usado para “treinamento” da modelagem, ou seja, na geração da distribuição potencial e, para fins deste trabalho, representa a distribuição conhecida e “aceita” para a espécie. Um segundo conjunto, aqui chamado “em avaliação”, reúne 14 localidades para M. ligustrinus que não foram citadas em Santos & Peixoto (2001). Estas localidades foram submetidas a um exame com base no modelo obtido para a espécie, com o objetivo de avaliar o uso do método como ferramenta de apoio à curadoria de coleções biológicas. Para produção da distribuição potencial, submeteu-se o conjunto de treinamento ao programa MaxEnt, versão 2.3 (Phillips et al. 2006). Trata-se de uma técnica modelagem de nicho fundamental que vem apresentando bons resultados na predição de distribuição de espécies (Elith et al. 2006; Márquez, 2006; Phillips et al. 2006). Em comparação a outros métodos com os mesmos propósitos, o MaxEnt apresenta algumas vantagens, como ser capaz de basear a modelagem apenas em dados de presença (ou seja, não requerendo dados de “ausência” da espécie, que são de difícil obtenção), e processar dados contínuos (p. ex. arquivos do tipo grid) e discretos (p. ex. tipo shape), dentre outras (Phillips et al. 2006). Utilizaram-se os seguintes valores de configuração do MaxEnt (padrões do programa): Convergence Threshold: 0,00001; Maximum Iterations: 500; Auto-features: sim; Regularization multiplier: 1. As variáveis ambientais foram processadas (padronizadas, cortadas para a área de estudo e organizadas) através do uso do sistema de informações geográficas ArcView (ESRI, Environmental Systems Research Institute), resultando em um conjunto de dados abióticos (datasets) abrangendo as Américas Central e do Sul, além do México: Variáveis climáticas: Fonte Worldclim (http://www.worldclim.org; Hijmans, 2005), condições atuais (interpolação de dados observados para os anos ~1950 a 2000), ESRI grids, resolução de 5 arco-minutos (equivalente a pixels de ~9 km2): isotermalidade (variação diária média de temperatura/média da temperatura anual), temperatura mínima (12 camadas, uma para cada mês), temperatura máxima (12 camadas) e precipitação (12 camadas); Dados topográficos: Fonte U.S. Geological Surveys 11. Resolução generalizada para de 5 arco-minutos, a partir de dados com resolução de 0,01 grau: altitude (1 camada), face de exposição (1 camada), aspecto do terreno/declividade (1 camada), fluxo hídrico (1 camada) e capacidade de retenção de água no solo (1 camada). A seleção das variáveis segue recomendação geral da literatura (p. ex. Guisan & Zimmermann, 2000; Pereira & Almeida, 2004; Townsend et al. 2006), que aponta as 63 variáveis climáticas, principalmente temperatura e precipitação, como os fatores preditores mais apropriados para análises de nichos em escala geográfica mais ampla (regional), como é o caso deste trabalho. A distribuição potencial, baseada no modelo gerado pelo MaxEnt, foi processada com o sistema de informações geográficas ArcView (ESRI, Environmental Systems Research Institute), com a extensão Grid Tools Jenness Enterprises v. 1.7 (Jenness, 2006). O nicho fundamental para a espécie foi zoneado, aplicando-se à distribuição potencial a estatística de vizinhança (Neighbohood Statistics) do Grid Tools Jenness Enterprises, obtendo-se, para cada pixel, a mediana dos vizinhos, num raio circular de até 3 pixels. Ao resultado, aplicou-se o método de classificação por quebras naturais (Natural breaks) para se obterem 5 classes. Outros mapas temáticos foram utilizados para análises e ilustrações: Americas Base Map (Bletter et al. 2004), uma compilação de mapas das Américas provenientes de diversas fontes e em diversos formatos; o mapa de ecorregiões do WWF (Olson & Dinerstein, 2002); mapas do IBGE (http://www.ibge.gov.br), incluindo o Mapa de Vegetação do Brasil (IBGE, 1993, baseado em Veloso et al., 1991); mapa digital baseado no sistema de classificação climática de Köppen-Geiger (Kottek et al. 2006). 64 Tabela 1 - Espécimes de Macropeplus compilados para este trabalho (127). Fonte = referência bibliográfica e ano ou banco de dados onde o dado está disponível; Coletor = coletor e número de coleta; Ano = ano da coleta; Coleções = coleções nas quais o exemplar está depositado; UF = unidade federativa; Local. = localidades citadas em Santos e Peixoto (2001), marcadas com , e usadas no “treinamento” do modelo, as não marcadas compõem o conjunto “em avaliação”; Elev. = altitude das localidades obtidas em Santos e Peixoto (2001) e em etiquetas de coleta; Georef. = Latitude e longitude. Os espécimes marcados com * na última coluna continham informações sobre latitude e longitude do ponto de coleta anotados na etiqueta. Fonte Coletor Ano Coleções M. dentatus (Perkins) I.Santos & Peixoto Santos & Barbosa, A. s.n. 1950 PNSO Peixoto, 2001 UF Localidade Local. Elev. Georref. Citada RJ Teresópolis/ campo das Antas 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W 22°43´ S, 45°27´ W Santos & Barreto, R.A. Peixoto, 2001 252 1981 HRB SP Campos do Jordão/PES Campos de Jordão JABOT Brade, A.C. (08-01-2007) 20502 1950 RB RJ 2100 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W Santos & Brade, A.C. Peixoto, 2001 9942 1929 R RJ Teresópolis/ S. dos Órgãos/Pedra do Sino Teresópolis/ S. dos Órgãos/Pedra do Sino 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W JABOT Campos Porto, 1935 RB (08-01-2007) P. 2788 RJ Itatiaia/Pedra assentada 22°23´57´´ S, 44°39´39´´ W JABOT (0801-2007) SP Campos do Jordão 22°44´20´´ S, 45°35´27´´ W 23°13´10´´ S, 45°46´28´´ W Campos Porto, 1937 RB P. 3383 Santos & Cordeiro, I. et Peixoto, 2001 al. 1307 1992 SPT SP Campos do Jordão/São José dos Alpes JABOT (0801-2007) 1976 RB 195687 SP Campos do Jordão/Res. do Inst. Florestal 1992 UEC SP Campos do Jordão/São José dos Alpes SP Cruzeiro Davis, P.H. Santos & Gionotti, E. et Peixoto, 2001 al. 1307 RBR (08-012007) Giulietti, A.M. 1995 RBR, SPF s.n. 107154 2000 22°73´11´´ S, * 45°45´ W 23°13´10´´ S, 45°46´28´´ W 2400 22°29´6´´ S, 45°4´59´´ W Santos & Glaziou, Peixoto, 2001 A.F.M. 11551 1878 BR, C, R SP Serra da Bocaina Santos & Glaziou, Peixoto, 2001 A.F.M. 17222 1889 C RJ Teresópolis/ Serra dos Órgãos 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W Santos & Leite, E. s.n. Peixoto, 2001 1945 FCAB 1970 SP Campos do Jordão/PES Campos de Jordão 22°43´ S, 45°27´ W JABOT (0801-2007) Lima, H.R.P. 443 2005 RB RJ Teresópolis/ Serra dos Órgãos 1940 22°24´42´´ S, 42°57´54´´ W JABOT (0801-2007) Markgraf, 10092 1952 RB RJ Teresópolis/ S. dos Órgãos/Pedra do Chapadão 1650 22°´ S, 48°38´ W JABOT (0801-2007) Markgraf, 10456 1952 RB RJ Teresópolis/ S. dos Órgãos/Pedra do Sino 2050 22°33´57´´ S, 44°39´39´´ W 65 Santos & Moura, s.n. Peixoto, 2001 RBR RJ Campos do Jordão/PES Campos de Jordão 22°24´42´´ S, 42°57´54´´ W Santos & Proença, C.E. & 1985 UB Peixoto, 2001 Bean, M.F. 504 SP Campos do Jordão 22°43´ S, 45°27´ W RBR (08-012007) Robim, M.J. 314 1985 RBR, SPSF SP Campos do Jordão/ Pinheiro Seco 22°44´20´´ S, 45°35´27´´ W RBR (08-012007) Robim, M.J. 321 1985 RBR, SPSF SP Campos do Jordão/São José dos Alpes 23°13´10´´ S, 45°46´28´´ W JABOT (0801-2007) Rubens, 