Regina e Marcelo Um Dueto de Amor

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Regina e Marcelo
Um Dueto de Amor
a soprano portuguesa que foi
primeira-dama da argentina
Ana María Cabrera
Capítulo 1
Passava da meia-noite. Ouvia-se o riso de María Adelaida.
O melhor da boémia de Lisboa estava no apartamento da atriz
do Teatro Gymnasio. Recitaram-se sonetos e cantou-se à luz
das velas alguns fados, os poemas mais bonitos de toda a música
portuguesa.
– Sabem qual foi o último escândalo de Portugal? – perguntou
UMCONHECIDOJORNALISTA
– E o que aconteceu em Paris? – acrescentou mais tarde uma
exuberante poetisa.
Da varanda do primeiro andar o luar banhava a rua do
Loreto. «Una furtiva lacrima/… M’ama si, lo vedo, lo vedo…»
!ÕRIADEO Elixir do Amor chegou ao terceiro andar. Estava ali a
ser feito um parto. Os gemidos da mulher eram acompanhados
pela ópera de Donizetti até serem interrompidos pelo primeiro
choro do bebé.
– É uma menina! – disse a parteira.
/SPAISBEIJARAMSECOMTERNURA$EPOISDEAFASTAROCABELO
DOROSTOTRANSPIRADODAPARTURIENTEOHOMEMBEIJOUAMáOZINHA
da menina.
n›NOITEDE2EIS)RÕCHAMARSE2EGINAnDISSERAMQUASEEM
uníssono e, abraçados, adormeceram ao som da harmoniosa
beleza de O Elixir do Amor.
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%RAODIADEJANEIRODE!CABAVADENASCEREM,ISBOA
Regina Isabel Luisa Pacini. O pai chamava-se Pietro Pacini. Era
DIRETORDECENADO2EAL4EATRODE3áO#ARLOS!INDAMUITOJOVEM
tinha cantado como barítono em Ancona. Enquanto atuava em
#ÕDISCONHECEUAANDALUZA&ELICIA1UINTERO%RAUMAMULHERDE
cabelo castanho e pele clara. Casaram-se em Portugal e foi aí que
nasceram os filhos mais velhos, José, a 1 de setembro de 1862, e
Constanza, a 10 de maio de 1866. Viviam na rua do Loreto, quase
NAESQUINADARUADA%MENDAÍFRENTEDAFARMÕCIA"ARRETO
*ÕAMANHECIAQUANDOSEESCUTARAMOS¢LTIMOSACORDESDA
música da festa do primeiro andar. O sussurro das despedidas
era devorado pelo silêncio da manhã. Um pouco mais tarde o
choro da recém-nascida acompanhava os primeiros ruídos do
dia. Felicia começou a dar-lhe de mamar. Não tardou que mãe
e filha adormecessem. Um raio de luz iluminava a placidez dos
seus rostos.
0OUCOTEMPODEPOISACRIAN½AFOIBATIZADANAIGREJADE.OSSA
Senhora do Loreto.
Felicia e Pietro sentiam-se felizes a ver crescer os filhos.
1UANDO2EGINACOME½OUAANDARTODOSOSDOMINGOSAFAM¤LIA
DEPOISDAMISSADAVAUMPASSEIOPELOBAIRRO1UASESEMPRE
paravam para se deleitarem a ouvir um fado.
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SOPRANOSPARAINTERPRETAREMÕRIASFAMOSAS!lLHAMAISNOVA
corria para o pé do pai para que este lhe pegasse ao colo. Sentada
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RETIRAVAMJÕACRIAN½ADORMIAEMBALADAPELADO½URADAVOZDE
Pietro.
n1UEROIRCONTIGOPAPÕnPEDIU2EGINA
!PEQUENAJÕTINHACINCOANOS#AMINHAVAMDEMáOSDADAS
O céu tinha uma cor púrpura aveludada. Andaram por essa Lisboa antiga, tímida e melancólica. Percorreram as ruas íngremes
a cheirar a castanhas assadas.
