o esprito da reforma luterana

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O
ESPÍRITO DA FILOSOFIA ALEMÃ NA VISÃO DE SPENLÉ E DUPUY
Os textos em apreciação falam sobre o pensamento e filosofia alemã
do livro: o capítulo primeiro do livro de autoria J.E. SPENLÉ: O pensamento alemão
de Lutero a Niestzsche da Coimbra Editora Armênio Amado, 1973 e o livro de
Maurice DUPUY A filosofia alemã. Lisboa: Ed. 70, 1987.
Os trabalhos de Spenlé e Dupuy resultam numa visão sobre o
pensamento alemão e como desenvolveu em meio às guerras religiosas em que a
Alemanha é pródiga e onde os partidos religiosos eram mais antigos que os políticos.
Para o primeiro autor a especulação filosófica mergulha suas raízes na teologia
luterana. E segundo Werner Elert esta investigação alemã representa um tipo de
“luteranismo secularizado”.
No decorrer dos primeiros parágrafos Spenlé reforça a idéia de um
Lutero, obcecado pelo terror do juízo final e condenação eterna, imerso numa
Alemanha cuja geografia religiosa ainda hoje conserva os indícios de sua antiga
soberania e a marca de velhos e mesquinhos litígios sobre a posse da terra.
Para Spenlé, Lutero deu à reforma sua expressão e soluções pessoais e
ela, sem ele, não se compreenderia. No luteranismo encontra-se uma mistura
misticismo e brutalidade, de tendências reacionárias e audaciosas inovações. 1 Mas a
teologia de Lutero está muito distante do humanismo de um Erasmo. Desprezava a
Razão colocando entre ela e a Fé um abismo intransponível. Segundo Spenlé para
Lutero a fé “não é adesão da Razão a uma Verdade; é um dinamismo vital que tem a
sua origem numa necessidade de redenção e num pessimismo moral consumado.” A
fé faz do servo, senhor e o amor o faz servo. Spenlé coloca o luteranismo
secularizado, transposto para o plano político, como o nacionalismo alemão.
No capítulo dois este autor descreve o “Século das Luzes” na
Alemanha e seu retardo em dois séculos, causado pela reforma. Toda a pedagogia
luterana, incluindo a área artística e intelectual tinha um único objetivo “inculcar o
dogma e fortalecer a fé”. A entrada do Humanismo neste país só se efetivará no
século XVIII. Numa Alemanha esfacelada tanto política quanto religiosa e
economicamente restam dois focos: as pequenas cortes alemãs, as Residenzstädte e
as Universidades, berços da Aufklärung que corresponde a uma fase de influência
estrangeira. Este espírito racionalista, de origem ocidental, orienta para o mundo
real, para a vida ativa e prática. Na Alemanha a atividade religiosa é foco de
discórdias e o juiz é o filósofo.
Segundo Leibniz e seu discípulo Wolf, Razão e Revelação caminham
paralelas sendo que esta vê mais longe e avança mais e é este desvio que traduz os
“mistérios” da religião. A Fé ultrapassa a Razão; mas não a contradiz.
1
- SPENLÉ, J. E. O pensamento alemão de Lutero a Nietzsche, p. 20.
2
Lessing indignava-se com esta “moral” - resolver o problema do sobrenatural
fugindo dele - e sua escolha foi a inquietação do inquérito. Este filósofo tenta fazer
uma síntese das religiões. Para ele as religiões representam momentos necessários
num plano pedagógico. Assim Lessing dá às religiões positivas uma missão e um
significado. A partir de Lessing cada época aparece como um momento da revelação
progressiva. Desta forma prepara-se uma nova interpretação, pragmática e histórica
do fato religioso por um método que se aperfeiçoará cada vez mais de Kant a Hegel.
2
De acordo com Spenlé a filosofia de Kant pode ser considerada como a
conclusão e a liquidação da Aufklärung3. A característica do racionalismo kantiano é
o seu formalismo que consiste em tomar como começo as puras formas. Com seu
“apriorismo formal” de Kant fixou a atitude da intelectualidade alemã que é
essencialmente formalista. O alemão não é onisciente, mas se orgulha de possuir as
categorias a priori, as regras universais, os métodos infalíveis. O pensamento alemão
segue Kant, ensina que o saber é relativo e quanto ao Real só nos é possível
conhecê-lo tal como existe “para nós”. O Real “em si” é inatingível por nós. Desse
modo toda a teologia racionalista da Aufklärung ruía. Kant tenta separar Filosofia da
Fé. Para o autor Lutero e Kant prepararam a construção do saber alemão.