252 1981 RB SP Campos do Jordão 1900 22°44´20´´ S, 45°35´27´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 60 1999 RBR RJ Teresópolis/ Campo das Antas 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 62 1999 RBR RJ Teresópolis/ Campo das Antas 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 63 1999 RBR RJ Teresópolis/ Campo das Antas 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W Santos & Santos, I.S. & 1999 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, SP São Bento do Sapucaí/Pedra do Baú 22°41´18´´ S, 45°43´49´´ W SP São Bento do Sapucaí/Pedra do Bauzinho 22°41´18´´ S, 45°43´49´´ W SP Campos do Jordão/São José dos Alpes 23°13´10´´ S, 45°46´28´´ W SP São Bento do Sapucaí/Pedra do Baú 22°41´18´´ S, 45°43´49´´ W 22°43´ S, 45°27´ W P. 53 Santos & Santos, I.S. & 1999 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 54 Santos & Santos, I.S. & 1994 UEC Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 56 Santos & Santos, I.S. & 1999 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 59 Santos & Sarti, S.J. 22 Peixoto, 2001 1945 FCAB SP Campos do Jordão/Horto Florestal JABOT (0801-2007) 1879 P, R, RB SP Serra da Bocaina Santos & Schwacke, Peixoto, 2001 C.A.G. 25 1879 R SP Serra da Bocaina RBR (08-012007) 1995 RBR,UEC SP São Bento do Sapucaí/Pedra do Baú 22°41´18´´ S, 45°43´49´´ W 1950 R RJ Teresópolis/ S. dos Órgãos/Pedra do Sino 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W M. friburgensis (Perkins) I.Santos & Peixoto Santos & Brade, A.C. 1929 R, RB Peixoto, 2001 9943 RJ Teresópolis/ S. dos Órgãos/Pedra do Sino 22°27´42´´ S, 43°1´52´´ W REMIB (0801-2007) RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima 22°´ S, 42°3´ W RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima 22°´ S, 42°3´ W Schwacke, C.A.G. 1920 Tamashiro, J. Y. 867 Santos & Vidal, J. 5400 Peixoto, 2001 Curran, H.M. 648 Santos & Glaziou, Peixoto, 2001 A.F.M. 17769 1918 MO C 66 Santos & Glaziou, Peixoto, 2001 A.F.M. 20485 1894 BR, K RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima 22°´ S, 42°3´ W 1100 22°´ S, 42°3´ W JABOT (0801-2007) Lima, H.C. de, 1988 RB, RBR 3456 RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima/Nasc. Rio das Flores RBR (08-012007) Lima, H.C. de, 1988 RBR 9160, s.n. RB RJ Rio de Janeiro/Jardim Botânico 22°54´8´´ S, 43°12´25´´ W RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima/Nasc. Rio das Flores 22°´ S, 42°3´ W * RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima/Nasc. Rio das Flores 1100 22°´ S, 42°3´ W * RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima 22°´ S, 42°3´ W * DF Brasília/Res.Ecol. do IBGE 15°57´32´´ S, * 47°53´41´´ W 1993 RBR, SPF MG Santana do Riacho/Serra do Cipó 19°9´18´´ S, 43°19´29´´ W 1987 RBR, SPF MG Grão Mogol/Montanha à esq. riacho Ribeirão Santos & Lima, H.C. de, Peixoto, 2001 s.n. JABOT (0801-2007) RB 294100, RBR Pessoa, S.V.A. 1990 RB, RBR 504 JABOT (0801-2007) Sylvestre, L. 1990 RB 294112 s.n. M. ligustrinus (Tul.) Perkins JABOT (08- Azevedo, 1989 RB 01-2007) M.L.M. 411 RBR (08-012007) Campos, M.T.V.A. RBR (08-01- 13432 Cordeiro, I. 2007) CFCR 11429 * 1050 16°32´30´´ S, * 42°55´ W JABOT (0801-2007) Cruz, N.D. da 1977 RB & Sheperd, G.J. 6352 MG Santa Bárbara/Serra do Caraça 20°36´32´´ S, 43°41´51´´ W JABOT (0801-2007) Flores, F. 450 MG Parque Nacional do Caraças 20°1´6´´ S, * 43°28´55´´ W Santos & França, J. & 1984 HEPH, UB Peixoto, 2001 Proença, C. 443 DF Brasília/PARNA Brasília 15°44´58´´ S, 47°49´50´´ W NY (08-012007) BA Abaíra/Serra do Rei 13°16´58´´ S, 41°53´58´´ W Santos & Giulietti, A.M. 1996 CEPEC, UB Peixoto, 2001 PDC 3488 BA Lençóis/Serra da Chapadinha 12°27´34´´ S, 41°26´24´´ W JABOT (0801-2007) 1895 C, BR, K, P, RB GO Serra dos Pirineus/ Cabeceira Rio das Pedras 16°14´58´´ S, 49°9´58´´ W GBIF (08-01- Glaziou, 2007) A.F.M. s.n. 1892 P 80041 RJ Nova Friburgo/Macaé de Cima 22°´ S, 42°3´ W GBIF (08-01- Glaziou, 2007) A.F.M. s.n. 1866 P 80031 RJ Rio de Janeiro/Gávea (São Conrado?) 22°58´58´´ S, 43°13´58´´ W HUEFS (0801-2007) Grupo OCEPLAN, HUEFS (08- 17868 Hage, J.L. & 01-2007) Santos, 1070 RBR (08-01- E.B.dos, Harley, R.M. 2007) 24531 1976 ALCB, HUEFS BA Salvador/Mata dos Oitis 12°58´15´´ S, 38°30´38´´ W 1981 CEPEC, HUEFS , BA Ilhéus 50 14°46´46´´ S, 39°2´22´´ W 1987 K, NY, RBR, SPF, UB, BA Rio de Contas/Pico das Almas 1400 13°32´ S, 41°57´ W * Santos & Harley, R.M. Peixoto, 2001 25816 1988 CEPEC BA Rio de Contas/Pico das Almas/Campo dos Queiroz 13°32´ S, 41°57´ W * Santos & Harley, R.M. Peixoto, 2001 26140 1988 CEPEC, RB BA Rio de Contas/Pico das Almas 13°32´ S, 41°57´ W * Santos & Harley, R.M. Peixoto, 2001 27317 1988 CEPEC BA Rio de Contas/Pico das Almas 13°32´ S, 41°57´ W * 2006 RB Ganev, W. 1451 1992 NY Glaziou, A.F.M. 22040 67 RBR (08-012007) Harley, R.M. et 1988 MO, NY, al. 25108 RBR, SPF MG Grão Mogol/Montanha à esq. riacho Ribeirão 1050 16°32´ S, 42°47´ W * JABOT (0801-2007) Harley, R.M. et 1988 CEPEC, MO, al. 26141 NY, RB BA Rio de Contas/Pico das Almas 1500 13°32´ S, 41°57´ W * JABOT (0801-2007) Harley, R.M. et 1988 MO, NY, RB, al. 27318 SPF, UB BA Rio de Contas/Pico das Almas/Campo dos Queiroz 1500 13°32´ S, 41°57´ W * JABOT (0801-2007) Harley, R.M. et 1988 CEPEC, MO, al. 25818 NY, RB, UB BA Rio de Contas/Pico das Almas 1500 13°32´ S, 41°57´ W * JABOT (0801-2007) Harley, R.M. et 1988 MO, RB, al. 25112 RBR, SPF, MG Diamantina 1300 18°15´ S, 43°43´ W * Santos & Heringer, E.P. Peixoto, 2001 et al, 30 1977 IBGE DF Brasília/Res.Ecol. do IBGE 15°57´46´´ S, * 47°52´44´´ W Santos & Heringer, E.P. Peixoto, 2001 et al, 585 1978 IBGE DF Brasília/Res.Ecol. do IBGE 15°57´46´´ S, * 47°52´44´´ W Santos & Heringer, E.P. Peixoto, 2001 Herrenberg, 1974 NY, RBR, UB DF Brasília/PARNA Brasília 15°44´58´´ S, 47°49´50´´ W Irwin, H.S. 12921 1966 RB GO Veadeiros 1000 14°7´10´´ S, 47°42´34´´ W Santos & Irwin, H.S. Peixoto, 2001 20092 1968 UB MG Serra do Cipó 1200 19°9´18´´ S, 43°19´29´´ W GBIF (08-01- Irwin, H.S. 2007) 5966 1964 K, NY, P, UB, Z DF Brasília/Rodovia para Anápolis 15°50´58´´ S, 48°7´46´´ W Santos & Irwin, H.S. Peixoto, 2001 8556 1965 NY, RBR, Z DF Brasília/Rodovia para Paranoá 15°50´58´´ S, 48°7´46´´ W GBIF (08-01- Irwin, H.S. 2007) 9610 1965 K, NY, P, R, RB, UB, Z DF Brasília/Chapada da Contagem 15°36´58´´ S, 47°55´58´´ W RJ Itatiaia 22°23´13´´ S, 44°37´37´´ W MG Santa Bárbara/Serra do Caraça 20°36´32´´ S, 43°41´51´´ W Santos & Lombardi, 1842 1997 BHCB Peixoto, 2001 MG São Roque de Minas/PARNA Serra da Canastra 20°10´17´´ S, * 46°39´52´´ W JABOT (0801-2007) Mendonça, R.C. 1985 IBGE, RB et al. 532 DF Brasília/APA São Bartolomeu 15°40´58´´ S, 47°35´58´´ W RBR (08-012007) Nascimento, F.H.F. 24 1998 HUEFS, RBR BA Rio de Contas/Pico das Almas/Campo dos Queiroz 13°34´43´´ S, 41°48´40´´ W RBR (08-012007) Nascimento, F.H.F. 44 1998 HUEFS, RBR BA Água Quente 13°24´58´´ S, 42°7´58´´ W HUEFS (0801-2007) Neto, A.B.C. & 1980 HRB, HUEFS Moreno, J.A. 42 RS Fontoura Xavier 28°58´58´´ S, 52°20´58´´ W JABOT (0801-2007) 1989 RB DF Brasília/Res.Ecol. do IBGE 15°57´46´´ S, * 47°52´44´´ W JABOT (0801-2007) Pereira Neto, M. & Lopes, E.C. 313 Pereira Neto, M. 332 1989 RB DF