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Chegaram ao Real Teatro de São Carlos, um edifício de
estilo italiano, construído em apenas um ano e inaugurado com
La Ballerina AmanteDE$OMENICO#IMAROSAADEJUNHO
de 1793. O teatro era uma réplica do Teatro de São Carlos, em
.ÕPOLESEOBRADOARQUITETO*OS£#OSTAE3ILVADURANTEOGOVERNO
absolutista do marquês de Pombal.
Pai e filha entraram. Os primeiros compassos da ópera
A Sonâmbula, de Bellini, irromperam pela sala. O corpo de Regina
estremeceu. Continuava em pé presa ao encantamento da música.
Os olhos desmesuradamente abertos, a boca prestes a deixar escapar
um som. Não perdia um movimento da intérprete que ensaiava em
palco. Por fim, ouviu-se o último acorde da ópera. A pequena estava
imóvel. Os cantores foram saindo. O silêncio era total, apenas se
OUVIAOSOMDOCENÕRIOQUECOME½AVAASERDESMONTADO/TEATRO
ficou vazio. Regina tremia de ansiedade por subir ao palco. Foi nesse
momento que se sobressaltou ao ouvir a voz do pai:
n1UERESSUBIRMINHARAINHAnPROP¯Sn&ICASAQUIABRINCAR
enquanto trato de uns papéis no escritório – acrescentou.
A pequena assentiu com um leve mas seguro aceno de cabeça.
Estava sozinha. Caminhou lentamente. Subiu um a um os
DEGRAUS!OCHEGARUMHALOMÕGICOENVOLVEUA)ADEUMA
ponta à outra, como se o palco lhe pertencesse. Ela e o palco
formavam um espaço único. O coração de Regina batia acelerado. A criança ria e chorava ao mesmo tempo. Sem saber como
NEMPORQUãCOME½OUACANTAR)MITAVAOCHILREARDOSPÕSSAROS
enquanto o seu peito se enchia de satisfação.
Como num sonho, viu o público de pé a aplaudi-la. Esfregou
OSOLHOS0ESTANEJOUAOVERDENTRODASUAFANTASIAOREI$,U¤S)E
a rainha D. Maria Pia no camarote real. A pequena saudava três
senhoras que estavam sentadas. Eram as três maiores figuras do
bel canto: Adelina Patti, Nellie Melba e Emma Nevada. Regina
fazia vénias uma e outra vez, inclinando a cabeça, até que uma
voz a despertou do seu devaneio.
n6AMOSMINHARAINHA*Õ£TARDEn%RA0IETROQUETINHA
concluído o trabalho.
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Sem conseguir sair do encantamento que o teatro lhe provocava, a criança vinha pela mão do pai. Ia trauteando «Una furtiva
lacrima», de O Elixir do Amor.
As visitas ao Real Teatro de São Carlos repetiam-se com frequência. Às vezes, assistia a um ensaio de Emma Nevada, outras,
de Adelina Patti, que, aos sete anos, tinha feito a sua estreia em
Nova Iorque e tinha chegado a prima donna do Covent Garden
de Londres e da Ópera de Paris. Regina também passou esse
tempo nos camarins das divas, onde se sentou nos seus colos.
Desde muito pequena, e por influência de Felicia, sua mãe,
foi uma grande devota da Virgen del Carmen. Como boa filha de
espanhola, a criança foi educada dentro de um profundo espírito
religioso.
– Mãe de Deus, peço-te que me deixes poder cantar um dia
no teatro – rezava Regina.
Este pedido era repetido todas as noites antes de dormir. A 9 de
JULHODEAFAM¤LIAASSISTIAAONASCIMENTODEUMNOVOlLHO
Chamou-se Carlos.
