A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E O TEATRO ÉPICO NO TEATRO ESCOLAR Denise Tiemi Kobiraki Tomita 1 - UEM Grupo de Trabalho – Educação, Arte e Movimento Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O estudo deste projeto busca avaliar as possibilidades do teatro na sala de aula da educação pública como espaço de investigação e criação teatral, conduzido pela pedagogia históricocrítica com o intuito de elevar os educandos a serem capazes de sair do senso comum para uma consciência filosófica, na perspectiva da teoria do afastamento de Bertolt Brecht, no teatro épico. Levando em conta que as artes estão intimamente ligadas à natureza humana desde os primórdios, este sendo considerado um dos fatores determinantes que nos distinguem dos outros animais, além de produzirmos cultura e interferirmos na natureza em nosso benefício, dentre outros fatores, nada mais apropriado que lançar mão das artes para almejar uma educação que compreenda o indivíduo de modo humanizado e dotado de alteridade, principalmente por meio do teatro. É na educação básica que adquirimos as noções primárias para um ensino especializado, assim, o trabalho teatral pode colaborar, se visto como uma possiblidade de expressão do verdadeiro eu, que proporciona descobertas únicas em relação ao seu meio e nas suas inter-relações, o experienciar provido de reflexões e análises, promovendo o desenvolvimento intelectual e emocional, de forma a valorizar a arte para um ensino e uma aprendizagem significativa. Desse modo vamos buscar que nosso aluno não seja passivo mediante a realidade ao seu entorno, mediando sua reflexão, crítica e questionamentos através da leitura de texto (leitura dramática) da obra Aquele que diz sim, aquele que diz não, escrita por Brecht entre 1929 e 1930, inserindo os jogos teatrais elaborados por Viola Spolin, para o entendimento do teatro épico no contexto do século XXI. A resultante observada e experienciada alumia perspectivas positivas do ensino teatral no espaço escolar público de modo a refletir diferentes temas, quando oferecido ao educando condição para tal desenvolvimento. Palavras-chave: Teatro na escola. Teatro-Educação. Jogos teatrais. Bertolt Brecht. 1 Graduada pela Universidade Federal do Paraná, em Educação Artística – licenciatura em Artes Plásticas, e em Artes Cênicas, pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Arte-Educação pela Faculdade Metropolitana de Maringá e Especialista em Mídias na Educação, pela Universidade Estadual Centro-Oeste. Docente do quadro próprio do Estado do Paraná. E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 5893 Introdução Ao ingressar na graduação do curso de artes cênicas, tinha a necessidade de compreender o fazer teatral, objetivo que se tornou constante em minha formação polivalente que trata com superficialidade este tema. A insegurança já não é mais a mesma, eu avancei, me sinto mais preparada para enfrentar meus medos, sim, tenho a certeza que não ficarei mais julgando a mim mesma, sobre o que acreditava não ser capaz de realizar, simplesmente por acreditar que teatro não é um mero fazer o que quiser e “decorar” o texto para representação. Agora, faço de minha prática uma vivência para aprender constantemente, junto aos alunos. Ao estudar o teatro didático de Brecht, percebi que era mito, a necessidade de se pensar sempre em produção e apresentação da peça teatral que se ensaia, o ensinamento me fez perceber que o Teatro deve e pode ser articulado com propósitos que desencadeiem reflexões sobre o mundo que nos cerca. É muito mais sábio que pensamos, porém, depende de quem orienta, e das intenções que se buscam almejar através do teatro, refutando, ele não é a cura para os males da sociedade, não é a salvação de uma juventude, mas com certeza desenvolve uma sensibilidade cognitiva, “demonstrando que o valor educacional reside na sua natureza intrínseca, sem precisar de outras justificativas” (KOUDELA, 