Eritema Nodoso na criança

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PROTOCOLO
Eritema Nodoso na criança
Introdução
O eritema nodoso (EN) é uma doença relativamente rara, com prevalência de 24 por
cada 100.000 habitantes. Manifesta-se em qualquer idade, sendo mais frequente entre
a 2ª e 4ª décadas da vida. Na criança afeta por igual ambos os sexos.
Etiopatogenia
Processo inflamatório da gordura dos septos do tecido celular subcutâneo (paniculite
septal), resultante de reação de hipersensibilidade de tipo IV. É desencadeado por
uma grande variedade de estímulos, infeciosos e não infeciosos (Tabela I).
Histologia: paniculite septal, com infiltrado inflamatório neutrofílico envolvendo os
septos do tecido celular subcutâneo mas poupando os lóbulos, e sem evidência de
vasculite.
Tabela I: Etiologias do EN em todas as idades (todas % são referidas a idade pediátrica)
Etiologias – em todas as idades


Infeciosas: Streptococcus ß-hemolítico do grupo A (EβHGA)
(23,8%),; infeções gastrointestinais (Yersínia enterocolítica,
Salmonella spp, etc.) (11,1%),; Mycoplasma pneumoniae,
Chlamydia spp, Mycobacterium tuberculosis (6,3%), micobactérias
atípicas e outras infeções: Bartonella henselae, Brucella spp, vírus
da hepatite B e C, vírus Epstein-Barr (3,7%), vírus herpes simplex,
fungos, etc.
Fármacos: cefalosporinas, penicilina, amoxicilina, macrólidos,
sulfamidas, contracetivos orais, paracetamol, AINEs, omeprazol,
etc.
Idade
pediátrica *
57,8%
0,5%

Doenças inflamatórias crónicas: doença inflamatória intestinal
crónica (6,9%), doença Behçet (2,6%), sarcoidose, lúpus
eritematoso sistémico, vasculites, etc.

Gravidez

Doenças malignas: leucemias, linfomas, carcinomas vários, etc.
0,5%

Idiopático.
29,6%
* % calculadas com base em metanálise de 6 casuísticas, num total de 189 crianças
11,6%
-
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Clínica
O EN é caracterizado pelo aparecimento súbito de vários nódulos subcutâneos,
eritematosos e brilhantes, quentes e dolorosos, localizados bilateralmente nas
superfícies pré-tibiais. Ocasionalmente podem surgir noutras localizações, mais nos
antebraços.
Os nódulos medem de 1 a 5 cm de maior diâmetro ou mais, aumentam de tamanho
durante uns dias, podendo confluir em placas, estabilizam durante 1 a 2 semanas,
para depois regredirem espontaneamente em 3 a 8 semanas. Na fase de resolução
adotam um aspeto equimótico, deixando depois uma hiperpigmentação residual que
poderá persistir mais alguns meses.
Os nódulos nunca ulceram nem evoluem para cicatriz ou atrofia da pele.
Até à resolução clínica, e durante algumas semanas, poderão ocorrer surtos de novas
lesões.
Muitos dos doentes com EN apresentam febre, poliartralgias com ou sem artrite,
mialgias, etc.
Diagnóstico:
O diagnóstico de EN é clínico (Quadro I), servindo os exames complementares para:
a) Excluir os diagnósticos diferenciais;
b) Identificar a etiologia da doença subjacente ao EN.
Quadro I: Critérios clínicos de diagnóstico do EN

1) Nódulos ou placas dolorosas, eritematosas ou violáceos, brilhantes
de diâmetro superior ou igual a 1 cm, com bordos irregulares e mal
definidos;

2) Lesões bilaterais e localizadas nas faces anteriores das pernas,
podendo ou não envolver outras áreas cutâneas;

3) Lesões de aparecimento súbito, com duração inferior a 8 semanas;