Brasília/Res.Ecol. do IBGE 15°58´9´´ S, 47°53´6´´ W JABOT (0801-2007) Pereira Neto, M. 376 1989 RB DF Brasília/Fazenda Água Limpa 15°58´25´´ S, * 47°54´37´´ W 13942 JABOT (0801-2007) JABOT (0801-2007) Kuhlmann, J.G. 1922 RB 19909 s.n. Santos & Leitão f., H. et Peixoto, 2001 al. 9539 1978 VIC * 68 Santos & Pereira, B.A.S. 1990 RBR Peixoto, 2001 1421 DF Brasília/APA Gama e Cabeça de Veado RBR (08-012007) MG Grão Mogol/Trilha da tropa, alto da Serra Santos & Pires et al. s.n. 1963 UB Peixoto, 2001 DF Brasília/Fundação Zoobotânica 15°52´ S, 47°51´ W HUEFS (0801-2007) Queiroz, L.P. de, 2206 1989 HUEFS SP Atibaia 900 23°12´ S, 46°0´ W HUEFS (0801-2007) Queiroz, L.P. de et al. 1352 1986 HUEFS1 BA Santo Amaro 120 12°32´ S, 38°48´ W HUEFS (0801-2007) Queiroz, L.P. de et al. 2054 1987 HUEFS BA Barreiras 11°52´ S, 45°27´ W 1993 HEPH DF Brasília/Jardim Botânico 15°52´ S, 47°51´ W DF Brasília/Fazenda Água Limpa 15°58´25´´ S, 47°54´37´´ W 15°58´25´´ S, 47°54´37´´ W Pirani, J. R. 12446 Santos & Ramos, 557 Peixoto, 2001 Santos & Ratter, J.A. Peixoto, 2001 3907 1989 RBR, SPF K, NY, UB 15°52´ S, 47°51´ W 1100 16°32´29´´ S, 42°54´59´´ W * REMIB (0801-2007) Ratter, J.A. et al. 3585 1976 MO, NY, UB DF Brasília/Fazenda Água Limpa RBR (08-012007) Sanchez, M. 1623 1997 RBR, UEC SP Ubatuba/Picinguaba 1000 23°22´ S, 44°48´ W RBR (08-012007) Sano, P.T. 14708 1994 NY, RBR, SPF BA Rio de Contas/Morro do Itabira 1500 13°37´ S, * 41°51´30´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 22 1998 RBR BA Rio de Contas 13°37´ S, 41°51´30´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 64 1998 RBR BA Rio de Contas 13°37´ S, 41°51´30´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 65 1998 RBR BA Rio de Contas 13°37´ S, 41°51´30´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 66 1998 RBR BA Rio de Contas 13°37´ S, 41°51´30´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 67 1998 RBR BA Rio de Contas 13°37´ S, 41°51´30´´ W Santos & Santos, I.S. et Peixoto, 2001 al. 68 1998 RBR BA Rio de Contas 13°37´ S, 41°51´30´´ W Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, MG Brasília/Jardim Botânico 15°52´ S, 47°51´ W MG Brasília/Jardim Botânico 15°52´ S, 47°51´ W MG Grão Mogol/Serra da Barão 16°29´58´´ S, 42°54´58´´ W MG Grão Mogol/Serra da Barão 16°29´58´´ S, 42°54´58´´ W * P. 20 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 21 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 24 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 25 69 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, MG Grão Mogol/Serra da Barão 16°29´58´´ S, 42°54´58´´ W MG Grão Mogol/Serra da Barão 16°29´58´´ S, 42°54´58´´ W MG Santa Bárbara/PARNA Caraça 20°36´32´´ S, 43°41´51´´ W MG Santa Bárbara/PARNA Caraça 20°36´32´´ S, 43°41´51´´ W MG Santa Bárbara/PARNA Caraça 20°36´32´´ S, 43°41´51´´ W MG Lima Duarte/Conceição do Ibitipoca 1280 21°32´58´´ S, 43°54´58´´ W MG Lima Duarte/PES Ibitipoca 21°32´58´´ S, 43°54´58´´ W P. 27 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 28 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 32 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 33 Santos & Santos, I.S. & 1998 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 34 Santos & Santos, I.S. & 1999 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 43 Santos & Santos, I.S. & 1999 RBR Peixoto, 2001 Germano Filho, P. 51 Santos & Sellow, 1037 Peixoto, 2001 B Brasil Meridional Santos & Sellow, 1122 Peixoto, 2001 B Brasil Meridional Santos & Silva, F. 175 Peixoto, 2001 1996 HEPH DF Brasília/APA Gama e Cabeça de Veado 15°52´ S, 47°51´ W HUEFS (0801-2007) Silva, F.C.F.da, 1981 HRB, HUEFS 126 MG Chapada do Norte 650 17°8´ S, 42°32´ W JABOT (0801-2007) Silva, M.A. da, 2001 RB 4993 DF Brasília/Res.Ecol. do IBGE 1100 15°46´41´´ S, * 47°53´7´´ W HUEFS (0801-2007) Sohn, S. J.M.Campos, 68 Ule, E. 747 1981 HRB, HUEFS PR Piên 26°6´1´´ S, 49°25´40´´ W 1892 R GO Serra dos Pirineus 16°14´58´´ S, 49°9´58´´ W DF Brasília/Fazenda Água Limpa 15°58´25´´ S, 47°54´37´´ W MG Serra do Caparaó 20°41´18´´ S, 41°50´41´´ W Santos & Cardoso, D. s.n. 1903 BHCB 3670 Peixoto, 2001 MG Ouro Preto/Pico do Itacolomi 20°29´13´´ S, 43°51´19´´ W Santos & Glaziou, Peixoto, 2001 A.F.M. 18482 s.d. C, K MG Ouro Preto/Pico do Itacolomi 20°29´13´´ S, 43°51´19´´ W JABOT (0801-2007) s.d. BHCB, RB MG Ouro Preto, Itacolomi 20°29´13´´ S, 43°51´19´´ W MG Serra de Ouro Preto 20°29´13´´ S, 43°51´19´´ W Santos & Peixoto, 2001 Santos & Walter, B.M.T. 1994 CEN, IBGE, Peixoto, 2001 2245 R M. schwackeanus (Perkins) I. Santos & Peixoto JABOT (08- Atala, F. 328 1960 GUA, RB 01-2007) Schwacke, C.A.G. 7465 Santos & Schwacke, Peixoto, 2001 C.A.G. 1894 RB 42511 70 Santos & Schwacke, Peixoto, 2001 C.A.G. 9404 s.d. RB MG? Serra de Ouro Preto Santos & Schwacke, Peixoto, 2001 C.A.G. 10388 s.d. RB MG? Serra de Ouro Preto Santos & Schwacke, Peixoto, 2001 C.A.G. 12353 s.d. RB MG? Santos & Schwacke, Peixoto, 2001 C.A.G. s.d. RB 42506 MG? Santos & Ule, E. 2441 Peixoto, 2001 1892 R MG Ouro Preto, Itacolomi 20°29´13´´ S, 43°51´19´´ W 71 Resultados e Discussão Os 113 espécimes que testemunham a distribuição conhecida de Macropeplus (excluindo-se os 14 do conjunto em avaliação) foram coletados em 41 localidades entre os anos 1878 e 2006 por 51 pesquisadores (não considerando colaboradores), e identificados entre 1999 e 2006, tendo como medianas os anos de 1988 e 1999, respectivamente. A relação entre o número de espécimes e o número de localidades (2,75) mostra que Macropeplus não é mal conhecido nos seus pontos de ocorrência, ela está é restrita a poucas localidades muitas vezes distantes entre si, esta distância chegando a 400 km. De modo geral, as localidades onde o gênero ocorre estão bem amostradas; suas populações vêm sendo continuamente coletadas nos últimos 150 anos, com exceção de M. schwackeanus. M. ligustrinus é a espécie de mais ampla distribuição (Figura 1). Na Chapada Diamantina (BA), está representada por populações numerosas em Rio de Contas (particularmente Picos das Almas), tendo sido encontrada também nas bordas e no interior de florestas úmidas de Água Quente e Lençóis; ao longo da cadeia do Espinhaço (BA, MG), foi coletada em Diamantina, Grão Mogol, Serra do Cipó (Santana do Riacho), Ouro Preto e Santa Bárbara, além de uma população pequena e esparsa no Parque Nacional da Serra da Canastra (São Roque de Minas), ao sul da Cadeia. Na Mantiqueira, ainda em Minas Gerais, foi coletada na Serra do Ibitipoca; no Planalto Central (DF e GO), foi encontrada em áreas da Estação Ecológica de Águas Emendadas, Parque Nacional de Brasília, Áreas de Proteção Ambiental Gama e Cabeça de Veado, Área de Proteção Ambiental São Bartolomeu, Fazenda Água Limpa, Jardim Botânico de Brasília, na Reserva Ecológica do IBGE (áreas próximas e/ou contíguas) e na Serra dos Pirineus. A segunda espécie com distribuição mais ampla é M. dentatus, com registros de ocorrência na serra da Mantiqueira (Itatiaia), municípios de Campos do Jordão, Cruzeiro e São Bento de Sapucaí, trecho conhecido como Serra da Bocaina (entre MG, RJ e SP) e na Serra do Mar, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Teresópolis, RJ). As duas outras espécies têm distribuição restrita. M. schwackeanus é endêmica em Itacolomi, na Serra de Ouro Preto (MG), e na serra do Caparaó (entre ES e MG), em latitude próximas. M. friburgensis ocorre apenas na serra do Mar do Rio de Janeiro, em Macaé de Cima (Nova Friburgo) e Teresópolis (Santos & Peixoto, 2001). 