2006, p.10). Algumas vezes não percebemos o quanto ou o como o aluno percebe as questões éticas, morais e culturais da sociedade que nele está inserido, mas foi possível na prática conhecer um pouco mais desse aluno, que muitas vezes é julgado por nossos colegas como “incapaz” de aprender. Na verdade buscamos apenas que sejam capazes de fazer cálculos e que saibam ler e escrever, enfim que “memorizem” tudo que a história da humanidade acumulou. Precisamos repensar sobre o ensino, sobre a aprendizagem, estamos no limite, onde os alunos não tem encontrado sentido para a educação que tem sido oferecida. É preciso no lugar de enfatizar o produto final, os professores deem maior importância ao processo. Hoje nos deparamos com indivíduos que tem vasto acesso a uma gama de informação e ao conhecimento, mas que não sabem fazer proveito desse imediatismo. Os graduandos que iniciam a vida acadêmica parecem estar sem estímulo, talvez, porque não foi lhe dado à oportunidade de expor seu pensamento, de refletir sobre si e seu papel na sociedade. Destarte, penso que de forma educativa, o teatro pode sim, ensinar brincando, precisamos desmistificar esse conceito que não se pode aprender e ensinar através da espontaneidade, do lúdico e do prazeroso, a ideia deve ser repensada dentro do sistema educacional. De acordo com Koudela (2006), o Teatro-Educação vê a criança como um 5894 organismo em desenvolvimento, cujas potencialidades se realizam desde que seja permitido a ela desenvolver-se em um ambiente aberto à experiência. O objetivo é a livre expressão da imaginação criativa. Na visão tradicional, o teatro tinha apenas função de preparar o espetáculo, não cuidando de formar o indivíduo. Os argumentos enunciados incitaram a prática teatral visando os questionamentos: Se é no ensino básico que construímos os alicerces dos rumos que serão traçados pelo indivíduo, se o contato da criança e do jovem com o conhecimento depende do nível de credibilidade e confiança que o professor conquista pela coerência de suas atitudes em relação às falas, poderei através do teatro provocar estímulos para o desejo de aprender? A ação poderá ser mais convincente que o discurso? Como acreditar que a matemática seja mais importante que o teatro, a música, a dança ou a arte visual? Para dar aporte teórico à proposta de fundamentação e verificação da prática teatral, os estudos terão base nas teorias de Anatol Rosenfeld (1912 –1973) crítico e teórico do teatro, Ingrid Dormien Koudela (1948) estudiosa da didática do teatro e do sistema dos jogos teatrais, Viola Spolin (1906 –1994) teórica do jogo teatral e improvisação, e Peter Slade (1912 –2004) estudioso do teatro para criança. Num enfoque da pedagogia histórico-crítica, para delinear uma metodologia dialética no processo educativo. Justificativa O teatro é uma manifestação que acompanha o homem desde os primórdios, no sentido de ser uma manifestação que exterioriza a subjetividade. Como está presente na transformação da sociedade, o teatro está relacionado à vida do cotidiano do aluno, nesta perspectiva nosso estudo pode ser associado à Pedagogia Histórico-Crítica uma vez que problematiza seu entorno através de várias dimensões: social, política, histórica, conceitual, religiosa, entre outras, causando reflexões pertinentes à prática social do mesmo. De acordo com Fusari e Ferraz (2001, p. 73), “[...] o professor precisa descobrir quais são os interesses, vivências, linguagens, modos de conhecimento e práticas de vida de seus alunos.” O teatro pode ser uma opção metodológica na área educacional, quando se pensa em proporcionar ao aluno, valores conceituais essenciais para a formação de um bem-intencionado cidadão, prevalecendo à liberdade de pensamento, conhecimento de si e do todo, da criatividade, vivacidade e principalmente de criticidade. 