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A petrografia na caracterização de agregados para betão
Petrography in the characterization of concrete aggregates
Isabel Fernandes, Fernando Noronha e Maria dos Anjos Ribeiro
GIMEF – Depº de Geologia FCUP, Centro de Geologia da UP, Porto
[email protected], [email protected], [email protected]
SUMÁRIO
As reacções álcali-agregado ocorrem entre fases amorfas de sílica ou sílica com baixo grau de cristalinidade e os
álcalis no ligante do betão. Era habitual a classificação de reactividade do quartzo com base na extinção
ondulante. Contudo, caiu em desuso, sendo actualmente considerada a presença de quartzo micro ou
criptocristalino como indicadora de reactividade potencial. Faz-se referência às normas e especificações
nacionais e internacionais quanto à classificação petrográfica dos agregados relativamente à reactividade.
Palavras-chave: agregados, reactividade aos álcalis, deformação
SUMMARY
Alkali-silica reactions occur between amorphous forms of silica or silica with a low degree of crystalinity and
the alkalis in the interstitial fluid of concrete. The classification of the reactivity of quartz based on undulatory
extinction is not in use any longer and the existence of micro or criptocrystalline quartz is applied as the
parameter for alkali reactivity evaluation. National and international standards for the petrographic
classification of aggregates for alkali reactivity are discussed.
Key-words: aggregates, alkali reactivity, deformation
Introdução
O betão, principal material de construção do século
XX, foi considerado durante décadas como um
material de durabilidade ilimitada. No entanto, é
actualmente reconhecido que pode deteriorar-se por
causas diversas, de origem química, física e
biológica.
Os componentes do betão provêm directa ou
indirectamente de formações rochosas cujas
propriedades condicionam as características do
produto final. Destacam-se os agregados, que
constituem pelo menos três quartos do volume do
betão [1].
No domínio de conhecimento do betão, designa-se
geralmente por agregado o conjunto de materiais
granulares não coerentes, com grãos de dimensão
compreendida entre 0 e 125 mm que, aglomerados
por um ligante, forma o esqueleto do betão [2].
Existe um conjunto de rochas, areias e cascalhos,
utilizados frequentemente como agregados, que
contêm fases potencialmente reactivas no meio
fortemente básico da solução intersticial do betão.
Na década de 1940 foram detectados os primeiros
indícios da existência de fenómenos de deterioração
do betão em pavimentos na Califórnia [3], tendo-se
concluído que esta deterioração se devia a reacções
entre os agregados e a pasta de cimento. O
reconhecimento da existência destas reacções
chamou a atenção para a necessidade de estudar os
agregados antes da sua aplicação em obra.
Reacções álcali-agregado
As reacções álcali-agregado são reacções expansivas
nas quais intervêm os iões sódio e potássio presentes
na solução intersticial do betão e alguns minerais
dos agregados [1].
A reactividade de um agregado, ou seja, a
velocidade com que reage, depende da composição,
da origem e da textura da rocha [3], sendo mais
influenciada pelas características texturais e
microestruturais específicas do que pela composição
petrológica e mineralógica.
Desde que as reacções álcali-agregado foram
detectadas, pela primeira vez, têm surgido diversas
propostas para o agrupamento dos agregados, na
tentativa de identificar tipos que sejam
tradicionalmente reactivos, com base no seu
desempenho em obra. Apesar destas classificações
serem ainda controversas, existe um conjunto de
rochas e minerais considerados potencialmente
reactivos. As fases amorfas de sílica ou sílica com
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seria necessário aprofundar os conhecimentos para
determinar a partir de que valor seriam consideradas
reactivas, dando como referência o valor de 25º [8].