72 Figura 1 - Distribuição conhecida de Macropeplus (espécies e legendas no canto superior esquerdo), apresentada por revisão do gênero (Santos & Peixoto, 2001), sobre mapa do relevo da América do Sul A mediana das altitudes em que 22 espécimes de Macropeplus (os que continham tal informação entre as observações registradas na etiqueta) foram coletados é de 1.450 m de altitude., sendo conspícua a relação entre a distribuição do gênero e os elevados terrenos cristalinos do Brasil de Sudeste/Nordeste. Trata-se de um megadomo de presença muito antiga, sujeito a diferentes fases de reativação, a par com complicações paleo-hidrográficas, devido às interferências da tectônica quebrável, a partir dos meados do Terciário, que perduraram, com certeza, até o Oligoceno (~40 Ma AP) (Ab’Saber, 2003b). As montanhas do sudeste da América do Sul já estavam formadas, portanto, quando M. ligustrinus se diferenciou como espécie (~19,5 Ma AP, segundo Renner, 2005). São notáveis períodos de novos soerguimentos desde o Plio-pleistoceno até os dias atuais, derivados de atividades sísmicas, entremeados por longos intervalos de erosão. Este histórico geológico é bastante 73 visível em sua geomorfologia atual, em que os mais velhos remanescentes das serras do Mar e da Mantiqueira, agora restritos aos mais altos picos acima das linhas de florestas, estão ilhados de extensas superfícies de terras muitas vezes 2.000 metros abaixo (Safford, 1999). A serra do Mar estende-se paralelamente ao mar por mais de mil quilômetros, de Santa Catarina ao norte do Rio de Janeiro, destacando-se na paisagem como uma muralha ou primeiro grande degrau dos planaltos do interior, estes caracterizados pela diversidade morfológica do terreno, nitidamente policíclica, mamelonização extensiva de distribuição geográfica marcadamente azonal em substrato de granito ou mais especialmente de quartzito, com algumas disjunções no Centro-Oeste e Norte (Giulietti & Forero, 1990). No Paraná e em São Paulo, no reverso da Serra do Mar, encontra-se o amplo planalto cristalino atlântico, ora bastante dissecado (vale do Ribeira e afluentes), ora suavemente ondulado (cabeceiras e alto vale do Iguaçu) (Bigarella, 1991), com encraves de bosques de araucária em altitude (Campos do Jordão, Bocaina) e de cerrados em diversos compartimentos dos planaltos interiores, onde predominavam chapadões florestados (Ab’Saber, 2003a). A Mantiqueira localiza-se inteiramente na Região Sudeste. Desenvolve-se paralelamente à Serra do Mar. Constitui uma segunda grande escarpa do planalto brasileiro, cuja face está voltada para o vale do Paraíba do Sul, com altitude, via de regra, acima de 1.500 m. Ostenta maciços imponentes, destacando-se entre eles o de Itatiaia e do Caparaó, na divisa Minas Gerais com o Espírito Santo, onde estão alguns dos picos culminantes do Brasil ao sul do Equador. Entre os dois maciços encontram-se os planaltos cristalinos rebaixados a altitudes de 700-800 m e 400-500 m, remanescentes da complexa história filogeográfica que envolveu a bacia do rio Doce e outras bacias adjacentes (Paraíba do Sul e Grande) no período Plio-Pleistoceno (Torres et al. 2004). Uma maior continuidade de serras encontra-se ao longo da cadeia do Espinhaço. Com altitudes entre 700 e 2.000 m., a cadeia é constituída por dois blocos principais - a serra do Espinhaço, em Minas Gerais, e a chapada Diamantina, principalmente no estado da Bahia que desde muito cedo encarceraram o curso geral do São Francisco (Ab’Saber, 2003b). Estende-se por mais de 1.000 km no sentido Norte-Sul, desde a Serra de Ouro Branco, em Minas Gerais (~20°30’S), até a região norte da Bahia, na região da Serra do Curral Feio (~l0°30’S) (Harley, 1995; Vitta, 2002). A cadeia faz parte de uma dorsal de rochas metamórficas ainda maior, transversa, vinculada geomorfologicamente ao maciço Goiano, pacotes sedimentares do Devoniano e Cretáceo de Mato Grosso e Rondônia (chapada dos Guimarães-Serra Azul e chapada dos Parecis), e ao planalto sul de Minas (alto rio Grande), ligadas pelo arco da Canastra e ao 74 cinturão orogênico de Brasília, estendendo-se desde o sul do estado de Tocantins (Romero, 2002). O Espinhaço comporta-se, assim, como um tampão orográfico interposto do sul para o norte, entre o domínio dos cerrados e o domínio tropical atlântico, e na Bahia fica interposta entre a caatinga e o mosaico complexo de vegetação dos planaltos e baixos vales dos rios sulbaianos. Por outro lado, no centro-oeste e sul de Goiás, bem como na porção sudoeste de Minas Gerais, ocorrem as áreas de tensão ecológica, também denominadas áreas de contato, onde dois ou mais tipos de vegetação se contactam, interpenetrando-se ou confundindo-se, e formam os encraves e os ecótonos (Ratter et al. 1997; Daly & Mitchell, 2000; Ab’Saber, 2002a). A Figura 2 mostra a distribuição de M. ligustrinus: a distribuição conhecida está representada por pontos pretos; a distribuição potencial, composta de pixels de ~9 Km2, em gradientes de cinza, sendo os pixels mais claros aqueles com menor probabilidade de ocorrência da espécie, os mais escuros os com maior (variando de 1% a 100%). O valor de 0,998 de AUC (Area under curve) para a curva ROC (Receiver operating characteristic), produzida pelo MaxEnt indica que o modelo está baseado em informação, se comparado a um modelo aleatório, sem informação, cujo valor de AUC seria 0,50. O jackknife, também gerado pelo MaxEnt, permite duas análises de influência das variáveis no modelo gerado. Na primeira análise, o sistema gera um modelo baseado em cada uma das variáveis isoladamente; quanto maior o valor obtido para uma variável, mais a informação que ela carrega é útil para a composição do modelo, o que contribui para aumentar o valor de AUC (Márquez, 2006). No caso de M. ligustrinus, a variável que contribuiu com maiores “ganhos” foi a altitude, mas também mostraram-se importantes as temperaturas mínimas de novembro a março. Para estimar tais valores, tomaram-se os 1.298 pixels com probabilidade de ocorrência igual ou superior a 50% na distribuição potencial da espécie (doravante chamado “DP≥50%”), obtendo-se, entre novembro a março, uma faixa quase constante entre 16,2 a 16,9 °C, com mediana em 16,6 °C (Tabela 2). Na segunda análise, o sistema gera modelos retirando variáveis, uma por vez. Neste caso, o valor de ganho para AUC é baseado no impacto da ausência de uma variável: quanto menor o valor, maior o impacto. Em outras palavras, variáveis com valores baixos nesta análise carregam uma informação importante no refinamento do modelo que não está presente nas demais. Para M. ligustrinus, conforme o jackknife, as precipitações dos meses agosto e novembro são essa informação. Em DP≥50%, a mediana das precipitações nestes meses é de 11 mm em agosto (mês mais seco) e 301 mm em novembro, primeiro mês da temporada de chuvas de verão, que se estende por pelo menos quatro meses. 