Márcia Teixeira Falcão, Wagner Ribeiro da Silva, Maria Aparecida

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VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
ESTUDO ETNOBOTÂNICO NA COMUNIDADE INDÍGENA SERRA DA
MOÇA, BOA VISTA - RORAIMA
Márcia Teixeira Falcão¹
Rosa Maria Cordovil Benezar¹
Wagner Ribeiro da Silva²
Geórgia Patrícia da Silva²
Maria Aparecida Ferreira Barbosa Fernandes²
¹Instituto Federal de Educação Ciência
[email protected]; [email protected];
²Faculdade Cathedral de Roraima
e
Tecnológica
de
Roraima
INTRODUÇÃO
Atualmente a maioria das comunidades indígenas da Amazônia ocupa extensas
áreas territoriais com alta diversidade sociocultural e ambiental. Essas comunidades
dependem da floresta para perpetuar o seu modo de vida e sua cultura.
Esse modo de vida e produção nas comunidades indígenas inclui principalmente a
preservação dos recursos naturais, no qual busca-se o equilíbrio com base no
etnoconhecimento, com o respeito à floresta, os cursos d’água e a fauna local.
O termo etnobotânica a principio conceituou-se como a ciência que estuda a
utilização das plantas pelas populações tracionais e posteriormente passou a tratar
não o uso, mas a relação homem-planta. Entretanto esse conceito evolui e hoje
considera outros aspectos como as diversas técnicas de manejo empregadas na
conservação de espécies vegetais, componentes ecológicos, valor e a importância dos
recursos naturais para as comunidades (Magalhães, 2006).
O conhecimento acumulado pelas comunidades tradicionais com a utilização das
plantas tem contribuído como poderosa ferramenta das quais desenvolvimentistas e
conservacionistas podem se valer no planejamento de metas para manutenção e
conservação dos recursos genéticos vegetais (Delwing, et al. 2007; Albuquerque;
Andrade, 2002).
Dessa forma este trabalho teve como objetivo identificar a variação do
conhecimento etnobotânico da comunidade indígena Serra da Moça localizada na
zona rural do município de Boa Vista – Roraima sobre o uso do pau rainha
(Centrolobium paraense Tull).
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
ETNOCONHECIMENTO EM COMUNIDADES INDÍGENAS
Segundo Diegues (2000) a cosmologia indígena amazônica, não faz distinção
antológica entre humanos, vegetais e animais. Portanto, o conhecimento não é um
domínio autônomo e independente ele faz parte de uma inter-relação e que, mesmo
em qualificações distintas, o que foi explicado para as populações tradicionais
indígenas vale também para as não indígenas.
(Balick e Cox, (1999), citado por
DIEGUES, 2000), afirmam que o conhecimento tradicional indígena e o cientifico
ocidental estão epistemologicamente próximos, uma vez que ambos se baseiam numa
constatação empírica.
Os estudos sobre etnoconhecimento a partir da etonobotânca desenvolvidos em
Roraima, ainda são poucos, alguns trabalhos realizados foram por Milliken (1997) que
estudou três comunidades Yanomami, fazendo um levantamento das plantas utilizadas
com fins medicinais no combate a malaria, onde foram coletadas 198 espécies de
plantas medicinais e destas 99 espécies que são utilizadas no controle da malaria.
Os conhecimentos empíricos são a base dos diálogos mais usados entre os feirantes
de Boa Vista no que diz respeito a comercialização de produtos e subprodutos de
origem vegetal. Esses conhecimentos são adquiridos em convívio com a comunidade
(Pinto; Maduro, 2002). Observamos que os estudos realizados Roraima dentro do
etnoconhecimento encontram-se dispersos, e as informações no que diz respeito à
etnobotânica dos povos indígenas são escassas.
TERRA INDÍGENA SERRA DA MOÇA
CARACTERISTICAS GERAIS
A terra indígena Serra da Moça, de etnia Wapixana, localiza-se a 50 km do
município de Boa Vista no estado de Roraima, nas coordenadas N 03⁰13’51.7” e W
060⁰ 40’ 09.3’’. Foi Homologada 29/10/1991, pelo o decreto de lei 258. Atualmente,
sua área corresponde a 11.626 ha, a população atual da Terra Indigena Serra da Moça
se distribui por cerca de três comunidades: Serra da Moça, Morcego e Truaru,
totalizando 475 pessoas sendo que Serra da Moça é a populosa embora a sede seja na
comunidade do Morcego.