No capítulo III Spenlé vai se referir ao humanismo dos grandes clássicos
alemães ainda sob a influência de franceses e ingleses. Lessing é considerado o
primeiro libertador da literatura alemã que se contrapôs ao monopólio cultural
francês. Uma completa ruptura com a influência francesa se deu com o encontro de
Goethe com Herder em 1770 e outros jovens alemães que se põem contra este
“intelectualismo ateu” . Assim descobrem que “cada indivíduo cada povo, cada
época, tem o seu élan, a sua originalidade, o seu ‘gênio’ próprio...”. 4 Outros nomes
do humanismo alemão: Schiller, para quem só a arte pode restaurar o homem
integral, Goethe, cuja tendência era “humanizar a alma alemã” e Guilherme
Humboldt.
No capítulo IV Spenlé fala da Alemanha romântica, um outro pólo da
Aufklärung. É como uma espécie de ofensiva contra o intelectualismo da cultura
racionalista do século XVIII que se deve entender o romantismo alemão. Fichte foi o
que maior influência exerceu nos jovens românticos. Em sua reflexão reduz todas as
oposições não resolvidas a uma única oposição fundamental entre o “Eu” e o “NãoEu” e esta a uma realidade mais profunda e implícita o “Eu absoluto”. É esta
triunfante possessão do Eu absoluto por intermédio do Eu finito da consciência que
está na origem do idealismo especulativo de Fichte.
A Filosofia, mistério reservado só a alguns iniciados toma uma aparência
duma mistificação perfeitamente organizada. Um método crítico originário esse
2
- SPENLÉ, L. E. O pensamento alemão de Lutero a Nietzsche. P. 38.
- As obras principais de Kant são: Crítica da Razão Pura (1787), Crítica da Razão Prática (1787),
Crítica do Juízo (1790) e Religião nos limites da Razão (1793).
4
- SPENLÉ, J. E. O Pensamento Alemão de Lutero a Nietzsche. P. 53.
3
3
método fichteano de filosofar, cuja expressão literária é o fragmento, que para eles é
original e criador, “esboço de luz de luz que sai do caos” e o que melhor manifesta o
Infinito dinâmico. O romantismo se diferencia do romantismo do espírito clássico
pelo culto ao inacabado, este visa o término, a perfeição. A esta idéia aristotélica de
perfeição opõe Schlegel a concepção moderna do Infinito dinâmico, um eterno
Inacabado. A filosofia romântica será “progressiva” e “ilimitada” em essência. Uma
nova corrente religiosa surge e recebe o nome de pietismo, que possibilitou a cada
crente o direito de personalizar a expressão de sua fé. Este “despertar” religioso
acabou por provocar uma onda de anti-racionalismo tendo em Hamann e Jacobi, este
adversário de Spinoza, seus melhores atores. A religião romântica era, pois uma
constante produção de idéias piedosas e de intuições místicas. A fórmula “tudo fazer
com religião; nada fazer por religião”.
O estado religioso unifica, mas é necessária a mediação - dos
inspirados, profetas, artistas e filósofos - entre o ser humano e a comunhão religiosa
universal dado seu caráter limitado. 5 Entre jovens artistas dentre eles Wackenroder
era comum sentir a arte como uma “revelação” de Deus. Consideravam a fé, a
religião e a conversão ao catolicismo, o conjunto que constituía a condição
primordial da vocação artística verdadeira. Assim o autor faz referência a um outro
aspecto do romantismo o culto ao passado e uma concepção tradicionalista histórica
e que preparou caminho para uma Renascença da Idéia católica na Alemanha.
Görres, grande teórico da Renascença católica dará ênfase ao fator
étnico e formulará a teoria do federalismo. Esse segundo romantismo que recebeu o
nome de “escola de Heidelberg” deu a mais original contribuição à história.
Como última forma do romantismo alemão, a apologia do catolicismo
e a fusão do germanismo com o cristianismo. “O romantismo alemão representará
um espírito de restauração religiosa e de reação política no qual a filosofia, a poesia,
a arte servirão de porta-voz”. 6
O capítulo V é dedicado aos “Discursos à nação alemã”. Ao filósofo
somente interessava, no que dizia respeito ao problema da nação, o “Estado”
representado pelo monarca. A única liberdade era a de pensamento e para o bem de
todos era necessário que o filósofo estivesse no trono. Para Schiller e Wilhelm Von
Humboldt “O que antes de tudo importa não é a felicidade dos povos, é a ‘cultura’
dos indivíduos”. O Estado corresponde a uma necessidade de ferro. O símbolo deste
Estado humanista foi “Weimar”.
