Redalyc.A GEOGRAFIA DA ACUMULAÇÃO E DAS CRISES

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Mercator - Revista de Geografia da UFC
E-ISSN: 1984-2201
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Universidade Federal do Ceará
Brasil
Cunha Franca, Gilberto
A GEOGRAFIA DA ACUMULAÇÃO E DAS CRISES CAPITALISTAS EM DAVID HARVEY
Mercator - Revista de Geografia da UFC, vol. 11, núm. 26, septiembre-diciembre, 2012, pp. 253-255
Universidade Federal do Ceará
Fortaleza, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273625981010
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A GEOGRAFIA DA ACUMULAÇÃO E DAS CRISES
CAPITALISTAS EM DAVID HARVEY
the geography of accumulation and the capitalist: crisis in David Harvey
Gilberto Cunha Franca"
RE SENHA DE: HARVEY, D. O enigm a do capital e as crises do capitalismo. Tradução de João
Alexandre Peschansk i. São Paulo, Boitempo, 20 11. 237 p.
o livro de David Ilarvey, O Enigma do capital, é reconhecidamen te uma das análises mais
-
instigantes da crise atual. O " livro é sobre o fluxo do capital" (p.7), d iz no preâmbulo o autor, que
nos cond uz pelas tendências deste fluxo enquanto revela, também, como o capi tal, a cada passo
de sua acumulação, levan ta suas própria s barreiras. Estes passos são apresentados em con tex to s
hist órico-geográficos ao longo de oito capítulos e dois apêndices com o cronograma das principais
crises e inova ções financeiras desde a década de 19 70. Cabe lembrar que Ilarvey tem inúmeros
livros e artigos publicados no Bras il, com o Condição pós-modema (19 94) e Produção capitalista
do espa,~o (2005), além do recém publicado (por enquanto em inglês) A cidade rebelde: do ireit
à cidàdê'à revolução urbana (20 12).
..~~'!'l0 capítulo I, A crise, o autor descreve a crise imobiliária de 2008 nos EUA e o contágio ~~n:c==. ._
contfol.ável de outros lugares e setore s da economia mundial. Novamente, a urban iza ção esteyeno
cen tro qi,s conexões financeiras que en volvem crédito de alto risco e hipotecas, como sustenfÍ\fulo
) e wnvmsca intermi nável de crescimento acumulado de capital. De 1973 a 200 9 o PIB m iai
pas sou de 16 trilhõcs a 56,2 trilhõcs. O problema maior é apontar quai s serão as saídas luc'l'tivas
capazes de retomar taxas médias de 3% crescimento do PIB mundial, para abs or ver os excedentes
dê capital. Mas por que 3% de cre scimen to pressupõem 3% um reinvestimento? Este é o enigma
que o a utor procura revelar.
Por que o cap italismo vive sucessivas crises'! Esta é a questão do capitulo 2, O capital reunido ,
que Harvey descre ve como " problema de abs orção dos excedentes" (pA5) . Em termos teóricos o
problema se co loca da seguinte maneira: quan to maior a acumulação, decorrente da remoção de
barreiras, maior a necessidade de descobrir novo s camp os de atividade para absor ver o capital
acumulado.
Ao reconstituir a atua l crise, Harvey explica no capitulo O capi tal vai ao trab alho , como as
barreiras postas pelo trabalho foram removidas, a parti r dos anos 70, para reverter a tendência
de q ueda dos lucros nos EUA e seguir a acumula ção. Tal remoção se apoiou na combinação de
inovação tecnológ ica e deslocamento geográfico da produção, e elevou o exército de reserva e a
prol etariza ção, com destaq ue para a incorporação especial de milhões de assalariado s da Ch ina. O
resultado mais geral foi uma repressão salarial e um disciplina mento da força de trabalho em escala
global. Entre tanto, a expansão capitalista não deixou de reco locar - e de maneira am pliada - novos
problemas para a ac umulação: o esgotamento de determinadas relações com a natureza; a expan são
do prole tariado sobre o meio ambiente con struido, principalme nte das grandes cidades; e as d ificuldades para absorver as ondas de inova ção de produtos, sobre ondas de inovações tecnológicas.
(*) Pro f. Dr. do Cu rso de Licenciatura em G eog rafia da Uni versidade Federal de São Carlos - Campus Sorocaba , R odov ia
João Lem e dos San tos (SP- 2M ), Km I) O , CEP: )8052-78 0, Sorocaba, (SP), Brasil, Tel: (+55 )5) 3229 6006 - gfranca(a}usp.br
MERCAfa
R. Mercator, Fortaleza, v. 11, n.
26, p. 253-255, selo/dez. 2012.
ISSN 1984-2201 © 2002, Universidade Federal do Cear á. Todos os ci reitos rese rvados.
FRANCA, G. C.
A segunda grande barreira a ser transposta foi o co nsu mo, as sunto do capitulo 4, O capital va i
ao mercado. Harvey explica co mo o crédito entrou para estimula r o consumo e, princi palmente,
o co nsumismo norte a merica no, num contexto de massa sala rial rebaixada. Sobre este paradoxo ,
elevou-se a crença de que , por meio do c rédito, o excedente de hoje pudes se sempre ser reinve stido
amanhã, até que as condições reais de renda da população e os negóci os financei ros com hipotecas
fica ssem d istantes e descompassados de mais.
