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ONTOLOGIA DA MÚSICA
João Fernando de Araujo
[email protected]
Graduado em Filosofia,
Especialização em Filosofia Clínica,
Mestre em Musicologia pelo
Conservatório Brasileiro de Música CBM–RJ
Palavras-Chave: Ser-em-si, Ser-para-si, Cogito, Música-metáfora .
É possível uma abordagem filosófica da música? Por serem muitos os
objetos que o pensar filosófico se depara, a resposta a essa pergunta não poderia
ser outra: sim! Dessa forma, diante do caráter afirmativo da resposta, outras
questões se nos apresentam essenciais diante da árdua tarefa de filosofar
partindo do fenômeno sonoro-musical. Questões que emergem e nos causam certa
hesitação na resposta que demos acima, a saber: qual a natureza do
conhecimento que a reflexão filosófica proporciona através da música? Qual a
validade desse conhecimento, haja vista as múltiplas funções da música bem
legitimadas nas sociedades contemporâneas, por exemplo: como promotora de
prazer estético, como função terapêutica, integração social, relações econômicas,
políticas e religiosas, bem como suporte para outras formas de artes como a
dança, o cinema etc.? Sendo assim, a filosofia contribui para o conhecimento do
fenômeno musical, ou tal tarefa está fadada ao fracasso e à música nos compete
apenas um conhecimento equívoco sobre as peculiaridades e as dimensões das
várias sociedades que a utilizam como linguagem? Como manter a universalidade
e a racionalidade — características da filosofia ocidental — diante desse fazer
humano particular e singular propenso aos mais divergentes juízos de valor? Indo
mais além, o que é música? Cônscios que estamos sobre as diversas definições
histórico-culturais, como podemos transformar a música em um objeto de
investigação sabendo da dificuldade em conceituá-la? É possível uma
epistemologia da música? A filosofia da música, para ser filosofia, deve abordar
as questões sobre o tempo, espaço, matéria e símbolo, conforme Giovanni Piana
aponta em seu livro “A filosofia da Música”? A esta lista de questões poderíamos
somar tantas outras, mas, por ora, contentamo-nos com estas. É claro que não
temos a pretensão de respondê-las nesse trabalho, buscamos apenas caminhos
para pensar a relação, muitas vezes conflituosa, entre filosofia e música.
Todavia, alguém poderá argumentar que ao formular tais questões já
estaríamos no universo filosófico. Para sairmos dessa circularidade, deixemos,
momentaneamente, estas dificuldades iniciais em compreender o que é fazer uma
filosofia da música para adentrarmos no “pensar música” por alguma abertura
que consideramos um filosofar.
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Alguns filósofos se depararam com o fenômeno musical em suas reflexões e
especulações, tais como Pitágoras, Arquitas de Tarento, Platão, Aristóteles,
Aristóxeno, Santo Agostinho, Descartes, Rousseau e Nietzsche. Mas o que
propriamente eles pensaram sobre música? Citando Platão, a música era parte da
sua paideía, como encontramos na obra A República. Como censor da poesia e das
formas de artes que poderiam dificultar a formação de uma cidade justa
conduzida por homens virtuosos, também as harmoníai (em uma concepção atual
compreendemos este termo como “escala” musical, pois não havia na Grécia
antiga a ideia de “superposição de terças” ) estariam sob o jugo do filósofo, por
exemplo, os modos dóricos e frígios seriam os recomendados, pois formariam os
guerreiros viris. Os modos lídios e jônicos seriam banidos da cidade, pois
tornariam os homens efeminados e lânguidos. Como Platão chegou a essa
tipologia musical? É bem provável que pela observação do comportamento, do
modo de ser de pessoas que faziam uso destas escalas musicais. Seria assim um
preconceito do filósofo em relação aos hábitos e aos costumes de outras culturas?
De fato, as especulações platônicas sobre a música tinham propostas éticoeducativas rígidas.
Uma porta de entrada para os que se aventuram na investigação da
música por uma perspectiva filosófica, se dá pela concepção de música na
Antiguidade grega. Música era Mousike: um complexo de atividades envolvendo a
dança, a ginástica, o teatro, a poesia e o canto acompanhado de aulos e cítaras,
portanto, não era uma “arte” autônoma.