Depois do episódio de Iena, tudo muda, eclode o “nacionalismo”
alemão com reivindicações ao mundo até então desconhecidas. A Idéia de Alemanha
resumida nesta afirmação: “Nós somos o povo eleito o povo do futuro; nós somos a
consciência superior da humanidade”.
5
- Segundo Novalis “todo o pensamento, toda visão da nossa alma religiosa é o órgão mais individual
dum Todo infinitamente original”.
6
- SPENLÉ, J. E. O Pensamento Alemão de Lutero a Nietzsche p. 83.
4
Com os discursos à nação alemã (1807-1808) desperta o
nacionalismo. O que o filósofo Johann Gottlieb Fichte trazia era, não uma invocação
ao patriotismo, mas inspirado em Lutero, uma nova religião. Para ele “o germanismo
é uma missão, uma predicação, uma idéia metafísica”. O nacionalismo de Fichte é
nitidamente diferente do patriotismo. A sua idéia dominante é “de uma purificação
que tenderá a fechar o Eu nacional, a isolá-lo de todo o contato com o
Estrangeiro...”. Para Fichte o reino da liberdade só poderá se estabelecer com os
alemães. Alemanha como força espiritual do mundo.
No sexto capítulo, o autor volta-se para Hegel, o teorizador do Estado
prussiano. Reconciliar numa teoria do Estado, a Idéia e o Fato, o Racional e o Real, é
a nova missão. Isto marca a presença do pensamento hegeliano na filosofia alemã,
expressa no adágio “Todo Real é Racional e todo o Racional é Real”. Foi pela sua
teoria do Estado que Hegel exerceu influência decisiva no pensamento alemão. Para
ele o Estado é obra da Razão e não da Natureza. Em Hegel o Estado se diviniza.
Ao concluir Spenlé considera que a teoria de Hegel tem fecundas
conseqüências sob dois aspectos: no ponto de vista político interior pelas relações
entre Igreja e Estado que repousa no princípio monista, que proclama a soberania
absoluta do Estado7 e com relação à política exterior na qual o Estado hegeliano,
definido só pela sua Soberania não pode aceitar é a limitação desta Soberania. Assim
a situação de guerra com outros Estados é considerada normal. E como não pode
existir Tribunal que regule a coexistência pacífica entre os povos a história universal
será este supremo tribunal.
Já Maurice Dupuy no capítulo I do livro “A filosofia Alemã” chama
atenção para a fórmula de Fichte “o tipo de filosofia que se tem depende do tipo do
ser humano que se é”. Relação esta só perceptível séculos mais tarde. Até o século
XVIII nada tem de original, a filosofia alemã. O Aristotelismo era a ciência da
época. Alberto Magno quis fazer uma vinculação do platonismo com Aristóteles.
Para ele não havia incompatibilidade entre eles. Havia sim, uma propensão ao
misticismo e de trazer o neoplatonismo e juntar numa síntese mística.
Segundo Zeller as obras de João Eckart (1260-1327) representam a
primeira tentativa de uma filosofia alemã. Eckart, para quem a deidade é tudo e não é
“nada”, tem “interesse ardente” pelo ser “verdadeiro” e também achava os conceitos
precários.
Dupuis percebe neste mestre, por vezes, uma aproximação ao
panteísmo embora reconheça que ele admite a transcendência divina.
Do século seguinte o autor cita a obra “De Docta ignorantia” de
Nicolau de Cusa (1401-1464) apresentado por vezes como o “autêntico fundador da
filosofia alemã”, que também revela em alguns aspectos as idéias de Eckart.
7
- Teoria esta somente cabível no luteranismo que via no poder dos Príncipes uma magistratura e uma
soberania diretamente instituídas por Deus.
5
No segundo capítulo Dupuy trata da Filosofia alemã do período da
Reforma ao Renascimento. Dupuy não reduz a filosofia alemã a um “luteranismo
secularizado” como o quer Dr. Werner Elert citado por Spenlé. 8 Reconhece que o
reformador exerceu uma influência decisiva. Lutero ao livre arbítrio opõe o
determinismo teológico. Como Spenlé, Dupuy vê em Lutero um pessimista sobre o
ser humano nas pegadas de Agostinho, e otimista sobre a graça divina . O ser
humano se salva pela fé, que é dom de Deus e é gratuita.