Seguindo a mesma linha de raciocínio, outros
documentos sugerem que um agregado que contenha
mais de 30% de quartzo fortemente ondulante, ou
seja, com ângulo de extinção médio de 25º, a partir
de uma série de 20 medições, seja considerado
potencialmente reactivo [9]. No entanto, a relação
entre a ocorrência de extinção fortemente ondulante
e a reactividade não foi comprovada.
baixo grau de cristalinidade mais citadas na
literatura sobre este tema são opala, calcedónia,
cristobalite,
tridimite,
quartzos
cripto
e
microcristalino e quartzo deformado e recristalizado
e também as rochas que contêm quartzo fortemente
deformado como grauvaques, filitos, xistos, gnaisses
e arenitos. São ainda consideradas potencialmente
reactivas rochas vítreas ou criptocristalinas como
riólito, andesito, alguns vidros artificiais e também
cherte, ardósia e alguns tipos de calcário [3, 4, 5, 6].
Existem várias classificações quanto à reactividade
potencial dos agregados baseadas no exame
microscópico. São consideradas em geral três
categorias [7]: não reactivos (NR), potencialmente
reactivos (PR) e reactivos ou potencialmente
reactivos ao “efeito péssimo” (PRP).
Aplicação da petrografia
Desde que se iniciou a sua aplicação na
caracterização dos agregados, é sabido que a
petrografia proporciona informação rápida sobre a
sua qualidade, permite identificar substâncias
nocivas e comparar materiais novos com outros dos
quais existe experiência em obra, ou seja, pode ser
útil na prospecção de novos agregados e no controlo
de depósitos em exploração.
A simples designação petrológica de uma rocha temse mostrado insatisfatória quando é necessário
classificá-la, em termos de reactividade, em inócua,
potencialmente reactiva ou reactiva, dado que a
experiência tem mostrado a existência de uma forte
condicionante regional e local, e que um mesmo tipo
de rocha tem classificação diferente em países
diversos. O exame petrográfico pormenorizado, com
a descrição exaustiva da litologia e textura, é, por
esta razão, essencial, como complemento da
designação.
Relativamente às espécies minerais e rochas
consideradas reactivas, as principais reservas surgem
na avaliação da presença de quartzo deformado e
recristalizado. A deformação do quartzo reflecte-se
em muitas rochas pela ocorrência de extinção
ondulante nos cristais, dizendo-se que existe
extinção ondulante quando a zona de extinção varia
ao longo do cristal, à medida que a platina é rodada,
em observação ao microscópio com nicóis cruzados
[7].
É habitual utilizar o método desenvolvido por [8]
para a medição deste ângulo (Figura 1) ou o método
mais expedito que consiste na medição da posição
do primeiro aparecimento e do último
desaparecimento da sombra de extinção nos grãos de
quartzo.
Durante os anos de 1980 diversas publicações
debruçaram-se sobre a possibilidade de existir uma
relação entre o grau de deformação dos grãos de
quartzo, medida pelo seu ângulo de extinção
ondulante, e a reactividade potencial das rochas. Era
referido que parecia haver indicação de que as
rochas que continham quartzo com ângulo de
extinção inferior a 15º eram não reactivas, mas que
Fig.1: Ilustração do procedimento para determinação
do ângulo de extinção ondulante [8].
O método de avaliação da reactividade potencial
com base no valor do ângulo de extinção ondulante
começou, entretanto, a ser contestado.
Relativamente a este assunto, merece referência o
trabalho desenvolvido no Canadá [10], que aponta
para que seja a dimensão dos cristais de quartzo o
factor condicionante da reactividade aos álcalis.
Neste contexto, o quartzo microcristalino seria,
muito provavelmente, o componente reactivo em
rochas que contêm quartzo deformado, como os
quartzitos, granitos, gnaisses miloníticos e
grauvaques.
O desenvolvimento de extinção ondulante é a
manifestação de uma primeira fase de um processo
que, se a tensão for muito elevada, pode levar um
grão monocristalino de quartzo a transformar-se
num aglomerado de cristais de quartzo, assumindo
um carácter microcristalino (Figura 2). Assim, a
existência de extinção ondulante do quartzo sugere a
presença de quartzo micro ou criptocristalino, mas a
medição do ângulo de extinção ondulante não pode
isoladamente ser utilizada para quantificar o grau de
reactividade dos agregados [11]. É um método que
apresenta grandes variações e limitações pois é
influenciado por diversos factores: é fortemente
dependente da experiência do petrógrafo; da
orientação do grão relativamente aos eixos ópticos e
da dimensão dos cristais influencia a leitura, dado
que cristais mais pequenos dão ângulos mais baixos.
