mitos e tradições indígenas no processo de

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MITOS E TRADIÇÕES INDÍGENAS NO PROCESSO DE
FORMAÇÃO DE LEITORES E ESCRITORES
Maria Carolina Neves Lopes
Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
Nataly da Costa Afonso
Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
RESUMO
É por meio da língua que o homem se comunica e participa da vida em sociedade, esta que tem
um padrão estabelecido com normas, e dessa forma haverá falantes com o domínio da língua
enquanto outros estarão à margem. È neste cenário que a alfabetização e o letramento têm
importante papel na aprendizagem da língua escrita. Sendo assim nos propomos a pensar a
Alfabetização, destacando a contribuição do conceito de letramento para compreender as
práticas de leitura e escrita na sociedade contemporânea e a concepção de Gênero Discursivo
(BAKHTIN, 1997) apontada nos Parâmetros Curriculares Nacional de Língua Portuguesa
(BRASIL, 1997) como a maneira adequada para de desenvolver a leitura independente.
Concentramos nossa pesquisa no gênero narrativo Mitos indígenas, buscando compreende-lo
dentro de suas especificidades e ressaltando a importância deste gênero ser abordado nos
processos de alfabetização, compreendendo que este deve ser abordado dentro de uma proposta
mais ampla sobre as culturas indígenas.
Palavras-chave: Alfabetização, Letramento, Gêneros do Discurso, Mitos e tradições indígenas,
formação de leitores e escritores.
INTRODUÇÃO
É por meio da língua que o homem se comunica e participa da vida em
sociedade, esta que tem um padrão estabelecido com normas, e dessa forma haverá
falantes com o domínio da língua enquanto outros estarão à margem. É neste cenário
que a alfabetização e o letramento têm importante papel na aprendizagem da língua
escrita. Sendo assim abordaremos a concepção de alfabetização e de letramento para as
autoras Magda Soares (2003) e Silvia Colello (2004), que nos ajudam a repensar o
ensino da língua escrita e a de gênero discursivo para Mikhail Bakhtin (1997), que é a
forma proposta nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa - PCN (1997) para
desenvolver os processos de alfabetização, visando à participação social efetiva do
sujeito. Concentrando nossa pesquisa no gênero narrativo- mitos indígenas, utilizando
como referência inicial as autoras Luciana Jesus e Helena Brandão (2011), buscando
compreende-lo dentro de suas especificidades e ressaltar a importância deste gênero ser
abordado nos processos de alfabetização.
É reconhecido nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(BRASIL, 1997), que muitos alfabetizados não possuem domínio do uso da linguagem
em situações práticas, e isso se reflete até mesmo no ensino superior. Sendo assim,
surge a necessidade de um novo olhar sobre a questão do que é ser, ou não,
alfabetizado. Nota-se que no processo de formação de leitores e escritores, não basta ter
o domínio dos códigos escritos, mas é preciso saber utilizá-los nas situações práticas do
dia-a-dia, sendo capaz de atuar no convívio social de forma crítica.
Neste contexto, surge o conceito de letramento, definido por Magda Soares
como: “desenvolvimento de habilidades de uso do sistema convencional de escrita, em
atividades práticas de leitura e escrita, que envolvam a língua escrita (2003)”. Assim,
não cabe mais designar os sujeitos meramente como alfabetizados, analfabetos ou
analfabetos funcionais, uma vez que estamos rodeados de códigos escritos e visuais e os
sujeitos imersos nesse mundo, mesmo sem saber utilizar os códigos escritos formais,
conseguem se comunicar. Exemplificando, para a leitura de uma placa de trânsito o
sujeito que não tem o domínio dos códigos saberá interpretá-la, uma vez que faz uso dos
códigos em situações cotidianas.
Como as situações cotidianas de uso da linguagem são muito variadas, se tem a
necessidade de adaptar a linguagem a cada situação para comunicação social. É possível
compreender o uso da linguagem em situações de uso a partir da concepção de Gêneros
do Discurso, (BAKHTIN, 1997). O autor apresenta que em cada tipo de comunicação
utilizamos uma língua, e que esta é utilizada através de diferentes enunciados, que
mantendo certa estabilidade formam um gênero discursivo. O intuito dos enunciados é a
comunicação social, para tal exige a presença de um outro - um locutor e um
respondente – que possui papel fundamental na elaboração dos enunciados, logo, na
escolha do gênero.