A terra indígena Serra da Moça possui a fitofisionomia de contato savana-floresta
estacional semidecidual com relevo aplainado, onde esta formação florestal podem se
encontrar isoladas, ou não O uso dos recursos florestais, nessa região, tem aumentado
sem haver um planejamento sustentável para as florestas e savanas de Roraima, as
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quais são sistematicamente derrubadas e transformadas em áreas para roças nas
comunidades e áreas de refúgio para o gado (Barbosa, 2003).
A COMUNIDADE INDÍGENA SERRA DA MOÇA
A comunidade Indígena Serra da Moça é constituida de 47 familias totalizando 169
pessoas. Embora seja uma comunidade de etnia Wapixana, a presença de integrantes
de outras etnias é comum, fato este, que pode ser atribuído ao grande fluxo
migratório pela localização geográfica da comunidade em relação às demais
comunidades, tem contribuído fortemente na formação de uma comunidade com
população mista, para algumas comunidades na região do Surumu-Cotingo,
(CIR/FUNASA, 2008; Farage (1997).
A presença de famílias não indígenas morando na comunidade em estudo, pode ser
atribuído a proximidade com o município de Boa Vista e casamentos inter-étnicos,
índios com os não-índios (brancos). Mas apesar da incorporação de alguns elementos
do conhecimento não tradicional, não deixa de ser caracterizada como comunidade
tradicional (Diegues; Viana, 2000).
De acordo com Barbosa (2003), a área de contato entre as savanas roraimense e as
florestas semideciduais, localizadas na comunidade Wapixana estudada, é um dos
ecossistemas que mais sofre problemas de alteração da cobertura vegetal original.
A exploração das florestas semideciduais pelas comunidades indígenas é uma
realidade preocupante, pois a área é usada pelo gado, ocasionando o pisoteio, e mais
fortemente para exploração da madeira sendo este ecossistema presente na savana de
Roraima como fonte para extração de madeira e ainda derrubada que dando espaços
para roças nas comunidades indígenas. Os ambientes florestais, da região são
encontrados ao longo da macro-paisagem das savanas, formando um grande mosaico
vegetacional. Destacando nestes ambientes florestais, as ilhas de matas, as matas de
galeria e as matas de serranias, que se encontra em relevos de baixa e média altitude,
distribuídos pelas savanas locais (Barbosa, 2003).
O Centrolobium paraense Tull em Roraima
A Floresta Estacional Semidecídua, conhecida regionalmente como “Ilhas de Mata”
é um sistema ecológico cujo sua cobertura vegetal se apresenta de forma
independente e de condições morfológicas distinta dos demais ambientes, podendo
ser perenifólias ou deciduais, com árvores de porte relativamente baixos, não
ultrapassando 20 metros de altura, e com característica xeromorfica. Esse tipo de
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
vegetação aparece na forma de ilha com tamanho definido, podendo ser encontrada
de forma isolada, em ligação com as matas de galerias ao longo dos rios, ou mesmo em
contato com as savanas (Brasil, 1975).
A forma como se apresenta este ecossistema, principalmente em “tesos”
(ambientes de relevo mais elevado), torna-o mais evidentes dentro da paisagem no
qual fazem parte. No entanto as espécies florestais podem variar muito, dependendo
do tipo de solo e da ação antropogênica as quais estão sujeitas (Barbosa, 2003;
Miranda; Absy, 2000).
Segundo Barbosa (2003), as ilhas de mata apresentam uma grande variedade de
espécies florestais presentes neste ambiente de tamanhos diversificados, destacam-se
as Lauraceae, Caesalpinaceae, Chrysobalanaceae, Fabaceae. Entretanto este
ecossistema encontra-se ameaçado freqüentemente pelo uso do gado, extração de
madeira, áreas para roças para as populações tradicionais que moram nas suas
proximidades e a freqüência do fogo que atua na regulação do número de espécies e
de indivíduos deste sistema.
O pau-rainha (Centrolobium paraense Tull) como popularmente é conhecida
pertence a grande família das leguminosas e subfamília Fabaceae. Apresenta um porte
arboreo com madeira de excelente qualidade, muito presente nas florestas estacionais
semidesiduais do estado de Roraima. Esta espécie, vem sendo estudada entre as
espécies nativas que podem apresentar grande potencial para produção de madeira
(Tonini et al., 2005).
