PLANETAS EXTRA

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PLANETAS EXTRA-SOLARES
Rita de Cássia Domingos
Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia
UNESP – Campus de Guaratinguetá
[email protected]
Resumo: Nos últimos anos a descoberta de planetas orbitando estrelas diferentes do Sol, depois de séculos de especulações, deu início a uma nova era
na astronomia. De um modo geral estes planetas apresentam peculiaridades
quanto as suas massas e órbitas, o que em muito difere do nosso sistema solar.
As características destes planetas tornam estes sistemas bastante interessantes,
pois era suposto que as teorias de formação do nosso sistema solar poderiam
ser válidas para outros sistemas solares. Este texto visa reunir de forma clara
e objetiva os conhecimentos básicos sobre tais planetas, o contexto histórico
dos mesmos e os problemas e desafios que estes apresentam.
1.
Introdução
Dentre as heresias cometidas pelo filósofo Giordano Bruno, queimado no ano de 1600 em
Roma, foi pregar que o Sol era uma estrela como tantas outras. O nosso sistema solar - Sol,
Terra, Lua e planetas - seria um entre tantos outros. Para ele as outras estrelas poderiam ter
seus planetas com vida. Essa afirmação foi muito criticada pela igreja católica da época, pois
poderia colocar em dúvida o fato de nós não sermos os únicos seres do universo.
Depois de séculos de especulações centenas de planetas foram detectados orbitando outras
estrelas. Aleksander Wolszczan e D. A. Frail, em 1992, foram os primeiros a detectar planetas
fora do nosso sistema solar. Tais planetas tinham órbitas e massas similares à dos planetas
terrestres e orbitavam o pulsar 1 PSR B1257+12. Contudo não se pode afirmar qual foi o
primeiro planeta detectado, pois no ano de 1979 suspeitava-se de um planeta ao redor de outro
pulsar (PSR B0329+54) o qual foi confirmado somente em 1995. Neste mesmo ano Michel
1
Estrela de nêutrons que gira rapidamente ao redor de seu eixo de rotação. Devido ao seu intenso campo
magnético, pulsos muito curtos são emitidos por cada período de revolução; como um farol marítimo.
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Figura 1 – Comparação das órbitas e massas dos
entre
alguns
dos
sistemas planetários conhecidos.
http://www.daviddarling.info/images/explanets.gif.html)
planetas
(Fonte:
Mayor e Didier Queloz da Universidade de Genebra detectaram o primeiro planeta a orbitar
uma estrela da sequencia principal, a 51 Pegasi. A massa deste planeta é maior do que a massa
de Saturno e seu semi-eixo maior (a) é aproximadamente 0,05 U.A.; ou seja, cerca de 20 vezes
menor que a distância da Terra ao Sol. A Figura abaixo mostra uma comparação entre alguns
sistemas planetários conhecidos em relação à distância da estrela e massa dos planetas.
Embora atualmente tem-se o auxílio de instrumentos (com certos graus de limitações) suficientemente capazes de detectar planetas extra-solares, os métodos utilizados limitam as possibilidades de descobertas, de modo que são detectados planetas com grande massas sendo a maioria
com massas superior a massa do planeta Júpiter (Júpiter tem cerca de 318 massas da Terra) e
que estejam bastante próximos da estrela. O limite superior de massa de um objeto para que ele
possa ser classificado como planeta é 13 MJ , onde MJ é a massa do planeta Júpiter. Portanto,
um planeta extra-solar é um corpo celeste com estas características, mas que orbita uma estrela
que não seja o Sol. Objetos com massa superior a esse valor e inferior a 74 MJ são classificados
como anãs marrons.Na Figura 2 é apresentado um histograma que mostra o número de planetas extra-solares gigantes (planetas com massas da ordem da massa de Júpiter) descobertos no
período de 1989 a 2011.
Nós podemos notar que nas duas últimas décadas, o número de detecções de planetas extrasolares sofreu um significativo aumento. Pode-se dizer que isto marca o surgimento de uma
nova era na Astronomia que, a partir deste século, começou a desenvolver-se de forma rápida
e objetiva com o desenvolvimento de novas técnicas, métodos e missões espaciais com intuito
de trazer informações sobre estes "novos"planetas. Por meio desse aperfeiçoamento, os conhecimentos além do nosso Sistema solar continuam aumentando, possibilitando uma melhor
compreensão sobre o Universo.