Dentre os diferentes tipos de gêneros discursivos, aprofundamos nossos estudos
no gênero narrativo: mitos indígenas, abordando suas especificidades dentro das
culturas indígenas, ressaltando a importância deste gênero ser trabalhado na escola – em
um processo de formação de leitores e escritores – ao reconhecer a importância das
tradições indígenas na formação da identidade do povo brasileiro.
FORMAÇÃO DE LEITORES E ESCRITORES: UMA LEITURA SOBRE
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ATRAVÉS DOS GÊNEROS DO
DISCURSO
O domínio da língua oral e escrita é considerado fundamental para participação
social efetiva (BRASIL, 1997), uma vez que é através da língua que ocorre a
comunicação, produção de conhecimento e acesso à informação. Desta forma, “a escola
tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes
linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos.”
(BRASIL, 1997).
Neste cenário de preocupação com a função social da língua, surge a
necessidade de se repensar a alfabetização. De acordo com Magda Soares (2003) a
alfabetização é um processo escolar, de apropriação do sistema de escrita convencional
– o alfabeto. Entretanto, reconhece que as práticas cotidianas de uso da leitura e escrita
se fazem anterior a este processo, sendo necessário classificar esses sujeitos que estão
envolvidos em práticas sociais mediadas pela escrita, mesmo sem domínio do código
alfabético.
Sendo assim, é reconhecido por Soares (2003) o que a autora chama de: “A
invenção do letramento no Brasil” como uma “necessidade de reconhecer e nomear
práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler
e escrever resultantes da aprendizagem do sistema da escrita” (pág. 6).
A autora classifica o letramento como: o desenvolvimento de habilidades de uso
do sistema convencional de escrita, em atividades práticas de leitura e escrita, que
envolvam propriamente a língua escrita. O termo alfabetização limita-se a aquisição do
sistema convencional de escrita.
Silvia Colello (2004) afirma que este conceito surge a fim de repensar na
especificidade da alfabetização, mas também para banir definitivamente as práticas
instrumentais de ensino. Embora seja necessária a separação de tais termos, para que
não percam suas especificidades, é importante ressaltar que: “Não são processos
independentes, mas interdependentes, e indissociáveis” (SOARES, 2003, p.14).
Sendo assim, Colello propõe como grande desafio para os educadores o:
“Alfabetizar letrando”, como uma proposta de utilizar a especificidade do letramento e
da alfabetização no mesmo contexto.
Valorizando as atividades práticas que envolvem o domínio da língua, o PCN de
Língua Portuguesa (1997) frisa que o domínio da língua possibilite ao aluno interpretar
diferentes textos que circulam socialmente e produzir textos nas mais variadas
situações. Como instrumento para alcançar tal objetivo, apresenta-se o conceito de
Gêneros do Discurso, desenvolvida por Bakhtin (1997).
Bakhtin (1997) reconhece que as esferas de atividades humanas são diversas e
que para cada esfera, temos formas próprias de enunciar, os indivíduos adaptam a
maneira de se comunicar conforme a esfera que se encontra, já que não nos
comunicamos da mesma forma com amigos e com autoridades, tal como não
escrevemos um artigo da mesma forma que escrevemos no facebook. Esta adaptação da
comunicação é individual, cada ser vai se adaptar de acordo com seus interesses
particulares. Entretanto, o autor sinaliza que em determinada esfera, os tipos de
enunciados mantêm traços próprios, relativamente estáveis, e é o que o autor denomina
como Gêneros do Discurso.
Os gêneros são caracterizados pelo que fazemos com a linguagem (mostrar,
descrever, explicar, indagar, argumentar...) e os sentidos e valores da vida social que
atribuímos a ela, portanto são indissociáveis e indispensáveis para a comunicação
humana.
Sendo assim, Bakhtin (p. 97) divide os gêneros como primários e secundários.