Trabalhos realizados por Oliveira (2006) que verificou o crescimento monitorado
desta espécie em ambientes de capoeira roraimense, este conclui que apesar de esta
ter um crescimento inferior a sete (considerado satisfatório), a mesma deve ser
avaliadas em outros ambientes bem como em diferentes formas de adubação
METODOLOGIA
A pesquisa realizada é caracterizada como exploratória, pois segundo Gil (1987) os
estudos exploratórios permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno
de um determinado problema, no qual se parte de uma hipótese para aprofundar seu
estudo nos limites de uma realidade específica, buscando antecedentes, maior
conhecimento para, em seguida, planejar uma pesquisa descritiva ou do tipo
experimental.
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O presente estudo foi realizado na Comunidade indígena Serra da Moça região do
Murupu - Município de Boa Vista, Roraima, onde teve-se a participação de 80% dos
adultos
Para a realização desta pesquisa, fez-se necessário levantamento bibliográfico,
contato com a comunidade estudada para obtenção da permissão, no qual foram
informados sobre a relevante participação dos mesmos, autorização da Fundação
Nacional do Índio – FUNAI, e posteriormente pesquisa de campo. Foram necessárias
ainda as seguintes ferramentas: Foi realizado um pré-teste com 10 moradores da
comunidade, 5 homens e 5 mulheres, acima de 15 anos, afim de observar a
compreensão e entendimento dos questionamentos sobre a espécie estudada bem
como realizar alguns ajustes no questionário caso tivesse necessidade. Em seguida
realizaram-se as entrevistas através de questionários semi-estruturados (questões
fechadas e abertas) adaptado de Borges (2007), contendo 27 questionamentos
divididos em três tópicos: dados pessoais, dados da planta e uso da planta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O conhecimento etnobotânico do pau rainha relacionado ao gênero
Foram entrevistados 82 informantes naturais que residem na comunidade sendo 41
homens e 41 mulheres com idades entre 15 e 84 anos.
Entre os informantes do gênero masculino observou-se que todos conhecem o
Centrolobium paraense Tull. Todos foram unânimes em dizer que sabem da
comercialização que existe em torno desta espécie, entretanto afirmaram que essas
práticas não são realizadas na comunidade.
Quanto ao cultivo do vegetal estudado, verificou-se que os homens na faixa etária
de 15 a 20 anos, (27,5%) fazem tal prática. Entre os 41 a 72 anos, apenas 10% costuma
a cultivar. Verifica-se que uma faixa considerada das pessoas adultas não realizam
nenhum tipo de trato que venha preservar esta espécie. A justificativa para os mais
idosos não cultivarem, esta na dificuldade de encontrar a planta. Observamos que os
homens (15 a 20 anos) que obtiveram esses conhecimentos estão sinalizando com
uma possível transmissão do conhecimento adquirido dos mais idosos para os mais
jovens.
Os relatos de dificuldade entre os mais velhos podem, então, ter estimulado a
prática do plantio, uma vez que a espécie possui um valor agregado a ela de uso para a
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
comunidade e a transmissão do etnoconhecimento, que segundo Diegues (2000) é
principalmente realizada dos mais velhos aos mais novos ao longo das gerações.
Quando questionados sobre a coleta para o corte da madeira, 100% dos
informantes de sexo masculino, independente da faixa etária, afirmaram coletá-la,
registrando-se, portanto a grande procura do pau rainha pelos membros da
comunidade. Esta procura pode esta atribuída a capacidade de crescimento rápido,
dentre as espécies nativas da região, disponibilidade e utilidade que esta espécie
possui, pois, segundo Kamiski (2004), em condições naturais pode chegar a crescer até
2,5 m por ano, além de ser uma madeirável versátil e disponível na fitofisionomia de
floresta semidesídua.
A coleta da madeira pode estar associada às estações climáticas do ano, pois o
maior número de coleta ocorre na estação das secas entre os meses de outubro a
março.
A maior freqüência da coleta esta entre os mais jovens (15 a 20 anos) com 37,5%, os
adultos 21 a 40 anos com 35% e os de idade entre dos 41 a 72 anos, o número de
coletas se restringe a27%.