Pelos motivos apresentados a extinção ondulante
não é, actualmente, considerada um parâmetro fiável
na avaliação da reactividade potencial de um
agregado.
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Esta conclusão alerta para dois factos que deverão
ser revistos: por um lado, a especificação [5] é muito
conservadora e pouco precisa quanto à definição de
“quartzo tectonizado”; por outro, e atendendo aos
relatos existentes na literatura acerca de reactividade
de granitos aplicados em obras com algumas
dezenas de anos, parece haver maior concordância
entre a classificação petrográfica das rochas e o seu
desempenho do que entre este e os ensaios de
reactividade.
Efectivamente,
estes
ensaios
apresentam sistematicamente resultados de não
reactividade para as rochas habitualmente
consideradas de reactividade lenta/retardada.
Fig. 2: Desenvolvimento de extinção ondulante e de
subgrãos em resposta à tensão: (A) deslocamentos
mínimos; (B) aumento dos deslocamentos e
desenvolvimento de lamelas de deformação; (C)
subgranulação parcial (indicada pelas setas); (D)
subgranulação total para quartzo microcristalino
[10].
Resultados e discussão
Atendendo a estas considerações, foram analisadas
várias amostras de granito, rocha frequentemente
utilizada em Portugal como agregado para betão, na
perspectiva de as caracterizar quanto à reactividade
aos
álcalis.
A
especificação
portuguesa
tradicionalmente utilizada [5] considera reactivas as
rochas que contêm quartzo tectonizado, não
existindo, contudo, indicação quanto ao valor
mínimo do ângulo de extinção a admitir como limite
a partir do qual a rocha poderá ser considerada
potencialmente reactiva. O exame petrográfico
realizado de acordo com esta especificação leva à
classificação de “potencialmente reactivas” rochas
que apresentam aspectos como o apresentado na
Figura 3. São ainda consideradas potencialmente
reactivas rochas que mostram subgranulação dos
cristais de quartzo, por vezes com orientação
preferencial dos mesmos (Figura 4).
Fig. 4: Subgranulação em contexto cisalhante,
manifestando orientação preferencial de cristais de
quartzo em granito.
Mais recentemente, surgiu nova especificação [12]
que estabelece limites quanto à quantidade mínima
relativa de quartzo reactivo no agregado, embora
não apresente qualquer pormenorização quanto à
definição de quartzo reactivo. Em nota de rodapé,
este documento refere que alguns granitóides de
Classe I (não reactivos) têm mostrado reactividade
potencial em estruturas em que foram aplicados, o
que mostra que é de todo o interesse a análise
petrográfica de betão já produzido com este tipo de
rochas e, eventualmente, a avaliação da reactividade
em betão a fabricar, com as limitações já referidas
para os ensaios de expansibilidade mais
frequentemente utilizados.
Conclusão
O exame petrográfico dos agregados é actualmente
utilizado em vários países como método de rotina na
avaliação da reactividade potencial dos agregados
aos álcalis. Trata-se de uma técnica de aplicação
relativamente rápida, com aplicação importante nos
agregados que contêm quartzo, em especial os que
provocam reacção lenta e retardada. Apresenta como
limitação a dependência da sensibilidade e
experiência do petrógrafo.
Apesar da extensa bibliografia sobre o assunto, não
há ainda consenso quanto às características de uma
rocha que conduzem à sua reactividade. A
condicionante regional parece ser de grande
importância e não existe uma listagem que tipifique
uma determinada rocha, a partir do conhecimento da
sua origem ou da designação petrográfica, quanto à
sua reactividade. Também os ensaios de laboratório
Fig.3: Cristais de quartzo, em granito, mostrando
extinção ondulante.
Para confirmação desta classificação, foram
realizados ensaios de expansividade sobre provetes
de argamassa fabricados com aqueles agregados. Em
todos os casos considerados, o resultado obtido foi
peremptório quanto à não reactividade potencial das
rochas graníticas estudadas.