!M¢SICAASÕRIASDEA Sonâmbula e de Lucia di Lammermoor,
CANTADASPELASGRANDESDIVASOSGORJEIOSNOPALCOVAZIOTODOESSE
mundo de devaneio artístico se desvaneceu no dia em que o seu
pai morreu. Pietro Pacini faleceu a 31 de maio de 1882. Regina
tinha 11 anos. Este homem deixou de herança apenas um passado
de cantor e muitos sonhos. Pacini morreu pobre e a família ficou
NUMASITUA½áOECON˜MICAPRECÕRIA&ELICIAEOSQUATROlLHOSTIVEram de se mudar para uma casa mais pequena na rua da Trindade.
Ali, a criança continuava a sonhar com aquele mundo perdido do
Real Teatro de São Carlos, até que numa noite decidiu.
– Mãe, quero ser cantora – anunciou a Felicia.
Ao ouvi-la a mãe associou arte a fracasso e pobreza. Não tinha
sido essa a experiência que teve com o marido? Mas a determinação da filha persuadiu-a.
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– Minha queridinha, como iremos pagar as tuas aulas? – perGUNTOULHECOMLÕGRIMASNOSOLHOS
n-ASMáEA6IRGENDEL#ARMENHÕDEOUVIRASMINHASPRECES6ERÕSQUESIMnRESPONDEUCOMUMAF£INABALÕVEL
Regina tinha a convicção profunda que a mãe lhe tinha inculcado. Tinha a sua desenvoltura e graciosidade. Do pai herdara
AINTUI½áOART¤STICA/SEUBISAV¯,UIS0ACINIFOICOMPOSITORE
CANTORDO,A3CALADE-ILáOEOSEUTIOAV¯'IOVANNI0ACINI
COMP¯SNOVENTA˜PERASAL£MDEORAT˜RIASCANTATASEMISSASE
terminou a carreira como professor de música em Viareggio e
em Lucca.
A pequena insistiu tanto que a mãe ganhou coragem para
falar dela a Napoleón Vilani. O maestro tinha conhecido Pietro
e sabia do seu talento e do seu gosto pela música. Ao entrar em
sua casa, o amor de mãe de Felicia e a paixão por ópera de Regina
convenceram Vilani.
– Só tenho um turno disponível: o das onze da noite. Em
SUMAnACRESCENTOUCOMUMSUSPIROnDOULHEAULASGRÕTISn
disse, com a voz embargada.
Naquela noite, a filha de Pacini, que nessa altura teria uns
catorze ou quinze anos, não conseguiu dormir. No dia seguinte,
DEPOISDEUMCOZIDOAOJANTARFOICOMAMáEÍPRIMEIRAAULA
0ERCORRERAMASRUASSOLITÕRIASONDEAPENASSEOUVIAAVOZDEUMA
ou outra mulher entoando um fado com acompanhamento de
guitarra e viola.
O maestro recebeu-as com um sorriso. A pequena tremia. Era
o início de uma vida nova para Regina. Antes de começar a lição,
ofereceu-lhes um caldo verde, a sopa mais popular em Portugal.
Elas aceitaram porque tinham frio.
Começaram com exercícios para aprender a respirar. Dia após
dia, com um duro trabalho, Regina conseguiu uma vocalização
nítida. Com o passar do tempo, e graças à técnica, maestro e disC¤PULAFORAMAPERFEI½OANDOASÕRIASDEA Sonâmbula e de Lucia
di Lammermoor.
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A rapariga tinha apenas dezasseis anos quando o barítono
Cotogni e o maestro Marino Mancinelli, grandes amigos do
PAIDECIDIRAMP¯LAACANTARA Sonâmbula no Covent Garden.
)MPOSS¤VELNáOIMAGINARAEMO½áODAQUELAJOVEMAOCHEGARAO
popular teatro de Londres onde atuavam as grandes divas do
bel canto&INALMENTETINHACONSEGUIDO1UANTASVEZESSONHOU
conhecê-lo! Mas ainda não era possível estrear-se ali.
– É impossível uma principiante interpretar A Sonâmbula.