Os homens adultos com idade acima de 40 anos relatam, quase em sua totalidade,
que a coleta da madeira deve ser realizada em dias em que noite anterior seja
“escura”, na fase de lua minguante, pois, segundo os mesmos, quando coletada, não
seguindo estas instruções a madeira tem pouca durabilidade tornando-se susceptível
aos ataques de insetos, descrito por eles como bicho da madeira, impossibilitando o
uso desta da mesma. Este relato nos remete a ligação estabelecida pelos povos
indígenas entre a natureza, o simbolismo mítico e o homem (Diegues, 2001).
Após o corte da madeira a pratica de retirar a casca, como forma de tratamento
antes do uso, foi relatado por 100% dos informantes do sexo masculino, independente
da faixa etária de idade. Este fato pode estar relacionado ao critério de seleção da
planta para corte, visto que 53% dos adultos (21 a 40 anos) usam como padrão de
seleção o diâmetro da planta, “as mais grossas”. Este padrão também é utilizado pelos
de maior idade (41 a 72 anos) que corresponde a 47%. Segundo os membros da
comunidade o fato de escolher as arbóreas de maior espessura é devido às plantas
mais jovens não possuírem a parte interna madura, estando desta forma inadequada
para o uso. A parte interna para eles é conhecida como âmago, considerada, portanto
como planta verde e sem resistência.
Os homens entre 40 a 72 anos (40%) da comunidade utilizam critérios morfológicos
para identificar a planta na floresta. Entre estes esta: folha, casca e fruto. Entretanto
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os mais jovens (21 a 40 anos) não consideram todas as características acima citadas,
porém usam pelo menos uma delas. Considerar a morfologia entre estes ficou em
torno de 40%
O conhecimento adquirido através da observação da natureza e dos testes feitos
por eles na construção do conhecimento reafirma ainda mais a idéia de Hanazaki et al.
(2000), onde descreve que as informações de maneira geral “os mais idosos conhecem
uma diversidade maior de plantas úteis, saber que foi acumulado ao longo de suas
vidas”.
Entre as mulheres 85,4% conhecem a planta (Centrolobium paraense Tull), com
exceção de 7,3% das informantes, na faixa etária 15 a 20 anos e 7,3% das adultas
jovens (21 a 40 anos), não conhecem a planta. No entanto, quando questionado sobre
a venda e compra da madeira a resposta foi “não” por todas as informantes
independentes da faixa etária.
Quanto ao cultivo, as mulheres de maior idade (41 a 84 anos ) costumam a realizar
algum tipo de cultivo cerca de 17,07%. Já entre as adultas jovens (21 a 40 anos) 34,14%
relataram que não realizam nenhum tipo de cultivo com a planta e apenas 12,19%
nesta faixa etária cultiva. Portanto pode se constatar que 63,4% das mulheres
independente da idade não realizam nem tipo de atividade com o arbóreo estudado,
apenas 36,6% relatou cultivar a espécie.
Sobre o corte do vegetal para a obtenção da madeira é uma prática comum entre
elas. As mulheres que mais coletam encontram-se na faixa etária de 21 a 40 anos com
50%, contrapondo a esta resposta a somatória das mulheres jovens entre 15 a 20 anos
e as adultas com idade acima de 40 anos que coletam corresponde a 20,5% e as que
não coletam 29,5%.
Percebe-se, portanto, que na faixa etária de 21 a 40 anos apresenta um ritmo de
atividade e participação nos trabalhos realizados por seus maridos ou pelos mais
velhos da comunidade mais freqüente que as duas outras faixas etárias.
Quando questionadas sobre a época de coleta e o período, apenas as adultas jovens
(21 – 40 anos) e as adultas de maior idade (41 – 84 anos) relataram coletar durante o
verão, não dando o motivo especifico para tal coleta.
Já as jovens (15 – 20 anos) relataram não saber qual a época melhor para coleta da
planta e as mulheres na faixa etária entre 21 a 84 anos, também relataram não saber
se existe uma época específica para coleta da madeira.
Verificou-se que a importância dos cuidados com a madeira após o corte não é
considerado entre as mulheres na faixa etária até 41 anos, entretanto as senhoras
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
acima desta idade dizem ter algum manejo antes e após o corte embora não entraram
em detalhes.
Portanto, a afirmação feita por Santos (2007), que as mulheres mais idosas têm
mais conhecimento sobre as plantas locais, pode também ser confirmada pelas
informantes que participaram do estudo.