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Figura 2 – Histograma do número de planetas descobertos no período de 1989
a 2011. (Fonte: http://exoplanet.eu/catalog.php)
Até Dezembro de 2011, um total de 708 planetas extra-solares gigantes tiveram suas existências
confirmadas, sendo que existe uma fração deles orbitando estrelas que pertencem a sistemas
com duas ou mais estrelas. Para se ter uma idéia da quantidade de planetas extra-solares gigantes com órbitas próximas à estrela (com semi-eixo maior menor que 1 U. A.), nas Figuras 3 e
4 é mostrada uma lista de planetas extra-solares que tem órbitas cujo semi-eixo maior é menor
que 6,0 U. A. e um largo espectro de excentricidades que vão de 0,0 a 0,8.
Figura 3 – Histograma do número de planetas extra-solares gigantes cujo semieixo maior da órbita do planeta é menor que 6 U.A. Dados obtidos em Janeiro
de 2012. (Fonte: Enciclopédia dos Planetas Extra-solares
Uma das convenções adotadas para dar nomes aos planetas extra-solares é o nome da estrela
ao redor da qual o planeta orbita seguido por letras minúsculas. Como exemplo, nós podemos
citar: 55 Cancri b.
Em outra convenção adotada, o nome do planeta é composto inicialmente por um conjunto de
letras maiúsculas que indica o catálogo do qual a estrela faz parte, a seguir uma sequencia de
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Figura 4 – O eixo x refere-se ao semi-eixo maior da órbita do planeta (círculos
verdes) e o eixo y representa a posição da estrela (círculos amarelos). A massa
do planeta é dada em função da massa de Júpiter e do seno do ângulo de inclinação do plano da órbita a linha de visada do observador. Quando o ângulo de
inclinação é igual a 90 tem-se um valor máximo para a massa do planeta.
números que identifica a estrela no respectivo catálogo e, por último, sufixos compostos por
letras minúsculas, tais como b, c e d, que indicam a ordem de separação do planeta à estrela.
Exemplos: HD 12661 b e HD12661 c são nomes que indicam a existência de dois planetas ao
redor da estrela HD 12661. Tal estrela pertence ao catálogo Henry Draper (HD) e o número de
sua identidade é 12661. As letras b e c indicam a distância em ordem crescente dos planetas
que orbitam a estrela.
2.
Métodos de Detecção
Os planetas extra-solares são de difícil detecção devido ao brilho da estrela ser até 10 bilhões
de vezes o brilho da luz refletida pelo planeta e também devido à pequena distância que separa
a estrela do planeta. Portanto, nós não "vemos"os planetas extra-solares, mas detectamos de108
terminados comportamentos da estrela que podem ser devido à presença de planetas girando
ao seu redor. As principais técnicas utilizadas para detectar planetas são: trânsito planetário,
observação direta, Astrometria, lente gravitacional e o efeito Doppler.
Quando o planeta passa em frente à estrela, ocorre uma diminuição da quantidade de luz vinda
da estrela a Terra, similar a um eclipse. A repetição deste "eclipse"é detectada na curva de
luz da estrela e permite identificar sua causa como sendo o trânsito de um planeta em frente à
estrela. Tal variação revela informações sobre o diâmetro, período orbital e dados da atmosfera
local. Através da observação direta, planetas de grande porte brilhantes e distantes das suas
estrelas podem ser fotografados.
A astrometria é o método mais antigo para a busca de planetas extra-solares. Ela se baseia na
força gravitacional de um planeta grande quando ela provoca um deslocamento na estrela com
relação ao centro de gravidade do sistema. Tal deslocamento pode ser medido em relação às
estrelas de fundo. Esta técnica é conhecida por astrometria.
O efeito de microlente gravitacional ocorre quando uma estrela ou um planeta passa diante de
outra estrela, seus campos gravitacionais curvam os raios luminosos de uma estrela distante.
Para que o efeito ocorra, o sistema planetário deve passar quase diretamente entre a estrela
distante e o observador. Em outras palavras seria semelhante a um "eclipse"promovido por um
sistema planetário em uma estrela de fundo, veja a Figura 5.
Figura 5 – Efeito de microlente gravitacional causando por um sistema planetário. Fonte: site do projeto Microlensing Observations in Astrophysics (MOA).
Desses métodos o que tem sido de grande eficiência é o da perturbação dinâmica da estrela
sobre o planeta, que utiliza basicamente a técnica do efeito Doppler. Ele é responsável pela
descoberta de mais de 90% de planetas extra-solares catalogados até o momento.