5895 Estamos permeando pela crise pós-moderna, que valoriza um ser individualista, que se encontra num sistema capitalista, que ilude dando a sensação de liberdade pela aquisição de bens, nessa acepção, o teatro, mais especificamente a peça didática, poderá alentar a educação em uma dimensão objetiva em relação aos proponentes das Diretrizes Curriculares da Educação Básica, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, na disciplina de Arte, onde pretende que os alunos adquiram conhecimentos sobre a diversidade de pensamento e de criação artística para expandir sua capacidade de criação e desenvolver o pensamento crítico (PARANÁ, 2008, p.52). Pensando dessa forma, o teatro tem a contribuir para que possamos desenvolver ações no intuito de fornecer aos alunos, não somente habilidades, conhecimento e valores exclusivos da área artística, mas uma formação integral. A pedagogia histórico-crítica e o teatro épico no espaço escolar Demerval Saviani, estudioso da Pedagogia Histórico-Crítica busca transformar a escola de modo, que seja contextualizada com a realidade local, para assim atingir as camadas populares, lutando contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino. Diante do exposto, a peça teatral pode causar a discussão que levará ao saber erudito, uma vez que este é necessário “para expressar de forma elaborada os conteúdos da cultura popular” (SAVIANI, 2008, p.93). Para Saviani (2008, p. 93), “[...] o que caracteriza o homem é o fato dele precisar continuamente produzir sua existência”. Sobre o Teatro Épico, Rosenfeld esclarece: O termo “teatro épico” vem sendo usado desde a década de 1920, depois de ter sido introduzido pelo diretor teatral Erwin Piscator (1893-1966) e por Bertolt Brecht (1898-1956). A palavra “épico” é usada na sua acepção técnica, significando “narrativo”, que não deve ser confundida com a acepção popular, mais ou menos sinônima de “epopeia”, poema heroico extenso, por exemplo, a Ilíada ou Os Lusíadas. O termo “épico” refere-se a um gênero literário que abrange todas as espécies narrativas, ao lado da epopeia, do romance, da novela, do conto etc. (2012, p.27). No espaço escolar, o diálogo com os discentes em relação às atividades, sempre foi clara, no que diz respeito às expectativas por eles anunciados, como por exemplo, se teriam, que apresentar para um público, alguma peça teatral, ou, se teriam que decorar textos. Esclareci que o objetivo deste projeto era a preparação do corpo de ator-espectador e do 5896 entendimento de sua subjetividade e singularidade, contextualizando e compreendendo o teatro épico na sistematização de Bertolt Brecht. De acordo com Koudela (2010), para Brecht a peça didática, pertence à poética do Teatro Épico Dialético, e busca palcos alternativos, com a intenção de romper a atitude passiva do espectador, do consumidor de arte, foi concebida com o intuito de interferir na organização social do trabalho. Conforme Rosenfeld, o que Brecht pretende é elevar a emoção ao raciocínio e afirma: [...] a intenção de apresentar um ‘palco científico’ capaz de esclarecer o público sobre a sociedade e a necessidade de transformá-la; capaz ao mesmo tempo de ativar o público, de nele suscitar a ação transformadora. O fim didático exige que seja eliminada a ilusão, o impacto mágico burguês. Esse êxtase, essa intensa identificação emocional que leva o público a esquecer-se de tudo, afigura-se a Brecht como uma das consequências principais da teoria da catarse, da purgação e descarga das emoções através das próprias emoções suscitadas. O público assim purificado sai do teatro satisfeito, convenientemente conformado, passivo, encampado no sentido da ideologia burguesa e incapaz de uma ideia rebelde (ROSENFELD, 2011, p.141). A peça didática ensina quando nela atuamos, e em princípio não há necessidade de plateia, embora ela possa ser utilizada, tal posicionamento revela semelhança com relação aos jogos teatrais, onde o aluno é ator-espectador em suas atuações e reflexões críticas, de quem faz e de quem assiste. Enfocamos nosso plano de trabalho