As mulheres utilizam como seleção para corte alguns dos seguintes critérios:
finalidade de uso, qualidade do caule, idade da planta e diâmetro do caule.
As adultas jovens (21 – 40 anos), 10% selecionam pelas finalidades de uso, 20% pela
aparência do caule, 10% pela idade, 25% usa o diâmetro e 35% não sabem como
selecionar.
Entre as mais jovens (15 – 20 anos), estas relaram que não sabem como selecionar a
planta para corte, confirmando as observações feitas por Diegues (2001) que diz que o
conhecimento tradicional é maior nos mais velhos.
As características morfológicas também são consideradas por elas. As mais
utilizadas são: casca, folhas e frutos.
Este conhecimento esta com as mulheres acima de 41 anos visto que as abaixo
dessa idade não foi relatado.
A forma de transmissão do conhecimento entre as mulheres da comunidade ocorre
dos mais velhos para os mais jovens (dos pais para os filhos), notando que Diegues
(2000) afirma que o conhecimento tradicional é transmitido de forma oral e não
sistemático enquadrando-se também a este conceito, as mulheres indígenas
Wapixana.
Etnomodalidades de uso do Centrolobium paraense Tull na comunidade Serra da
Moça.
O uso do Centrolobium paraense Tull, pelos os moradores da comunidade indígena
Serra da Moça, independente da faixa etária de idade e do sexo, é uma prática
constante. As modalidades de uso dessa espécie foram divididas em seis categorias
que são: o uso na construção de moradias, nas construções de currais, em estacas para
cercas, na confecção de artesanato, para lenha e com fins medicinais.
Quanto às modalidades de uso do Centrolobium paraense Tull pode-se destacar que
entre o gênero masculino as modalidades que garantem a subsistência estrutural da
comunidade - construção de moradia, construção de currais e estacas para cercas obtiveram maior expressividade nas respostas.
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Quanto às mulheres, o uso em atividades difere, quando relatam ser o uso para
lenha, estacas para cerca e construção de moradias as principais utilidades do vegetal,
não corroborando com Kamisnki (2004) que enfatiza a modalidade de uso medicinal
para a espécie em comunidades tradicionais.
É importante ressaltar, ainda, que a atividade da pecuária, percebida fortemente na
comunidade, pode ser um dos motivadores para o expressivo relato do gênero
masculino quanto ao uso do Centrolobium paraense Tull, para a construção de currais
e confecção de estacas, 98%, tendo em vista que os citados são necessários para a
atividade pecuária.
Deve-se destacar, ainda, a relação uso-gênero-sociedade, percebida nas
modalidades desenvolvidas com a espécie estudada, onde estas são
predominantemente efetivadas pelo gênero masculino.
O manuseio do vegetal pelas mulheres da comunidade Serra da Moça, é percebido
como auxiliar para as atividades masculinas (fig.1), destacando-se o desenvolvimento
da atividade de uso para lenha provavelmente por estar relacionado a culinária e
tarefas domésticas.
Figura 1: Etnomodalidades de uso do Cetrolobium paraense Tull
Além dos relatos acima expressos alguns homens afirmaram que no passado,
aproximadamente 30 a 40 anos atrás, coletavam-se as árvores mais grossa do pau
rainha para fazer “cavaco”, telha feita de madeira utilizada na cobertura das casas na
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
comunidade, o que atualmente não ocorre, isto é, esta prática não é mais realizada em
virtude da falta de árvores conforme relatos da comunidade.
Os parâmetros utilizados para a escolha do vegetal ideal para o corte no momento
da coleta pode ser um dos fatores da escassez de árvores “maduras” da espécie,
considerada por eles árvores cuja parte interna do caule esteja bem formada e com
diâmetro satisfatório.
Dessa forma, corroborando com Luíndia (2007) os povos tradicionais caracterizamse em conservar seus ecossistemas, pois a sustentabilidade por eles empregada nos
remete a uma noção de como um recurso depende do equilíbrio entre os ritmos da
extração para pode assegurar a renovação do referido recurso.
CONCLUSÃO
Durante muitos anos as comunidades indígenas da Amazônia desenvolveram e
difundiram um grupo de estratégias que lhes tem permitido conservar a
biodiversidade através de um manejo próprio diferente da sociedade em geral, o que
lhe garante hoje a conquista da admiração e do respeito.
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