Os primários possuem relação direta com o contexto mais imediato, situações cotidianas
espontâneas; são predominantemente orais, mas também aparecem na escrita informal,
como encontramos em bilhetes, e atualmente, nas escritas de redes sociais. Os gêneros
secundários exigem maior complexidade e elaboração, são predominantemente escritos
e tendem a ser monologados; mas também se encontram na oralidade, como quando se
apresenta um trabalho em congressos. Uma vez que as variedades de gêneros são
infinitas, Bakhtin não se preocupa em catalogá-los, apenas cita exemplos como a carta,
modos literários, exposição científica, diálogo, documentos oficiais, entre outros.
Poderíamos incluir exemplos de gêneros muito utilizados atualmente, como os
enunciados produzidos em redes sociais: Facebook, WhatsApp e Twitter.
Podemos identificar a importância dos gêneros nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para Língua Portuguesa (1997), que norteiam o trabalho dos professores a
fim de desenvolverem um processo de alfabetização para seus alunos, partindo dos
Gêneros do Discurso, uma vez que “O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental
para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem
acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de
mundo, produz conhecimento.” (BRASIL, 1997, p. 11).
Reconhecendo a importância da linguagem para a participação social efetiva a
partir dos diferentes gêneros discursivos, focaremos nosso trabalho no gênero narrativo
Mitos Indígenas, ressaltando a importância do ensino das tradições indígenas na
formação escolar, e em destaque os mitos indígenas como um gênero narrativo tão
importante quanto outros.
MITOS
E
TRADIÇÕES
INDÍGENAS
NOS
PROCESSOS
DE
ALFABETIZAÇÃO
Os brancos desenham suas palavras, porque seu pensamento é cheio de
esquecimento. Há muito tempo guardamos as palavras de nossos
antepassados dentro de nós, e as continuamos passando para nossos filhos.
(YANOMAMI, 1999)
O mito é um gênero discursivo primário1 (Bakhtin, 1992 apud JESUS e BRANDÃO,
2011, p.47) que ocorre predominantemente na oralidade. Dentro das culturas indígenas,
a comunicação entre homens, mulheres e crianças; os valores sociais e os códigos de
conduta impostos são narrativas culturalmente construídas em cada povo, que possuem
sentido e significado específicos. O mito não possui estrutura literária fixa, já que relata
a realidade e a verdade de um povo, que pode ser expressa através de devoções, cultos
religiosos, tradições e costumes (não necessariamente se restringindo a fenômenos da
natureza).
Reforçando essa tese, Olivio Jekupé autor do livro “Verá: o contador de
histórias” apresenta que “As sociedades indígenas são movidas pela poesia dos mitos –
palavras que encantam e dão direção, provocam e evocam os acontecimentos dos
primeiros tempos, quando somente ela, a palavra, existia.” (JEKUPÉ, 2013).
Entretanto, por não haver conhecimento mais profundo sobre as culturas
indígenas, os mitos parecem para a nossa sociedade algo meramente fantasioso; a
palavra mito é tida como sinônimo de mentira. Assim, é comum ouvir pessoas falando
“Ah, isso é um mito”, ou o questionamento “Mito ou verdade?”, o que cria a ideia
hegemônica de que um mito é uma história inventada, constituindo uma mentira.
O conhecimento da mitologia indígena é tão importante quanto o de outras
mitologias, mas por serem culturalmente excluídas são vistas como inferiores, e por
consequência minimizada sua participação na historia brasileira. Dessa forma, se faz
importante uma desconstrução sobre as culturas indígenas e suas tradições a fim de
ampliar o conhecimento e fugir das ideias equivocadas a respeito dos mitos indígenas.
O grande equívoco de associar os mitos como sinônimo de inverdade, é rompido por
Jesus e Brandão (2011) ao afirmarem que:
Apesar dos aspectos fantasiosos, dos elementos fantásticos e
aparentemente ilógicos que o povoam, o mito é verdade para o
povo que o cultiva, está profundamente enraizado no seu tecido
1
Esta classificação pode ser questionada, uma vez que embora sua ocorrência se dê - em grande parte na oralidade, possui uma linguagem rebuscada.
social, distinguindo-se, portanto, da lenda e, sobretudo da
superstição (2011, p.54).