na pedagogia Histórico-Crítica, por propiciar referencial à teoria dialética do conhecimento, para fundamentar, que o conhecimento se constrói a partir da base material, ou seja, da prática social dos homens e dos processos de transformação da natureza por eles forjados, além, das organizações culturais, políticas, econômicas entre outras, que também são expressões que interferem na construção dos conhecimentos, portanto, é a existência social dos homens que gera o conhecimento, pois este resulta do trabalho humano, no processo histórico de transformação do mundo e da sociedade, através da reflexão sobre esse processo. Nesse sentido, um dos objetivos verificou a concepção que o aluno tem sobre o conceito de teatro e sua vivência no fazer teatral, com a finalidade de trazer para a sala de aula as experiências que o educando já possui sobre o conteúdo a ser trabalhado e evidenciando um vínculo com a realidade. Através dos relatos, chegamos à definição que os alunos dispõem de pouquíssimo contato com o teatro, enquanto ator e/ou espectador, e com o fazer teatral, o que na verdade, 5897 não foi nenhuma novidade nesse aspecto, pois, se verificarmos a história da graduação de arte, na formação para licenciatura, que prepara para uma educação polivalente e com lacunas na prática docente, não poderia se esperar resultados satisfatórios. O que muito me chamou a atenção foi à crença, por grande parte do grupo, em acreditar, que todos podem ser atores, mesmo que a justificativa ainda seja pela concepção de treino e memória para decorar as falas da peça teatral, como é possível verificar nas falas dos alunos, ao relatarem ter participado de peça teatral no fundamental I, mas a professora distribuía as falas e eles memorizavam e apresentavam a peça. O que demonstra, mais uma vez, que a aplicabilidade do teatro acontece de forma equivocada, senão errada, visando um teatro vazio, o viés do fazer pelo fazer, sem procurar trabalhar o aluno como uma pessoa inteira, com sua afetividade, suas percepções, sua expressão, seus sentidos, sua crítica e sua criatividade. Num segundo momento, dialogamos brevemente sobre o princípio e a origem do teatro, na sequência foi apresentado um pequeno vídeo sobre o teatro épico e a proposta do rompimento da quarta parede (teoria do afastamento) de Bertolt Brecht, para instigar a curiosidade sobre o dramaturgo e uma posterior pesquisa, no que se refere à época em que viveu, buscando acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais. Para depois mediarmos às relações dos conhecimentos espontâneos com os científicos, discutindo o sentido e a intenção de Brecht com a peça didática (Lehrstücke). Comparamos a alienação e a estagnação do indivíduo, com o desenho de animação Rio, suas implicações no que diz respeito à sociedade brasileira e a busca da teoria de Brecht, para que compreendessem os conceitos ligados a teoria da peça didática (período de 19291956). O jogo teatral na educação O projeto de estágio vivenciou os jogos teatrais, visando o aprendizado da linguagem teatral para possibilitar o desenvolvimento da sensibilidade, percepção e conhecimento das especificidades cognitivas ligadas à prática da improvisação. Para tanto, faz-se necessário esclarecer, que os jogos teatrais são ações lúdicas com regras claras. Para compreendermos a diferença entre o jogo teatral e o jogo dramático, vamos seguir a linha conceitual de Peter Slade, para ele o jogo dramático é vital para a vida dos educandos, e reforça que não é uma atividade de ócio. Para seu melhor entendimento vamos 5898 nos reportar a origem da palavra drama, termo que vem do grego e significa “eu faço, eu luto” (SLADE, 1978, p.18), neste todos são fazedores da situação imaginária, tanto ator como público, ou seja, todos são atores, enquanto no jogo teatral, o grupo de sujeitos que joga se alternam entre jogadores e observadores. No drama a criança descobre a vida e a si mesma através de tentativas