Nesta mesma temporada cantou-a nada mais nada menos do que
a Russel – afirmou o diretor.
Voltaram para Portugal em silêncio. Não queriam responder
às perguntas. Mancinelli e Cotogni conversavam sobre o futuro
de Regina.
– Tem uma voz sublime – costumavam comentar.
1UERIAMFAZERQUALQUERCOISAPARAQUEARAPARIGACOME½ASSEA
sua carreira. Por fim, decidiram-se. Uns dias depois, Mancinelli
e Cotogni tiveram uma reunião com Campos Valdez, para que
ACEITASSEAESTREIADE2EGINANO2EAL4EATRODE3áO#ARLOS*ÕQUE
NáOTINHASIDOPOSS¤VELCANTAREM,ONDRESCANTARIANASUAPÕTRIA
no teatro onde chegou pela mão do pai, onde tinha começado a
sonhar com a sua vida de artista.
A primeira prova foi uma audição com Pontecchi, músico do
São Carlos. Todos ficaram extasiados com a harmonia da sua
VOZ0ARTICIPOUIMEDIATAMENTENUMENSAIODEORQUESTRA1UE
comovente para a cantora principiante ter todos os músicos a
seus pés, no fosso, a interpretar a melodia! Cantou magnificamente acompanhada pela orquestra e também aceitou alguns
conselhos de Marino Mancinelli.
– Vou dar-lhe uma oportunidade – afirmou por fim Campos
Valdez. – Vai interpretar Amina e quinze dias depois Lucia, em
Lucia di Lammermoor, de Donizetti.
Regina não queria acreditar no que estava a ouvir. Finalmente
a sua estreia e como protagonista. Iria contracenar com Oreste
Gennari no papel de Elvino e Pablo Meroles no papel de conde
Rodolfo.
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1UANDOSOUBEAMáEOP¯SSEIMEDIATAMENTE
– Não estou de acordo – afirmou Felicia.
n!SUAlLHAIRÕSERUMAprima donna – refutou Cotogni.
– Não admito que inicie uma carreira lírica – reiterou a viúva
de Pacini.
– Mas, mamã. O canto é a minha vida – suplicava a filha, com
LÕGRIMASNOSOLHOS
– Tenho medo. O teu pai… dedicou a vida ao canto lírico e…
– abraçou-se a chorar a Regina e acrescentou: – E também não é
carreira para uma mulher honesta e cristã.
Os homens respeitaram em silêncio o emocionado abraço de
MáEElLHA5NSMINUTOSDEPOISENQUANTOLIMPAVAASLÕGRIMAS
Felicia afirmou:
n%STÕBEM6AMOSCONSULTAROMEUCONFESSOR
Mãe e filha dirigiram-se à casa onde vivia o sacerdote italiano
Próspero Peragallo, que tinha sido amigo de Pietro. O clérigo
VIVIAAOP£DA)GREJADE.OSSA3ENHORADO,ORETONO,ARGODAS
$UAS)GREJAS
#A¤AATARDEQUANDOAMáEDE2EGINASEAJOELHOUNOCONFESSIONÕRIO"ENZEUSEFECHOUOSOLHOSBAIXOUACABE½AEMURmurou:
– Ave Maria Puríssima.
n3EMPECADOCONCEBIDA/QUEATRAZPORCÕnPERGUNTOUO
sacerdote, preocupado.
– Padre… a minha filha quer… cantar – respondeu a soluçar.
n.OTEATROCOMOEMTODOOLADOHÕPESSOASBOASEPESSOAS
MÕS3EAPEQUENAPUDERTERA¤UMGRANDEFUTUROSERIAINJUSTO
não aproveitar.
O padre Peragallo fez uma pausa antes de continuar.
– É uma boa rapariga e com a educação cristã que lhe deu não
TENHAMEDOCONTINUARÕASERBOA&ILHAREZEMOSJUNTOSUMA
Ave Maria por ela.