Mas saindo de uma perspectiva historicista para adentrarmos em uma
abordagem mais filosófica, direcionaremos este ensaio para uma questão mais
específica do pensar música, caminhando por um viés ontológico e
fenomenológico, na qual vimos refletindo há algum tempo. Isso não significa que
as especulações em torno da música realizadas por Platão e por outros filósofos
não nos estimulem a outros pensamentos profícuos sobre o fenômeno musical.
Ao depararmos com uma forma musical qualquer, vários fenômenos estão
ocorrendo no momento da audição. Fenômenos internos (como pensamentos) e
externos (outros sons percebidos, mas que não participam do fenômeno sonoromusical ao qual direcionamos a atenção).
A música, para muitos, é um fenômeno específico do mundo sensível,
todavia, nada impede que ela seja somente um fenômeno interno, do pensamento,
principalmente em sujeitos onde predomina a abstração. Esta música abstrata
para alguns é o suficiente para dar-lhes o prazer que, grosso modo, todos buscam
em uma audição musical. O fato é que estamos, enquanto existentes, diante de
sons que são transformados em “música-metáfora” ou em sons sem significados.
Questões: o que percebemos em uma audição e de que maneira construímos essa
“música-metáfora”? Será que ouvimos sempre a mesma música em uma
contemplação sonora? Ora, é obvio que em relação a uma música que tenha sido
previamente gravada, enquanto objeto (produto-mercadoria) continuará a
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mesma, mas, a sua representação, não. Mesmo que não tenhamos muita clareza
deste devir da representação musical, ela se faz vigente entre a relação do ser que
a percebe e do ser do fenômeno. Nesta perspectiva o fenômeno musical é um serem-si, pleno e sem abertura.
Considerando o caráter intencional da consciência, esta se nadifica diante
dos fenômenos do mundo e, igualmente, diante dos fenômenos musicais que, como
vimos, é um em-si. Portanto, a consciência, como tem em sua estrutura o nada
como fundamento (remetendo-nos aqui a Jean-Paul Sartre), não se relaciona
propriamente com a música enquanto um em-si, mas com a representação dela. A
percepção do fenômeno musical, embora tenha a aparência de ser a mesma,
absoluta, difere do conhecimento que dela fazemos, pois o que dela apreendemos
é o devir das suas representações que ocorrem não no cogito pré-reflexivo, mas,
em outra dimensão, no ser-para-si. A universalidade do juízo musical é assim
uma impossibilidade. Parafraseando Sartre em sua definição do ser-para-si: “ela
[a música]1 é o que não é e não é o que é”.
A música é assim um eterno fluir, um vir-a-ser de representações que
obtemos em determinados momentos de contemplação sonora. O ser da música
sempre nos escapa, devido a sua constante nadificação dada pelo cogito reflexivo,
pela consciência. A nossa audição, o nosso juízo nunca será o mesmo e, sobretudo,
o conhecimento que supostamente acreditamos ter de uma determinada música.
Prosseguindo nesta abordagem filosófico-cognitiva do fenômeno sonoromusical, façamos uma analogia com outras formas artísticas, como por exemplo, a
pintura impressionista. As artes que usam a visão no processo de contemplação
estética podem nos auxiliar no sentido de percebermos a mutabilidade e a
dificuldade da cognição musical, pois na cultura ocidental há um predomínio na
educação do olhar em detrimento do ouvir. E é dessa forma que a música, como a
pintura, também é objeto de contemplação e a sua representação é a maneira que
dispomos para conhecê-la.
Muitos conhecem algumas obras impressionistas, por exemplo, a série “The
Rouen Cathedral” de Monet. O que o artista buscava nestas várias pinturas? O
que nos escapa a cada percepção dessas imagens? Será o seu ser? Nas sucessivas
observações apreendemos sempre a mesma catedral? Sendo a luminosidade o
motivo que interfere na representação que fazemos do objeto, qual será o
equivalente da luz para a música que a cada audição se transforma? O ser da
música nos escapa como ocorre com a pintura impressionista. Podemos concluir
até momento da nossa perquirição sobre a ontologia da música que a
equivocidade da música se dá pela intermitente nadificação do para-si,
caracterizando a inefabilidade do fenômeno sonoro-musical, indiciando,
1
O grifo é nosso.
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igualmente, a impossibilidade de uma abordagem cientifico positivista para o
fenômeno sonoro-musical.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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TOMÁS, Lia. Ouvir o Lógos: música e filosofia. São Paulo: UNESP, 2002.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins
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DUARTE, Rodrigo. SAFATLE, Vladimir (org.). Ensaios sobre Música e Filosofia.
São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2007.
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