emocionais e físicas, o valor máximo da atividade é a espontaneidade, a ser atingida através da absorção e sinceridade durante a realização do jogo. A diferença de Spolin no theater game para o drama, reside na relação com o corpo, o puro fantasiar do jogo dramático é substituído, no processo de aprendizagem com o jogo teatral, por meio da representação corporal consciente. De acordo com Japiassu (2001, p.19), “na ontogênese, o jogo dramático (faz de conta) antecede o jogo teatral. Essa passagem do jogo dramático ao jogo teatral, ao longo do desenvolvimento cognitivo e cultural do sujeito, pode ser explicada como”: Uma transição muito gradativa, que envolve o problema de tornar manifesto o gesto espontâneo e depois levar a criança à decodificação do seu significado, até que ela utilize conscientemente, para estabelecer o processo de comunicação com a plateia (JAPIASSU, 2001, p. 19). Retomando as intervenções no âmbito escolar, trabalhamos com a pretensão de explorarmos a metodologia dos jogos teatrais a fim de articular um ambiente de aprendizagem, onde seja primordial um clima de confiança, de respeito às diferenças e as reflexões. Os jogos teatrais foram originalmente desenvolvidos por Viola Spolin para ensinar técnicas teatrais para jovens estudantes, escritores, diretores e técnicos, sem se constituírem em lições de como fazer. Por meio do jogo e de soluções de problemas, técnicas teatrais, disciplinas e convenções absorvidas organicamente, naturalmente e sem esforço pelos alunos. Jogos teatrais são ao mesmo tempo um simples divertimento e exercícios teatrais que transcendem ambas as disciplinas para formar a base de uma abordagem alternativa para o ensino/aprendizagem (SPOLIN, 2006, p. 20). Segundo Spolin (2006), através dos jogos teatrais, a mágica do teatro invade a sala de aula, traz o prazer e a disciplina, pois, todos podem jogar! Todos podem aprender por meio do jogo. Os jogos teatrais permitiram que os alunos experimentassem o fazer teatral, no momento em que executavam os jogos, a apreciação e a compreensão estética da linguagem cênica foi desenvolvida quando assistiram a outros jogarem e a contextualização histórica de 5899 seus enunciados estéticos ocorreu durante a avaliação coletiva quando também fazem análise de si mesmo. Apresentaremos um dos jogos realizados, para explanar alguns aspectos que evidenciam a estrutura essencial do desenvolvimento dos jogos teatrais. Aquecimento – Jogo das palavras. Formação em círculo, utilizar o foco do jogo ‘olhar’, porém acrescentando uma palavra que tenha sentido, uma relação lógica com a palavra falada anteriormente. Atenção, utilizar substantivos. Jogo teatral (Figura 1) – Jogo de bola (A9) Foco: Manter a bola no espaço e não na cabeça. Descrição: Dividir o grupo em dois times – jogador e plateia. Depois inverta as posições. Cada jogador começa a jogar a bola contra uma parede, as bolas são imaginárias, feitas substância no espaço. Quando os jogadores estiverem todos em movimento, a instrução deverá mudar a velocidade com a qual as bolas são jogadas. Instrução: Modifique a velocidade da fala para combinar com a instrução. Se a bola está lenta: a bola está se movendo muito lentamente. Pegue a bola em câmara muito lenta. Agora a bola se move normalmente. Use o corpo todo para jogar a bola. Mantenha o seu olho na bola. Agora muito rápido. Jogue a bola o mais rápido que quanto puder. Normal de novo. Agora novamente em câmara muito lenta. Dê o tempo para que a bola percorra o espaço. Veja o caminho que a bola percorre o espaço. Muito bem. Agora em ritmo normal novamente. Avaliação: Jogadores: A bola estava no espaço ou em suas cabeças? Plateia: Vocês concordam com os jogadores? A bola estava nas suas cabeças ou no espaço? Jogadores: Vocês viram o caminho que a bola percorreu no espaço? Plateia: Vocês concordam? 