-AISTARDE2EGINAEAMáETOMARAMCHÕCOMOCL£RIGO
Foram a pé os três até ao largo em silêncio. Apreciaram a cor
VIOLETADOANOITECERSOBREASÕRVORES
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!ODESPEDIRSEOSACERDOTEPEGOUNAMáODAJOVEMEDISSELHE
– Irei contigo aos ensaios.
E cumpriu a sua palavra.
Ao chegar a casa, Regina abraçou-se à mãe a soluçar emocionada.
– Canta. Dou-te a minha bênção – disse Felicia.
A rapariguinha nem queria acreditar no que estava a ouvir.
$AVASALTOSDEALEGRIAEBEIJOSÍMáE
– Tens todo o nosso apoio – disseram Constanza e José, os
seus irmãos mais velhos.
A noite da aguardada estreia chegou. Era uma quinta-feira,
DEJANEIRODE/UVIASEOMURM¢RIOANSIOSODOEXIGENTE
público do Real Teatro de São Carlos. Desde a noite em que Patti
cantou, quando se anunciou que Regina interpretaria Amina em
A SonâmbulaS˜SEOUVIAMCOMENTÕRIOSAFAVORECONTRASOBREA
JOVEMARTISTA.ORESTAURANTE3ILVADIZIASE
– Jaime Batalha Reis afirma que a Pacini é um prodígio.
– Marino Mancinelli ouviu-a e o maestro Machadinho tamB£MECONSIDERAMNAEXTRAORDINÕRIA
Lisboa inteira tinha chegado em landaus e berlindas para a
OUVIRCANTAR/SCR¤TICOSDETRINTAECINCOMEIOSDEDIFUSáOJÕ
estavam a postos. Viu-se Augusto Peixoto. Sob o pseudónimo de
Maria da Fonte, escrevia nas suas Crónicas de Lisboa:
-áOSARISTOCRÕTICASlNAMENTEgantées, pegavam nervosamente em binóculos de ouro; os risos dissimulados tinham
UMTIMBREMETÕLICO!SD¢VIDASENTRECRUZAVAMSEEMCONVERSASCONT¤NUASPORVEZESREJEITADASPELAF£MASOCETICISMO
continuava a ganhar terreno; os críticos afiavam os bisturis; os
habitués entrincheiravam-se na sua rigidez, velhos com carecas
reluzentes como grandes bolas de marfim mostravam a sua
autoridade, mas pensando para si que essa noite seria um fiasco.
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Enquanto isso, Regina estava nervosíssima no seu camarim,
envolvida nas indicações do diretor de orquestra Machadinho,
DOSRETOQUESDEMAQUILHAGEMENOS¢LTIMOSAJUSTESDAASSISTENTE
de guarda-roupa.
– Meu Deus! Não aguento mais – disse histérica.
– A Virgen del Carmen vai proteger-te – disse a mãe, beiJANDOLHEACABE½A
Os irmãos aproximaram-se e abraçaram-na em silêncio.
%MCASANO,ARGODAS$UAS)GREJAS0ERAGALLOOlELCONFESSOR
acendia uma vela para pedir ao Senhor pelo êxito da pequena
Regina.
!lLHADE0IETRO0ACINIJÕSEENCAMINHAVAPARAOPALCOONDE
tinha sonhado com esta estreia desde os cinco anos. Respirou
fundo. Ouviram-se os primeiros acordes de A Sonâmbula, que
6ICENZO"ELLINICOMP¯SEMPARAOSGRANDESCANTORES'IUditta Pasta e o tenor Giovanni Bautista Rubini. Esta ópera contava uma história de amor passada nas montanhas suíças.
A voz de Regina apoderou-se da sensibilidade do público.
Ouviu-se um timbre puríssimo no «Come per me sereno» e
quando terminou a difícil cavatina fez-se um significativo silêncio na sala. Por fim, estalou um estrondoso aplauso. O público,
DEP£*ÕS˜SEOUVIAi"RAVO"RAVOw
No terceiro ato encantou com a sua garganta de sons homogéneos em todos os seus registos. Abordou com uma afinação perfeita
e nitidamente vocalizada o «Sopra il sen la man mi posa», até culminar no exigente rondó «Ah non giunge!», onde fez gala da suavidade
da meia voz que sabia modular num delicioso murmúrio.