Tanto Dupuy como Spenlé relatam o pensamento político de Lutero, a
Igreja não deverá interferir nas coisas o Estado, que é autônomo e representante da
ordem divina. Para eles é melhor um Estado ruim que nenhum Estado.
Por outro lado o pensamento político absolutista de Lutero não é
revelado pelas filosofias de direito que vão aparecer na Alemanha, estas são
individualistas e contrárias à subordinação incondicional ao poder estabelecido. Na
verdade Lutero não pregou a reforma política nem a social, mas a reforma teológica.
Filipe Melanchton (1497-1560) é outro filósofo citado por Dupuy que
dominou o ensino da Filosofia nas universidades da Alemanha. Embora devotado à
reforma, discorda de Lutero em pontos essenciais: a Revelação está acima da razão,
mas confia na “luz natural” e no conhecimento filosófico.
Dupuy continua na mesma linha de Spenlé a discorrer sobre Lutero.
No decorrer do século XVI a rica especulação filosófico-mística que se desenvolve
ao lado do ensino oficial muito tem a dever ao luteranismo como também dele difere
em muitos aspectos. Sebastião Franck (1499-1542) opõe-se à “bibliocracia”. Para ele
a Bíblia não passa de uma “alegoria eterna” e deve ser interpretada simbolicamente.
Também em Paracelso (1493-1541) que combateu o humanismo e a escolástica,
encontram-se muitas idéias de Lutero nas suas concepções religiosas. Com Paracelso
começa o desenvolvimento da Naturphilosophie alemã. Dupuy
cita
ainda
Valentim Weigel e Boehme onde algumas destas características voltam a se
encontrar junto com o legado do misticismo especulativo.
O princípio do idealismo alemão tende a derivar o sentido e por vezes
até a representação do Universo, da espontaneidade do espírito. À filosofia interessa
a capacidade elucidativa dos seus conceitos.
O capítulo III Dupuy devota a Leibniz e a “Aufklärung”. Para ele
Leibniz foi um espírito universal e eminentemente conciliador. Nas diversas
filosofias procurou achar a verdade e reconduzi-la a si mesma.
Leibniz não aceita o dualismo cartesiano. Para este filósofo há uma única espécie de
realidade: a ação, força, princípio imaterial que ele chama de mônada (=unidade)
caracterizada pela simplicidade. A harmonia pré-estabelecida do Universo é uma
8
- Citado na página 1 desta resenha.
6
prova da existência de Deus, a mônada perfeita.
Há um indício da Coïncidentia
oppositorun de Nicolau de Cusa na mônada unun in multis de Leibniz e também
evocações do pensamento de Paracelso e Kepler.
A filosofia alemã das “Luzes” fica entre Leibniz e Kant. É um
movimento complexo de várias fases. A primeira de 1690 a 1720 tendo como seu
representante principal Thomasius (1655-1728) profundamente religioso não pela
razão, mas pelo coração. Aliado ao “pietismo”. Para ele religião é fé e não saber. O
saber só é valor se aplicável à vida prática e meio de felicidade para a melhoria da
vida terrestre do ser humano.
Na segunda geração da “Aufklärung” seu expoente máximo é Wolf
(1679-1745) que vê na razão metafísica um meio de defesa da verdade revelada. É
um lógico implacável e sua filosofia no dizer de Kant “frágil e perniciosa” embora
reconhecesse nela o rigor que “criou o espírito de profundidade que ainda hoje não
se extinguiu na Alemanha”. Nesta fase cita Dupuy Knutzen, Ploucquet e Lambert.
A terceira fase (1694-1768) recebe muita influência de ingleses e
franceses. Triunfa o deismo e a religião natural e Reimarus usa as teses metafísicas
como armas contra a religião positiva, a ele absurdas e irracionais. Dupuy cita
Lessing para quem a inquietação e a procura têm mais valor que a posse da verdade.
Nessa afirmação Dupuy aproxima a inquietação preferida de Lessing à “paz
enganadora de uma segurança mentirosa” de Lutero, citada por Spenlé.
A lei da evolução humana é, segundo Lessing, “a passagem das
religiões positivas à religião racional”.