5900 Figura 1 – Jogo de bola (A9) Prática com os alunos do ensino fundamental II Fonte: Portfólio pesquisador Por meio do envolvimento criado pela relação de jogo, o participante desenvolve liberdade pessoal dentro do limite de regras estabelecidas e cria técnicas e habilidades pessoais necessárias para o jogo. À medida que interioriza essas habilidades e essa liberdade, ela se transforma em um jogador criativo. Para tal, é imprescindível compreender alguns elementos que permeiam o jogo teatral. De acordo com Koudela (2006, p.46), “o termo Foco equivale a ponto de concentração do ator, o nível de concentração é determinado pelo envolvimento com o problema a ser solucionado”. Complementando o pensamento de Koudela: 5901 No início, o Foco pode ser a simples manipulação de um copo, uma corda ou uma porta. Ele se torna mais complexo na medida em que os problemas de atuação progridem e com isso o aluno será eventualmente levado a explorar o personagem, a emoção e eventos mais complexos. Esta focalização no detalhe dentro da complexidade da forma artística, como no jogo, cria a verdadeira atuação através da eliminação do medo da aprovação/desaprovação. A partir do Foco aparecem as técnicas de ensino, direção, representação e improvisação de cena. Na medida em que cada detalhe é desdobrado, torna-se um passo em direção a um novo todo integrado tanto para a estrutura total do indivíduo como para a estrutura do teatro. Trabalhando intensamente com partes, o grupo também estará trabalhando com o todo, o qual naturalmente é formado por partes (KOUDELA, 2006, p.47). A Instrução é vital para o jogo, para Spolin (2006, p.30), “se dá por meio do enunciado de uma palavra ou frase que faz com que os jogadores se atenham ao FOCO (Veja a bola!) [...] Durante o jogo, a instrução [...] torna-se os olhos e ouvidos dos jogadores”. A regra que inicialmente estabelece o parâmetro vai perdendo gradativamente a rigidez. A instrução deve conduzir o processo teatral, libertando pensamentos e emoções ocultas, sem interromper diálogo e ação. A instrução permite que o professor tenha a oportunidade de participar do jogo. Jogos teatrais não são lições! Ninguém sabe o que vai acontecer! A instrução deve ser dada com voz clara e conduzir os jogadores, eliminando as distrações. [...] A instrução busca intensificar o jogo até o auge de energia e percepção dos jogadores – um passo para a ruptura. Evite imagens (Imagine ou Faça de conta) ao dar instruções. A sugestão de imagens (Seria assim ou assado) impõe pensamentos passados para aquilo que está acontecendo aqui/agora e aniquila a experiência de cada um e de todos. (SPOLIN, 2006, p.31). E o último elemento essencial é a Avaliação, segundo Spolin (2006), a avaliação não é crítica. A avaliação também tem alicerce no Foco, que se restabelece por meio de questões dirigidas para os jogadores atuantes como os jogadores na plateia. A avaliação verdadeira, que está baseada no problema (FOCO) a ser solucionado, elimina críticas e julgamento de valores e dissolve a necessidade de o professor/jogador e/ou jogador/aluno dominar, controlar, fazer preleções e/ou ensinamentos. Está interação e discussão objetiva entre jogadores e grupo de jogadores desenvolvem confiança mútua. Forma-se um grupo de parceiros e todos estão livres para assumir responsabilidade pela sua parte do todo, jogando (SPOLIN, 2006, p.33). A partir do discurso descrito sobre a sistematização do ensino mediado pelo jogo teatral, percebemos que o mesmo, permite trazer o espaço do teatro como conteúdo importante em si na formação do educando. Quanto à menção ao teatro épico, direcionamos a narrativa percorrida por meio do jogo teatral (Figura 2 e figura 3), criando representações em grupos, com o jogo: De onde 5902 estou vindo? Onde a narração acontecia na terceira pessoa, através da observação atenta e das perguntas: Onde? O que? Quem? Figura 2 – Jogo: De onde estou vindo? Prática com alunos do ensino fundamental II Fonte: Portfólio do pesquisador Figura 3 – Jogo: De onde estou vindo? Prática com alunos do ensino