Acesso, Uso e Remessa de Material Genético Humano: indicativos de regulamentação no Brasil http://www.ghente.org MESA REDONDA Visão panorâmica do Ministério da Saúde: principais entraves das atividades relacionadas ao tema Assistência Médica Dr. Fernando Vargas Instituto Nacional do Câncer - INCA Queria agradecer o convite. Sou geneticista-clínico, trabalho no Instituto Nacional do Câncer. O que tenho a contribuir aqui é muito pouco. Apresentarei, em 5 a 10 minutos, o que temos feito no INCA com aconselhamento genético do câncer hereditário, para fornecer subsídios. Enfocarei dois aspectos principais: porque é importante identificar indivíduos que tenham o risco aumentado de câncer hereditário na população; algumas coisas relacionadas ao teste genético. O teste genético para o câncer hereditário é de caráter preditivo. É diferente de um teste diagnóstico, ou seja, é um teste que identifica variação ou alteração genética, identifica um risco aumentado, uma predisposição aumentada de desenvolver câncer. Essa é uma área da genética que está crescendo rapidamente, não só na oncologia, não só na área de câncer hereditário, mas também doenças neurodegenerativas da vida adulta e, possivelmente, num futuro próximo, doenças cardiocirculatórias. Esse tipo de teste genético, que tem caráter preditivo e uma série de aplicações a ele associadas, tende a crescer. Por que é importante identificar o indivíduo que tenha risco aumentado de câncer hereditário? O câncer, em princípio, não é uma doença hereditária, é uma doença esporádica. Só que a base do câncer é genética no sentido de que em nível celular o que desencadeia o processo são mutações, alterações no DNA. A maioria dessas alterações não se transmitem de geração a geração. É uma minoria delas, porém é uma minoria que, considerando o número de casos de câncer que existem na população, é bastante considerável. Por exemplo, as formas comuns de câncer da vida adulta: câncer de mama; câncer de ovário; câncer de próstata; melanoma. Outros tumores não, mas estes que citei, sendo no mínimo bem conservadores, 5% do total de pacientes com essas patologias têm formas hereditárias. Eles têm o câncer por mutações que são germinativas, ou seja, mutações que podem transmitir-se para outra geração. Por que é importante identificar esses indivíduos? Outras formas de câncer não têm isso, por exemplo, no câncer de pulmão o componente hereditário é baixíssimo, é muito mais ambiental. Se juntarmos 5% de câncer de mama, 5% de próstata, 5% de melanoma, 5/10% de colo retal, 5/10% de ovário, isso é muita gente. Por isso é importante identificar. 35 Acesso, Uso e Remessa de Material Genético Humano: indicativos de regulamentação no Brasil http://www.ghente.org O aconselhamento do câncer hereditário é voltado para a identificação do indivíduo que está em risco, estabelecer uma estimativa do risco que esse indivíduo tem de desenvolver câncer. Isso é importante, primeiro, pelo risco que esse indivíduo tem de vir a desenvolver câncer; segundo, como a etiologia é hereditária, através da identificação desse indivíduo se identifica outros familiares que estão em risco. A identificação do indivíduo e dos familiares permitirá que nessa subpopulação – nesses 5% ou 10% de indivíduos que tenham risco aumentado de desenvolver câncer – seja identificada e que as medidas de rastreamento ou prevenção sejam dirigidas para essa população que tem risco aumentado de desenvolver câncer em relação às outras, com as quais se pode trabalhar menos. Aqui é só para ter-se uma idéia da diferença de medidas. Para o câncer de colo retal, para o câncer de intestino, se o indivíduo não tem história hereditária, nenhum risco aumentado, ele fará o primeiro exame de coloscopia basal aos 50 anos. Depois só fará se tiver sintomatologia. Ao passo que o indivíduo que tem uma forma hereditária, dessa fórmula aqui, que é a mais comum do câncer de colo retal hereditário, as medidas recomendadas mudam completamente; o sujeito tem que fazer isso anualmente, depois semestralmente a partir de uma idade muito mais precoce. No INCA, temos um programa de identificação de aconselhamento genético de câncer de mama e ovário. A genética do câncer hereditário de mama, ovário e colo retal tem muito mais definidas as causas genéticas hereditárias, também no retinoblastoma e alguns cânceres pediátricos. Por exemplo, sabe-se que existe uma porcentagem dos melanomas, do câncer de tireóide, do câncer de próstata que é hereditária, mas as causas ainda estão menos definidas. Há menos disponibilidade dos testes genéticos para identificar esses indivíduos. Ao passo que nos cânceres de mama e colo retal isso já é bem mais definido. Temos, então, dois programas, um de identificar. Faz-se o seqüenciamento do DNA, seqüenciam-se dois genes que há no DNA que dão o risco aumentado de 70% a 80% de desenvolver câncer de mama e ovário. Testa-se isso sempre a partir do indivíduo que é afetado, mas esse teste permite identificar indivíduos que não tenham desenvolvido câncer, com todas as implicações que isso tem. Mesma coisa aplica-se para o câncer de colo retal. Teste genético. Quando se identifica um indivíduo com história familiar de câncer, seja pela sua história pessoal, seja pela história familiar, tem-se a possibilidade, ou não, de se fazer um teste de genética. Como esse teste tem caráter preditivo, há que saber algumas coisas com relação a ele. Os testes variam, mas essa é uma regra importante. Não existe nenhum teste genético que cubra