Dessa maneira, fica o questionamento: Qual a importância inserir os mitos
indígenas na aprendizagem dos gêneros discursivos? Encontramos algumas respostas no
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997), documento que busca
nortear a prática do professor, que dentre seus objetivos encontram-se os seguintes
itens:

Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,
materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de
identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;

Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem
como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra
qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de
crença, de sexo, de etnia, e outras características individuais e sociais;
Embora os objetivos sejam claros, as escolas em sua maioria, não os colocam em
prática, por não possuir obrigatoriedade de uso dos PCN´s, uma vez que não possui
caráter de lei. Trata também desse assunto a Lei nº 11,645/08 (BRASIL, 2008), que
decreta: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.
(grifo nosso)
Considerando tais documentos, ressaltamos a importância do ensino das
tradições indígenas na formação escolar, e em destaque os mitos indígenas como um
gênero narrativo tão importante quanto outros. Esses documentos asseguram e
certificam que a temática indígena seja um conhecimento válido para ser ensinado no
âmbito escolar, necessitando de uma reformulação da visão do índio hoje em nossa
sociedade. Uma vez que os livros didáticos costumavam (muitos ainda costumam)
trazer as culturas indígenas como uma cultura congelada (visão estagnada do índio de
1500), se torna algo distante e sem sentido para ser ensinado em sala de aula (FREIRE,
2000).
O conhecimento sobre os povos indígenas faz parte do conhecimento sobre a
sociedade brasileira e como esta se constitui, por se tratar dos povos originários e suas
culturas que estão enraizadas nos costumes, comidas típicas, brincadeiras, vocabulários,
do povo brasileiro.
Ao desenvolver conhecimento sobre as culturas indígenas, é necessário não mais
se entender o mito como uma mentira, por compreender a importância destas narrativas
para preservação de modos de enxergar o mundo desses povos.
Tal como em nossa sociedade estabelecemos a organização de mundo através da
escrita, nas culturas indígenas isso se faz através da oralidade. Atualmente, muitos
elementos das culturas desses povos vêm sendo registrado pela escrita e também por
meio de vídeos, revistas e livros, para poderem contar suas próprias histórias.
Dessa maneira, para ensinar e apresentar os mitos atualmente podemos desfrutar
de um acervo de literaturas feitas por indígenas e não indígenas, através da exploração
destes materiais, os alunos devem ser estimulados a utilizá-los como fonte de pesquisa e
conhecimento. Além desta exposição, é importante que ao apresentar as narrativas dos
mitos, essas sejam apresentadas em sua língua originária e na língua portuguesa, a fim
de aproximar as culturas e ampliar o repertório de leitura e escrita dos educandos,
auxiliando na formação de leitores e escritores críticos e investigadores de outras formas
de discurso.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Acreditamos que através de uma história muitos valores sociais são passados.
Assim, os mitos indígenas expressam a origem e a identidade de um povo que trás
consigo muitos ensinamentos, sua importância em ser retratado na escola de alunos não
índios, vai além de ensinar mais um gênero discursivo. Acreditamos que a escola possa
contribuir enormemente para valorização e o respeito das culturas, principalmente
dentro do contexto brasileiro de tamanha diversidade.
A partir destas reflexões, compreendemos a necessidade do processo de
alfabetização e letramento se desenvolverem lado a lado no âmbito escolar, valorizando
o ensino de diferentes gêneros discursivos que venham a contribuir para o convívio nos
diferentes meios sociais. O gênero narrativo Mitos Indígenas pode favorecer a
realização dos objetivos para o Ensino Fundamental, citados pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997), abordados neste artigo. Nota-se, a
partir destes estudos, que na intenção de trabalhar os mitos como gênero discursivo há a
necessidade de abordá-los dentro de uma compreensão maior sobre as culturas
indígenas com objetivo de desenvolver estudo sobre este gênero em um processo de
formação de leitores e escritores, articulando-o com a construção da identidade
brasileira.
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