fundamental II Fonte: Portfólio do pesquisador 5903 O intuito do jogo é o gênero épico, através da observação e movimentação dos corpos, “narrar o mundo objetivo, com suas paisagens, cidades e personagens, emancipando-se em larga medida da subjetividade do narrador” (ROSENFELD, 2011, p. 24). Para Rosenfeld (2011), o narrador não exprime os próprios estados da alma, mas narra os de outros seres, o traço fundamental na narração é o desenvolvimento em sujeito (narrador) e objeto (mundo narrado). O narrador apenas ilustra como esses personagens se comportaram, sem que passe a transformar-se neles. O texto teatral da peça didática Escolhemos para leitura e análise a peça teatral, Aquele que diz sim, aquele que diz não, de Bertolt Brecht. Foi entregue aos educandos apenas o texto “Aquele que diz sim”. A leitura foi realizada em dupla e foi solicitado que discutissem o que entenderam sobre o discurso da peça, e em seguida registrassem a sua opinião, inicialmente respondendo a estas indagações: Onde se passa a história? Quem são os personagens? O que acontece na história? Antes de debater as questões, perguntei o que eles acharam da peça teatral, um percentual razoável, não apreciou o final da história, a fala dos discentes foi: não gostei! O final não poderia ser mais infeliz; outros se pudessem mudariam o final, de modo que tivesse um “the end” onde o filho conseguisse trazer o remédio para curar a mãe; outros comentaram que acharam a história “nada a ver”, não tinha sentido. Alguns poucos alunos logo após terminarem a leitura, averiguaram se a história tinha continuidade. As argumentações e as descobertas do texto foram surpreendentes, os alunos que não participaram com tanta empolgação na dialética, foram indagados por mim, sobre as regras expostas no texto teatral: para que servem? Devem ser seguidas? Por quê? Com o objetivo de despertar sua capacidade adormecida por uma educação depositária, pois acredito muito no potencial dos educandos, mas devo confessar que por vezes me impressiono com a passividade que se encontram. Razão para que seja urgente repensarmos sobre a educação. No que diz respeito à peça de Brecht, percebemos que sua genialidade está na sua atemporalidade (no sentido que pode se aprender com ele), e como nossos alunos são sensíveis quando orientados a reflexões, onde sua opinião é relevante para o desenvolvimento do grupo. 5904 Há de se pensar que “da reprodução de ações e atitudes associais também pode se esperar efeito educacional” (Brecht apud KOUDELA, 2008, p. 19), é maravilhoso. Considerações finais A escola enquanto instituição/espaço construtivo é potencialmente necessária à ampliação do conhecimento e das diversas leituras prováveis de mundo, porém hoje, a não mais educação Artística e nem mesmo Arte-Educação, e sim o Ensino de Arte, apesar das mudanças na nomenclatura e na perspectiva metodológica, mantém-se em discussão, buscando não só a manutenção e a garantia do seu reconhecimento, seu espaço e sua vigência no currículo escolar brasileiro, como também, e de forma incisiva, a sua sobrevivência e desenvoltura na prática escolar. Em se tratando de arte, especificamente seu ensino escolar, sabe-se que ainda deixa a desejar, como afirma Biasoli (1999, p.86): Como é sabido e comprovado, a educação artística nas escolas não vai nada bem, visto que é tida e trabalhada como uma disciplina de ações polivalentes, embora não exista nenhuma orientação legal que a caracteriza como tal. Essa pulverização de tópicos de técnicas para a realização de ‘produtos’ artísticos empobrece, sem dúvida, o verdadeiro sentido da arte. Essa é uma leitura generalizada, porém coberta de razões quando ainda se vê no Brasil, em pleno século XXI, aulas de arte para se colorir desenhos e professoras tentando ensinar arte, sem o mínimo de conhecimento, sem a formação específica/habilitação em artes. A educação dramática é pedocêntrica, conforme Courtney (2010), ela se inicia com a criança