75 Figura 2 - Distribuição conhecida (pontos pretos) e potencial (manchas em gradação de tons de cinza) de Macropeplus ligustrinus, modelada através do algoritmo MaxEnt Quanto à altitude, obtém-se de DP≥50% uma mediana em 915 e máxima em 2.586 m de altitude., confirmando a vocação alto-montana apontada pelo jackknife e por Santos & Peixoto (2001). A altitude mínima, porém, em 445 m, sugere que, ao menos potencialmente, a espécie sobreviveria em zonas montanas. Sob o ponto de vista do sistema de classificação climática de Köppen-Geiger, ~74% dos pixels de DP≥50% estão na região classificada como Aw, ~24% em Cwa e os outros 2% divididos entre Cwb, Cfa, Csb e Cfb (Figura 3a). A classe Aw corresponde a um clima “megatérmico, com temperatura média do mês mais frio superior a 18ºC e mês menos chuvoso com precipitação inferior a 60 mm”, enquanto Cwa é “mesotérmico, com temperatura média do mês mais frio inferior a 18ºC e superior a -3ºC, ao menos um mês com média igual ou superior a 10ºC, mês mais quente com média igual ou superior a 22ºC e mês 76 menos chuvoso com precipitação inferior a 60 mm” (Kottek et al. 2006). Ambas classes, portanto, diferenciam-se basicamente pelas temperaturas no verão, mais altas em Aw, mas são semelhantes na baixa pluviosidade durante os invernos. O clima generalizado de DP≥50% (Tabela 2, Figura 3b) está no limite entre Aw e Cwa, com a temperatura do mês mais frio (junho) em 17,75 °C e os cinco meses menos chuvosos (entre maio e setembro) com precipitação inferior a 60 mm. Tal clima parece severo para um elemento de família tradicionalmente associada às florestas úmidas, como as Monimiaceae, o que ressalta a influência das florestas de galeria e da altitude na conformação do nicho de M. ligustrinus. A influência da umidade dos solos na distribuição de espécies arbóreas e nas variações fisionômicas nas florestas tropicais tem largo subsídio na literatura (Carvalho et al. 2005) e já se provou que a altitude é fator capaz de diferenciar floristicamente (Oliveira-Filho & Fontes, 2000). A resolução do mapa baseado no sistema de classificação climática de Köppen-Geiger não destaca a influência da altitude sobre os micro-habitats que mantêm populações de M. ligustrinus. Na serra do Espinhaço, em geral, mas em Rio de Contas, em particular, o clima é Cwb (mesotérmico, sempre úmido, verões brandos), com forte influência da classe BSh (semi-árido quente), predominante nas áreas circunvizinhas (Harley, 1995; Santos & Silva, 2005). Tabela 2 - Temperaturas mínima e máxima absolutas, medianas das temperaturas mínima e máxima (em °C) e precipitações mínima, mediana e máxima (mm.), mês a mês, dos 1.298 pixels com probabilidade de ocorrência igual ou superior a 50% (DP≥50%) da distribuição potencial de Macropeplus ligustrinus, com base nas médias entre 1950 - 2000 Temp. mais baixa no mês Mediana das Temps. mínimas Temp. média Mediana das Temps. máximas Temp. mais alta no mês Precipitação mínima Precipitação mediana Precipitação máxima Jan Fev Mar Abr Mai 8,7 8,9 8,8 9,2 8,8 Jun 7,5 Jul Ago Set Out Nov 7,4 7,7 8,1 8,5 8,6 16,9 16,9 16,5 11,4 11,4 15 12,8 12,4 22,3 22,3 21,8 20,55 18,8 17,75 17,95 19,15 27,7 27,7 27,1 26,1 24,8 24,1 24,5 25,9 30,2 30,3 29,3 28,5 27,8 27,8 29,3 30,6 51 64 54 35 7 2 2 3 236,5 170 162 79 28 12 12 11 365 304 282 144 79 51 48 32 Dez 8,8 Média 8,42 °C 14,5 16 16,6 16,2 14,72 °C 20,8 21,6 21,7 21,45 20,51 °C 27,1 27,2 26,8 26,7 26,31 °C 30,3 30,2 29,4 28,6 29,36 °C 7 27 91 68 34,25 mm 40 121 214 269 112,88 mm 70 215 301 397 190,67 mm 77 O Parque Nacional da Serra da Canastra é outro exemplo: está em uma zona de transição climática entre o clima tropical quente e o clima temperado mesotérmico. Acima de 1000 m ocorre um clima subtropical moderado úmido do tipo Cwb, e abaixo de 1000 m um clima subtropical úmido do tipo Cwa. Entre ambos, as temperaturas médias máximas variam de 18-31 °C, e as mínimas de 9,5-17,5 °C. A pluviosidade varia de 0-1800 mm, com chuvas iniciando-se basicamente no mês de setembro e estendendo-se nos meses de outubro a fevereiro, com um decréscimo a partir do mês de março. O período de inverno é bastante seco, marcado por uma escassez de chuvas no mês de junho e um período de seca entre os meses de julho a meados de setembro (Nakajima & Semir, 2001). O clima na Reserva Ecológica do IBGE, mais semelhante ao obtido para a generalização DP≥50%, é tipicamente sazonal, com duas estações bem definidas, a estação chuvosa começando em setembro ou outubro e se prolongando até abril ou maio. A precipitação média anual é de 1.453 mm. Os meses mais chuvosos são os de novembro a março, período no qual ocorre, em média, 75% do total anual de precipitação. A estação seca geralmente começa em maio e termina em setembro. Os meses de junho, julho e agosto são os mais secos, constituindo um período de déficits hídricos na maioria dos solos. As temperaturas são elevadas na estação chuvosa e amenas na seca, com média em 22°C. A média das máximas é de 27°C e a das mínimas 15,4°C. Os meses mais quentes são setembro e outubro, com temperaturas médias mensais de até 25,6°C. Junho e julho são os meses mais frios, com temperatura média ao redor de 20°C (IBGE, 2004). Nota-se aqui uma disjunção ecológica conspícua na distribuição de M. ligustrinus, em parte alto-montana (Sudeste/Nordeste do Brasil), sob um clima Cwa-Cwb, em parte habitando florestas de galeria montanas (Centro-oeste), sob Aw. Os dados sugerem que, no caso dessa espécie, o acesso a recursos hídricos poderiam estar compensando a mesofilia proporcionada pelas maiores elevações. A hipótese requer maiores pesquisas. M. ligustrinus ocorre em algumas das regiões classificadas no Mapa de Vegetação do IBGE (IBGE, 1993) como “Refúgios Montanos”, como Lençóis e a cabeceira do rio de Contas, na Bahia, e da serra do Cipó até Diamantina, em Minas Gerais. Veloso et al. (1991) define “refúgios” como “vegetações floristicamente diferentes, assumindo uma conotação de flora ou de comunidade relíquia”. Segundo Ab’Saber (2003a), a expressão “relicto” é aplicável a qualquer espécie vegetal encontrada em uma comunidade específica e circundada de vários trechos de outros ecossistemas, evocando possíveis corredores, que teriam existido em algum tempo impreciso, para a chegada das espécies nos locais em que hoje são encontradas. Geralmente, estão em altitudes superiores a 900 metros, sobre grandes extensões 78 de aforamentos rochosos, com solos pouco profundos, litólicos, de relevo bastante íngreme e montanhoso, ou de maciços rochosos quartzíticos ou calcáreos, que podem assumir formas de grandes blocos de rochas e escarpas acentuadas. São constituídos por um mosaico bastante diversificado de savanas e florestas de galerias, propiciando uma composição florística rica e com muitas espécies endêmicas (Romero, 2002; Spichiger et al. 2004). (a) (b) Figura 3 - (a) Área correspondente aos 1.298 pixels com probabilidade de ocorrência igual ou superior a 50% (DP≥50%) da distribuição potencial de Macropeplus ligustrinus, sobre