A velocidade radial (ou espectroscopia Doppler) baseia-se nas propriedades que a luz, quando
emitida por um objeto em movimento, pode alterar seu comprimento de onda. Objetos que se
aproximam de um observador apresentam uma diminuição aparente do seu comprimento de
onda, ou seja, ocorre um desvio para o azul no espectro de luz. Por sua vez, objetos que se
afastam apresentam uma mudança aparente no seu comprimento de onda, há um desvio para
o vermelho em seu espectro de luz. A velocidade radial pode ser deduzida do deslocamento
dessas linhas espectrais, devido ao efeito Doppler. Vamos considerar o aproximar e o afastar
sucessivo da estrela em relação à Terra, veja Figura 6. Suponha um planeta orbitando essa
estrela. A presença do planeta, mesmo sendo menor que a estrela, causa uma variação no
movimento da estrela, fazendo-o oscilar. Esse movimento da estrela causa uma variação no
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seu espectro de luz. O padrão dessa variação no espectro luminoso revela a massa mínima do
planeta. Este método é geralmente conhecido como medidas de velocidade radial.
Figura 6 – Efeito Doppler causado pela alteração da velocidade radial da estrela.(Fonte: Revista National Geographic, Dezembro 2009)
3.
Teoria de Formação Planetária
A teoria usual (padrão) de formação do sistema solar foi proposta pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) e desenvolvida pelo matemático francês Pierre-Simon de Laplace
(1749-1827). Ela considera que o sistema solar (Sol, planetas, satélites, asteróides, etc.)
formou-se a partir de um disco de gás e poeira: a Nebulosa Solar Primitiva, ver Figura 7.
Este disco teria dado origem ao Sol e a restos de gás e poeira que permaneceram ao redor
do Sol. O material orbitando no disco acumula-se para formar pequenos corpos chamados
planetesimais. Protoplanetas então se formam a partir dos planetesimais. Se um protoplaneta
atinge uma massa de aproximadamente 10 MT (massa da Terra), ele então pode capturar um
envelope de gás do disco protoplanetário e transformar-se em um planeta gigante com núcleo
rochoso e superfície não sólida, sendo a parte externa uma grossa camada de gás. Estes planetas
são chamados de gigantes gasosos, como Júpiter.
Um dos fatos curiosos é que para a sequencia principal de estrelas com massa de 0,1 a 1 massa
do Sol, acreditava-se que a formação de planetas gigantes gasosos só poderia ocorrer a distâncias de 4 a 5 U.A. da estrela, onde se tem temperatura de equilíbrio abaixo de 160 Kelvins para
permitir a formação de núcleos de planetas gigantes. Até então, acredita-se que planetas do tipo
Júpiter eram comuns em sistemas similares ao nosso sistema solar. De acordo com as detecções dos planetas extra-solares, alguns destes estão orbitando estrelas dentro de regiões onde
material rochoso pode condensar-se. Embora a formação de planeta nestas condições pudesse
ser teoricamente possível, para tanto é necessário que a formação inicial de um núcleo sólido
fosse de pelo menos de 5 a 10 MT , o que pode ser difícil de ocorrer próximo à estrela. Portanto,
é provável que estes corpos podem não ter se formado nesta região.
110
Figura 7 – Concepção artistica de um disco protoplanetário (Lynette Cook,
1999).
Outra peculiaridade observada na órbita de vários destes planetas é a alta excentricidade. Isto
torna a idéia inicial da teoria de formação de planetas a partir de um disco de poeira protoplanetário improvável, pois as órbitas dos planetas deveriam ser quase circulares. Conforme as características apresentadas pelos planetas extra-solares verifica se que alguns planetas possuem
características similares à dos planetas do nosso sistema solar, enquanto que outros planetas
tem características totalmente contrárias ao que era previsto pelas teorias de formação do nosso
sistema solar.
É importante mencionar que muito do que sabemos sobre a formação do sistema solar é confirmado pelo que observamos no Universo. Existem regiões onde ocorre atualmente a formação
de estrelas, exatamente como aconteceu em nosso sistema solar. Diante disto, várias são as
teorias que tem sido propostas na tentativa de explicar os novos sistemas planetários, quanto
a sua formação e evolução orbital. Em geral estas propõem que eles passaram por diversas
mudanças até atingirem seus estágios atuais. Dentre as propostas consideradas o mecanismo de
migração planetária é um elemento potencialmente importante na formação de todos os tipos
de planetas extra-solares, pois parece explicá-los. A proposta deste mecanismo é que o planeta
pode ter se formado fora do local onde foi detectado.
4.
Existe vida fora do planeta Terra?
Atualmente a existência destes "novos"sistemas tem chamado muita atenção da comunidade
científica não só do ponto de vista da astronomia e da astrofísica, mas também da Astrobiologia.