Todos concordavam quanto ao maravilhoso talento da pequena.
A diferença de opiniões dos dias anteriores foi silenciada pelo
aplauso unânime. Da geral, repleta de estudantes e trabalhadores, à plateia e aos camarotes, todos engalanados com duques,
VISCONDESEMILIONÕRIOSOUVIASEUM¢NICOi"RAVOw2EGINA
continuava em palco, com as luzes todas acesas. Sorria rodeada
de flores. Nessa noite, Regina Pacini sabia que era a rainha de
Lisboa.
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O riso e o champanhe duraram até ao amanhecer na festa
em casa dos Pacini. Não era para menos: Regina fazia dezassete
anos e tinha à sua frente um futuro brilhante no mundo lírico.
Estiveram presentes músicos, espectadores, amigos e críticos.
No dia seguinte o entusiasmo continuava. Depois do almoço
JÕAFAM¤LIAESTAVAANSIOSAPORSABERAOPINIáODACR¤TICA
– Ouçam o que vem no Jornal do Commercio – disse José.
A mãe puxou uma cadeira para se sentar e ouvir:
Escolher uma ópera como A SonâmbulaEMVEZDEUMAÕRIA
qualquer convenientemente estudada, preparada e rabâchée.
Estrear nestas circunstâncias no São Carlos em vez de tentar esta
primeira proeza num recital num teatro particular, são atos que
traduzem uma coragem rara, uma confiança ilimitada, que são
OJUSTOEFUNDAMENTADORECONHECIMENTODOSM£RITOSPR˜PRIOS
a consciência de um fino temperamento, um sangue-frio que só
os bem-aventurados conseguem tornar realidade.
Constanza estava ansiosa por dar a conhecer a crítica do Correio da Manhã:
3ELãSSEMOSNUMJORNALESTRANGEIROQUEEM&RAN½AEM
)NGLATERRAOUEM)TÕLIANUMTEATROONDECANTA0ATTIONDEHÕ
quinze dias Nevada provocou o delírio com A Sonâmbula, uma
menina de dezassete anos, ontem perfeitamente desconhecida,
estreou como dama ligeira, no mesmo género de Patti, cantando
A SonâmbulaA˜PERAQUEHÕUMASNOITESFOIDIVINAMENTECANtada por Nevada, e conseguiu, nessa ópera e nessa estreia, uma
OVA½áOEXTRAORDINÕRIAUMADASOVA½µESMAISBRILHANTESESPONtâneas e unânimes algumas vez ocorridas nesse teatro, ficaríaMOSSURPREENDIDOSEAINVEJARMUITOOP¢BLICOPRIVILEGIADOQUE
TEVEOPRAZERDEVERESTREARUMAARTISTATáOEXTRAORDINÕRIAQUE
ao estrear-se nestas circunstâncias extremamente perigosas,
consegue fazer dos seus primeiros passos um triunfo excecional.
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Regina Pacini permanecia em silêncio, deliciando-se com as
RECORDA½µESDANOITEANTERIOR*ÕQUASENáOOUVIAATAGARELICEDOS
irmãos e o fervilhar da intermitente conversa da sua mãe com a
VIZINHA!RAPARIGAREGOZIJAVASECOMAIMAGEMDAGRANDE!DElina Patti entre o público da plateia. Tinha a certeza de que nunca
iria esquecer as suas palavras quando, no final da representação,
a diva se dirigiu ao palco e com uma invulgar generosidade lhe
disse:
n.OTEATRONáOCOMECEITáOBEMCOMOTUx3ERÕSTUASUBSTITUIRMEEHÕSDECHEGARONDEEUNUNCACHEGUEI
19
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