ANÁLISE ANATÔMICA COMPARATIVA DA FOLHA DE Agonandra brasiliensis Miers ex Benth. & Hook. f.(Opiliaceae) OCORRENTE EM ÁREAS ECOLOGICAMENTE DISTINTAS NO ESTADO DO PIAUÍ1. Romário Carvalho de Sousa2; Profª. Drª. Maria de Fátima de Oliveira Pires3. 2 3 Aluno de Graduação em Ciências Biológicas/UESPI; Professora do Centro de Ciencias da Natureza /UESPI 2 Introdução A família Opiliaceae está representada aproximadamente por sete gêneros com cerca de 60 espécies paleotrópicas. Apenas o gênero Agonandra Miers., ocorre nas regiões tropicais do Novo Mundo (BARROSO, 1991). A espécie A. brasiliensis Miers ex Benth. & Hook. f., conhecida vulgarmente como pau-marfim está representada por árvores dióicas de pequeno porte, caule suberoso, com folhas simples, opostas e semi-coriáceas. Inflorescência disposta em panícula, com raques, cálice e parte interna da corola recobertos por indumento farináceo. As flores masculinas com cinco pétalas e as flores femininas com quatro. O fruto é uma baga com sementes oleaginosas, comestíveis por animais de caça. Do ponto de vista econômico fornece madeira para marcenaria, obras de torno, tacos e abanisteria (PIO CORREA, 1978). No Brasil a espécie apresenta ampla distribuição, ocorrendo em ambientes bastante diversificados como cerrados, floresta estacional semidecídua, mata de galeria, bem como em áreas de transição como no Complexo Vegetacional de Campo Maior-PI (CASTRO, 1994; FARIAS et al., 2004; OLIVEIRA, et al., 2005). A ocorrência de uma mesma espécie em áreas ecologicamente distintas desperta o interesse por um estudo anatômico comparativo entre estas populações, subsidiando dados e, provavelmente fundamentando hipóteses que possam complementar a interpretação ecológica desses ecossistemas, bem como a biologia das espécies neles inseridas. A anatomia ecológica identifica a influência de fatores ambientais expressos nas características anatômicas e morfológicas das plantas, sendo definida como a relação entre a estrutura da planta e o ambiente. Esau (1974), Cutter (1987), Meneses et al (2003) entre outros ressaltam os efeitos dos fatores ambientais sobre os órgãos vegetais, sendo a estrutura da lâmina foliar a que mais se modifica em resposta as alterações ambientais. Diversos autores têm utilizado a anatomia vegetal como subsídios a solução de problemas ecológicos, destacando-se os trabalhos de: Morretes (1967;1969), Appezzato-da-Glória e Estelita (2000), Elias et al (2006), com plantas do cerrado; Justo et al (2005) enfocando aspectos da plasticidade anatômica das folhas de Xylopia brasiliensis Sprengel (Annonaceae); Proença e Sajo (2007) visando apontar características inerentes à família Bromeliaceae e indicar possíveis 3 adaptações anatômicas encontradas nas espécies de cerrado. No entanto não foram encontrados na literatura trabalhos anatômicos referentes à anatomia ecológica e/ou taxonômica de Agonandra brasiliensis. Este trabalho consiste num estudo da anatomia foliar de duas populações de Agonandra brasiliensis Miers ex Benth. & Hook. (Opiliaceae) ocorrente em áreas ecologicamente distintas no Estado do Piauí, contribuindo dessa forma para um melhor conhecimento da espécie em termos de seu comportamento ecológico e sua estrutura anatômica. 4 Material e Métodos Foram realizadas excursões ao campo tanto para reconhecimento da espécie, como para coleta e fixação de materiais. Os espécimes foram coletados em duas áreas ecologicamente distintas no Estado do Piauí: numa área de transição Cerrado/Mata de Copernicia na Fazenda Nazareth, no Município de José de Freitas-PI. Os indivíduos da outra população foram coletados numa área de floresta estacional semidecidua, no Município de Teresina - PI. Em cada área foram selecionados cinco indivíduos, de onde foram retiradas folhas que foram fixadas em FAA 50 (JOHANSEN, 1940), e armazenadas em álcool etílico 70%. Os cortes histológicos foram realizados à mão livre. Na lâmina foliar foram efetuados na região