No capitu lo 5, O capita l evo lui, Harvey discute como o capitalismo evoluiu transforma ndo
suas esfe ras de atividade. Nos últi mos 30 an os, cidades como Shenzhe n, na Chi na, revolucionara m
as relações soc iai s, as tecnologias, a organ ização do trabalho, a relação com o meio a mbiente, a
vida cotidiana, o arranjo politico e as concepções de mundo. Estas sete esferas evo lue m de maneira
interligada, porém, sob o capitalismo, isto nun ca ocorre harmoniosamente. Mudanças tecnológicas , por exe mplo, qua se sem pre te m impactos no emprego, na natureza, etc . Pa ra os movimen to s
pol íticos , o maior risco é situa r-se num ponto de vangua rda, e, com isso, não enxerga r a dinâmica
coevolutiva da s esferas de atividade, ou sej a, a passagem de uma esfera out ra e a combinação
diferenciada de las e m certos luga res.
Em A geo grafia d isso tudo , capitulo 6 , o auto r desenvo lve a tese de que a propagação da c rise
sobre o s luga res depende das relações espacia is que estes estabelecem na acu mulação do capi tal,
Harvey se apoia e m do is principios: de que o capital preci sa ultra passar todos os limites geográficos
para manter a acumulação; e de que certos luga res são mais lucrativo s que outros. Na busca por
luga res ma is lucrativos, ou tros são abandonado s e desvalorizado s, com risco de c rises loca is que,
por sua vez, podem propagar-se e m crises ma is am plas, com o agora. Tudo dependerá do nivel e
extensão das conexões espaciais estabe lecidas. No s últi mos 30 a nos, a urba nização e a construção
de infraestruturas foram especiai s nestas conexões, absorvendo e sustenta ndo os esquemas financei ros de risco. Como diz o auto r, " os investimentos no espaço construido são em geral baseado s
em c rédito de alto risco e de reto rno de morad o: quando o exce sso de investime nto é enfim revelado (como aco nteceu há pouco tempo em Duba i), o caos financ eiro que levo u muito s a nos a ser
produz ido leva muitos anos para se desfaze r" (p.14 ). Na escalad a glo bal da urban ização, esteve em
cur so u ma escalada de desa propriações, decorrentes da va lorização do espaço , movendo principalmente das áreas centrais das cidades, as populações mai s pobres e vu lne ráveis. Mas em resistência
ás despossessões de todo tipo, u m movimento politico pelo dire ito a cidade, mesmo fragmentado,
gan hou mu ito relevo ent re os de mais d ireitos humanos fundame nta is.
O choque entre a lógica econ ômica e a lógica politica e te rritor ial é tema do capitulo 7, A destruição criativa da te rra. Na construção do espaço, que alim enta a fluidez requerida pela circulação
capi talis ta, també m se constroem configu rações terr itoriais relativame nte fixa s, como luga res, regiões. Através de sua s associaçõe s politicas, estas geo grafias se defendem como podem das reconfigu ra ções destrutivas do capitaL Por outro lado, apesar da relativa fixidez, as fro nteiras polit icas
també m são redefinidas. Basta v er co mo se a lterou o mapa dos Estado s nacionais, das comunidades
urbanas e rura is, e dos b locos supraestatais. Na c rise, au mentam estas tentações geo políticas, com o
nesta rece nte ofe nsiva do EUA no O riente Méd io para evitar que a reg ião e o petróleo fujam de
seu contro le. O desfecho , entreta nto, dependerá muito do poder internalizado por outros pa ises,
sobretudo pela China, e da evolução da resi stência popu lar, como a Pri mavera Árabe.
No ú ltimo capitulo, Que fazer e quem va i fazê- lo? temos a teoria correvo lucioná ria de Ha rvey,
cujo princi pio é " manter o movimento politico move ndo-se de u ma esfera de ativ idade para outra,
de maneira que se reforçam mutua mente " (p.185). O centro poli tico desta visão é enfrentar o c rescimento intermináv el da acumulação e assumir o cont role social sobre a produção e a distribuição
do s excedentes. O sujeito soci al se divide em doi s grandes grupos: os indig nados e os despossuídos.
Os indig nado s inclue m os intelectua is c ríticos, a massa da juventude, mulhe res, grupos étnicos e
loca is e m movime nto. O grupo dos des pos su ídos com pree nde o proleta riado e o s expropriados do
campo e das cidades. Ex istem sérias d ificu ldades para que estes g rupos soc iais se u nifiquem, aponta
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Merc ato r, Fortaleza, v. 11, n. 26, p. 253-2 55, set.ldez. 2012.
RESENHA: A Geografia da ;\cumu lação e das Crises
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David Harvey
o autor, mas que não impediram que estes protagonizassem lutas em cinco campos organizativos:
dali ONOs: dos grupos autonomistas; da organização do trabalho e dos partidos de esquerda: dos
movimentos sociais: e também dos movimentos em torno da identidade (g ênero, raça, etnia, infância) e do meio ambiente.
O autor é bastante crítico à atuação de alguns destes grupos, sobretudo os três primeiros. Mas,
por vezes, enxerga neles alguma importância na permanente revolução de todas as esferas de atívidade. A força da visão correvolucíonária apresentada por Harvcy vem seguramente de uma leitura
bem particul ar das ideias de Marx. Pode-se dizer, inclusive, que o Enigma do capital foi escrito
para dizer que Marx estava certo sobre as crises capitalistas. Mas isto não resume , evidentemente,
a importância do livro. Há algo de muito original em sua explicação de como a geografia e a urbanização, em particular, se tornaram fundamentais tanto para a forma ção quanto para a solução dali
crises. E por conta disso, nos dá muito argumento de que evoluç ão da luta de classes pa ssa por esta
compreensão, a começar pclo esclarecimento do enigma do capital. Mas isto não hasta, porque "a
acumulação capitalista nunca va i cessar. Terá que ser interrompida . A classe capitalista nunca vai
entregar voluntariamente seu poder. Terá de ser despossuida" (p.209).
MERCA,
R
Mercator, Fort aleza , v. 11, n. 26, p . 253-255, set . /dez . 2012.
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