mapa do sistema de classificação climática de Köppen-Geiger (Kottek et al. 2006); (b) diagrama climático padrão Walter (Walter & Lieth, 1964) de DP≥50% para Macropeplus ligustrinus. Curva superior representa as precipitações, em mm (escala à direita), curva inferior a temperatura, em °C (escala à esquerda). Valores listados à esquerda representam, de cima para baixo, máxima absoluta, máxima média, mínima média e mínima absoluta das temperaturas. Na Chapada Diamantina (Bahia), por exemplo, M. ligustrinus está representada por uma população bastante numerosa, sendo citada entre as espécies arbóreas mais freqüentes nas matas ripárias e capões na região do Pico das Almas, entre 1.400 e 2.000 (Harley, & Giulietti, 2004). Santos & Peixoto (2001) descrevem assim esses mosaicos: “dominam os campos rupestres com arbustos e árvores que crescem entre blocos de rochas, em solos de modo geral arenosos e pobres em matéria orgânica, mas com boa disponibilidade de água necessárias às exigências das espécies que aí habitam em populações esparsas. As matas ripárias e capões 79 ocorrem como ilhas florestais nos cerrados, caatingas e campo rupestres. O substrato no interior dos capões e das florestas ripárias contrasta com os campos adjacentes, por apresentar-se coberto por espessa camada de serrapilheira produzida pelas árvores. A dinâmica de colonização e da expansão dos componentes lenhosos destes trechos de floresta é ainda muito pouco conhecida.” Os capões de mata são referidos por Martius, na Flora brasiliensis, como um elemento importante na vegetação “que reina em grande parte das províncias de São Paulo, Minas, Goiás e Bahia, como também em alguns pontos do interior das províncias marítimas do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Porto Seguro. Todo o seu aspecto externo difere grandemente dos outros tipos de floresta, razão por que os tupinambás lhe atribuíram o nome que melhor destaca as suas principais características: estes índios a chamam de ‘caa-apoam’, isto é, mata convexa ou circular, que os portugueses registraram com a corruptela ‘capão’. Estas matas ocupam principalmente os locais interiores e úmidos, os vales e pântanos e, em virtude da abundância das águas e do calor constante, brilham durante todo o ano com o belo esplendor das copas” (Martius, 1996). Em Pico das Almas (BA), Harley (1995) relata a ocorrência de M. ligustrinus tanto em florestas de galeria quanto nos capões, e associa ambos: “as matas de galeria estendem-se verticalmente encosta acima, indo muitas vezes fundir-se com capões de mata, cuja localização parece estar associada à presença de solos alagadiços e que, muitas vezes, marcam a nascente dos riachos da região”. Aspectos fundamentais que têm motivado os estudos botânicos e biogeográficos nesse conjunto orográfico do Espinhaço são sua elevada diversidade genética, com alto grau de endemismo, mas também os interessantes padrões de distribuição geográfica de suas espécies. Várias das espécies que compõe a flora dos campos rupestres da cadeia, como é o caso de M. ligustrinus, mostram distribuições mais restritas, ocorrendo disjuntamente em áreas do leste e do centro do Brasil. O tipo de vegetação que predomina no alto da cadeia, tanto em Minas Gerais quanto na Bahia, pode ser encontrado também em outras localidades distantes da porção sudoeste e sul de Minas Gerais, Distrito Federal e Goiás, chegando em alguns casos ao sudeste da Bolívia. São ilhas florísticas isoladas, circundadas por vegetação de cerrado ou mesmo caatinga, que formam um padrão de distribuição geográfica de espécies vegetais observado também para espécies de outros grupos (Nakajima & Semir, 2001; Romero & Martins, 2002; Pirani et al. 2003; Santos & Silva, 2005). Estima-se que ancestrais das populações ora disjuntas já mantiveram contato em algum momento da paleo-história das regiões em que suas espécies estão distribuídas (Daly & Mitchell, 2000; Spichiger et al. 2004). 80 Uma representação do padrão de distribuição a que pertence M. ligustrinus, em momento climático mais propício, pode ser conjecturado a partir do zoneamento de sua distribuição potencial, tomando-se os limites do primeiro nível de medianas que englobe todas suas ocorrências (Figura 4). Sendo este nível o segundo menor (medianas acima de 3% de probabilidades de ocorrência), tratam-se de limites bastante favoráveis para a espécie. Tais limites também englobam quase todas as ocorrências das outras três espécies de Macropeplus (M. dentatus, M. friburgensis e M. schwackeanus), deixando de fora apenas a a cidade do Rio de Janeiro. Figura 4 - Zoneamento para o modelo de distribuição potencial de Macropeplus ligustrinus, com base em dados de presença conhecidos, utilizando-se o programa MaxEnt. Corte conjectural no segundo nível do zoneamento (isto é, medianas das probabilidades de ocorrência acima de 3%), interligando as localidades conhecidas e aceitas para a espécie (pontos pretos). Triângulos, quadrados e pentágonos brancos representam os pontos de coleta das outras três espécies de Macropeplus (M. dentatus, M. friburgensis e M. schwackeanus, respectivamente, não utilizados na elaboração do modelo de distribuição potencial) 81 A extrema riqueza e o grande número de endemismos (por exemplo, M. schwackeanus) encontrados em refúgios montanos são freqüentemente explicados através de uma adaptação da teoria dos refúgios, embora a explicação não esteja plenamente comprovada nem totalmente aceita (Pennington et al. 2004). Os ciclos glaciais do Quaternário provocaram, nas terras baixas tropicais da América do Sul, variações mais significativas nos regimes de precipitação do que nas temperaturas (Gentry, 1982). Muitos estudos baseados em palinologia e distribuição atual de plantas têm apresentado substanciais evidências indicando que, em pelo menos três períodos nos últimos 60.000 anos, o clima da região do cerrado foi mais seco do que no presente, ocorrendo a expansão das formações abertas sazonais e contração das florestas úmidas. Ao redor do Holoceno médio (por volta de 5.000 anos atrás), grandes eventos de seca causaram a regressão de formações florestais, influenciando principalmente a região central e sudeste, após o qual a umidade voltou a aumentar, coincidindo com a expansão das florestas de Araucaria, semidecíduas e ombrófilas, até chegar à distribuição atual (Ledru et al. 1998; Méio et al. 2003). Para Harley (1995), “apesar da falta de evidências diretas”, a impressão geral é de que “a Chapada Diamantina possuía, no passado, áreas de floresta muito maiores do que se observa atualmente. A persistência de floresta úmida em baixas altitudes nas proximidades de Lençóis pode ser considerada excepcional; os parcos remanescentes dessa vegetação são geralmente excessivamente fragmentados e explorados para que seja possível sequer imaginar o que ali se encontrara, a não ser em locais muito remotos, geralmente situados a grandes altitudes”. Mello et al. (2000) descrevem um sítio paleológico que vem produzindo evidências de que, no Eoceno (55 - 40 mA BP), as florestas ao redor da chapada já foram bem maiores. O sítio é a bacia