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Smith & M.R., West, G., Geological Society Engineering
Geology Special Publication Nº 17, 339 pp., London.
[7] Wigum, B. J. (1995) Alkali-aggregate reactions in
concrete – properties, classification and testing of
Norwegian cataclastic rocks, P.h. D. Thesis, University of
Trondheim, 227 pp., Norway.
[8] Dolar-Mantuani, L.M.M. (1981) Undulatory
Extinction in Quartz Used for Identifying Potentially
Alkali-Reactive Rocks, Proc. 5th Int. Conf. on Alkaliaggregate Reaction in Concrete, Cape Town, paper
S252/36.
[9] Concrete Society (1987) Alkali-silica reaction:
minimising the risk of damage to concrete. Guidance notes
and model specification clauses, Technical Report nº 30,
3rd Ed., Concrete Society, 34 pp., London.
[10] Grattan-Bellew, P.E. (1992) Microcrystalline Quartz,
Undulatory Extinction & The Alkali-Silica Reaction, Proc.
9th Int. Conf. on Alkali-Aggregate Reaction in Concrete,
London, pp. 383-394.
[11] RILEM AAR-1 (2003) Detection of potential alkalireactivity of aggregates – Petrographic method, TC 191ARP, prepared by I. Sims and P. Nixon, Materials and
Constructions, 36, pp. 480-496.
[12] Especificação LNEC E461 (2004) Betões.
Metodologias para prevenir reacções expansivas internas,
LNEC, 6 pp., Lisboa.
de avaliação da reactividade têm limitações
conhecidas, em especial para as rochas que se
considera
poderem
produzir
reacções
lentas/retardadas no seio do betão.
Embora durante algum tempo a extinção ondulante
tenha sido considerada um indício de reactividade
potencial, as normas mais utilizadas são ambíguas,
uma vez que não referem o ângulo mínimo a partir
do qual os cristais devem ser classificados como
potencialmente reactivos. Os valores mais referidos
na bibliografia, que não assumem o estatuto de
norma, encontram-se entre 15 e 25º.
Não foi encontrada uma relação fiável entre a
ocorrência de quartzo com extinção ondulante e a
reactividade em obra, e desde a década de 1990 é
considerada mais importante a presença de quartzo
micro ou criptocristalino, muitas vezes associado a
quartzo com extinção ondulante, dado que a
reactividade aumenta com a diminuição do tamanho
do grão, em consequência de existir uma maior área
disponível para o ataque pelos álcalis.
Com base na análise nas normas internacionais,
conclui-se que as especificações portuguesas [5] e
[12] são pouco precisas ao considerar
potencialmente reactivos os agregados que contêm
quartzo tectonizado, sem estabelecer um limite a
partir do qual o ângulo de extinção ondulante pode
traduzir a reactividade deste mineral e sem definir
rigorosamente o que deve ser interpretado como
quartzo deformado.
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto
GRANMAT - POCTI/CTA/45936/ 2002.
Referências Bibliográficas
[1] St John, D.A., Poole, A.B. & Sims, I. (1998) Concrete
petrography – A handbook of investigative techniques,
Arnold, 474 pp, U.K.
[2] Stievenard-Gireaud, D. (1987) Etude de la réaction
alcalis-silice dans des bétons, Lab. Central des Ponts et
Chaussées, Rapport de recherche LPC Nº 144, 104 pp.,
Paris.
[3] ACI (1998) State-of-the-Art Report on AlkaliAggregate Reactivity, American Concrete Institute, 31 pp.,
Michigan.
[4] Hobbs, D. W. (Editor) (1988) Alkali-silica reaction in
concrete, Thomas Telford Ltd. 183 pp., London.
[5] Especificação LNEC E 415 (1993) Inertes para
argamassas e betões – Determinação da reactividade
potencial com os álcalis. Análise petrográfica, LNEC, 6
pp, Lisboa.
[6] Smith, M.R. & Collis, L. (Editores) (2001) Aggregates.
Sand, gravel and crushed rock aggregates for construction
purposes, 3rd ed., Rev. by Fookes, P.G., Lay, J., Sims, I.,
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