A possibilidade de existência de vida em outros planetas tem sido considerada. A literatura
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apresenta vários trabalhos sobre a possibilidade da existência de planetas extra-solares como a
Terra em zona habitável (onde a água pode permanecer líquida na superfície do planeta).
Mas, como investigar a existência de vida fora do sistema solar? Para obter essa resposta
é importante ter em mente que essa investigação deve começar por uma forma simples de
vida: os "micróbios". Esses infestam o nosso planeta há 3,5 bilhões de anos e causam grandes
impactos sobre a biosfera. Existem muito mais espécies e indivíduos microscópios do que
macroscópicos. Enquanto sinais dos seres macroscópicos permanecem ocultos sob a atmosfera,
a contaminação biológica por micróbios é facilmente detectável por um observador fora da
Terra.
Seria possível a formação de vida como a da Terra em outros planetas? A resposta passa
teoricamente pela região onde o planeta foi detectado. Sim, se ele estiver na região, que em
astronomia, se chama zona habitável do sistema estelar e receber a quantidade de calor exata
para a existência de água em forma líquida. Mas se isso é suficiente, ainda não sabemos.
Algumas missões foram ou estão sendo planejadas com o objetivo de detectar planetas com
massa comparáveis à da Terra. Dentre essas missões podemos destacar a sonda Kepler cujo
objetivo é procurar planetas do tamanho da Terra. Lançado em Março de 2009, ela faz fotos a
cada 30 minutos, captando a luz de mais de 150 mil estrelas em uma única região do céu. O
campo estelar de observações da sonda Kepler fica nas constelações de Cygnus e Lyra e que
somente podem ser observadas da Terra durante a primavera até o início do outono. Na tentativa
de identificar algum trânsito planetário, computadores monitoram o brilho desses milhares de
estrelas ao longo do tempo. A sonda Kepler necessita no mínimo três trânsitos para verificar um
determinado sinal como sendo de um planeta. A detecção do primeiro trânsito do planeta cria
um novo candidato a planeta. A detecção de um segundo trânsito permite calcular o período
orbital. Um terceiro trânsito confirma a natureza planetária do trânsito com um elevado grau de
confiança.
De acordo com pesquisadores da NASA, o número de candidatos a planetas identificados pelo
Kepler totaliza 2326. Desses 207 são aproximadamente do tamanho da Terra, 680 são os chamados super-Terras (entre 1,25 e 2 vezes o tamanho da Terra), 1181 são do tamanho de Netuno,
203 são do tamanho de Júpiter e 55 são maiores que Júpiter.
Só no ano passado o observatório espacial descobriu um sistema solar com seis planetas e
um planeta com dois sóis, o que fascinou a comunidade científica. Um planeta, nomeado
Kepler 22b, foi confirmado existir na região habitável de um sistema situado a uma distância
de 600 anos-luz. Ele tem aproximadamente 2,4 vezes o raio da Terra e esta ao redor de uma
estrela semelhante ao Sol. Os cientistas não sabem ainda se o Kepler 22b é predominantemente
rochoso, gasoso, ou tem uma composição líquida, mas a sua descoberta é um importante passo
na direção de se encontrar planetas mais parecidos com a Terra.
A Figura 8 apresenta uma comparação entre a órbita Kepler 22b na zona habitável de sua
estrela hospedeira e órbita de planetas dentro e fora da zona habitável do nosso Sistema Solar.
Note que Kepler 22b orbita a região central da zona habitável.
Dois outros pequenos planetas orbitando estrelas menores e mais frias que o nosso Sol foram
recentemente confirmados na borda da zona habitável de suas estrelas, com órbitas que se assemelham às órbitas de Marte e Vênus. Outros planetas tem sido detectados em zona habitável
das suas respectivas estrelas, mas ainda não tiveram sua existência confirmada.
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Figura 8 – A zona habitável da estrela Kepler-22 e a órbita do Kepler-22b,
com parte do Sistema Solar como uma comparação. Crédito da Imagem:
NASA/Ames/JPL-Caltech.
5.
Referências
[1] Exoplanetas e a procura de vida fora da Terra. Livro: O fascínio do Universo. Organizadores: Augusto Damineli e João Steiner. São Paulo – Odysseus Editora, 2010.
[2] Página do California & Carnegie Planet Search . http://exoplanets.org
[3] Novos Mundos. Revista: National Geographic. Dezembro de 2009, ano 10, número 117.
[4] Enciclopédia dos Planetas Extra-solares. http://exoplanet.eu/catalog-all.php
[5] http://www.nasa.gov/mission_pages/kepler/news/kepscicon-briefing.html
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