4) Resolução sem ulcerações ou cicatrizes (de valorização
retrospetiva).
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Diagnóstico diferencial
São várias as situações que exigem diagnóstico diferencial com o EN (Tabela II).
Obrigam à procura de outra etiologia:
a) Localização atípica dos nódulos, com ausência nas faces anteriores das pernas ou
distribuição unilateral;
b) Ulceração das lesões ou evolução para cicatriz ou atrofia da pele.
Tabela II: Principais diagnósticos diferenciais do EN na criança
Diagnósticos
diferenciais
Caracterização clínica e exames complementares de
diagnósticos mais relevantes
Prurigo estrófulus
Lesões recorrentes nas superfícies expostas, muito
pruriginosas; a lesão central sugere picada de inseto;
Celulite infecciosa
Em regra é unilateral;
Granuloma anular
Comum; de etiologia indeterminada; em geral surge entre
os 3 e os 6 anos de idade; são placas e/ou nódulos, em
pequeno número, com alguma mobilidade, e não são
dolorosos;
Eritema indurado de
Bazin (vasculite nodular)
Nódulos violáceos recorrentes e dolorosos, localizados
nas faces posteriores das pernas, podendo contudo ter
outras localizações; podem ulcerar; é frequente ter
subjacente a tuberculose. Histologia: paniculite lobular
com vasculite;
Paniculite WeberChristian
Paniculite nodular dolorosa recorrente; em regra
associado a sintomas sistémicos associados (febre,
artralgias, hépato-esplenomegália, etc.). Histologia:
paniculite lobular com infiltrado neutrofílico;
Paniculite pós esteróides
Raro; surge dentro de 1 a 10 dias após a suspensão
rápida de doses elevadas e prolongadas de corticóides
orais ou intravenosos; não respeita a localização típica do
EN;
Paniculites físicas
Raras; cursam com nódulos não dolorosos, assimétricos
e/ou unilaterais; surgem nas áreas expostas a frio intenso
ou em zonas previamente sujeitas a traumatismos;
Paniculites infeciosas
(bacterianas, fúngicas,
Raras; por infeção direta ou por via hematogénea do
tecido celular subcutâneo; considerar etiologia bacteriana
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micobactérias atípicas ou
Mycobacterium
tuberculosis)
se febre e sinais sugestivos de sépsis; as lesões podem
ulcerar.
Poliarterite nodosa
cutânea
Rara; nódulos dolorosos associados a livedo reticularis,
febre, artrite e leucocitose. Histologia: vasculite
neutrofílica envolvendo uma arteríola com necrose lobular
da gordura subcutânea; evolução crónica/recorrente
Paniculites associadas às
conectivites – por
exemplo paniculite lúpica,
dermatomiosite, etc.
Em geral existem outros sinais e/ou manifestações
laboratoriais de uma das conectivites subjacentes - lúpus
eritematoso sistémico (LES) ou dermatomiosite juvenil
(DMJ); poderá ser a manifestação inaugural de LES ou de
DMJ; são lesões assimétricas não dolorosas, que podem
ulcerar e cuja distribuição não respeita a face anterior das
pernas como no EN. Histologia: paniculite lobular com
necrose hialina;
Paniculite da doença de
Behçet
Aftose oral recorrente em 98% dos doentes; histologia:
paniculite septal ou mista (septal e lobular) com vasculite;
Défice de α1-antitripisina
Nódulos recorrentes e dolorosos, localizados no tronco ou
nas extremidades, frequentemente ulcerados, que podem
simular a celulite bacteriana. Histologia: paniculite lobular
sem vasculite, circundado por hemorragia periférica. A
diminuição do valor sérico da α1-antitripisina confirma o
diagnóstico
Paniculite lipoatrófica (ou
lipofágica)
Raro e não tem a distribuição típica do EN. Verifica-se a
perda do tecido celular subcutâneo com hiperpigmentação
secundária, precedida ou não por paniculite clínica.
Histologia: paniculite panlobular com histiócitos lipofágicos
e com células gigantes;
Histologia semelhante à dos nódulos reumatóides ou
paniculite septal e lobular sem vasculite; na mostra
tuberculose mostra uma paniculite lobular granulomatosa
com vasculite.
Investigação laboratorial
Sendo numerosas as etiologias do EN, justifica-se uma abordagem racional e
sequencial nos exames complementares a realizar, com base na clínica (ver
algoritmo).
No EN pós infeção por EβHGA, as lesões surgem 2 a 4 semanas após a infeção
faríngea, e acompanham-se da elevação dos títulos de anti-estreptolisina A (TASO)
e/ou de anti-DNAse B. Outras localizações possíveis da infeção por EβHGA - impétigo,
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celulite, intértrigo do períneo, vulvo-vaginite, infeção perianal ou balânica – devem ser
sempre procuradas, com realização de teste rápido e/ou cultura das secreções se
alterações sugestivas.
Embora a tuberculose seja atualmente uma etiologia pouco frequente de EN, deverá
ser sistematicamente investigada.
Poderá justificar-se biópsia dum nódulo nos EN atípicos ou perante lesões ulceradas
/cicatriciais, prolongadas (superior a 8 semanas) ou recorrentes (ver algoritmo).
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Algoritmo de Diagnóstico
Nódulos ou placas subcutâneos, de aparecimento súbito
Cumpre critérios clínicos de diagnóstico de EN?
1) Nódulos ou placas dolorosas, eritematosas ou violáceos, brilhantes de
diâmetro superior ou igual a 1 cm, com bordos irregulares e mal definidos;
2) Lesões bilaterais e localizadas nas faces anteriores das pernas, podendo ou
não envolver outras áreas cutâneas;
3) Lesões de aparecimento súbito, com duração inferior a 8 semanas;
4) Resolução sem ulcerações ou cicatrizes (a valorizar retrospetivamente).
Sim
Não
Investigação etiológica

Teste rápido e/ou cultura de Streptococcus
pyogenes na orofaringe (mesmo se assintomático)
e noutras localizações se exame objetivo sugestivo

Doseamento dos títulos de TASO e de antiDNAse B
(a repetir dentro de 2 a 4 semanas)

Radiografia do tórax

Teste de Mantoux

Hemograma, VS, PCR, enzimas hepáticas e
sumária de urina
Diagnóstico diferencial
(considerar biópsia duma lesão)
A considerar consoante a clínica:
Reforço da investigação

Doseamento de Quantiferon – se fatores de risco
para tuberculose
etiológica

Coprocultura – se queixas digestivas

Serologias para Mycoplasma pneumoniae e
Chlamydia pneumoniae – se queixas respiratórias

Considerar investigar D. Inflamat. Intest. Crónica

Doseamento de SACE – se suspeita de sarcoidose
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EN prolongado e/ou recorrente
Tratamento
O tratamento específico do EN é o da doença de base, quando identificada.
O tratamento do EN em si é sintomático, com repouso e elevação dos membros
inferiores nos períodos mais sintomáticos, analgésicos e /ou anti-inflamatórios não
esteróides.
Prognóstico
A maioria dos casos de EN dura menos de 8 semanas, tendo em regra auto-resolução
sem complicações.
Cerca de 9% dos casos pediátricos terão pelo menos um segundo episódio,
geralmente nos primeiros 12 meses. Pela maior incidência de doenças crónicas,
nestes casos justifica-se maior reforço na investigação etiológica.
Autores: Rodolfo Casaleiro, Ester Pereira, Paula Estanqueiro, Manuel Salgado
(criado e revisto em 14.05.2013)
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