todas as lesões moleculares. Seja como for a patologia no câncer ou fora dele, há diferentes testes genéticos, mas não há um que cubra o espectro inteiro das lesões moleculares. Quando se faz aconselhamento com teste genético, forçosamente são feitos: consulta préteste – antes do teste uma série de avaliações; coleta de sangue para o teste genético, com o consentimento informado; e um seguimento depois do teste. Concordo um pouco com o que o Dr. Sérgio colocou a respeito do caráter restritivo dos testes do consentimento informado, às vezes. Isso é uma coisa que estamos vivenciando agora. Por exemplo, no câncer de mama temos um consentimento informado que explica e expõe o problema e mostra que o que se faz é o seqüenciamento de dois genes que, se der alteração, dá uma predisposição aumentada do câncer. Há mais ou menos um ou dois anos, surgiu na literatura que de 10% a 15% das famílias no mundo faz-se o seqüenciamento, há muito câncer de mama e ovário na família e esse 36 Acesso, Uso e Remessa de Material Genético Humano: indicativos de regulamentação no Brasil http://www.ghente.org seqüenciamento não encontra mutação, isso pode ser um grande rearranjo de ele estar deletado ou duplicado. Isso não é detectado pelo seqüenciamento, então tem-se que fazer outro teste. O que estamos fazendo agora é chamar as famílias que tiveram seqüenciamento negativo, explicando que faremos outro teste. Mas aquele teste não está no consentimento original porque o consentimento que se fez foi para seqüenciamento, porque na época nem se imaginava que isso apareceria na literatura. Então, se tiver um consentimento mais genérico, isso depende muito como se constrói o consentimento informado, explica a situação, facilita um pouco. Com relação ao resultado do teste genético, quando se tem um teste positivo num indivíduo com câncer, pode-se testar um familiar. Se esse familiar, afetado ou não, testar positivo, tem risco aumentado de ter câncer hereditário. Se tenho um paciente que testo e é positivo e um familiar dele der negativo, esse é um negativo verdadeiro, digamos assim; é um indivíduo que tem risco igual ao da população, não é que não terá câncer, mas não tem o risco aumentado. Há duas situações muito freqüentes em genética. Posso testar e não encontrar mutação, não quer dizer que ela não esteja presente, não é detectada por aquele teste feito. Um resultado negativo aqui não significa que ele não tenha mutação nem que não tenha risco hereditário. Continua tendo o risco, só que fomos incapazes de detectar a alteração genética. Nesse caso e no caso em que também não se sabe – porque isso é uma coisa característica da informação genética – como é uma informação nova, há possibilidade grande de se encontrar variações de seqüência no DNA e que não se sabe se é patogênico ou não, se aquilo causa doença ou não. Isso é uma possibilidade real que acontece em até 10% dos casos. Inclusive é uma das coisas que conversamos com o paciente antes de fazermos o teste genético, que existe a possibilidade de não se saber interpretar o resultado. Nesses dois casos, seja negativo ou ambíguo, não se consegue identificar familiares. Se pensarmos em como fazer um rastreio populacional para identificar indivíduos na população que tenham risco aumentado de desenvolver câncer hereditário, seria para essa população que se aplicam medidas de vigilância, medidas de rastreamento, medidas preventivas que estejam disponíveis. O paradigma disso, o protótipo disso, a primeira doença em que isso foi feito foi a fenilcetonúria, doença testada no pezinho. Há certos critérios que devem ser respeitados para partir para fazer rastreamento populacional de alguma doença genética, seja ela câncer ou não. Primeiro, essa doença não pode ser muito rara na população. Segundo, tem que ter: uma fase pré-clínica que seja sintomática; estratégias que evitem a instalação dessa doença ou melhorem os prognósticos; tratamento em uma fase pré-clínica que mude favoravelmente a evolução da doença; métodos de triagem que sejam exeqüíveis para aplicação em larga escala – aqui o teste genético realmente não se aplica porque não é exeqüível para aplicação em larga escala; centros de avaliação e tratamento para essa doença que se quer identificar na população. No nosso caso o câncer hereditário. Todas essas coisas se aplicariam para o câncer hereditário menos isso, porque não é factível implementar qualquer teste genético para identificar na população. Parece mais sensato utilizar a história familiar como uma ferramenta diagnóstica, ela é de fato a ferramenta diagnóstica mais importante para identificar o câncer hereditário, para fazer rastreamento populacional. Pela história familiar, consegue-se estratificar as famílias em alto, moderado e baixo riscos. A idéia seria: fazer treinamentos de profissionais de saúde em níveis primário ou secundário para identificar pacientes ou famílias em risco; criação e expansão de serviços de oncogenética, como o INCA tem há 4 anos; estabelecer uma rede de serviços, o que Juan, falou – são testes caros 37 Acesso, Uso e Remessa de Material Genético Humano: indicativos de regulamentação no Brasil http://www.ghente.org e demorados. Uma mesma instituição não pode fazer teste para uma coleção de doenças genéticas. É mais sensato que haja uma rede de diferentes instituições que testem diferentes doenças. Estabelecer uma rede de serviços em nível terciário para fazer rastreamento molecular em famílias previamente selecionadas. É isso, obrigado. 38