de Fonseca e está localizado na borda do quadrilátero ferrífero, Minas Gerais, a 10 km dos contrafortes à leste da serra do Caraça (20°10’ S, 43°20’ W), numa altitude entre 500 e 800 m. Os depósitos encontrados documentam um sistema fluvial de idade terciária, desenvolvido sobre o embasamento regional pré-cambriano, durante um intervalo de relativa quietude tectônica, provavelmente sob clima úmido. Atualmente, é coberto de campos gramados, galerias e capões florestais, mas uma grande variedade de famílias de Angiospermas já foi registrada entre tais depósitos: Annonaceae, Bignoniaceae, Bombacaceae, Combretaceae, Euphorbiaceae, Lauraceae, Leguminosae, Malphighiaceae, Melastomataceae, Meliaceae, Menispermaceae, Mimosaceae, Monimiaceae, Myrsinaceae, 82 Myrtaceae, Rutaceae, Sapindaceae, Sapotaceae, Theaceae, Tiliaceae. Muitas destas famílias fazem parte da flora atual do estado de Minas Gerais, existente nos arredores do distrito de Fonseca, indicativo de que as formas fósseis seriam possíveis precursoras de suas aliadas atuais. As florestas teriam ficado, assim, restritas a determinadas regiões durante os períodos secos, e nos períodos intergiaciais, mais úmidos, as áreas florestais se expandiram e coalesceram. Nos períodos mais frios, a maioria das espécies de terras baixas expandiu sua distribuição para regiões montanas, onde encontraram maior umidade procedente das zonas nebulares (Prance, 1982; Safford, 1999). Pereira & Almeida (2004) ressaltam ainda que grupos de organismos, que no passado estiveram dispersos por extensas áreas (os fósseis comprovariam-no), encontram-se na atualidade restritos a pequenas áreas (relíquias, refúgios) em função da perda ou diminuição da capacidade de evoluir ou adaptar-se. A descontinuidade e isolamento de várias serras constituintes da cadeia do Espinhaço, imersas numa matriz de outros tipos de vegetação e condições fisiográficas, teria favorecido o modelo alopátrico de especiação, resultando em maior riqueza de espécies e endemismos (Vanzolini, 1991; Vitta, 2002). Assim, se Macropeplus expandiu sua distribuição nos climas mais úmidos (interglaciais) do Quaternário, a distribuição da espécie está, atualmente, em expansão. Sua presença observada em capões de matas em Santana do Riacho (MG) e Rio de Contas (BA) podem ser indícios dessa hipótese. Embora a literatura sobre a dinâmica das comunidades envolvendo “capões de mato” e florestas de galeria, no Cerrado e campos rupestres, sejam ainda limitadas (Santos & Peixoto, 2001), sabe-se que os capões são, em geral, um avanço das vegetações ribeirinhas na direção dos interflúvios, um processo gradual de modificações na composição florística qualitativa e quantitativa das formações abertas e decíduas que cercam as galerias (Meguro et al. 1995). M. ligustrinus é encontrada também em muitas das áreas de tensão. Em Minas Gerais podem ser citados os complexos da serra da Canastra (onde a espécie é representada, aparentemente, por uma população pequena e esparsa, segundo Santos & Peixoto, 2001), e de Ibitipoca; no estado de Goiás, nos campos rupestres dos Pirineus (serra onde um typus de M. ligustrinus foi coletado) e na Chapada dos Veadeiros (Romero, 2002). No Distrito Federal, predominam formas topográficas planas e maciças e solos pobres, onde aparecem cerrados, cerradões e campestres, que descem até a base das vertentes, cedendo lugar no fundo aluvial dos vales às florestas-galeria (onde a maioria das populações de M. ligustrinus do planalto Central ocorre), em geral largas e contínuas (Ab’Saber, 2003a). A altitude porém, aliada aos 83 solos úmidos e ricos em nutrientes das florestas de galeria, favorecem a ocorrência de M. ligustrinus (Pennington et al. 2000; Santos & Peixoto, 2001). As matas ribeirinhas do centro-oeste são ambientes muito ricos em espécies, com baixa similaridade entre as localidades, observando-se uma maior diferenciação entre áreas úmidas e bem drenadas dentro de uma mesma mata que na comparação de trechos de matas diferentes sob condição similar de drenagem (Felfili, 2002). Apesar de representarem pouco mais de 5% da área do Cerrado, englobam cerca de 89% das famílias, 62% dos gêneros e 33% das espécies compiladas para o bioma, e são responsáveis diretas pela quantidade e qualidade da água que corre nos cursos d’água do Brasil Central. Estudos sobre as matas ribeirinhas do centro-oeste mostram que a distribuição de espécies parece estar mais relacionada às condições hídricas que com a fertilidade natural, portanto a zonação pode depender da resposta das sementes e plântulas ao encharcamento do solo (Ribeiro et al. 2002). A drenagem superficial da área do cerrado é composta por duas nervuras hidrográficas apenas totalmente integradas durante a estação chuvosa. Há uma drenagem perene, no fundo dos vales, que responde pela alimentação das matas ribeirinhas (matas de galeria e ciliares) nos intervalos secos. E existe uma trama fina e mal definida de caminhos d’água intermitentes nos interflúvios largos, a qual, associada com a pobreza relativa dos solos, responde pela ecologia do cerrado. Na estação seca, o lençol d’água permanece abaixo dos talvegues desses pequenos vales de enxurrada, somente tangenciando as cabeceiras em anfiteatro raso e pantanoso. Em compensação, no fundo dos vales, o lençol d’água subterrâneo alimenta permanentemente a correnteza, independentemente das estações: daí a perenidade dos grandes, médios e pequenos rios da região. Trata-se, aliás, da grande diferença hidrológica entre o Centro-Oeste e o Nordeste semi-árido (Ab’Saber, 2003a). Em suma, M. ligustrinus encontra-se distribuída de forma conspicuamente disjunta, em parte alto-montana, sob um clima Cwa-Cwb, em parte nas florestas de galeria montanas, sob Aw, sugerindo uma correlação entre acesso a recursos hídricos e altitudes. Seus limites poderiam ser representados pela sua distribuição potencial em clima mais favorável (isto é, os mais úmidos) demarcados na Figura 4. Eles permitem que se estabeleça um critério de avaliação de 14 dos espécimes registrados no banco de dados como M. ligustrinus, com base na modelagem de distribuição da espécie. Esses espécimes estão identificados como M. ligustrinus, e testemunham 14 localidades não citadas em Santos & Peixoto (2001), revisão do gênero (Tabela 3). Estariam tais espécimes adequadamente identificados? Seriam falha de registro no banco de dados? 