mediana e ao nível da nervura central e no pecíolo foram realizados na região mediana. As secções obtidas passaram pelo processo de dupla coloração com fucsina básica/azul de astra (ROESER, 1972) ou por fucsina básica/azul de alcião (LUQUE et al., 1972). As lâminas semi-permanentes foram montadas com glicerina 50% e vedadas com esmalte incolor. Para o estudo da epiderme em vista frontal, foram efetuados cortes a mão livre e corados com fucsina básica. Para os testes histoquímicos foram utilizados floroglucina acidificada para detectar lignina, lugol para o amido, Sudam IV para compostos lipídico e ácido clorídrico para cristais de oxalato de cálcio (JOHANSEN, 1940). Os registros fotográficos foram realizados no fotomicroscópio Leica DMLB, utilizando câmera digital Nikon Coolpix 4300. As folhas foram medidas com lâmina micrométrica levando em conta a espessura do mesofilo e da cutícula tanto na face abaxial quanto na face adaxial em seis regiões distintas, num total de oito folhas de cada indivíduo. 5 Resultados e Discussão Lamina foliar Em vista frontal, as células epidérmicas dos indivíduos analisados apresentam contorno variável de paredes retas a levemente curvas em ambas as faces. Os estômatos são do tipo paracítico e estão presentes em ambas as faces da folha (Fig. 1). Esse tipo de estômato também foi observado por Metcalfe e Chalk (1950) para outros gêneros da família Opiliaceae. Em secção transversal as células epidérmicas de todos os espécimes analisados apresentam contorno retangular a elíptica, sendo unisseriada em ambas as faces. Os estômatos encontram-se ao mesmo nível das demais células epidérmicas (Fig. 2). Entretanto, quanto ao espessamento da cutícula, esse caráter mostrou-se variável nas duas populações analisadas. Nos espécimes ocorrentes na área de transição Cerrado/Mata de Copernicia a cutícula apresenta-se mais espessa do que nos indivíduos da outra área (Fig. 2.). Esaú (1974), Fahn & Cutler (1992), Menezes et. al. (2003), entre outros, comentam que a alta luminosidade e a deficiência de suprimento hídrico e de nutrientes, podem induzir nas plantas um acentuado grau de xeromorfismo, como parênquima aqüífero, revestimento com tricomas, cutícula espessa, estômatos pequenos localizados ao nível das demais células epidérmicas ou em depressões, esclerênquima desenvolvido, etc. Segundo Taiz & Zeiger (1991), Silva et al. (2005) plantas que se desenvolvem em ambiente xérico a presença de cutícula espessa diminui a perda de água por transpiração.Tal fato possa justificar um espessamento de cutícula mais pronunciado nos indivíduos de José de Feitas, já que estes ocorrem numa área de ambiente mais xérico do que os indivíduos da floresta estacional semidecídua. O mesofilo é bilateral tendendo a isobilateral em algumas regiões (Fig. 3) O parênquima paliçádico é formado por três a quatro camadas de células longas e compactado (Fig. 2) e o parênquima lacunoso por varias camadas de células irregulares, elípticas a arredondadas (Fig. 5). O mesofilo dos indivíduos pertencentes a área de floresta estacional semidecidual apresenta-se de forma menos espessa quando comparada aos indivíduos de cerrado (Fig. 4), trabalhos como o de Esau (1974) mostram que provavelmente este caráter possa está relacionado ao ambiente onde se encontram. 6 Segundo Justo, et al (2005), geralmente o desenvolvimento do parênquima paliçádico que recebe baixa incidência luminosa resulta na redução do comprimento anticlinal das células. Na região do mesofilo observam-se gotículas de óleo (Fig. 6) e um grande número de células contendo grânulos de coloração escura, conteúdo este, ainda em análise em nossas observações (Fig. 7). Esse tipo de idioblasto foi observado por Metcalfe e Chalk (1950) em Agonandra e Opilia amentacea Roxb. também pertencente à família Opiliaceae. Esclereídes foram observados por toda a região mediana do mesofilo (Fig. 8). Embora esse caráter tenha sido citado por Metcalfe e Chalk (1950) como abrangente entre representantes desta família, entretanto, nos indivíduos de cerrado estes esclereídes apresentaram-se de forma mais expressiva. Paviani (1978), Menezes et al. (2003) afirmam que o escleromorfismo é frequente nas plantas do cerrado, principalmente nas folhas, embora se estenda a outros órgãos da planta. Essas estruturas aumentam a rigidez foliar oferecendo sustentação e agem na proteção do mesofilo durante possíveis estresses hídrico e de temperatura (PROENÇA e SAJO, 2007). Os feixes vasculares são colaterais. A nervura mediana apresenta-se convexa pela face adaxial e abaxial, sendo esta convexidade mais proeminente pela face abaxial também são encontradas uma ou duas camadas de células de colênquima. Sob o floema ocorrem cordões de células esclerenquimáticas (Figs. 9-10). Pecíolo O pecíolo apresenta contorno biconvexo. A epiderme é unisseriada, revestida por uma cutícula lisa, sendo mais espessa nos indivíduos pertencentes a área Cerrado/Mata de Copernicia. Como na lâmina foliar esse espessamento mais pronunciado nos indivíduos desta área provavelmente esteja relacionado ao ambiente em que se encontram. Sob a epiderme adaxial ocorre quatro a oito camadas de células parenquimáticas de contorno elíptico a arredondado e sob a abaxial seis a 10 camadas de células de contorno similar ao da epiderme abaxial. Os feixes vasculares são colaterais, dispostos em forma de arco, separados por raios parenquimáticos e circundados por uma bainha descontínua de células esclerenquimáticas (Figs. 11 - 12). 7 Considerações Finais Os estudos da anatomia foliar de Agonandra brasiliensis mostraram que os indivíduos analisados apresentam caracteres comuns à família Opiliaceae como o tipo de estômatos, a presença de esclereídes e idioblastos contendo grânulos de coloração escura por todo o mesofilo. E outros caracteres como cutícula e mesofilo espessos, este com parênquima paliçádico mais desenvolvido que o lacunoso e a abundancia de esclereídes em ambientes com maior intensidade luminosa, provavelmente mostra uma influencia do ambiente na anatomia desses indivíduos. 8 Referências Bibliográficas APPEZZATO da GLÓRIA, B.; ESTELITA, M. E. M. the developmental anatomy of the subterranean system in Mandevilla illustris (Vell.) Woodson and M. velutina (Mart. Ex. Stadelm.) Woodson (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica,v. 3, n. 1, p. 27-35, 2000. BARROSO, G.M. Sistemática de Angiospermas do Brasil. Viçosa: UFV, Imprensa Universitária, v. 2. 1991. 377 p CASTRO, A. A. J. F. Comparação florística-geografica (Brasil) e fitossociológia (Piauí/São Paulo) de amostra do Cerrado., 1994. 520f. Tese (Doutorado em Biologia Vegetal) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas. CUTTER, E. R. Anatomia vegetal: órgãos experimentais e interpretação. v. 2. SP: Rocha. 1986. 335p. ELIAS, S. R. 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Figs. 1-3 e 5-12: indivíduos pertencentes a área de cerrado; Fig. 4: individuo pertencente a área de floresta estacional semidecídua Figs. 1-9: lâmina foliar. Fig.1. Epiderme adaxial em vista frontal evidenciando estômatos; Fig. 2. Secção transversal da lâmina foliar evidenciando cutícula (c) estômato (seta) e parênquima paliçádico (pp); Fig. 3. Visão geral do mesofilo; Fig.5. Detalhe do mesofilo evidenciando parênquima lacunoso (pl); Figs. 6-7. Região do mesofilo mostrando gotículas de óleo (seta) e células com substância granular escura (cabeça de seta), respectivamente; Fig. 8. Esclereides no mesofilo (seta). Figs. 9-10. Nervura mediana; Fig. 8. Visão geral; Fig. 10. Detalhe da nervura mediana evidenciando feixe vascular: floema (f), xilema (x) e esclerênquima (e). Figs. 11-12. Secção transversal do pecíolo; Fig. 11. Visão geral; Fig. 12. Feixe vascular: xilema (x), floema (f) e raios parenquimáticos (seta).Escala: Figs: 1, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 12-20μm .Figs. 9 e 11-250 μm . Fig. 3-100µm. Fig.2-40µm