e, afirma-se por aquilo que é – não como uma miniatura ou imitação do adulto como no século XVIII – reconhece que a criança é o que é, e que sua imaginação criativa é dramática por natureza. Podemos perceber em nosso cotidiano, ele está repleto de momentos teatrais, onde desenvolvemos ações para nós mesmos e para os outros, em um determinado tempo e espaço, com o objetivo de comunicar desejos, sentimentos e emoções, e de transmitir informações e vivenciar experiências. Os momentos teatrais podem ser de muitos tipos, desde simples e corriqueiras expressões de desejo humano até uma peça teatral organizada. No ambiente escolar, identifica-se nitidamente momentos teatrais dos alunos, como por exemplo, durante sua entrada na sala de aula, ao toque da campainha que avisa para o começo da aula, e nas demais ações que percorrem a rotina escolar, neste instante, vivencia-se 5905 um momento cênico. A própria sala de aula é um verdadeiro espaço para a expressão humana (pelo menos deveria ser), logo um espaço cênico, as paredes da sala de aula muitas vezes, tem cartazes relacionados aos conteúdos escolares, Brecht usou o cartaz como recurso cênico, no seu teatro didático, assim como o professor também o faz, tornando em um espetáculo vivo. Virá então a pergunta: qual será a razão para que, em pleno século XXI, escolas ainda sejam reticentes as atividades escolares que envolvam o teatro? Uma possível resposta para essa questão é o fato de não somente o teatro, mas a arte em geral, ainda serem vistos como uma atividade de lazer ou um mero entretenimento sem maiores consequências. Diante do projeto executado, e do exposto, compreendemos que o sistema de jogos teatrais e da concepção de um teatro didático, tem muito a contribuir para o ensino e para a aprendizagem. Como afirma Courtney (2010, p.57): A Educação dramática é o modo de encarar a educação como um todo. Ela admite que a imaginação dramática é a parte vital do desenvolvimento humano, e assim a promove e a auxilia a crescer. Solicita-nos que examinemos todo o sistema educacional – os currículos, os programas, os métodos, e as filosofias pelas quais estas se desenvolvem. [...] a Educação Dramática é a base de toda educação centrada na criança. É o caminho pelo qual o processo de vida se desenvolve e, sem ela, o homem é apenas um mero primata superior. Concluímos que a escola, a qual oportuniza uma vivência teatral aos alunos proporciona, acima de tudo, um aprendizado humano, em que o indivíduo, pela prática da representação, expõe-se e confronta seu mundo com o mundo que o rodeia. Na escola, o teatro não tem por objetivo profissionalizar o ator, mas oportunizar a vivência dessa linguagem artística, para que possa conhecê-la e ter subsídios suficientes para integrá-la a seu universo cultural. REFERÊNCIAS BIASOLI, Carmen Lúcia Abadie. A formação do professor de arte: do ensaio... à encenação. 3. ed. Campinas, SP: Papirus, 1999. COURTNEY, Richard. Jogo, teatro & pensamento. 4. ed. – São Paulo: Perspectiva, 2010. FUSARI, Maria F. de Rezende & FERRAZ, Maria Heloísa C. de Toledo. Arte na educação escolar. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino de teatro. Campinas, SP: Papirus, 2001. 5906 KOUDELA, Ingrid Dormien. Texto e jogo. São Paulo: Perspectiva, 2008. KOUDELA, Ingrid Dormien. Brecht: um jogo de aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010. KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2006. PARANÁ, Secretária de Estado da Educação do. Diretrizes curriculares de arte da educação básica. Departamento de educação básica. Curitiba, 2008. ROSENFELD, Anatol. Brecht e o teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2012. ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2011. SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica. 10. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978. SPOLIN, Viola. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin. São Paulo: Perspectiva, 2006.