84 Tabela 3 - Quatorze localidades não citadas em revisão do gênero Macropeplus (Santos & Peixoto, 2001), de espécimes identificados como M. ligustrinus. As localidades dentro dos limites de distribuição da espécie em clima mais favorável foram consideradas “possíveis ocorrências” para a espécie (marcadas na coluna “Avaliação Modelagem” com ) e os espécimes coletados nessas localidades, “possivelmente M. ligustrinus”; as localidades fora dos mesmos limites foram consideradas “improváveis ocorrências” para M. ligustrinus (marcadas na coluna “Avaliação Modelagem” com ) e, portanto, os espécimes coletados nessas localidades, “provavelmente não-M. ligustrinus”. A última coluna apresenta concordância () ou discordância () da opinião de taxonomista consultado (? = falta de informação até o momento) Unidade Federativa Ganev, W. 1451 Bahia Queiroz, L.P. de, Bahia 2054 Hage, J.L. 1070 Bahia Grupo OCEPLAN, Bahia 17868 Queiroz, L.P. de, Bahia Irwin, H.S. 12921 Goiás Silva, F.C.F. da, Minas Gerais 126 Sohn, S. 68 Paraná Kuhlmann, J.G., Rio de Janeiro s/n Glaziou, A.F.M. Nova Friburgo s.n. Glaziou, A.F.M. Rio de Janeiro s.n. Neto, A.B.C. 42 Rio Grande do Sul Queiroz, L.P. de, São Paulo 2206 Sanchez, M. 1623 São Paulo Referência Localidade Abaíra Barreiras Avaliação Avaliação Modelagem Taxonomista ? Ilhéus Salvador ? ? Santo Amaro Veadeiros Chapada do Norte ? ? Piên Itatiaia ? ? Macaé de Cima ? Rio de Janeiro/Gávea ? Fontoura Xavier Atibaia ? ? Ubatuba ? Para efeitos deste trabalho, as localidades dentro dos limites de distribuição da espécie em clima mais favorável foram consideradas “possíveis ocorrências” de M. ligustrinus e, conseqüentemente, os espécimes coletados nessas localidades seriam “possivelmente M. ligustrinus”. Ao contrário, as localidades fora dos mesmos limites foram consideradas “improváveis ocorrências” da espécie, e os espécimes coletados nessas localidades, “provavelmente não pertencem a M. ligustrinus” (Figura 5). Os resultados, também na Tabela 3, por ora não são conclusivos, aqui constando apenas para registro. 85 Figura 5 - Quatorze localidades de espécimes identificados como M. ligustrinus não citadas em recente revisão do gênero Macropeplus (Santos & Peixoto, 2001) Conclusões Em resposta às perguntas do trabalho, pode-se concluir que: (1. Quais os limites da distribuição de M. ligustrinus?) A espécie, de distribuição restrita, é encontrada entre as latitudes 12° e 22° S e as longitudes 41° e 49° W, sempre acima dos 1.000 m de altitude. Quanto ao sistema de classificação climática de Köppen-Geiger, a espécie (e o gênero como um todo) parece ter preferência pela classe Cwb. (2. O que a impede de colonizar outras áreas?) O gênero Macropeplus conjuga bem as condições que caracterizam os gêneros paleoendêmicos: é um grupo arcaico, com caracteres primitivos, que se apresenta com distribuição relictual devido as condições climáticas e geológicas atuais. 86 (3. Há um centro de origem?) A distribuição M. ligustrinus mostra-se bastante fragmentada, não destacando nenhum centro de origem. (4. Quais são suas áreas de expansão e retração?) Ao que parece, a espécie está retraída, embora demostre sinais de recente expansão (após o último período glacial), colonizando micro-habitats ao redor das ocorrências atuais que apresentam condições satisfatórias, principalmente quanto à umidade, como os capões de mata. (5. Sua distribuição está associada a algum padrão fitogeográfico?) Estima-se que ancestrais das populações ora disjuntas de M. ligustrinus já mantiveram contato em algum momento da paleo-história das regiões em que está distribuída, seguindo um padrão também observado em espécies de outros grupos vegetais. (6. Que eventos históricos ajudaram a delinear a distribuição da espécie?) Acredita-se que a fragmentação da distribuição de M. ligustrinus seja decorrência dos grandes eventos de seca dos últimos períodos glaciais do Quaternário. Tal explicação, uma adaptação da teoria dos refúgios, não é plenamente comprovada nem totalmente aceita. (7. Há disjunções na distribuição?) Nota-se uma disjunção ecológica conspícua na distribuição de M. ligustrinus, em parte alto-montana (Sudeste/Nordeste do Brasil), sob um clima Cwa-Cwb, em parte habitando florestas de galeria montanas (Centro-oeste), sob Aw. Os dados sugerem que, no caso dessa espécie, o acesso a recursos hídricos poderiam estar compensando a mesofilia proporcionada pelas maiores elevações, ou seja, as florestas de galeria parecem capazes de amortecer os verões quentes de Aw, além de ajustar a menor umidade desta classe (e também de Cwa) aos níveis de Cwb. Referências Bibliográficas Ab’saber, A.N. 2003a. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. Ateliê Editorial. 160pp. __________. 2003b. Megamorfologia do território brasileiro. In: Cunha, S.B da & Guerra, A.J.T. Geomorfologia do Brasil. Bertrand Brasil, 3ª edição. Bigarella, J.J. 1991. 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O zoneamento para o modelo de sua distribuição potencial, no entanto, forneceu uma aproximação gráfica dos possíveis limites de um paleo-padrão de distribuição de espécies postulado na literatura, ao qual pertenceu M. ligustrinus. Ao associar nicho fundamental à geografia, a técnica ampliou o horizonte de análise, tornando-se recomendável para outras aplicações, particularmente no que se refere à conservação e monitoramente de espécies, delineamento de unidades de conservação, identificação de centros de endemismo e diversidade. Por outro lado, a redução do nicho Fundamental a um espaço bidimensional (ou tridimensional, se a probabilidade de ocorrência for considerada como uma terceira dimensão) revela limitações que inviabilizam o uso de modelagem, por exemplo, no estudo de diferenciação de nichos por estratos da vegetação ou de altitude. Para refinar os modelos obtidos, seria preciso complementar os resultados com trabalhos de campo e laboratório. No caso de M. ligustrinus, por exemplo, estudos sobre a fisiologia de suas sementes poderiam ajudar a esclarecer os microhabitats disjuntos em que a espécie ocorre (florestas de galeria no centro-oeste, campos rupestres na cadeia do Espinhaço); estudos sobre suas populações são necessários para confirmar se os capões de mata representam expansão de sua distribuição; estudos florísticos e paleo-florísticos poderiam confirmar ou negar as hipóteses sobre seus isolamento no alto das montanhas do Sudeste/Nordeste brasileiro. Estudos sobre populações de H. omphalandra, poderiam confirmar ou negar as hipóteses de centro de dispersão e fluxos migratórios. A avaliação de identificações de espécimes de herbário a partir deste zoneamento é promissora, mas o resultado, por ora, é pouco conclusivo. Seu desenvolvimento poderia servir, por exemplo, de base para ferramentas de data-cleaning, úteis tanto para taxonomistas quanto para curadores de coleções. Com ferramentas assim, é possível visualisar um cenário, 94 bastante automatizado, em que, dado um conjunto de localidades de ocorrência de uma espécie, advindos de bancos de dados de coleções biológicas, extrair o subconjunto que apresente o melhor modelo de distribuição potencial. A partir deste, limites com base na corologia podem ser sugeridos entre (pelo menos) duas possibilidades: um ocorrência ser ou não ser daquela espécie. O presente trabalho possibilita ainda análises futuras sobre o conservantismo filogenético de nicho entre as Monimiaceae. Estima-se que os resultados obtidos em tal estudo ajudariam a responder a perguntas como “seria o conservantismo de nicho capaz de fornecer dados consistentes para estudos filogenéticos?” Referências Bibliográficas (da introdução geral) Anderson, R.P., Lew, D. & Peterson, A.T. 2003. Evaluating predictive models of species’ distributions: criteria for selecting optimal models. 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