O resumo das colocações de Dupuy neste IV capítulo é sobre a
filosofia kantiana que vai negar a possibilidade da metafísica como ciência suprasensível. Dupuy notadamente marca Kant de uma forma mais categórica que Spenlé.
Este se limita em seu estudo a fazer uma avaliação de uma obra de Kant Critica da
Razão Pura dizendo que “o autor se contentou com um trabalho de análise e de
crítica e não unificou os fragmentos esparsos de sua doutrina para a realização de
uma síntese especulativa genial”.
Para Kant as fontes do conhecimento são a sensibilidade (intuições) e
o entendimento, o legislador da natureza. O entendimento só se completa em sua real
função provocado pela razão e a razão sempre pode dar às idéias um valor subjetivo.
Para o autor o objetivo da filosofia kantiana é o mundo inteligível que para Kant não
é nem inativo e nem totalmente fechado. A religião para Kant reduz-se à moralidade.
Encerrando este capítulo Dupuy observa que os adeptos de Kant são
mais numerosos que seus detratores e dentre outros filósofos cita Hamann, Jacobi,
Herder, Lessing, Reinhold9. Spenlé discorre mais sobre alguns destes autores aos
9
-DUPUY, Maurice. A Filosofia Alemã. 1987, p. 48.
7
quais Dupuy só se refere brevemente deixando maiores considerações para Kant.
Spenlé se refere à filosofia de Kant como a conclusão e a liquidação da Aufklärung.
No capítulo V Dupuy trata da filosofia pós-kantiana iniciando com o
Idealismo Subjetivo de Fichte. No Fundamento da Teoria da Ciência rejeita a idéia
da coisa em si. A realidade deve ser a priori. Como Spenlé, Dupuy se refere à Fichte
que em sua reflexão se volta com segurança ao princípio da espontaneidade do
espírito. O absoluto para ele é o próprio eu e foi criticado por isto e acusado de
ateísmo. Sua tese é “EU sou eu”. A liberdade moral é o valor absoluto.
Na última filosofia de Fichte surgem idéias religiosas e místicas. E só
unido a Deus pelo amor o ser humano é, verdadeiramente, livre. Dupuy cita ainda
Schelling e seu idealismo objetivo, com uma filosofia da identidade com raízes em
Spinoza. As suas obras distribuídas em três períodos: primeiro a natureza é vida e
psiquismo, é a vida embrionária do espírito. Uma filosofia da natureza que evoca
Paracelso e Leibniz que quer ir além do natural até o princípio regedor. A defesa de
uma filosofia da identidade onde o princípio único do objetivo e do subjetivo, que
ele chama de Absoluto não é nem subjetivo e nem objetivo em si - mesmo. É uma
razão absoluta contendo em-si, de forma factível, todas as diferenças e oposições e
num terceiro período esta filosofia admite a complexidade do Ser divino. Deus não é
só espírito e logos, tem também uma natureza que é sua razão. Em Deus há
fundamentos de Deus.
Muitos foram os pensadores contemporâneos de Schelling e que se
inspiraram nele citados por Dupuy: Oken (1799-1851), Baader (1765-1841) e
Schleiermacher (1768-1834). Também poetas como Novalis (1772-1801) e
Hölderlin (1770-1843).
A filosofia de Hegel é, segundo Dupuy, o ponto máximo do idealismo
alemão que criticando Fichte e Schelling se propõe transpô-los. Para Hegel a
filosofia deve descrever o devir do Espírito e seu desdobramento que é dialético.
Hegel reconhece maior dignidade na realidade social e seu conceito fundamental é o
de liberdade. A tarefa do filósofo, para Hegel, segundo Dupuy é “compreender a
sociedade e vê-la como uma expressão racional”.
Dupuy considera dominante o pensamento hegeliano na filosofia alemã
até meados do século dezenove enquanto Spenlé sem retirar de Hegel sua
importância o vê como o mestre que “ensinou os alemães a pensar historicamente”.
Dupuy e Spenlé demarcam épocas com os diversos filósofos que as
assinalaram. O relato similar de ambos oferece ao estudioso visões próprias sobre o
mesmo contexto filosófico. Tal estudo oferece grande contribuição na compreensão
da filosofia alemã, trazendo o conhecimento das bases do pensamento alemão, de
como floresceu entranhado da reforma luterana e como se desvencilhou dela e da
influência estrangeira para se ater a uma maneira germânica toda própria de fazer
filosofia.
Suely Ribeiro Barra/UFJF
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